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Construindo vantagens competitivas sustentáveis: estratégias de P&D, patentes e trademarks na Big Pharma

Achieving sustainable competitive advantages: R&D, patents, and trademarks strategies in Big Pharma

RESUMO

O presente artigo busca aprofundar o entendimento das vantagens competitivas sustentadas construídas através das estratégias de investimentos em P&D e de registros de patentes e trademarks pela Big Pharma, à luz dos três grupos de atividades principais relacionados às capacitações dinâmicas: identificar, aproveitar e transformar. A utilização deste arcabouço contribui para o entendimento das estratégias de P&D, patentes e trademarks pela Big Pharma na criação de vantagens competitivas sustentáveis e na permanência e estabilidade dessas empresas como líderes do setor. A identificação de oportunidades de P&D que despontam do setor público, a capacidade de aproveitar as oportunidades identificadas através de competências organizacionais e as estratégias constantes de transformação de recursos – como o evergreening – e a construção de marcas fortes foram identificadas como parte importante das capacitações dinâmicas dessas firmas que possibilitam a criação e manutenção de vantagens competitivas sustentáveis.

PALAVRAS-CHAVE:
Big Pharma; Capacitações dinâmicas; Ativos intangíveis

ABSTRACT

This article seeks to deepen the understanding of sustained competitive advantages built through strategies of R&D investments, and patents and trademarks registrations by Big Pharma, within the framework of the three main activity clusters related to dynamic capabilities: sensing, seizing, and transforming. The use of this framework contributes to the comprehension of the strategies of R&D, patents, and trademarks by Big Pharma in creating sustained competitive advantages and in the endurance and stability of these companies as industry leaders. The identification of R&D opportunities emerging from the public sector, the ability to leverage identified opportunities through organizational competencies and consistent strategies for resource transformation – such as evergreening –, and brand building have been recognized as significant components of the dynamic capabilities of the firms that enable the creation and maintenance of sustained competitive advantages.

KEYWORDS:
Big Pharma; Dynamic capabilities; Intangible assets

1. Introdução

O modelo de negócios dominante na indústria farmacêutica, Big Pharma, emergiu no pós-Segunda Guerra como um subproduto especializado da indústria química, movido por novas oportunidades tecnológicas no mercado de medicamentos. Esse grupo de empresas notavelmente estável e relativamente pequeno tem dominado a indústria de forma consistente quase desde o seu início (MALERBA; ORSENIGO, 2015MALERBA, F.; ORSENIGO, L. The evolution of the pharmaceutical industry. Business History, London, v. 57, n. 5, p. 664-687, 2015.). A Big Pharma tem se destacado ao longo da história pela sua intensidade em ativos intangíveis, tais como investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P&D) e registro de patentes e trademarks (SIMARMATA; SINAGA; MUDA, 2022SIMARMATA, M.; SINAGA, S. S.; MUDA, I. The management company intangible assets governance in pharmaceutical industry. Journal of Pharmaceutical Negative Results, Mumbai, v. 13, n. 3, p. 1628-1630, 2022.). A busca por esses ativos está intrinsecamente ligada às estratégias dessas empresas de alcançar vantagens competitivas sustentáveis (SANTOS, 2023SANTOS, T. The impact of RBV on value creation in the pharmaceutical industry. 2023. (Dissertação Mestrado) - Instituto Universitário de Lisboa, Lisboa, 2023.).

Dentre as teorias econômicas que lidam com a gestão estratégica, dando enfoque na busca por vantagens competitivas sustentáveis, está a resource-based view (RBV) (PETERAF, 1993PETERAF, M. A. The cornerstones of competitive advantage: a resource-based view. Strategic Management Journal, Chichester, v. 14, n. 3, p. 179-191, 1993.). Para a RBV, são principalmente os recursos intangíveis que permitem que as firmas adquiram esse tipo de vantagem competitiva. Barney, Ketchen e Wright (2021)BARNEY, J. B.; KETCHEN, D. J.; WRIGHT, M. Resource-based theory and the value creation framework. Journal of Management, Thousand Oaks, v. 47, n. 7, p. 1936-1955, 2021. utilizam o framework criado por Brandenburger e Stuart (1996)BRANDENBURGER, A.; STUART, H. Value-based business strategy. Journal of Economics & Management Strategy, Cambridge, v. 5, n. 1, p. 5-24, 1996. para melhor definir a vantagem competitiva sustentável: uma firma gera valor econômico quando há uma diferença positiva entre a vontade dos consumidores de pagar por seus produtos ou serviços e o custo total de produzir tais produtos ou serviços. Ou seja, as firmas buscam implementar estratégias para garantir tais vantagens competitivas.

A aplicação de uma visão dinâmica à forma como os recursos são integrados, construídos e reconfigurados para responder a mudanças no meio e criar fontes de vantagens competitivas sustentáveis ficou conhecida como ‘capacitações dinâmicas’ (TEECE; PISANO; SHUEN, 1997TEECE, D. J.; PISANO, G.; SHUEN, A. Dynamic capabilities and strategic management. Strategic Management Journal, Chichester, v. 18, n. 7, p. 509-533, 1997.). As capacitações dinâmicas dividem a empresa em três grupos de atividades a serem realizadas: (i) Identificar (sensing): capacidade de perceber mudanças, identificando e avaliando oportunidades e definindo o timing correto de ação; (ii) Aproveitar (seizing): capacidade da empresa de mobilizar recursos para aproveitar uma oportunidade e capturar valor ao fazê-lo; e (iii) Transformar (transforming): capacidade de alcançar a combinação de recursos necessária para a adaptação constante ao ambiente dinâmico (TEECE, 2010TEECE, D. J. Technological innovation and the theory of the firm. In: HALL, B. H.; ROSENBERG, N. (Org.). Handbook of the economics of innovation. Amsterdam: Elsevier, 2010. v. 1, p. 679-730., 2017TEECE, D. J. Towards a capability theory of (innovating) firms: implications for management and policy. Cambridge Journal of Economics, Oxford, v. 41, n. 3, p. 693-720, 2017.).

A RBV já foi utilizada na literatura para analisar o desempenho de companhias em diversos setores, como o bancário (WIBOWO; HANDIKA, 2017WIBOWO, A.; HANDIKA, R. F. The strategy of the banking industry in Indonesia: following institutional theory or resource-based view? Jurnal Siasat Bisnis, Yogyakarta, v. 21, n. 2, p. 131-141, 2017.), o de turismo (DUARTE ALONSO, 2017DUARTE ALONSO, A. Exploring a developing tourism industry: a resource-based view approach. Tourism Recreation Research, Abingdon, v. 42, n. 1, p. 45-58, 2017.), o automobilístico (DE STEFANO; MONTES-SANCHO; BUSCH, 2016DE STEFANO, M. C.; MONTES-SANCHO, M. J.; BUSCH, T. A natural resource-based view of climate change: Innovation challenges in the automobile industry. Journal of Cleaner Production, Karlsruhe, v. 139, p. 1436-1448, 2016.), o de hotelaria (HOSSAIN et al., 2022HOSSAIN, M. S. et al. Determinants of sustainable competitive advantage from resource-based view: implications for hotel industry. Journal of Hospitality and Tourism Insights, Bingley, v. 5, n. 1, p. 79-98, 2022.) e o de transporte hidroviário (PROGOULAKI; THEOTOKAS, 2010PROGOULAKI, M.; THEOTOKAS, I. Human resource management and competitive advantage: an application of resource-based view in the shipping industry. Marine Policy, Amsterdam, v. 34, n. 3, p. 575-582, 2010.). Embora as estratégias das empresas do setor farmacêutico sejam fortemente influenciadas pela gestão dos recursos intangíveis possuídos direta ou indiretamente por essas empresas, apenas alguns aspectos desse setor foram analisados pela literatura.

Henderson e Cockburn (1994)HENDERSON, R.; COCKBURN, I. Measuring competence? Exploring firm effects in pharmaceutical research. Strategic Management Journal, Chichester, v. 15, n. S1, p. 63-84, 1994. buscam compreender por que algumas firmas farmacêuticas são mais eficientes no desenvolvimento de novos medicamentos patenteáveis do que outras, dando especial atenção para quais recursos tornariam as empresas mais eficientes nesse sentido. James (2002)JAMES, A. D. The strategic management of mergers and acquisitions in the pharmaceutical industry: developing a resource-based perspective. Technology Analysis & Strategic Management, Abingdon, v. 14, n. 3, p. 299-313, 2002. analisa os processos de fusões e aquisições dentro do setor farmacêutico utilizando como base a RBV. O autor considera esses processos como uma forma de obtenção de recursos estratégicos por parte dessas empresas e seu objetivo é discutir as dificuldades de gestão desses novos recursos, capacitações e rotinas após os processos de fusão. Knott, Bryce e Posen (2003)KNOTT, A. M.; BRYCE, D. J.; POSEN, H. E. On the strategic accumulation of intangible assets. Organization Science, Providence, v. 14, n. 2, p. 192-207, 2003. analisam o processo de acumulação de intangíveis no setor farmacêutico, testando a contribuição do estoque destes para a função de produção de bens finais e examinam em que medida esse estoque de ativos impede a mobilidade de rivais nesta indústria.

Holdford (2018)HOLDFORD, D. A. Resource-based theory of competitive advantage: a framework for pharmacy practice innovation research. Pharmacy Practice, Colômbia, v. 16, n. 3, p. 1351, 2018. utiliza a RBV com enfoque na busca por vantagens competitivas como framework para descrever, entender e prever a adoção e disseminação de inovações em serviços farmacêuticos em práticas de rotina. Paranhos, Mercadante e Hasenclever (2020)PARANHOS, J.; MERCADANTE, E.; HASENCLEVER, L. Os esforços inovativos das grandes empresas farmacêuticas no Brasil. Revista Brasileira de Inovação, Campinas, v. 19, e0200015, 2020. comparam esforços inovativos das grandes empresas farmacêuticas brasileiras e transnacionais atuantes no Brasil, discutindo a importância de rotinas e capacitações dinâmicas para o processo inovativo, ainda que o foco do artigo seja uma discussão sobre a indústria farmacêutica e suas estratégias de inovação para explicar os esforços inovativos apontados nos dados da Pintec. Já Amaya et al. (2022)AMAYA, N. et al. Role of internal resources on the competitive advantage building in a knowledge-intensive organisation in an emerging market. VINE Journal of Information and Knowledge Management Systems, Bingley, 2022. No prelo. analisam a forma como recursos internos e seus atributos contribuem para as vantagens competitivas em organizações intensivas em conhecimento da indústria farmacêutica em mercados emergentes.

O presente trabalho busca aprofundar o entendimento das vantagens competitivas sustentadas construídas através da criação e gestão de ativos intangíveis pela Big Pharma, à luz da RBV, principalmente em relação ao que Teece (2010)TEECE, D. J. Technological innovation and the theory of the firm. In: HALL, B. H.; ROSENBERG, N. (Org.). Handbook of the economics of innovation. Amsterdam: Elsevier, 2010. v. 1, p. 679-730. identificou como três grupos de atividades principais das capacitações dinâmicas: identificar, aproveitar e transformar. Busca-se, assim, responder como a utilização do arcabouço das capacitações dinâmicas na busca por vantagens competitivas sustentadas contribui para o entendimento da utilização estratégica de P&D, patentes e trademarks pela Big Pharma.

Além da presente introdução, o trabalho está organizado da seguinte forma: na seção 2, discute-se os desenvolvimentos da RBV; na seção 3, apresenta-se a metodologia e os dados utilizados; a seção 4 apresenta algumas características da Big Pharma para que, na seção 5, sejam discutidas as capacitações dinâmicas e as vantagens competitivas sustentadas nas estratégias dessas empresas. Por fim, na seção 6, são tecidos os comentários finais.

2. Resource-based view

As raízes da RBV são atribuídas aos trabalhos de Penrose (1959PENROSE, E. The theory of the growth of the firm. Oxford: Oxford University Press, 1959., 1995PENROSE, E. Foreign investment and the growth of the firm. The Economic Journal, Nashville, v. 45, n. 2, p. 531-543, 1995., 2022PENROSE, E. Limits to the growth and size of firms. The American Economic Review, Rio de Janeiro, v. 38, n. 1, p. 1-13, 2022.), que discutem a natureza da firma e os determinantes do seu processo de crescimento. Para Penrose (1959), aPENROSE, E. The theory of the growth of the firm. Oxford: Oxford University Press, 1959. firma é mais do que uma estrutura administrativa com recursos produtivos; a empresa seria também uma coleção de recursos produtivos cuja disposição entre diferentes usos ao longo do tempo é determinada pela decisão administrativa. Esses recursos produtivos são tanto físicos quanto humanos. O trabalho de Penrose gerou importantes insights para o campo das estratégias empresariais, para as teorias de rotinas organizacionais e capacitações. Embora esses conceitos tenham sido introduzidos pela autora no final da década de 1950, foi apenas na década de 1980 que a abordagem baseada em recursos ganhou espaço como alternativa estratégica para as firmas. Um dos primeiros trabalhos que adotaram explicitamente a denominação resource-based view foi o de Wernerfelt (2021)WERNERFELT, B. A resource-based view of the firm. “Ovidius” University Annals, Economic Sciences Series, Constanta, v. 21, n. 1, p. 677-683, 2021..

Para Wernerfelt (2021, pWERNERFELT, B. A resource-based view of the firm. “Ovidius” University Annals, Economic Sciences Series, Constanta, v. 21, n. 1, p. 677-683, 2021.. 171) recursos são “[...] aqueles atributos do capital físico, humano e organizacional de uma empresa que permitem que ela conceba e implemente estratégias que melhorem a sua eficácia”, ou seja, apenas têm potencial de gerar valor econômico se permitirem às firmas criar e implementar estratégias que o façam. E, conforme destacaram Kayo et al. (2006, pKAYO, E. et al. Ativos intangíveis, ciclo de vida e criação de valor. Revista de Administração Contemporânea, São Paulo, v. 10, n. 3, p. 73-90, 2006.. 77), “[...] recursos incluem todos os ativos, competências, processos organizacionais, atributos, informação, conhecimento e outros fatores controlados pela empresa”.

O maior objetivo da RBV é a criação, manutenção e renovação de vantagens competitivas, baseado na criação e utilização dos recursos internos de cada firma. Pode-se destacar três pontos centrais da RBV, conforme apontado por Barney e Mackey (2005)BARNEY, J. B.; MACKEY, T. B. Testing resource-based theory. Research Methodology in Strategy and Management, Bingley, v. 2, p. 1-13, 2005.: (i) certos recursos têm o potencial de permitir que as firmas criem e implementem estratégias capazes de gerar valor; (ii) tais recursos podem ser uma fonte de vantagem competitiva sustentável quando possuem atributos que fazem a imitação custosa; e (iii) as firmas devem ser organizadas para tirar vantagens dos seus recursos e estratégias se desejam que o total de seu potencial econômico seja realizado.

Para a RBV, são principalmente os recursos intangíveis que permitem que as firmas adquiram vantagens competitivas sustentáveis (SANTOS, 2023SANTOS, T. The impact of RBV on value creation in the pharmaceutical industry. 2023. (Dissertação Mestrado) - Instituto Universitário de Lisboa, Lisboa, 2023.). Barney, Ketchen e Wright (2021)BARNEY, J. B.; KETCHEN, D. J.; WRIGHT, M. Resource-based theory and the value creation framework. Journal of Management, Thousand Oaks, v. 47, n. 7, p. 1936-1955, 2021. utilizam o framework criado por Brandenburger e Stuart (1996)BRANDENBURGER, A.; STUART, H. Value-based business strategy. Journal of Economics & Management Strategy, Cambridge, v. 5, n. 1, p. 5-24, 1996. para melhor definir o que a RBV entende por vantagem competitiva sustentada. Nesse framework, uma firma gera valor econômico quando há uma diferença positiva entre a vontade dos consumidores de pagar por seus produtos ou serviços e o custo total de produzir tais produtos ou serviços. Ou seja, as firmas criam e implementam estratégias para ou aumentar o desejo do consumidor de pagar por um produto ou serviço e/ou para reduzir os custos de produção de tal produto ou serviço reunindo recursos e capacitações.

Para atingir a vantagem competitiva sustentada mencionada, é necessário que os recursos cumpram o critério VRIO: Valuable (V): recursos se tornam valiosos se eles proverem valor estratégico para a empresa, ajudando a explorar as melhores oportunidades do mercado e reduzir a competição; Rare (R): os recursos devem ser difíceis de encontrar/comprar/construir pelas firmas concorrentes; Costly to imitate (I): quanto mais difíceis os recursos forem de imitar, mais difícil será para os competidores adquirirem os mesmos recursos; e Organized (O): o potencial econômico daquele recurso é realizado através da coordenação de estruturas e processos organizacionais. Ou seja, embora uma firma possa ter recursos de valor, raros e de difícil imitabilidade, para conseguir aproveitar o potencial de geração de vantagens competitivas, ela deve estar devidamente organizada de forma a ter a possibilidade de explorá-los. É necessário que a combinação de recursos de uma firma se torne eficiente por meio de sua organização interna para que a empresa consiga explorar as vantagens competitivas oriundas de seus recursos (BARNEY; MACKEY, 2018BARNEY, J. B.; MACKEY, A. Monopoly profits, efficiency profits, and teaching strategic management. Academy of Management Learning & Education, Briarcliff Manor, v. 17, n. 3, p. 359-373, 2018.). A Figura 1 ilustra essa definição.

FIGURA 1
Critério VRIO - Definição.

A aplicação de uma visão dinâmica à forma como os recursos são integrados, construídos e reconfigurados para responder a mudanças no meio e criar fontes de vantagens competitivas sustentáveis ficou conhecida como dynamic capabilities, ou capacitações dinâmicas (TEECE; PISANO; SHUEN, 1997TEECE, D. J.; PISANO, G.; SHUEN, A. Dynamic capabilities and strategic management. Strategic Management Journal, Chichester, v. 18, n. 7, p. 509-533, 1997.). Alves, Bomtempo e Coutinho (2009)ALVES, F. C.; BOMTEMPO, J. V.; COUTINHO, P. L. A. Competências para Inovar na Indústria Petroquímica Brasileira. Revista Brasileira de Inovação, Campinas, v. 4, n. 2, p. 301-327, 2009. apontam que tais capacitações podem ser entendidas como “capacidades motrizes”, ou seja, têm a capacidade de renovar as vantagens competitivas das empresas nos ambientes dinâmicos. O framework das capacitações dinâmicas tem como objetivo geral explicar o crescimento diferencial das firmas a longo prazo e a sobrevivência, estagnação ou fracasso das empresas, detalhando como determinadas firmas podem ser melhores ou piores na identificação de novas oportunidades, na gestão de ameaças competitivas, na orquestração de seus recursos e na realização de transformações necessárias (TEECE, 2017TEECE, D. J. Towards a capability theory of (innovating) firms: implications for management and policy. Cambridge Journal of Economics, Oxford, v. 41, n. 3, p. 693-720, 2017.).

As capacitações dinâmicas dividem a empresa em três grupos de atividades a serem realizadas: (i) Identificar (sensing): capacidade da empresa de perceber mudanças, identificando e avaliando oportunidades tanto dentro quanto fora de paradigmas tecnológicos existentes e definindo o timing correto de entrada no mercado (em alguns casos é benéfico ser o first mover, em outros, é mais vantajoso explorar um gap deixado pelo pioneiro); (ii) Aproveitar (seizing): capacidade da empresa de mobilizar recursos para aproveitar uma oportunidade e capturar valor ao fazê-lo. Requer investimentos no desenvolvimento de atividades criativas e/ou combinatórias que abordem as oportunidades com novos produtos, processos ou serviços. Pode envolver a construção de uma nova competência necessária ou identificação de uma aliança externa apropriada que possa garantir o acesso a uma nova competência, e requer também a escolha de um mecanismo apropriado de proteção de propriedade intelectual; e (iii) Transformar (transforming): capacidade de alcançar a combinação de recursos necessária para a adaptação constante ao ambiente dinâmico. Envolve a renovação contínua, o gerenciamento de ameaças, o aprimoramento de modelos e o desenvolvimento de novos complementos (TEECE, 2010TEECE, D. J. Technological innovation and the theory of the firm. In: HALL, B. H.; ROSENBERG, N. (Org.). Handbook of the economics of innovation. Amsterdam: Elsevier, 2010. v. 1, p. 679-730., 2017TEECE, D. J. Towards a capability theory of (innovating) firms: implications for management and policy. Cambridge Journal of Economics, Oxford, v. 41, n. 3, p. 693-720, 2017.). O Quadro 1 resume o que foi apresentado.

QUADRO 1
- Grupos de atividades que compõem as capacitações dinâmicas

Mesmo que a teoria das capacitações dinâmicas seja uma evolução da RBV, ela não renuncia a importância dos recursos em prol delas. Os recursos das firmas são centrais para a forma como essas capacitações são formadas e reconfiguradas. De fato, a visão da firma baseada em recursos é complementar à teoria das capacitações dinâmicas – as firmas podem ter vantagens competitivas ao possuir um recurso, mas também podem gerar vantagens competitivas ao usá-lo de forma mais efetiva, ao reconfigurá-lo da melhor forma possível (CARRICK, 2013CARRICK, J. From Penrose to complementary assets: the evolution of the resource-based literature. Journal of Management Policy and Practice, Florida, v. 14, n. 3, p. 125-156, 2013.). Eisenhardt e Martin (2000, pEISENHARDT, K. M.; MARTIN, J. A. Dynamic capabilities: what are they? Strategic Management Journal, Chichester, v. 21, n. 10-11, p. 1105-1121, 2000. Disponível em: <https://data.europa.eu/doi/10.2760/49552>. Acesso em: 22 jun. 2023.
https://data.europa.eu/doi/10.2760/49552...
. 1106) enfatizam a importância dos recursos na definição das capacitações dinâmicas: “processos estratégicos e organizacionais como o desenvolvimento de produtos e tomadas de decisão estratégicas que criam valor para as firmas dentro de mercados dinâmicos por meio de manipulação de recursos em novas estratégias criadoras de valor”.

3. Metodologia e dados

A metodologia deste trabalho é uma análise teórica das estratégias da Big Pharma relacionadas aos investimentos em P&D e ao registro de patentes e trademarks à luz da contribuição teórica da RBV, principalmente no que tange à criação de vantagens competitivas sustentáveis e às principais atividades relacionadas às capacitações dinâmicas de uma firma.

Os dados apresentados no trabalho provêm da EC-JRC/OECD COR&DIP© database, v.3, 2021, base disponibilizada pela OCDE contendo informações financeiras e de patentes e trademarks das 2 mil empresas que mais investiram em P&D no mundo no período de 2015 a 2018. Os dados foram utilizados para uma comparação interna da indústria farmacêutica entre empresas designadas como Big Pharmas e as demais empresas da indústria presentes na base; e para uma comparação entre as empresas farmacêuticas e as demais empresas presentes na base.

Na base de dados, 231 empresas são classificadas como farmacêuticas (16 empresas com NACE Rev.2 “21.10”, Fabricação de produtos farmacêuticos, e 215 empresas com NACE Rev.2 “21.20”, Fabricação de preparações farmacêuticas). Dessas 231 companhias, 17 foram classificadas como Big Pharma, segundo a metodologia detalhada abaixo1 1 São elas: Roche, Johnson & Johnson, Merck US, Novartis, Pfizer, Sanofi, Bristol-Myers Squibb, AstraZeneca, AbbVie, GlaxoSmithKline, Amgen, Eli Lilly, Takeda Pharmaceutical, Merk DE, Abbott Laboratories, Novo Nordisk e CSL. .

Na literatura, o conceito de Big Pharma não é muito bem definido, embora essas empresas sejam entendidas como aquelas companhias farmacêuticas de grande porte e bem-sucedidas, consideradas como grupos empresariais com importante influência econômica, política e social. Pensando nisso, para a análise aqui realizada, definiu-se empresas farmacêuticas como Big Pharmas seguindo os seguintes critérios: seriam as empresas que estariam concomitantemente entre as 30 maiores da indústria farmacêutica em receita de vendas, lucro operacional, investimentos em P&D e número de funcionários – essa seria uma proxy de empresas de grande porte com importante influência econômica e social.

4. Big Pharma

O modelo de negócios dominante na indústria farmacêutica, Big Pharma, emergiu a partir de 1945 como um subproduto especializado da indústria química, movido por novas oportunidades tecnológicas no mercado de medicamentos. Esse grupo de empresas notavelmente estável e relativamente pequeno tem dominado de modo consistente a indústria quase desde seu início. Essas são empresas originárias dos países centrais (em especial, dos EUA e da Europa) e são as principais responsáveis pelos vastos investimentos em P&D, mas também em marketing, e pela criação dos medicamentos mais inovadores (MALERBA; ORSENIGO, 2015MALERBA, F.; ORSENIGO, L. The evolution of the pharmaceutical industry. Business History, London, v. 57, n. 5, p. 664-687, 2015.; TOMA; STEFAN, 1997TOMA, S. G.; STEFAN, C. Big Pharma, big business. Strategic Management Journal, Chichester, v. 18, n. 7, p. 509-533, 1997.).

Entretanto, a Big Pharma coexistiu e ainda coexiste com pequenos imitadores, produtores locais e empresas atuantes em ramos específicos da indústria que não possuem capacitações tecnológicas, organizacionais e financeiras necessárias para se expandir. Isso introduz uma característica distintiva da indústria farmacêutica: é uma indústria em que a concentração se mantém persistentemente bastante baixa se comparada com outros setores intensivos em P&D e em marketing (MALERBA; ORSENIGO, 2015MALERBA, F.; ORSENIGO, L. The evolution of the pharmaceutical industry. Business History, London, v. 57, n. 5, p. 664-687, 2015.). Desde o início, a estrutura de mercado da indústria farmacêutica tem sido caracterizada por um número de empresas líderes (Big Pharma) e uma grande gama de empresas menores. Mesmo a revolução biotecnológica não alterou significativamente o core da indústria. Muitas empresas líderes atuais, tais como Roche, Merck, Pfizer e Eli Lilly, têm a sua origem na era “pré-P&D” da indústria.

Essa estrutura da indústria pode ser explicada, em especial, por três fatores, conforme destacado por Malerba e Orsenigo (2015)MALERBA, F.; ORSENIGO, L. The evolution of the pharmaceutical industry. Business History, London, v. 57, n. 5, p. 664-687, 2015.: (i) a forte competição através de refinamentos incrementais em produtos já existentes e a presença dos genéricos, que abrem espaço para um submercado na indústria; (ii) o processo inovativo ser caracterizado por ricas oportunidades, mas também alta incerteza e principalmente pela dificuldade de alavancar os resultados de esforços inovadores anteriores em novos produtos, pois o desenvolvimento de um produto inovador e lucrativo no passado não necessariamente contribui para a criação de futuros produtos com as mesmas características; e (iii) a própria natureza fragmentada do setor, em que a indústria é composta por diversos submercados independentes com pouca ou nenhuma substituição de produtos entre si. Assim, mesmo as posições monopolísticas em um submercado não se traduzem em uma concentração global.

4.1 Ativos intangíveis e o ciclo de vida do produto farmacêutico

A indústria farmacêutica é uma das mais intensivas em P&D (KNOTT; BRYCE; POSEN, 2003KNOTT, A. M.; BRYCE, D. J.; POSEN, H. E. On the strategic accumulation of intangible assets. Organization Science, Providence, v. 14, n. 2, p. 192-207, 2003.; SCHERER, 2010SCHERER, F. M. Pharmaceutical Innovation. In: HALL, B. H.; ROSENBERG, N. (Org.). Handbook of the economics of innovation. Amsterdam: Elsevier, 2010. v. 1, p. 539-574.), o que fica evidente ao analisar a presença das firmas farmacêuticas entre as 2 mil empresas que mais investiram em P&D entre 2015 e 2018. Das 2 mil empresas, 231 pertencem ao setor farmacêutico, sendo o setor com o maior número de empresas na base. A título de comparação, o setor de fabricação de componentes eletrônicos, o segundo com o maior número de empresas, possui 150 representantes. Entre as Big Pharmas, a intensidade de P&D2 2 P&D/ Receita líquida de vendas. é ainda mais marcante: em média, as Big Pharmas investem o correspondente a 16,3% de sua receita de vendas em P&D, enquanto as empresas farmacêuticas da base investem, em média, 11,95% de suas receitas de venda em P&D.

Além disso, a expectativa de proteção patentária sobre novos produtos tem um papel de particular importância na tomada de decisão de P&D nessa indústria. As patentes são amplamente utilizadas, sobretudo por funcionarem muito bem devido às características dos produtos farmacêuticos: sua relativa facilidade de imitação (SCHERER, 2010SCHERER, F. M. Pharmaceutical Innovation. In: HALL, B. H.; ROSENBERG, N. (Org.). Handbook of the economics of innovation. Amsterdam: Elsevier, 2010. v. 1, p. 539-574.). Mercadante e Paranhos (2022)MERCADANTE, E.; PARANHOS, J. Pharmaceutical patent term extension and patent prosecution in Brazil (1997-2018). Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 38, n. 1, p. 1-13, 2022. identificam sete razões para a proeminência das patentes nesse setor: (i) custa consideravelmente menos copiar do que inovar; (ii) conhecimento farmacêutico é relativamente mais fácil de codificar do que outros campos tecnológicos; (iii) as tecnologias têm um ciclo de vida maior no setor; (iv) a procura é principalmente inelástica em termos de preço nesse setor; (v) o P&D é muito dispendioso; (vi) o pipeline de P&D tem uma elevada taxa de desgaste, visto que muitos projetos de P&D na indústria farmacêutica não chegam ao mercado devido ao alto índice de fracasso; e (vii) patentes amplas e duradouras criam barreiras artificiais maiores à entrada e à aquisição de participação no mercado.

Dentre as 2 mil empresas que mais investiram em P&D, a média de patentes registradas por empresa entre 2016 e 2018 é de 608. Dentre as empresas farmacêuticas, essa média é de aproximadamente 211, enquanto entre as Big Pharmas é de 1.503, o que evidencia o papel de destaque da Big Pharma no processo de patenteamento do setor.

Embora a indústria farmacêutica faça grande uso de patentes, o World Corporate Top R&D Investors (AMOROSO et al., 2021AMOROSO, S. et al. World corporate top R&D investors: paving the way to climate neutrality. Luxembourg: Publications Office of the European Union, 2021. Disponível em: <https://data.europa.eu/doi/10.2760/49552>. Acesso em: 22 jun. 2023.
https://data.europa.eu/doi/10.2760/49552...
) aponta que esse setor é um dos poucos, junto ao de produtos alimentícios e de telecomunicações, que registram comparativamente mais trademarks que patentes. As atividades promocionais realizadas nesse setor buscam diferenciar os produtos de uma empresa farmacêutica dos que são fornecidos pelas suas concorrentes (CHUDNOVSKY, 1983CHUDNOVSKY, D. Patents and trademarks in pharmaceuticals. World Development, New York, v. 11, n. 3, p. 187-193, 1983.). Assim, os trademarks também têm papel central na estratégia das empresas farmacêuticas.

Dentre as 2 mil empresas que mais investem em P&D, a média de trademarks registrados por empresa entre 2016 e 2018 é de 44. Dentre as empresas farmacêuticas, essa média é de aproximadamente 57, enquanto entre as Big Pharmas é de 429, o que evidencia o papel de destaque da Big Pharma na criação de marcas comerciais. A Tabela 1 apresenta o número de patentes e trademarks registrados pelas cinco Big Pharmas mais intensivas em cada um deles entre 2016 e 2018. É possível notar o papel de destaque dessas empresas em registros de patentes e trademarks, em relação tanto ao próprio setor, quanto ao resto das empresas que mais investem em P&D. Além disso, fica evidente que as estratégias dessas empresas não são homogêneas, com empresas dando mais ênfase no registro de patentes e outras no registro de trademarks.

Tabela 1
- Top Big Pharmas em registro de patentes e trademarks (2016-2018)

Conforme apontado por Kayo et al. (2006)KAYO, E. et al. Ativos intangíveis, ciclo de vida e criação de valor. Revista de Administração Contemporânea, São Paulo, v. 10, n. 3, p. 73-90, 2006., diferentes ativos intangíveis são mais relevantes para a captura de valor em etapas distintas do ciclo de vida dos produtos. Na indústria farmacêutica, as atividades de P&D dão início ao ciclo de vida dos medicamentos, com o desenvolvimento da ideia inicial para a comercialização. Em seguida, com o término do desenvolvimento e o início da fase comercial, o valor econômico que deu origem ao produto é anulado, ou quase anulado, e as patentes ganham relevância e contribuem para a sua proteção. Durante a fase em que a empresa detém a exclusividade na fabricação e comercialização do referido medicamento, o valor econômico está atrelado principalmente à patente. Com a comercialização do medicamento, a importância relativa dos trademarks se eleva conforme o produto passa a ser conhecido e reconhecido no mercado. Na medida em que a patente se aproxima do seu tempo de cobertura e outras empresas passam a poder comercializar medicamentos similares, o seu valor econômico se reduz drasticamente, e o valor econômico dos trademarks se torna cada vez maior. Assim, trademarks conseguem capturar valor em estágios posteriores ao processo de inovação, em especial na etapa de comercialização do produto.

Se, durante o período de comercialização do produto sob proteção de patentes, uma marca forte e reconhecida pelo público foi criada, uma relação de lealdade, credibilidade e confiança é construída com os consumidores (DIMASI; GRABOWSKI; HANSEN, 2016DIMASI, J. A.; GRABOWSKI, H. G.; HANSEN, R. W. Innovation in the pharmaceutical industry: New estimates of R&D costs. Journal of Health Economics, Rotterdam, v. 47, p. 20-33, 2016.), o que fará com que eles optem pelo medicamento com a marca conhecida, mesmo com opções genéricas no mercado (BLACKETT; HARRISON, 2001BLACKETT, T.; HARRISON, T. Brand medicine: use and future potential of branding in pharmaceutical markets. International Journal of Medical Marketing, Thousand Oaks, v. 2, n. 1, p. 33-49, 2001.). Isso estende o período em que determinado produto dá retorno à empresa e constitui uma vantagem competitiva sustentada.

A estratégia da Big Pharma em relação à gestão de ativos intangíveis pode ser compreendida dentro do arcabouço da criação de vantagens competitivas sustentadas e das capacitações dinâmicas da RBV. A próxima seção desenvolve melhor esse argumento.

5. Capacitações dinâmicas e vantagem competitiva sustentada nas estratégias da Big Pharma

Conforme apontado por Teece (2010)TEECE, D. J. Technological innovation and the theory of the firm. In: HALL, B. H.; ROSENBERG, N. (Org.). Handbook of the economics of innovation. Amsterdam: Elsevier, 2010. v. 1, p. 679-730., as capacitações dinâmicas de uma firma, definidas como essenciais para a sobrevivência das empresas a longo prazo, podem ser divididas em três grupos: identificar, aproveitar e transformar. Nesta seção, cada um desses grupos será analisado em relação às estratégias da Big Pharma ligadas à importância de estratégias de P&D, patentes e trademarks no ciclo de vida do produto farmacêutico, conforme apresentado por Kayo et al. (2006)KAYO, E. et al. Ativos intangíveis, ciclo de vida e criação de valor. Revista de Administração Contemporânea, São Paulo, v. 10, n. 3, p. 73-90, 2006..

5.1 Identificar

A habilidade das firmas em integrar, construir e reconfigurar competências internas e externas para lidar com ambientes em rápida mudança começa com a sua capacidade de identificar oportunidades, sejam elas novas necessidades de clientes, novas tendências do mercado ou novos compostos promissores que podem estar emergindo de pesquisas básicas desenvolvidas pelo setor público. Além disso, para capturar o valor potencial que surge dessas oportunidades identificadas, é necessária a decisão do melhor momento para a entrada no mercado.

Diversos segmentos da indústria farmacêutica, e principalmente a Big Pharma, são altamente intensivos em P&D. Isso pode ser observado pelo fato de que cinco importantes Big Pharmas – Roche, Johnson & Johnson, Merck US, Novartis e Pfizer – figuravam entre as 20 empresas que mais investiram em P&D no mundo em 2009. Essas mesmas empresas mantiveram essa posição até 2018. Grande parte desse investimento em P&D vem da busca para identificar oportunidades de pesquisa e de desenvolvimento de produtos inovadores. Entretanto, conforme já discutido na literatura, a contribuição do investimento público para a descoberta de inúmeros medicamentos inovadores é relevante e persistente (ANGELL, 2005ANGELL, M. The truth about the drug companies: how they deceive us and what to do about it. New York: Random House, 2005.; CLEARY et al., 2018CLEARY, E. et al. Contribution of NIH funding to new drug approvals 2010-2016. Proceedings of the National Academy of Sciences, Washington, v. 115, n. 10, p. 2329-2334, 2018.; LAZONICK; MAZZUCATO, 2013LAZONICK, W.; MAZZUCATO, M. The risk-reward nexus in the innovation-inequality relationship: who takes the risks? Who gets the rewards? Industrial and Corporate Change, Oxford, v. 22, n. 4, p. 1093-1128, 2013.; MAZZUCATO; ROY, 2019MAZZUCATO, M.; ROY, V. Rethinking value in health innovation: from mystifications towards prescriptions. Journal of Economic Policy Reform, Reino Unido, v. 22, n. 2, p. 101-119, 2019.; SAMPAT; LICHTENBERG, 2011SAMPAT, B. N.; LICHTENBERG, F. R. What are the respective roles of the public and private sectors in pharmaceutical innovation? Health Affairs, Millwood, v. 30, n. 2, p. 332-339, 2011.).

Cleary et al. (2018)CLEARY, E. et al. Contribution of NIH funding to new drug approvals 2010-2016. Proceedings of the National Academy of Sciences, Washington, v. 115, n. 10, p. 2329-2334, 2018. apontam que a Food and Drug Administration (FDA) aprovou 210 novas entidades moleculares entre 2010 e 2016. Destas, 197 eram associadas a 151 alvos moleculares, isto é, moléculas específicas que são identificadas como cruciais para o tratamento de uma doença. Das 210 novas entidades moleculares aprovadas, 198 tiveram pesquisas financiadas pelos National Institutes of Health (NIH) e, ainda de modo mais expressivo, todos os 151 alvos moleculares contaram com pesquisas financiadas pelos NIH. Isso indica que empresas farmacêuticas identificaram a relevância de certas entidades moleculares desenvolvidas pelo setor público e entraram no processo de desenvolvimento de produtos subsequentes, finalmente entrando com pedidos de aprovação pela FDA. Lazonick e Mazzucato (2013)LAZONICK, W.; MAZZUCATO, M. The risk-reward nexus in the innovation-inequality relationship: who takes the risks? Who gets the rewards? Industrial and Corporate Change, Oxford, v. 22, n. 4, p. 1093-1128, 2013. corroboram com a importância dos investimentos públicos (estado empreendedor) (MAZZUCATO, 2013MAZZUCATO, M. The entrepreneurial state: debunking public vs. private sector myths. London: Anthem Press, 2013.) na geração de novos produtos ao apontar que, nos EUA, o investimento público dos NIH foi de $804 bilhões entre 1934 e 2015. Cabe ressaltar, que foi a partir do Bayh-Dole Act de 1980 que se tornou possível nos EUA o patenteamento privado de resultados de pesquisas financiadas pelo setor público (KESSELHEIM, 2011KESSELHEIM, A. S. An empirical review of major legislation affecting drug development: past experiences, effects, and unintended consequences: review of legislation affecting drug development. Milbank Quarterly, New York, v. 89, n. 3, p. 450-502, 2011.).

Para Mazzucato (2018), oMAZZUCATO, M. The value of everything: making and taking in the global economy. London: Penguin, 2018. papel do setor público no desenvolvimento de novos medicamentos não se limita apenas à contribuição no P&D. A autora destaca que, na verdade, o setor público é um pilar fundamental da indústria farmacêutica, uma vez que é ele quem incorre em maiores riscos, dado que encabeça os estágios iniciais da inovação, com a pesquisa básica. No entanto, os ganhos acabam ficando quase que em sua totalidade com as empresas privadas que entram no processo de desenvolvimento dos medicamentos em etapas mais seguras e menos incertas. Dessa forma, faz parte da estratégia da Big Pharma, de diminuir o risco de seus investimentos e elevar a sua lucratividade, acertar o timing de entrada no processo de desenvolvimento de um produto, deixando os maiores riscos e os maiores custos para o setor público, conforme aponta Mazzucato (2018)MAZZUCATO, M. The value of everything: making and taking in the global economy. London: Penguin, 2018..

Isso implica que é parte das estratégias da Big Pharma de identificar oportunidades, não apenas perceber oportunidades de P&D analisando tendências do mercado ou explorando novos compostos internamente, mas também identificar as que despontam do investimento público em pesquisa básica. Assim, é o reconhecimento de oportunidades externas e a decisão do melhor momento de entrada do processo de desenvolvimento (em fases mais seguras) que pode garantir vantagens competitivas sustentadas a essas empresas, uma vez que podem reduzir drasticamente seu custo de desenvolvimento de novos compostos e gerar maiores lucros.

5.2 Aproveitar

O próximo grupo de capacitações envolve a capacidade de conseguir aproveitar as oportunidades quando estas surgem e são reconhecidas. Conforme destaca Teece (2007)TEECE, D. J. Explicating dynamic capabilities: the nature and microfoundations of (sustainable) enterprise performance. Strategic Management Journal, Chichester, v. 28, n. 13, p. 1319-1350, 2007., para uma firma estar preparada para tirar proveito de oportunidades em ambientes de rápida mudança, ela deve manter e constantemente melhorar competências tecnológicas e ativos complementares e, quando a ocasião surgir, ser capaz de direcionar esforços e recursos rapidamente para persegui-la.

Isto é, empresas com recursos disponíveis ou capazes de acessá-los com agilidade, com conhecimento e competências acumulados e rotinas de P&D estabelecidas, conseguem tirar proveito de oportunidades identificadas com maior agilidade e, como consequência, alcançar novas combinações de produtos e processos com maior rapidez e de forma mais eficiente. Para capturar o valor das oportunidades aproveitadas, as empresas devem escolher as melhores formas de propriedade intelectual e já possuir as habilidades para rapidamente buscar e implementar a proteção, isto é, existe um importante componente de competência organizacional por trás desse grupo de atividades. Além disso, é uma capacitação importante identificar se será necessário buscar competências externas para melhor aproveitar a oportunidade capturada. Tais competências podem ser adquiridas, por exemplo, por meio de fusões e aquisições.

No contexto da indústria farmacêutica, é principalmente neste tipo de capacitações que a Big Pharma se destaca, sendo, em parte, o motivo para que seja um grupo tão estável dentro dessa indústria. Quando as oportunidades são identificadas, o grande porte e alta lucratividade dessas empresas contribuem para que elas tenham recursos para investir tanto em P&D e rotinas internas, quanto na busca por competências externas. As rotinas de P&D com décadas de acúmulo de capacitações e competências também são elementos importantes, porque é através delas que novos compostos promissores indicados pelas pesquisas públicas podem começar a ser rapidamente desenvolvidos e testados pelas empresas. Além disso, é por meio desse conhecimento interno das firmas que novas combinações de competências podem ser alcançadas. Ativos complementares, como departamentos jurídicos e de marketing, também aceleram e facilitam o processo. Ainda, com sua experiência interna, a propriedade intelectual consegue ser garantida de forma mais rápida através de pedidos de patentes nos escritórios de maior interesse, e assim as etapas regulatórias são mais eficientemente atravessadas.

A busca de capacitações externas, caso necessárias, são rapidamente resolvidas através de processos de fusão e aquisição ou do estabelecimento de parcerias, como foi o caso envolvendo a mudança de paradigma do setor para a biotecnologia. Conforme apontam Gautam e Pan (2016), aGAUTAM, A.; PAN, X. The changing model of big pharma: impact of key trends. Drug Discovery Today, Kidlington, v. 21, n. 3, p. 379-384, 2016. Big Pharma tem utilizado cada vez mais Contract Research Organizations (CROs) e Contract Manufacturing Organizations (CMOs). Por exemplo, a aliança estratégica da Pfizer com a Parexel, Icon e PPD e a parceria da AstraZeneca com a Wuxi AppTec e a Pharmaron. Pode-se citar também as aquisições: da Genentech pela Roche em 2008 por 44 bilhões de dólares; da Alexion Pharmaceuticals pela AstraZeneca por 39 bilhões de dólares, e da Momenta Pharmaceuticals pela Johnson & Johnson por 6,5 bilhões de dólares, ambas em 2020.

O contrário foi observado pelas próprias empresas de biotecnologia. Comanor e Scherer (2013)COMANOR, W. S.; SCHERER, F. M. Mergers and innovation in the pharmaceutical industry. Journal of Health Economics, Amsterdam, v. 32, n. 1, p. 106-113, 2013. apontam que poucas empresas de biotecnologia são grandes o bastante e possuem experiência suficiente para levar suas descobertas através de testes clínicos e etapas regulatórias complexas e custosas, o que faz com que elas dependam da Big Pharma. Essa dependência se dá, muitas vezes, através da venda de licenças ou da aquisição por empresas maiores. Assim, a Big Pharma possui um aspecto organizacional muito importante que a permite agilidade para capturar e tirar o máximo de proveito de oportunidades e garante vantagens competitivas sustentadas aproveitadas ao máximo.

5.3 Transformar

A identificação e o aproveitamento bem-sucedido de oportunidades tecnológicas ou de mercado podem levar ao crescimento e à lucratividade das firmas. Entretanto, a chave para o crescimento rentável sustentado é a capacidade de transformar, de recombinar e reconfigurar ativos e estruturas organizacionais à medida que a empresa cresce e que os mercados e as tecnologias mudam (TEECE, 2007TEECE, D. J. Explicating dynamic capabilities: the nature and microfoundations of (sustainable) enterprise performance. Strategic Management Journal, Chichester, v. 28, n. 13, p. 1319-1350, 2007.). Assim, as empresas devem desenvolver estratégias e recombinar seus ativos, de forma a proteger seus produtos da concorrência e aprimorar seus modelos de negócio.

Entram nesse grupo algumas estratégias da Big Pharma envolvendo patentes, outras proteções legais de propriedade intelectual e trademarks. Em relação às patentes, uma prática utilizada pelas empresas farmacêuticas que vem sendo discutida pela literatura é o evergreening, que pode ser definido como uma extensão artificial da vida da patente, ou de outro tipo de exclusividade, pela obtenção de proteção adicional visando estender o período de monopólio. Entre as práticas de evergreening estão incluídas, entre outras estratégias, a busca por novas proteções em medicamentos já existentes e o desenvolvimento de novas formulações, dosagens ou combinações visando a criação de uma nova patente (ABBAS, 2019ABBAS, M. Z. Evergreening of pharmaceutical patents: a blithe disregard for the rationale of the patent system. Journal of Generic Medicines, London, v. 15, n. 2, p. 53-60, 2019.; FELDMAN, 2018FELDMAN, R. May your drug price be evergreen. Journal of Law and the Biosciences, Oxford, v. 5, n. 3, p. 590-647, 2018.).

Conforme apontado por Feldman (2018)FELDMAN, R. May your drug price be evergreen. Journal of Law and the Biosciences, Oxford, v. 5, n. 3, p. 590-647, 2018., esse comportamento tem crescido nos últimos anos, com o número de medicamentos que tiveram patentes adicionadas a eles quase dobrando entre 2005 e 2015. Além disso, o autor aponta que esse tipo de estratégia não está limitado a algumas empresas farmacêuticas. Pelo contrário, conforme observado em seu estudo, essa é uma estratégia comum que está espalhada por toda a indústria farmacêutica.

A busca por novas proteções em medicamentos já existentes ao entrar com pedidos de patentes adicionais, algumas vezes em métodos de produção, ferramentas ou mesmo conhecimento correlacionado, tem como objetivo cercar certas áreas do conhecimento buscando bloquear concorrentes, sem ter a intenção de desenvolver ou comercializar as ideias subjacentes. Conforme aponta Feldman (2018)FELDMAN, R. May your drug price be evergreen. Journal of Law and the Biosciences, Oxford, v. 5, n. 3, p. 590-647, 2018., quase 40% de todos os medicamentos disponíveis no mercado entre 2005 e 2015 criaram barreiras adicionais ao terem patentes ou exclusividades adicionadas a eles. Esse tipo de patenteamento pode ser especialmente eficaz se realizado nos estágios iniciais de desenvolvimento de uma tecnologia e, sobretudo, em campos onde as inovações são interdependentes ou complementares, dado que esse tipo de patente bloqueia o avanço de concorrentes nessas áreas (MAZZUCATO, 2018MAZZUCATO, M. The value of everything: making and taking in the global economy. London: Penguin, 2018.). Dessa forma, tanto o período legal de proteção sobre o medicamento é estendido, como também se constroem barreias adicionais às empresas concorrentes para o desenvolvimento de seus produtos.

Esse tipo de patenteamento, que busca gerenciar possíveis ameaças, é uma forma de recombinar ativos, ao transformar conhecimento em patentes que não têm relação direta com a proteção da propriedade intelectual. Neste novo cenário, as patentes passam a apresentar até mesmo um papel contrário ao de estimular a inovação, ao contribuir para o monopólio intelectual (DOSI et al., 2023DOSI, G. et al. Big Pharma and monopoly capitalism: a long-term view. Structural Change and Economic Dynamics, Oxford, v. 65, p. 15-35, 2023.).

Já o desenvolvimento de novas formulações, dosagens ou combinações que visam a entrada de um novo pedido de patente é conhecido também como me-too drugs, produtos similares a outros que já estão no mercado, embora tenham diferenças suficientes em sua formulação para que possam obter sua própria patente (BUSFIELD, 2003BUSFIELD, J. Globalization and the pharmaceutical industry revisited. International Journal of Health Services, Connecticut, v. 33, n. 3, p. 581-605, 2003.). Isso é possível porque, em alguns países, modificações na fórmula dos medicamentos podem se candidatar ao processo de extensão das patentes, garantindo ao patenteador alguns anos a mais de proteção. Nos EUA, por exemplo, o Hatch-Waxman Act garante a expansão de uma patente por três anos para medicamentos modificados incrementalmente e cinco anos para novas entidades moleculares (GANUZA; LLOBET; DOMÍNGUEZ, 2009GANUZA, J.-J.; LLOBET, G.; DOMÍNGUEZ, B. R&D in the pharmaceutical industry: A world of small innovations. Management Science, Maryland, v. 55, n. 4, p. 539-551, 2009.). Conforme o estudo de Feldman (2018)FELDMAN, R. May your drug price be evergreen. Journal of Law and the Biosciences, Oxford, v. 5, n. 3, p. 590-647, 2018. aponta, entre 2005 e 2015, 78% dos medicamentos associados a novas patentes nos registros da FDA não são novos produtos chegando ao mercado, mas compostos já existentes.

Essa estratégia pode ainda ser combinada com tentativas de mover o mercado em direção às me-too drugs através de práticas agressivas de marketing, dando foco ao “novo” medicamento – que possui um maior período de proteção patentária – e deixando de lado a versão “antiga” do medicamento que está mais próxima do fim da proteção e, consequentemente, da competição com os genéricos. Feldman (2018)FELDMAN, R. May your drug price be evergreen. Journal of Law and the Biosciences, Oxford, v. 5, n. 3, p. 590-647, 2018. aponta que pode haver um movimento por parte do marketing das farmacêuticas para incentivar os médicos a prescrever especificamente a “nova” versão e, em muitos casos, a versão anterior é removida do mercado – de forma que a versão “nova” que permanece à venda é a que não tem o perfeito equivalente genérico.

Um exemplo de novo uso para um composto já conhecido é o Viagra. A fórmula do Citrato de Sildenafila, elaborada inicialmente para desenvolver a cura para angina, foi posteriormente aprovada para disfunção erétil em 1998, sob o nome comercial Viagra. A mesma fórmula foi aprovada em seguida sob o nome comercial de Revatio, para curar hipertensão arterial pulmonar em 2003. Ou seja, Viagra e Revatio são trademarks diferentes para a mesma fórmula que também apresenta patentes diferentes associadas a ela devido aos diferentes usos. Para extensões legais do período de proteção patentária derivadas da combinação de diferentes compostos, pode-se citar o caso da Zidovudina, medicamento para HIV, desenvolvida pela Glaxo Wellcome (que depois viria a se fundir com a SmithKline Beecham para formar a atual GlaxoSmithKline), que obteve proteção patentária em 1984. A empresa aplicou para novas patentes de combinações da Zidovudina com outros medicamentos antirretrovirais em 1992, 1996 e 1997. A última patente resultante dessas combinações expirou em 2017, garantindo 33 anos de proteção legal (ABBAS, 2019ABBAS, M. Z. Evergreening of pharmaceutical patents: a blithe disregard for the rationale of the patent system. Journal of Generic Medicines, London, v. 15, n. 2, p. 53-60, 2019.).

A busca pelas me-too drugs é uma reconfiguração de recursos internos da firma que tem como objetivo a extensão da proteção patentária, de forma a garantir a vantagem competitiva sustentada por mais tempo através da proteção legal. Cabe ressaltar que a estratégia da Big Pharma de extensão do período de proteção patentária não é apenas observada nos EUA e na Europa, mas também é vista em países em desenvolvimento, como o Brasil, conforme apontado por Mercadante e Paranhos (2022)MERCADANTE, E.; PARANHOS, J. Pharmaceutical patent term extension and patent prosecution in Brazil (1997-2018). Cadernos de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 38, n. 1, p. 1-13, 2022..

Outra forma muito utilizada pela Big Pharma para estender a vantagem competitiva sustentada é a utilização da reputação corporativa e dos trademarks. Conforme destacam Al-Zawahreh, Mahmoud e Alkhawaldeh (2018)AL-ZAWAHREH, A.; MAHMOUD, A. R.; ALKHAWALDEH, A. M. The impact of corporate social responsibility on the performance of pharmaceutical companies in Jordan. International Journal of Business and Social Science, New York, v. 9, n. 12, p. 41-47, 2018., nos últimos anos, as firmas perceberam o impacto da reputação corporativa no seu posicionamento estratégico, ajudando a criar vantagens competitivas sustentáveis. Além disso, conforme demonstra Ladha (2007)LADHA, Z. Marketing strategy: are consumers really influenced by brands when purchasing pharmaceutical products? Journal of Medical Marketing, Thousand Oaks, v. 7, n. 2, p. 146-151, 2007., marcas têm um papel significativo no sucesso de empresas farmacêuticas, principalmente em relação aos medicamentos comprados sem receitas. E, mesmo nos medicamentos comprados com receita, as marcas são importantes especialmente pelo reconhecimento de um produto que já foi utilizado antes.

Os anos iniciais do ciclo de vida de um medicamento que necessita de prescrição são muito importantes para as empresas farmacêuticas. É crucial que essas empresas estabeleçam suas marcas para que elas estejam prontas para a possibilidade de o medicamento ser aprovado para a classificação de medicamentos que não necessitam de receita3 3 Em diversos países, como nos EUA, muitos medicamentos atualmente disponíveis para compra sem receita já foram medicamentos de prescrição. Conforme mais estudos e testes são realizados, os medicamentos podem mudar de categoria, tornando-se medicamentos sem necessidade de prescrição médica (CHANG et al., 2016). . Entretanto, a importância das marcas se torna ainda mais relevante ao fim da proteção patentária (KAYO et al., 2006KAYO, E. et al. Ativos intangíveis, ciclo de vida e criação de valor. Revista de Administração Contemporânea, São Paulo, v. 10, n. 3, p. 73-90, 2006.; LADHA, 2007LADHA, Z. Marketing strategy: are consumers really influenced by brands when purchasing pharmaceutical products? Journal of Medical Marketing, Thousand Oaks, v. 7, n. 2, p. 146-151, 2007.). Para prolongar a vida do produto o máximo possível depois da expiração da patente, é imperativo que as empresas usem técnicas de branding corporativo. Construir lealdade, credibilidade e confiança com os consumidores é de crucial importância para criar vantagens competitivas sustentadas.

Para os produtos farmacêuticos que dependem muito de marcas, a criação de um nome comercial forte, com boa reputação e reconhecido é o principal pilar das vantagens competitivas sustentadas, devido à sua capacidade de elevar a disposição dos consumidores de pagar por aquela marca específica. Isso é útil durante o período de vigência da patente, em que a marca reconhecida protege o produto de campanhas de marketing da concorrência, mas também, e principalmente, depois do fim da vigência da patente com a entrada de genéricos no mercado. É a marca e a sua reputação que asseguram a continuação do produto no mercado e garantem a sua venda, mesmo com opções mais baratas disponíveis.

Dessa forma, na Big Pharma, algumas estratégias relacionadas a patentes e trademarks contribuem no terceiro grupo de capacitações dinâmicas ao possibilitar a renovação de produtos, ao gerenciar ameaças, ao desenvolver novos complementos de forma a prolongar o ciclo de vida do produto farmacêutico e fortalecê-lo frente à concorrência.

6. Comentários finais

O trabalho buscou aprofundar o entendimento das vantagens competitivas sustentáveis construídas através da criação e gestão de ativos intangíveis pela Big Pharma à luz da teoria das capacitações dinâmicas. Conforme foi demonstrado na seção anterior, as estratégias da Big Pharma em relação à criação e gestão de ativos intangíveis podem ser compreendidas dentro do arcabouço da busca por vantagens competitivas sustentáveis através das capacitações dinâmicas dessas firmas, principalmente no que toca os três principais grupos de atividades que possibilitam a criação e a captura de valor: identificar, aproveitar e transformar.

Os recursos têm o potencial de gerar vantagens competitivas sustentáveis para as firmas, mas, para isso, é importante que eles sejam usados de forma estratégica. Assim, entendendo ativos intangíveis como recursos que podem ser valiosos, raros e de difícil imitação, a gestão organizacional das empresas pode fazer com que eles gerem vantagens competitivas sustentáveis que são maximamente aproveitadas. O estudo das estratégias da Big Pharma é particularmente interessante na discussão de vantagens competitivas sustentadas, porque esse é um grupo de empresas muito estável, que se mantém como modelo de negócios dominante em uma indústria bastante competitiva, fortemente baseada em inovações e conhecimento, e que passou por mudanças de paradigma tecnológico algumas vezes. Em outras palavras, essas empresas possuem capacitações dinâmicas que as possibilitam constantemente construir e manter vantagens competitivas sustentáveis, o que é essencial para a sobrevivência dessas empresas a longo prazo.

A Big Pharma identifica oportunidades não apenas analisando tendências de mercado ou explorando compostos internamente, mas também identificando oportunidades de P&D que despontam do investimento público. Além disso, é crucial a decisão do melhor momento de entrada no processo de desenvolvimento de um novo produto para garantir vantagens competitivas sustentáveis, já que essa decisão pode ser responsável por reduzir de forma drástica o custo de desenvolvimento de novos compostos, que são reconhecidamente altos.

É relevante, para explicar a estabilidade da Big Pharma em um setor em constante evolução, a sua capacidade de aproveitar oportunidades. Os recursos e conhecimentos acumulados, as rotinas de P&D estabelecidas e o acesso a competências externas, através de fusões, aquisições e parcerias, lhes permite rapidamente explorar e tirar proveito de oportunidades. O contrário é observado pelas empresas de biotecnologia, que, em geral, não possuem essas capacitações e acabam não conseguindo explorar completamente as oportunidades que identificam, o que torna muitas delas dependentes da Big Pharma. Esse é um aspecto organizacional muito importante, que as permite agilidade para capturar e tirar o máximo proveito de oportunidades e garante vantagens competitivas sustentadas aproveitadas ao máximo.

Identificadas e aproveitadas as oportunidades, as empresas precisam ter capacidade de mantê-las pelo maior período possível, o que inclui constantemente atualizar produtos, estratégias, recombinar ativos e gerenciar ameaças. Na Big Pharma, isso toma a forma de algumas estratégias em relação a patentes e trademarks. As estratégias de evergreening, embora modifiquem o equilíbrio originalmente concebido pelo sistema de patentes, estendendo o período de proteção e criando barreiras à entrada, são uma forma de recombinar ativos na busca por gerenciar possíveis ameaças e garantir vantagens competitivas sustentáveis. As marcas, por sua vez, desempenham um papel crucial para a criação de vantagens competitivas sustentáveis, especialmente no ciclo de vida pós-patente de um medicamento, ao criar lealdade e credibilidade entre os consumidores e elevar a disposição deles por pagar por uma marca específica, mesmo com opções mais baratas no mercado. Essas estratégias contribuem para o terceiro grupo de capacitações dinâmicas, permitindo a renovação de produtos e fortalecimento no mercado farmacêutico altamente competitivo. Portanto, as capacitações dinâmicas da Big Pharma relacionadas a investimentos em P&D, patentes e trademarks são fundamentais para garantir vantagens competitivas sustentáveis e explicar a permanência e estabilidade dessas empresas no setor.

Agradecimentos

Os autores agradecem aos revisores da Revista Brasileira de Inovação por todos os valiosos comentários e sugestões durante o processo de submissão desse trabalho. Além disso, desejam estender seus agradecimentos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro a esta pesquisa (Processos: 131111/2020-5, 311260/2022-5 e 170436/2023-3). O segundo autor agradece ainda à Fapesp, processo 2020/09838-0, no âmbito do Centro de Pesquisa Aplicada em Inteligência Artificial BIOS – Brazilian Institute of Data Science.

  • 1
    São elas: Roche, Johnson & Johnson, Merck US, Novartis, Pfizer, Sanofi, Bristol-Myers Squibb, AstraZeneca, AbbVie, GlaxoSmithKline, Amgen, Eli Lilly, Takeda Pharmaceutical, Merk DE, Abbott Laboratories, Novo Nordisk e CSL.
  • 2
    P&D/ Receita líquida de vendas.
  • 3
    Em diversos países, como nos EUA, muitos medicamentos atualmente disponíveis para compra sem receita já foram medicamentos de prescrição. Conforme mais estudos e testes são realizados, os medicamentos podem mudar de categoria, tornando-se medicamentos sem necessidade de prescrição médica (CHANG et al., 2016CHANG, J. et al. Prescription to over-the-counter switches in the United States. Journal of Management Policy and Practice, Florida, v. 5, n. 3, p. 149-154, 2016.).
  • Fonte de financiamento: O presente artigo é fruto da dissertação de mestrado realizada pela autora Renata Martins Predo, sob orientação dos professores Rosangela Ballini e Fernando Sarti. A pesquisa contou com o financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (processo n° 131111/2020-5). Além disso, contou-se com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    22 Jun 2023
  • Revisado
    23 Fev 2024
  • Aceito
    08 Mar 2024
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