Revisão sistemática das características dos homicídios contra a população LGBT

Mendes, Wallace Góes; Duarte, Marco José de Oliveira; Andrade, Carlos Augusto Ferreira de; Silva, Cosme Marcelo Furtado Passos da

doi:10.1590/1413-812320212611.33362020

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Sumário

REVISÃO • Ciênc. saúde coletiva 26 (11) • Nov 2021 • https://doi.org/10.1590/1413-812320212611.33362020 copiar

Revisão sistemática das características dos homicídios contra a população LGBT

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Resumo

A população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT) há tempo mostra-se excluída da sociedade. Uma realidade oriunda da marginalização ainda presente nos dias de hoje. O objetivo deste artigo é descrever o perfil quantitativo de homicídios contra a população LGBT quanto às características dos crimes, das vítimas e dos autores. Revisão sistemática, incluindo estudos quantitativos sobre homicídios de LGBT. As bases das pesquisas foram: Pubmed Central (Medline); Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS); Embase, (Elsevier); Scopus (Elsevier), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e PsyNET (American Psychological Association - APA) com termos MESH selecionados. Protocolo do PROSPERO: CRD42016053977. Dezesseis estudos foram incluídos. Os homicídios tendem a envolver uma vítima e um autor, que ocorrem na residência da vítima ou via pública. A vítima geralmente é mais idosa do que o autor do crime, normalmente desconhecido pela vítima. Os transgêneros são os LGBT mais acometidos e, em geral, são jovens com menos de 30 anos. Esta revisão confirma que esses homicídios podem ser considerados “crimes de ódio”, em que esses indivíduos, em geral, são vitimados por armas de fogo, armas brancas, espancados ou asfixiados até a morte.

Palavras-chave:
Minorias sexuais e de gênero; Ho micídio; Homofobia; Revisão sistemática

Estudos	Local	Período	Crimes	Vítimas	Autores
(Bartlett, 2007)*	Inglaterra e País de Gales	1976 a 2001	- 64% ocorreram nas residências das vítimas e 16% vias públicas - 31% foram por espancamento; 30% por arma branca; 30% foram por estrangulamento, asfixia ou afogamento	- 54% eram homossexuais ou bissexuais - 80,5% tinham mais de 30 anos, com média de 43 anos - 65% consumiram álcool - 53,2% eram empresários ou tinham empregos com cargos de chefia; 45,4% eram aposentados ou pensionistas	- 72% consumiram álcool - 79,5% estavam com menos de 30 anos, com média de 23 anos - 78% estavam desempregados
(Bell & Perry, 2015)	Flórida, Estados Unidos	1982 a 1992	- 29,9% usaram armas brancas; 42,0% foram espancados e/ou estrangulados; 22,4% usaram armas de fogo	- A idade média foi de 43,7 anos
(Boivin, 2016)	México	1995 a 2013	- 49% ocorreram em vias públicas ou hotéis; 35% nas residências das vítimas; 18% em locais de prostituição - 92% das vítimas homossexuais ou bissexuais foram encontradas em suas residências, enquanto que as transgêneros foram encontradas mortas, principalmente em lugares públicos (69%) e hotéis (14%) - As vítimas encontradas em lugares públicos (38%) e hotéis (33%) foram mais frequentemente torturadas - 33% foram esfaqueadas; 27% foram espancadas e torturadas; 25% foram asfixiadas, estranguladas ou enforcadas e 13% usaram armas de fogo - 40% dos autores eram amigos ou conhecidos das vítimas - 39% das vítimas foram encontradas nuas; 29% das vítimas tinham sido torturadas antes de sua morte e 26% foram encontradas amarradas - 46% dos corpos encontrados em locais públicos e hotéis estavam nuas 7% das vítimas sofreram um estupro, mutilação genital ou agressão por meio de objetos introduzidos no ânus	- 97% eram do sexo masculino - 55% estavam com mais de 34 anos e a idade média das vítimas igual a 35 anos - 39% eram oficiais, sacerdotes, profissional da arte e da cultura; outros 15% eram estilistas e comerciantes e 14% eram profissionais do sexo - A proporção de transgêneros assassinadas entre 25 e 34 anos foi o dobro de homossexuais ou bissexuais nessa faixa etária	- 50% estavam entre 25 a 29 anos e 43% entre 18 e 24 anos - 49% eram militares ou ex-militares; 33% garotos de programa; 17% eram desempregados ou estudantes e 11% eram garçons, ajudantes de cozinha e similares
(Carrara & Vianna, 2006)	Rio de Janeiro, Brasil	1970 a 1990	- 60,7% dos homossexuais ou bissexuais assassinados em suas residências foram por armas brancas, asfixia ou objeto contundente, sendo a maioria das vítimas por “crimes de lucro” - 68% das pessoas trans foram vitimadas em vias públicas foram por arma de fogo, quase todos por crimes de execução	- A média de idade foi inferior a 35 anos - 40% eram negros ou pardos	-
(Granados & Delgado, 2008)	México	1995 a 2000	- 46,7% usaram armas brancas; 34,2% foram espancamentos - 17,4% foram encontradas nuas e 11,4% encontradas amarradas	- 95,1% eram do sexo masculino - 61,6% estavam com mais de 30 anos
(Gruenewald, 2012)**	Estados Unidos	1990 a 2008	- 28,7% usaram armas brancas; 27,0% armas de fogo; 22,1% armas corporais e 16,4% objetos não cortantes - 65,3% foram mortos por amigos ou conhecidos - 42,7% houve múltiplos autores - 7,2% houve múltiplas vítimas	- 94,2% eram do sexo masculino - 74,4% eram homossexuais/ bissexuais; 13,3% eram transgêneros; 8,8% eram heterossexuais e 4,4% eram lésbicas	- 100,0% eram do sexo masculino - 73,4% eram da raça branca e 18,1% negros - 25,1 anos foi a média de idade
(Gruenewald & Kelley, 2014)**	Estados Unidos	1990 a 2010	- 41,2% ocorreram nas residências das vítimas - 72,7% usaram armas que não eram armas de fogo - 42,0% houve múltiplos autores e 93,4% houve uma única vítima - 50,4% dos autores admitiram que escolheram as vítimas por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero - 28,1% consistem em atos planejados de violência contra membros da comunidade LGBT - 15,7% dos infratores revelaram seus crimes a outros - 32,2% dos casos o lucro não foi o principal motivo do crime - 8,3% dos autores manipularam ou mutilaram os corpos das vítimas	- 95,0% eram do sexo masculino - 57% das vítimas eram brancas; 19% negras e 17% hispânicas - 4,1% das vítimas eram heterossexuais (identidade equivocada)	- 69,7% eram da raça branca. - A idade média foi 25 anos - 69,3% dos autores conheciam suas vítimas
(Kelley, 2013)**	Estados Unidos	1990 a 2010	- 42,0% houve múltiplos autores - 41,2% ocorreram nas residências das vítimas - 32,2% foram “crimes de lucro” - 72,7% usaram armas brancas e outras - 26,4% declararam que o crime foi por homofobia - 59,3% eram amigos ou conhecidos - 50,4% dos autores admitiram que escolheram as vítimas por causa de sua orientação sexual ou identidade de gênero	- 95,0% eram do sexo masculino. - 56,5% eram brancos	- 24,9 anos foi a média de idade dos autores - 69,7% eram da raça branca - 14,9% usaram drogas ou álcool
(Mercado Mondragon, 2009)	México	1999 a 2006	- 50,4% ocorreram nas residências das vítimas e 23,4% em vias públicas - 33,6% das vítimas foram esfaqueados; 19,0% espancados; 13,0% estrangulados e 6,9% por arma de fogo	- 96,1% eram do sexo masculino - 65,8% estavam com mais de 30 anos
(Mott & Michels, 2019)***	Brasil	2018	- 47% eram amigos ou conhecidos das vítimas - 27% dos autores foram identificados	- 51% eram homossexuais ou bissexuais e 42% eram pessoas trans - 64,5% eram solteiros - 63% estavam com mais de 30 anos - 64% eram brancos - 23,9% eram professores e 20,9% estudantes
(Mouzos & Thompson, 2000)	Nova Gales do Sul, Austrália	1989 a 1999	- 53,6% ocorreram nos finais de semana - 62,1% ocorreram a noite ou madrugada - 62,1% foram nas residências das vítimas e 31,0% em vias públicas - 54,5% tiveram múltiplos autores com uma vítima e 45,5% houve um autor com uma vítima - 90,9% os autores eram mais novos que as vítimas - 70% envolveram espancamentos selvagens, esfaqueamentos repetidos, mutilação e/ou esquartejamento - 52,3% eram amigos ou conhecidos das vítimas	- 43 anos foi a média de idade - 48,3% consumiram álcool - 93,1% eram da raça branca	- 93,2% eram do sexo masculino - 68,1% estavam entre 15 a 24 anos, com a mediana de 20 anos - 93,2% eram brancos - 77,3% eram solteiros - 81,8% não trabalhavam
(Oliveira, 2012)***	Sergipe, Brasil	1980 a 2010	- 43% ocorreram em vias públicas e 42% nas residências das vítimas - 33% usaram arma de fogo; 30% arma branca; 13% estrangulamento; 11% pauladas e 9% pedradas - 64% identificaram o autor, sendo 39% destes condenados pelo crime	- 73% eram homossexuais ou bissexuais; 19% pessoas trans e 8% lésbicas - 68,5% das vítimas tinham 30 anos ou mais - 21% tinham ensino superior	69% tinham até 24 anos 94% estavam solteiros 76% tinham apenas o ensino fundamental 45% eram estudantes, desempregados ou autônomos
(Prunas et al., 2015)	Milan, Itália	1993 a 2012	- 38,5% eram amigos ou conhecidos das vítimas - 40,0% usaram armas brancas; 42,0% foram espancados e/ou estrangulados; 15,0% usaram armas de fogo - 92,0% houve uma vítima com um autor	- 50% foram mortos em suas residências e 45% em vias públicas - 100,0 eram do sexo de nascimento masculino - A idade média foi de 33,4 anos - 100,0% eram pessoas trans	- A idade média foi de 31 anos
(Stacey, 2011)	Estados Unidos	2000 a 2005	- 34,3% ocorreram nas residências das vítimas e 26,9% em vias públicas - 13,4% houve múltiplas vítimas e 18,0% múltiplos autores - 24,8% eram amigos ou conhecidos das vítimas - 17,4% consumiram álcool ou drogas - 49% usaram arma branca e 33,2% por espancamento - 57,5% ocorreram a noite	- 80% eram do sexo masculino - 66,9% eram da raça branca	- 53,3% eram da raça branca - A média de idade foi 20 anos
(Tomsen, 2002)*	Nova Gales do Sul, Austrália	1989 a 1999	- 43,2% ocorreram nas residências das vítimas e 40,5% em vias públicas 44,6% foram mortos por espancamento; 29,7% por esfaqueamento e 8,1% por arma de fogo - 37,8% dos autores eram desconhecidos e 34,8% eram amigos ou conhecidos - 54,4% houve múltiplos autores 56,8% das vítimas eram no mínimo 10 anos mais velhas que os autores	- 79,7% tinham mais de 30 anos - 71,2% eram empresários ou tinham empregos com cargos de chefia; 28,8% eram aposentados ou não trabalhavam	- 95,6% eram do sexo masculino 86,9% tinham menos de 30 anos 40,7% estavam desempregados; 33,2% trabalhavam com serviços gerais; 16,6% eram estudantes; 9,5% eram garotos de programa
(Waters et al., 2016)	Estados Unidos	2015	-	- 67% eram pessoas trans - 79% estavam com menos de 35 anos - 62% eram negros ou latinos

Estudos	Questões								Qualidade Geral
Estudos	1	2	3	4	5	6	7	8
(Bartlett, 2007)	S	S	S	NA	NA	S	S	S	Positivo
(Bell & Perry, 2015)	S	S	S	NA	NA	S	S	S	Positivo
(Boivin, 2016)	S	S	S	NA	NA	S	S	S	Positivo
(Carrara & Vianna, 2006)	S	S	S	NA	NA	S	S	S	Positivo
(Granados & Delgado, 2008)	S	S	S	NA	NA	S	S	S	Positivo
(Gruenewald & Kelley, 2014)	S	S	S	NA	NA	S	S	S	Positivo
(Gruenewald, 2012)	S	S	S	NA	NA	S	S	S	Positivo
(Kelley, 2013)	S	S	S	NA	NA	S	S	S	Positivo
(Mercado Mondragon, 2009)	S	S	S	NA	NA	S	S	S	Positivo
(Mott & Michels, 2019)	S	S	S	NA	NA	S	N	N	Neutro
(Mouzos & Thompson, 2000)	S	S	S	NA	NA	S	S	S	Positivo
(Oliveira, 2012)	S	S	S	NA	NA	S	S	S	Positivo
(Prunas et al., 2015)	S	S	S	NA	NA	S	S	S	Positivo
(Stacey, 2011)	S	S	S	NA	NA	S	S	S	Positivo
(Tomsen, 2002)	S	S	S	NA	NA	S	S	S	Positivo
(Waters et al., 2016)	S	S	S	NA	NA	S	N	N	Neutro
QUESTÕES: 1. O delineamento do estudo e os métodos de amostragem são apropriados para responder à pergunta de pesquisa? 2. A base amostral é adequada? 3. O tamanho da amostra é adequado? 4. São usados critérios objetivos, adequados e padronizados para medir o desfecho de saúde? 5. O desfecho de saúde é medido de uma forma não enviesada? 6. A taxa de resposta é adequada? As pessoas elegíveis que recusaram participar são descritas? 7. As estimativas de prevalência ou incidência são dadas com intervalos de confiança e detalhadas por subgrupo, quando adequado? 8. Os participantes e o contexto são descritos em detalhe e podem ser generalizados para outras situações similares?
S: Sim; N: Não; NA: Não aplicável.

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[1] Colaboradores

WG Mendes trabalhou na coleta de dados, tabulação, análise descritiva e analítica, e na elaboração da metodologia. Redação do texto e padronização das normas de acordo com a revista. MJO Duarte trabalhou na coleta de dados, na revisão do texto e sugestão de partes significativas. CAF Andrade respondeu pela elaboração da metodologia, revisão do texto e sugestão de partes significativas. CMFP Silva trabalhou na revisão do texto e sugestão de partes significativas.