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Estratégia Chave para Prever Doenças Cardiovasculares: Uma Combinação de Índices Antropométricos

Antropometria; Doenças Cardiovasculares; Obesidade; Pandemias; Fatores de Risco

A pandemia de obesidade é um dos problemas de saúde mais urgentes do século XXI. Prevalente mesmo em países desenvolvidos e em desenvolvimento, essa doença tem sido relacionada a eventos cardiovasculares, dislipidemia, diabetes tipo 2, distúrbios do sono e câncer. Recentemente, foi considerada um fator de risco para gravidade na doença causada pelo novo coronavírus-2019 (COVID-19).11. KY SK, Bhat PKR, Sorake CJ. Double Trouble: A Pandemic of Obesity and COVID-19. Lancet Gastroenterol Hepatol. 2021;6(8):608. doi: 10.1016/S2468-1253(21)00190-4. , 22. Jardim PCBV. Overweight, the Cardiovascular Risk of the Century. Arq Bras Cardiol. 2019;113(2):185-7. doi: 10.5935/abc.20190171.

No Brasil, a Pesquisa Nacional de Saúde, em parceria com o Ministério da Saúde, constatou que a obesidade tem aumentado gradativamente nos últimos 17 anos em mulheres (14,5% a 30,2%) e homens (9,6% a 22,8%) adultos. Sua prevalência mais do que dobrou entre 2003 e 2019.33. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: Atenção Primária à Saúde e Informações Antropométricas. Rio de Janeiro: IBGE. 2020. Um esforço colaborativo entre o governo, funcionários de saúde pública e equipe médica é necessário para lidar com o problema complexo e multifatorial da obesidade.

Na prática clínica diária, a obesidade é avaliada por meio da medida do peso corporal e da gordura excessiva. Além do índice de massa corporal (IMC), índices antropométricos independentes, incluindo a circunferência da cintura (CC), relação cintura-quadril (RCQ) e índice de adiposidade corporal (IAC), são meios acessíveis para avaliar a obesidade abdominal. Apesar da disponibilidade e segurança na obtenção desses parâmetros, os índices adequados para prever o desenvolvimento de doenças cardiovasculares (DCV) em diferentes idades, sexos e etnias permanecem desconhecidos.44. Ross R, Neeland IJ, Yamashita S, Shai I, Seidell J, Magni P, et al. Waist Circumference as a Vital Sign in Clinical Practice: A Consensus Statement from the IAS and ICCR Working Group on Visceral Obesity. Nat Rev Endocrinol. 2020;16(3):177-89. doi: 10.1038/s41574-019-0310-7.

Vários estudos brasileiros obtiveram resultados conflitantes ao avaliar as medidas antropométricas e o risco de desenvolvimento de DCV em adultos. Barroso et al. descobriram que a obesidade central, mas não o IMC, foi um preditor de DCV em mulheres adultas.55. Barroso TA, Marins LB, Alves R, Gonçalves ACS, Barroso SG, Rocha GS. Association of Central Obesity with The Incidence of Cardiovascular Diseases and Risk Factors. Int J Cardiovasc Sci. 2017;30(5):416-24. https://doi.org/10.5935/2359-4802.20170073.
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A CC foi considerada a ferramenta alternativa de triagem mais adequada para identificar mulheres quilombolas com risco mais significativo de DCV.66. Ferreira HS, Soares ML, Krakauer NY, Santos EA, Krakauer JC, Uchôa TC, et al. What is the Best Anthropometric Predictor for Identifying Higher Risk for Cardiovascular Diseases in Afro-Descendant Brazilian Women? A Cross-Sectional Population-Based Study. Am J Hum Biol. 2021:e23652. doi: 10.1002/ajhb.23652. Outro estudo relatou que o IMC, a CC e a RCQ foram preditores viáveis de DCV em homens, enquanto o IMC foi o preditor mais confiável para mulheres.77. Martins MV, Ribeiro AQ, Martinho KO, Franco FS, Souza JD, Morais KBD, et al. Anthropometric Indicators of Obesity as Predictors of Cardiovascular Risk in the Elderly. Nutr Hosp. 2015;31(6):2583-9. doi: 10.3305/nh.2015.31.6.8372. Hachbardt et al.88. Hachbardt NB, Hattori TY, Nascimento VF, Silva JH, Terças-Trettel ACP, Oliveira VKV, et al. Cardiovascular Risk in Women Deprived of Freedom from a Public Prison in Mato Grosso, Brazil. High Blood Press Cardiovasc Prev. 2020;27(2):139-50. doi: 10.1007/s40292-020-00365-2. recentemente demonstraram que o IMC estava associado à CC, relacionado ao risco de DCV, mas não à RCQ.88. Hachbardt NB, Hattori TY, Nascimento VF, Silva JH, Terças-Trettel ACP, Oliveira VKV, et al. Cardiovascular Risk in Women Deprived of Freedom from a Public Prison in Mato Grosso, Brazil. High Blood Press Cardiovasc Prev. 2020;27(2):139-50. doi: 10.1007/s40292-020-00365-2. Ao resolver os resultados conflitantes desses estudos, o indicador antropométrico padrão-ouro de adiposidade para predizer DCV pode ser estabelecido. Esses estudos foram realizados em diferentes períodos de tempo e seus tamanhos de amostra não eram representativos de toda a população do país.

O Estudo Longitudinal de Saúde do Adulto (ELSA-Brasil) relatou a associação entre indicadores antropométricos de obesidade e DCV em uma grande amostra de mulheres e homens.99. Eickemberg M, Amorim LDAF, Almeida MDCC, Aquino EML, Fonseca MJMD, Santos IS, et al. Indicators of Abdominal Adiposity and Carotid Intima-Media Thickness: Results from the Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brazil). Arq Bras Cardiol. 2019;112(3):220-7. doi: 10.5935/abc.20180273. O parâmetro da circunferência do pescoço e o IAC foram propostos como preditores de um risco de 10 anos para o desenvolvimento de doença coronariana.1010. Silva AAGO, Araujo LF, Diniz MFHS, Lotufo PA, Bensenor IM, Barreto SM, et al. Neck Circumference and 10-Year Cardiovascular Risk at the Baseline of the ELSA-Brasil Study: Difference by Sex. Arq Bras Cardiol. 2020;115(5):840-8. doi: 10.36660/abc.20190289. , 1111. Almeida RT, Pereira ADC, Fonseca MJMD, Matos SMA, Aquino EML. Association Between Body Adiposity Index and Coronary Risk in the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Clin Nutr. 2020;39(5):1423-31. doi: 10.1016/j.clnu.2019.06.001.

Nesta edição dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia, a equipe do ELSA-Brasil propôs um novo método de previsão de DCV baseado na combinação dos parâmetros antropométricos. O primeiro mérito do estudo foi que Almeida et al.1212. Almeida RT, Matos SMA, Aquino EML. Individual and Combined Performance of Indicators of Overall and Central Obesity to Estimate Coronary Risk in ELSA-Brasil Participants. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(4):701-712. foram o primeiro grupo a investigar a capacidade preditiva de parâmetros antropométricos individuais ou combinados para risco coronariano em 15.092 brasileiros.1212. Almeida RT, Matos SMA, Aquino EML. Individual and Combined Performance of Indicators of Overall and Central Obesity to Estimate Coronary Risk in ELSA-Brasil Participants. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(4):701-712. Além da análise individual dos parâmetros de obesidade, os autores criaram quatro combinações (IAC mais CC, IMC mais CC, IAC mais RCQ e IMC mais RCQ) para testar suas hipóteses. O segundo ponto positivo do estudo foi associar um parâmetro de obesidade geral a um indicador de obesidade central. Para caracterizar um risco aumentado para eventos cardiovasculares, os indivíduos foram classificados nos seguintes grupos: VHR20% - para aqueles com 20% ou mais de risco de doença arterial coronariana em 10 anos; e HR10%, para indivíduos com 10-20% de risco de doença arterial coronariana em 10 anos.

Abaixo estão as principais conclusões do estudo: Para parâmetros individuais, a RCQ foi o parâmetro mais confiável para VHR20% em ambos os sexos. Ao analisar as combinações, RCQ mais IAC foi o preditor mais confiável para homens, enquanto RCQ mais IMC foi o preditor mais confiável para mulheres com VHR 20%. Além disso, indivíduos com HR10% tiveram um risco maior de doença coronariana em 10 anos quando um IAC ou IMC aumentado foi combinado com uma CC ou RCQ mais elevada.1212. Almeida RT, Matos SMA, Aquino EML. Individual and Combined Performance of Indicators of Overall and Central Obesity to Estimate Coronary Risk in ELSA-Brasil Participants. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(4):701-712. Em resumo, as combinações de pelo menos um parâmetro de obesidade geral e um parâmetro de obesidade central foram os principais preditores de desenvolvimento de risco coronariano em 10 anos.

Esses dados destacaram a importância de incluir medidas agrupadas para analisar perfis de DCV. As informações obtidas neste estudo são essenciais para a revisão e atualização das diretrizes clínicas e das políticas públicas de saúde. A população brasileira é heterogênea em termos de condições sociais, econômicas e de saúde.1212. Almeida RT, Matos SMA, Aquino EML. Individual and Combined Performance of Indicators of Overall and Central Obesity to Estimate Coronary Risk in ELSA-Brasil Participants. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(4):701-712. Assim, análises futuras devem incluir um tamanho de amostra representativo para melhor compreender esta doença e seu manejo. Além disso, a pesquisa de Almeida et al.1212. Almeida RT, Matos SMA, Aquino EML. Individual and Combined Performance of Indicators of Overall and Central Obesity to Estimate Coronary Risk in ELSA-Brasil Participants. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(4):701-712. pode abrir caminhos para novos estudos que identifiquem os marcadores ideais em outros grupos, como a população jovem brasileira, comparando a associação de parâmetros antropométricos combinados no desenvolvimento do risco de DCV.

É hora de agir para proteger nossos corações.

Referências

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    KY SK, Bhat PKR, Sorake CJ. Double Trouble: A Pandemic of Obesity and COVID-19. Lancet Gastroenterol Hepatol. 2021;6(8):608. doi: 10.1016/S2468-1253(21)00190-4.
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    Jardim PCBV. Overweight, the Cardiovascular Risk of the Century. Arq Bras Cardiol. 2019;113(2):185-7. doi: 10.5935/abc.20190171.
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    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional de Saúde 2019: Atenção Primária à Saúde e Informações Antropométricas. Rio de Janeiro: IBGE. 2020.
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    Ross R, Neeland IJ, Yamashita S, Shai I, Seidell J, Magni P, et al. Waist Circumference as a Vital Sign in Clinical Practice: A Consensus Statement from the IAS and ICCR Working Group on Visceral Obesity. Nat Rev Endocrinol. 2020;16(3):177-89. doi: 10.1038/s41574-019-0310-7.
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    Ferreira HS, Soares ML, Krakauer NY, Santos EA, Krakauer JC, Uchôa TC, et al. What is the Best Anthropometric Predictor for Identifying Higher Risk for Cardiovascular Diseases in Afro-Descendant Brazilian Women? A Cross-Sectional Population-Based Study. Am J Hum Biol. 2021:e23652. doi: 10.1002/ajhb.23652.
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    Hachbardt NB, Hattori TY, Nascimento VF, Silva JH, Terças-Trettel ACP, Oliveira VKV, et al. Cardiovascular Risk in Women Deprived of Freedom from a Public Prison in Mato Grosso, Brazil. High Blood Press Cardiovasc Prev. 2020;27(2):139-50. doi: 10.1007/s40292-020-00365-2.
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    Eickemberg M, Amorim LDAF, Almeida MDCC, Aquino EML, Fonseca MJMD, Santos IS, et al. Indicators of Abdominal Adiposity and Carotid Intima-Media Thickness: Results from the Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brazil). Arq Bras Cardiol. 2019;112(3):220-7. doi: 10.5935/abc.20180273.
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    Silva AAGO, Araujo LF, Diniz MFHS, Lotufo PA, Bensenor IM, Barreto SM, et al. Neck Circumference and 10-Year Cardiovascular Risk at the Baseline of the ELSA-Brasil Study: Difference by Sex. Arq Bras Cardiol. 2020;115(5):840-8. doi: 10.36660/abc.20190289.
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    Almeida RT, Pereira ADC, Fonseca MJMD, Matos SMA, Aquino EML. Association Between Body Adiposity Index and Coronary Risk in the Brazilian Longitudinal Study of Adult Health (ELSA-Brasil). Clin Nutr. 2020;39(5):1423-31. doi: 10.1016/j.clnu.2019.06.001.
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    Almeida RT, Matos SMA, Aquino EML. Individual and Combined Performance of Indicators of Overall and Central Obesity to Estimate Coronary Risk in ELSA-Brasil Participants. Arq Bras Cardiol. 2021; 117(4):701-712.
  • Minieditorial referente ao artigo: Desempenho Individual e Combinado de Indicadores de Obesidade Geral e Central para Estimar Risco Coronariano em Participantes do ELSA-Brasil

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Out 2021
  • Data do Fascículo
    Out 2021
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