Desejos e vontades de pessoas idosas institucionalizadas sobre a terminalidade de vida

Resumo

Objetivo

O presente estudo objetivou conhecer os desejos e vontades de pessoas idosas residentes em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPI) sobre a terminalidade de vida.

Método

Tratou-se de pesquisa qualitativa descritiva e exploratória, em que participaram 18 pessoas idosas de duas ILPI

Resultados

Emergiram cinco categorias: acolhimento e aceite da família: a morte na ILPI ou no domicílio e o medo de morrer só; final de um ciclo de vida: momento de resgate pessoal, despedida, afeto e fé; preservação da dignidade humana da pessoa idosa que se encontra institucionalizada na terminalidade da vida; não ser pressionado e não ser um peso para a família: desejos relacionados ao agir dos profissionais e familiares com a pessoa idosa; e a manutenção dos sentidos e consciência da morte: desejo de uma experiência benéfica, sem dor, de purificação e de entrega por meio da fé.

Conclusão

Os desejos e vontades expressados relacionaram-se a aspectos amplos de vida. A compreensão destes configurou-se como possibilidade de os profissionais de saúde introduzirem assuntos relacionados à finitude e que essas pessoas idosas possam ter suas vozes ouvidas, sentidas e respeitadas.

Palavras-Chave:
Morte; Atitudes frente à norte; Instituições de Longa Permanência para Idosos; Idosos; Enfermagem

Abstract

Objective

The present study aimed to explore the desires and wishes of older adults residing in Long-Term Care Facilities (LTCFs) regarding end-of-life terminality.

Method

This was a descriptive and exploratory qualitative research, involving 18 older adults from two LTCFs in a city in the central region of the state of Rio Grande do Sul (RS), Brazil. Data collection took place from March to May 2022 through semi-structured interviews and using the "cards on the table" technique. The data were subjected to discursive textual analysis.

Results

Five categories emerged: Family welcoming and acceptance: death in LTCFs or at home and the fear of dying alone; End-of-a-life cycle: a moment of personal reflection, farewell, affection, and faith; Preservation of the human dignity of older adults who are institutionalized in the terminal phase of life; Not being pressured and not being a burden to the family: desires related to the actions of professionals and family members toward the older adult; and Maintenance of senses and awareness of death: desire for a beneficial experience with pain control, purification, and surrendering of life through faith.

Conclusion

The desires and wishes expressed were related to broad aspects of life. Understanding these desires has emerged as an opportunity for healthcare professionals to introduce topics related to finitude, allowing these older adults to have their voices heard, felt, and respected.

Keywords
Death; Attitudes towards death; Long-Term Care Facilities for older adults; Aged; Nursing

INTRODUÇÃO

O envelhecimento predispõe à maior prevalência de doenças crônicas não transmissíveis e degenerativas, para as quais não existe tratamento curativo, e está associado à situação de falta de resposta ao tratamento modificador da doença, o que pode ocasionar situações de dependência e necessidade de cuidados de longa duração¹. Frente a essa constatação, o número de pessoas idosas que residem em Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) tem aumentado em vários países, inclusive no Brasil².

As ILPIs devem ser um lar especializado com dupla função: a de proporcionar assistência gerontogeriátrica conforme o grau de dependência dos seus residentes e a de oferecer um ambiente doméstico, aconchegante, capaz de preservar a intimidade e a identidade dos seus residentes². Ressalta-se que os desejos e as vontades da pessoa idosa institucionalizada necessitam ser considerados.

No entanto, os cuidados em ILPIs têm recebido uma quantidade significativa de críticas nos últimos anos. Geralmente, o cuidado nestas instituições corresponde a ações técnicas automatizadas que priorizam o atendimento às necessidades fisiológicas, relegando as demandas originadas na singularidade³.

Observa-se que, no contexto diário de vivência em ILPIs, as equipes de enfermagem mostram-se como a linha de frente dos cuidados, permanecendo grande parte do tempo em contato direto com os residentes, direcionando suas condições de bem-estar. Assim, na perspectiva de considerar os desejos e vontades da pessoa idosa institucionalizada na terminalidade de vida, destaca-se o papel desses profissionais e os aspectos que tangenciam a saúde e qualidade de vida⁴.

Há que se destacar que a terminalidade de vida é definida quando se esgotam as possibilidades de resgate das condições de saúde e a possibilidade de morte próxima parece inevitável e previsível⁵.

Embora a percepção dos idosos sobre aspectos relacionados ao fim da vida ser reconhecida como um importante indicador de qualidade, nos ambientes institucionais ainda são escassas as considerações e investigações relacionadas a essa esfera. Na ótica das pessoas idosas institucionalizadas terem seus desejos e vontades atendidos para experenciarem uma boa morte, urgem os princípios dos cuidados paliativos. Estes, são cuidados holísticos ativos aos indivíduos de todas as idades com sofrimentos relacionados à saúde em decorrência de doenças graves, e àqueles que estão perto do fim da vida; têm como objetivo melhorar a qualidade de vida tanto dos pacientes quanto dos seus familiares e cuidadores⁶.

A equipe de saúde das ILPIs precisa reconhecer a relevância desse momento e buscar oferecer as melhores condições de cuidado para essa última etapa da vida, considerando as individualidades associadas a esse processo e as necessidades complexas vinculadas ao estado físico e psicológico dos residentes e suas preferências e desejos.

O planejamento avançado de cuidados é considerado particularmente relevante para as pessoas idosas que residem em ILPIs devido à alta probabilidade de desenvolverem comprometimento cognitivo e perda da capacidade de tomada de decisão no final da vida⁷. Nessa lógica, as informações de vida e de valores da pessoa idosa deverão ser somadas às questões técnicas do cuidado para que se construa um planejamento de cuidados individualizado e que faça sentido para aquela pessoa; garantindo, na medida em que o quadro clínico e ou cognitivo avance, que a mesma receba tratamentos e cuidados de saúde em consonância com suas preferências⁸.

Compreendendo que a preservação da capacidade para tomada de decisão, ou seja, da autonomia das pessoas idosas, deve ser respeitada, é que se considera relevante discutir individualmente as questões da terminalidade da vida com esta população. Nesse prisma, surge a necessidade de reconhecer a pessoa idosa como um ser autônomo e sujeito da sua própria vontade. Assim, delimita-se como objetivo deste estudo conhecer os desejos e vontades das pessoas idosas residentes em ILPIs sobre a terminalidade de vida.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa qualitativa de caráter descritivo e exploratório. A pesquisa qualitativa tem como essência compreender e analisar os fenômenos que são explorados a partir da perspectiva dos participantes, individualmente ou em pequenos grupos, em um ambiente relacionado ao contexto do estudo⁹,¹⁰.

O estudo foi realizado em duas ILPIs filantrópicas da região Sul do Brasil e optou-se em propor o estudo nestes dois cenários para se ter amostras de pessoas idosas dos gêneros feminino e masculino. No total, participaram 18 idosos residentes nas ILPIs, na faixa etária de 60 anos ou mais de idade. A aproximação foi por meio de contato prévio com as enfermeiras das instituições que sugeriram uma lista de nomes e, a partir desta, as pessoas idosas foram convidadas a participar da pesquisa e orientadas sobre a necessidade de previamente serem submetidas ao MEEM (Mínimo Exame de Estado Mental).

Nesta perspectiva, foram considerados os participantes que atenderam aos critérios de inclusão: idosos de ambos os gêneros biológicos, de 60 anos ou mais, que alcançaram os escores de corte estipulados pelo MEEM; e excluídos os demais que não atingiram o escore sugestivo de déficit cognitivo. A coleta ocorreu de março a maio de 2022. Para a obtenção das informações, foi utilizada a técnica de entrevista semiestruturada em que, primeiramente, foram aplicadas perguntas fechadas referentes aos dados sociodemográficos; sendo as perguntas abertas da entrevista realizadas com auxílio do recurso “cartas na mesa”.

O instrumento supracitado foi um baralho contendo 24 cartas que descrevem os desejos e vontades de pessoas que estão na terminalidade de vida¹¹. Foi orientado à pessoa idosa dividir o baralho em três montes; e, em cada monte, o residente colocou as cartas que representavam os seus desejos e vontades no final da vida, considerando os que eram muito importantes, mais ou menos importantes e não importantes. Posteriormente, foi solicitado ao participante que, na separação das cartas nos três montes, deixasse apenas dez desejos no monte das cartas “muito importante”, posicionando a mais importante no topo do monte e as demais na sequência. Logo em seguida, o participante foi convidado a refletir e expressar como justificaria as vontades e desejos “muito importantes” e “não importantes” a seus familiares, amigos e ou profissionais da ILPIS.

Este estudo respeitou os aspectos éticos da pesquisa com seres humanos conforme a Resolução n° 466/2012 e Resolução nº 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde. Destaca-se que, antes da aplicação da pesquisa, o termo de consentimento livre e esclarecido foi apresentado aos participantes, após aprovação do projeto no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria/ Pró Reitoria de Pós-graduação e Pesquisa, sob número de parecer 5.219.665. Cabe ressaltar que foi preservado o anonimato dos participantes utilizando códigos com as iniciais letra M para o gênero masculino e letra F para o gênero feminino, Rx para a palavra residente e o número arábico indicando o número do participante do estudo.

DISPONIBILIDADE DE DADOS

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação ao autor correspondente Fabiane Marzari Possatti.

RESULTADOS

A análise dos dados utilizada foi a textual discursiva que consistiu na operacionalização de quatro etapas: a desmontagem dos textos; estabelecimento de relações (categorização); captação do novo emergente; e a efetivação de um processo auto-organizado¹². Após estabelecidas 163 unidades de significado, continuou-se a leitura intensa das transcrições e determinou-se a constituição de 18 categorias iniciais, emergindo cinco categorias finais.

Quadro 1
Construção das categorias iniciais e finais dos desejos e vontades das pessoas idosas institucionalizadas. Santa Maria, Rio Grande do Sul, 2022.

Categorias iniciais	Categorias Finais
Ter os amigos e a família perto	Acolhimento e aceite da família: a morte na ILPI ou no domicílio e o medo de morrer só
Morrer em casa
Não morrer sozinho
Família acolhe e aceita a morte (apareceu 2 vezes)
Possibilidade de dizer obrigado me desculpe, eu te amo e adeus	Final de um ciclo de vida: momento de resgate pessoal, despedida, afeto e fé
Ajudar outras pessoas
Preservar a dignidade humana	Preservação da dignidade humana da pessoa idosa que se encontra institucionalizada na terminalidade da vida
Alívio da dor e da falta de ar (apareceu 2 vezes)
Ouvir músicas preferidas
Alívio da dor e da falta de ar
Médico e enfermeiros cuidadosos e de confiança
Finanças organizadas
Não ser pressionado	Não ser pressionado e não ser um peso para a família: desejos relacionados ao agir dos profissionais e familiares com a pessoa idosa
Não ser um peso para a família
Estar alerta quando morrer	Manutenção dos sentidos e consciência da morte: desejo de uma experiência benéfica, sem dor, de purificação e de entrega por meio da fé

• Fonte: Autores (2022)

Quadro 2
. Dados sociodemográficos dos participantes da pesquisa. Santa Maria, Rio Grande do Sul, 2022.

Dados sociodemográficos	Homens	Mulheres
Número absoluto	12	6
Intervalo de faixa etária de idade pesquisada	62-81anos	65-80 anos
Estado civil Solteiras(os) Divorciadas(os) Viúva(o)	6 5 1	2 3 1
Maternidade Paternidade Serem Avós Não terem filhos Não soube responder	0 6 0 5 1	6 0 6 0 0
Profissão prévia Agricultor(a) Dona-de-casa Outros	6 0 6	0 3 3
Escolaridade Quatro anos ou mais de estudo Menos de 04 anos de estudo. Analfabeto	6 5 1	1 4 1
Renda mensal 01 salário-mínimo Maior que 01 salário-mínimo Não recebe salário	11 0 1	4 1 1
Tempo médio de institucionalização entre os participantes	5anos e 3 meses	5 anos e 6 meses

• Fonte: Autores (2022).

1. Acolhimento e aceite da família: a morte na ILPI ou no domicílio e o medo de morrer só

As pessoas idosas residentes nas ILPIs manifestaram o desejo de morrer em casa; para alguns, o conceito de casa esteve associado à própria ILPI e, para outros, o domicílio dos seus familiares. O reconhecimento da instituição como sua esfera domiciliar endossa o papel social que essas instituições cumprem; no entanto, independentemente da estratificação do local, eles sinalizaram o desejo de morrer próximo de sua família e familiares.

“Faz parte da união da família, todos juntos nesse momento (morte). Queria que acontecesse aqui mesmo, em casa”. (M1R1)

“Na hora da minha morte é importante porque eles (familiares) foram a minha vida (...). Queria estar lá em casa, com eles”. (M4R4)

Destaca-se no discurso destes idosos o elo relacionado à família que se manifesta valorizado. As pessoas idosas residentes em ILPI não desejam morrer desamparadas e esperam o acolhimento da sua família com a aceitação de sua morte.

Ainda na perspectiva do desejo das pessoas idosas de poderem morrer em casa, outras questões foram citadas, como a possibilidade de reduzir custos com cuidados hospitalares, a demora em serem atendidas, e a preocupação com a superlotação e otimização de leitos nos hospitais.

“Prefiro morrer em casa, que é aqui no asilo, do que no hospital, para eu morrer mais descansado.” (M7R7)

“Não preciso ficar ocupando leito dos outros, tirar o leito de pessoas que poderiam estar internadas, às vezes até numa situação pior do que a minha e não tem lugar”. (M12R12)

Na perspectiva de não morrer sozinho, a espiritualidade e a proteção foram consideradas relevantes e apontadas como um auxílio e esperança para o momento final de sua vida.

“Eu quero morrer pedindo aos espíritos iluminados, meus santos e minhas santas protetoras, Deus e Jesus, que me recebam”. (M4R4)

Ratificando o desejo de que o fim de vida seja construído com amparo, os idosos residentes declaram sobre o receio e medo de morrerem sozinhos.

“(...) eu tenho medo de morrer sozinha. Não tenho palavras.” (M11R11).

“Porque morrer “solita”, não ter ninguém por si, é triste”. (M5R5)

2. Final de um ciclo de vida: momento de resgate pessoal, despedida, afeto e fé

As pessoas idosas manifestaram que desejavam expressar seus agradecimentos e afetos aos seus familiares; demonstração de respeito e afeto que deve ser expressa tanto no decorrer da vida quanto na fase final.

Identifica-se que, para os participantes, era importante ressignificar vínculos afetivos, resolver conflitos ou desavenças passadas, valorizar os momentos finais de sua existência e aproveitar para realizar despedidas. Assim, permanecer socialmente conectados ou reconstruir vínculos com seus entes queridos mostra-se como desejo e vontade dos idosos residentes em ILPI.

“É importante, porque tu vais te despedir, não vai ver mais nada, terminou, para ficar pelo menos uma lembrança.” (M12R12).

“Porque eu creio que no passado quando era mais nova eu dizia muito(...), mas machucava. E eu não consegui conter aquele ímpeto de falar pesado com pessoas que não gostava, e “está errado.” (F2R14).

Associado aos desejos e vontades das pessoas idosas para benefício direto destaca-se a possibilidade de poder auxiliar outros residentes. A vontade de ajudar o outro é exibida como forma de retribuição do auxílio recebido por outras pessoas durante a trajetória de sua vida.

“Me sinto outra pessoa, melhor (referindo-se ao ajudar o próximo)”. (M11R11)

“Hoje estão fazendo, amanhã podem estar recebendo um banho.” (M12R12).

3. Preservação da dignidade humana da pessoa idosa que se encontra institucionalizada na terminalidade de vida

Sobre a expectativa de como querem receber o atendimento na terminalidade de suas vidas, as pessoas idosas se referem a um cuidado atencioso e respeitoso na velhice e com humanização manifestada pelo toque, e que os profissionais envolvidos na assistência estejam presentes e preservem a dignidade do ser humano.

“Se me atenderem de má vontade, então que não me atendam. Eu disse: (...) tenham um pouquinho de respeito e dignidade com ela, vão no quarto dela ver se ela está viva ainda. Não tocavam mais nela nem nada (...) Tu não achas que é uma falta de dignidade isso?” (F4R16).

“Porque o respeito é tudo”. (F1R13)

Na perspectiva da preservação da dignidade da pessoa idosa na terminalidade de sua vida, estas desejam ouvir suas músicas preferidas. Este gesto foi considerado como promotor de alegria, sensação de liberdade, redutor das dores, além de promover relaxamento mental.

“A minha vontade sempre foi ter música (...) até para certas pessoas é um remédio a música quando está terminando. Liga um som e fica ali escutando”. (M12R12).

“A música é uma das poucas coisas que me emocionam e me acalmam (...). Eu viajo, me faz bem, não sei por quê.” (F6R18).

Outro desejo mencionado alinhou-se à perspectiva de querer ser atendido e cuidado por profissionais de saúde cuidadosos e de confiança.

“Eu tenho médicos que são bem sinceros. Acho que tem que usar da sinceridade com a pessoa que está doente. É uma maneira de respeito com a pessoa, ela vai decidir o que quer, e o que precisa ou não.” (F2R14).

“Porque tem que ser uma pessoa em quem você confie para te falar dos seus problemas (...) tem que haver uma empatia, uma união, uma comunhão.” (F6R18).

Uma outra preocupação das pessoas idosas diz respeito às questões financeiras. Esta organização lhes dá mais segurança e possibilita a conquista da autonomia para tomar decisões e tranquilidade no período de terminalidade de sua existência.

“Deixar para os filhos para que eles não passem trabalho depois.” (M3R3).

“Tendo dinheiro, estou tranquilo vamos dizer assim, já não dependo de muitos. Já posso resolver o problema sozinho, tenho com o que.” (M12R12).

4. Não ser pressionado e não ser um peso para a família

As pessoas idosas mencionaram sentirem-se pressionadas por situações de fragilidade na comunicação de profissionais, familiares e outros vínculos de afeto; não auxiliando no processo terapêutico na terminalidade da vida.

“Não gosto que alguém fale alguma coisa ou que me mande (...) pode ser as mesmas palavras, mas a maneira que elas falam. Porque a decisão é minha.” (F2R14).

Em relação ao desejo da pessoa idosa não se sentir um peso para os seus familiares no período em questão, é expressa a vontade de conseguir se cuidar.

“Não vai faltar quem cuide, quem repare. Que eu tenha uma doença tranquila, que eu possa me ajudar. Talvez eu caia no hospital aí eu não sei.” (F5R17).

5. Manutenção dos sentidos e consciência da morte: desejo de uma experiência benéfica com controle da dor, de purificação e de entrega da vida por meio da fé

Na ótica do desejo das pessoas idosas, estas consideravam estarem conscientes para pedirem perdão a Deus pelas falhas cometidas em vida. Além disso, é mencionado sobre o desejo de experienciar a morte como uma passagem com bons sentimentos.

“Se eu estiver consciente e ciente da morte que venha a limpeza, pois para morrer precisa ter consciência e saber que vai morrer.” (F2R14)

“Não queria morrer dormindo, eu queria sentir a morte, ter uma visão boa (...) e entregar para Deus a vida e a morte.” (F5R17)

Neste sentido, os residentes desejavam estar conscientes, mas com analgesia adequada para poderem morrer sem dor, e preferiam ter uma morte súbita.

“Eu quero estar consciente no sentido de que eu já fiz aquela morfina, para dor. E ficar sem dor, sabe?” (F4R16).

“Quero estar acordada quando morrer. Quero morrer de repente.” (F4R16).

Um residente ainda referiu querer que preservassem seus sentidos para ficar alerta diante dos cuidados recebidos próximos ao final da vida; pois, tinha receio de não receber a atenção que necessitava.

“Quero... nos sentidos, como um policiamento da pessoa. Porque, quando você está à beira da morte, quando se está muito doente eles te tratam muito como lixo, eu acho.” (F6R18)

DISCUSSÃO

Dentre os aspectos sociodemográficos das pessoas idosas desta pesquisa, salienta-se que o universo do sexo feminino é maior que o universo de pessoas idosas do sexo masculino. Estudos realizados no Brasil referiram que as pessoas idosas residentes de ILPI eram, na sua maioria, mulheres e com média de idade maior que a dos homens¹³-¹⁵. Ademais, a faixa etária que concentra o maior número de pessoas idosas nas ILPI brasileiras é de 71 a 80 anos de idade¹⁵.

Sobre a renda das pessoas idosas nas ILPIs¹³,¹⁵-¹⁷, tem-se identificado que quase a totalidade das pessoas idosas era aposentada e recebia, em média, um salário-mínimo. Além disso, acerca do tempo de institucionalização, uma pesquisa relatou dados semelhantes aos deste estudo ao apresentar que o tempo de permanência da pessoa idosa na ILPI foi de um a cinco anos¹⁵. A respeito das motivações que levaram as pessoas idosas a residirem nas ILPI, os motivos relatados foram devido aos familiares não conseguirem lhes fornecer os cuidados necessários, além de questões relacionadas a vínculos rompidos¹⁶,¹⁷.

Em estudo balizado por uma revisão de escopo houve relato que a família é considerada essencial no momento final e que, assim sendo, a maioria dos residentes deseja morrer próximo a seus familiares¹⁸. Além disso, considera-se a família com importante papel para distrair os pensamentos preocupantes; é salutar estar lá, apesar das mudanças físicas e/ou de humor do paciente, e buscar permanecer até o fim¹⁹.

O desejo de estar em casa no final de suas vidas é expresso pelas pessoas idosas institucionalizadas. O reconhecimento da ILPI como esfera domiciliar firma-se ao preservar a identidade, privacidade, e ao assegurar um ambiente acolhedor, de respeito e dignidade da pessoa idosa². Os motivos incluem situações prévias de cuidados malsucedidos, o conforto do lar e preocupações com custos de longos períodos²⁰.

Entre os principais desejos e vontades dos participantes está o de afastar-se da solidão. O medo de morrer só se veicula ao fato de que a solidão é uma experiência subjetiva. Deste modo, a solidão é frequentemente identificada como um sentimento que pode estar presente mesmo na companhia de outras pessoas²¹.

Pode-se, nesse contexto, inferir que, para os idosos nas ILPI, o significado de morrer sentindo-se só é o abandono por parte das pessoas que amam, além de sentirem medo dessa condição²². Algumas pessoas podem olhar a morte com serenidade; outras, com um medo avassalador²³. Diante da questão sobre o medo de morrer só, a pessoa idosa deve ser compreendida em sua singularidade e integralidade; uma vez que as experiências no final da vida irão depender do contexto no qual esteja inserida, sua história e sua exposição a situações que a deixem vulnerável²⁴.

Neste sentido, o resgate pessoal no fim de vida não afasta a necessidade de amar e ser amado, de perdoar ou ser perdoado e de manter relacionamentos íntimos e de confiança. Talvez, nesta fase urge ainda mais essas necessidades por reconhecer como “última oportunidade”¹⁵. O desejo de se despedir dos seus vínculos de afeto e pedir perdão e reconciliação permite que suas falhas não sejam consideradas de grande importância em retrospecto e que estes vínculos permaneçam neles como boas lembranças após sua morte⁴.

Na perspectiva de a pessoa idosa desenvolver resiliência no final de vida, a presença das relações de ajuda ao próximo auxilia para um melhor enfrentamento das situações adversas como doença incapacitante ou morte²⁵. O princípio da dignidade humana estabelece proteção e autonomia da pessoa ao impor situações mínimas para que o ser humano consiga realmente viver, morrer e não apenas sobreviver²⁶.

Proximidade física, calor humano, apoio e comunicação respeitosa, aberta e honesta são de grande importância às pessoas que estão em terminalidade da vida⁴. Preservar a dignidade dos residentes é atribuição dos profissionais de saúde e é um valor central do pensamento na ótica dos cuidados paliativos²⁷. Atribuem, ainda, a possibilidade de manter a dignidade no sentido de conseguirem realizar uma organização financeira, manterem as amizades construídas, de não sentirem dor, de poderem ouvir suas músicas preferidas e que as interações entre eles sejam conduzidas de maneira respeitosa.

No aspecto supracitado, as pessoas idosas que vivem em ILPI desejam ser cuidadas pelos profissionais dentro de uma relação baseada na confiança, no respeito e na comunicação, de forma que percebam que os trabalhadores se preocupam com elas²⁸. Assim sendo, vê-se que a preocupação do residente com a morte tem relação com o resultado que esta pode ter sobre os outros²⁹.

A empatia deve ser instituída entre a pessoa idosa, a família e os profissionais; e as trocas de ideias e de informações sobre as necessidades da pessoa idosa devem ocorrer por meio do diálogo harmonioso³⁰. Nesta mesma linha, as condutas profissionais devem fornecer uma atenção singular a fim de possibilitar maior conforto dos incômodos sentidos pelo sujeito adoecido, entendendo que eles são próprios, pessoais e intransferíveis³¹.

Neste sentido, as condutas profissionais devem fornecer uma atenção singular e com empatia para possibilitar maior conforto dos incômodos sentidos pelo sujeito adoecido²². A pessoa idosa deve ter autonomia decisória até a morte; pois, isso, a faz sentir-se mais segura e menos pressionada³⁰.

Sob a ótica da manutenção dos sentidos e consciência da morte, a espiritualidade pode melhorar a estabilidade psicoemocional da pessoa, fortalecer sua autoidentidade e promover o ajuste à morte²¹. Experienciar a espiritualidade como um componente central na vida revela-se como um importante recurso na manutenção do bem-estar psicológico; especialmente para idosos vulneráveis institucionalizados⁵. Ademais, a fé e o apoio impulsionados pela espiritualidade proporcionam equilíbrio interior frente às situações de terminalidade²². Os residentes desejam morrer conscientes como base para poderem cumprir e fazer valer suas outras vontades ou por questões de cunho religioso⁴. Na perspectiva de permanecer alerta para observar os cuidados que serão prestados, as pessoas idosas em cuidados paliativos queriam estar alertas; pois acreditavam que uma ILPI prestaria cuidados inferiores³².

Neste contexto, o desejo de liberdade da dor era central para os moradores. Experiências pessoais ou doenças anteriores foram citadas por preocupação com sintomas já vivenciados³.

Cabe ressaltar que a pesquisa possui limitações por ter englobado apenas duas ILPI e desconsiderado os residentes que não atingiram escore mínimo do MEEM, os quais não tiveram seus desejos e vontades conhecidos.

CONCLUSÃO

Os resultados do estudo possibilitaram conhecer os desejos e vontades das pessoas idosas residentes em ILPI na terminalidade da vida. Evidenciou-se que estes desejos e vontades são caracterizados por questões relacionadas à maneira de serem cuidadas por profissionais da saúde; mas, prioritariamente, por almejarem aspectos amplos de vida.

No trabalho, percebeu-se que a maioria dos participantes estavam dispostos, quiseram e sentiram a necessidade de falar sobre os seus desejos e vontades. Nesta perspectiva, o acolhimento, o aceite da família e a possibilidade de a morte ocorrer na ILPI ou no domicílio constituem situações desejadas. Além disso, o momento da morte representa o final de um ciclo de vida em que há necessidade do resgate pessoal, da despedida, do afeto e do reforço da fé.

As pessoas idosas institucionalizadas anseiam por ter sua dignidade humana preservada, além de desejarem não serem pressionadas a fazer o que não querem e não se sentirem um peso para a família. Neste ensejo, foi relatada a manutenção dos sentidos e consciência da morte como forma de controle dos cuidados prestados e, também, como uma possibilidade de desejo de uma experiência benéfica, sem dor, de purificação e de entrega por meio da fé.

Esta pesquisa igualmente possibilita colaborar para que as ações dos profissionais da saúde, em especial os de enfermagem, possam enriquecer-se sobre o conhecimento dos desejos e vontades frente à terminalidade de vida. Originam-se desdobramentos de que esses desejos e vontades possam ser documentados para influenciarem positivamente as pessoas idosas a resguardarem sua autonomia e dignidade na terminalidade de vida.

• Não houve financiamento para a execução desse trabalho.

• DISPONIBILIDADE DE DADOS

  Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação ao autor correspondente Fabiane Marzari Possatti.

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Editado por

Editado por: Marquiony Marques dos Santos

Disponibilidade de dados

Todo o conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo está disponível mediante solicitação ao autor correspondente Fabiane Marzari Possatti.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  05 Abr 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  19 Jul 2023
• Aceito
  29 Jan 2024