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Efeito da variação das características higrotérmicas do concreto no comportamento higrotérmigo de uma parede

Effect of varying the hydrothermal characteristics of concrete on the hygrothermal behaviour of a wall

Resumo

Simulações computacionais higrotérmicas consideram trocas transientes e simultâneas de calor e umidade entre os elementos construtivos e o ambiente, sendo uma ferramenta importante de apoio ao projeto e à avaliação de desempenho de edifícios. Essas simulações requerem como dados de entrada a descrição do elemento construtivo, as condições ambientais às quais ele está exposto e as características higrotérmicas dos materiais. Este artigo apresenta uma análise exploratória dos resultados da simulação higrotérmica de uma parede de concreto variando-se as características higrotérmicas do material. As condições ambientais internas foram obtidas utilizando o EnergyPlus™ e a simulação higrotérmica foi feita no WUFI® Pro, com pós-processamento no WUFI® Bio para avaliar o risco de ocorrência de fungos emboloradores. Houve diferenças significativas no comportamento higrotérmico das paredes em função da variação das características higrotérmicas dos materiais, sobretudo para o tipo de concreto cuja função de transporte capilar mostrou-se diferente dos demais. Os resultados indicam a importância de analisar as características e funções higrotérmicas para simulações higrotérmicas e a necessidade de sua determinação experimental para os materiais de construção brasileiros.

Palavras-chave:
simulação computacional; Desempenho higrotérmico; Concreto; Fungo embolorador; Umidade

Abstract

Hygrothermal computer simulations consider transient and simultaneous exchanges of heat and moisture between the building elements and the environment. They are an important tool to support the design and performance assessment of buildings. These simulations require the description of the building element, the environmental conditions to which it is exposed, and the hygrothermal characteristics of the materials that compose it as input data. This paper presents an exploratory analysis of the results of the hygrothermal simulation of a concrete wall varying the hygrothermal characteristics of the material. The internal environmental conditions were obtained using EnergyPlus ® and the hygrothermal simulation was done in WUFI ® Pro, with post-processing in WUFI ® Bio to evaluate the risk of mold occurrence. The hygrothermal behavior of the walls varied significantly with the variation in hygrothermal characteristics of the materials, especially for one type of concrete that had a very different capillary transport function. The results indicate the importance of analyzing hygrothermal characteristics and functions for hygrothermal simulations and the need to experimentally determine such characteristics for Brazilian building materials.

Keywords:
Computer simulation; Hygrothermal performance; Concrete; Mould; Moisture

Introdução

A água é um importante agente de degradação dos materiais de construção, uma vez que cria condições propícias à corrosão de materiais metálicos (Panossian; Almeida; Siqueira, 1991PANOSSIAN, Z.; ALMEIDA, N. L.; SIQUEIRA, F. J. S. Corrosão atmosférica de metais no estado de São Paulo. São Paulo: IPT, 1991.), ao desenvolvimento de microrganismos que podem causar a biodeterioração de alguns materiais (por exemplo, madeira) (Shirakawa; John; Cincotto, 2008SHIRAKAWA, M. A.; JOHN, V. M.; CINCOTTO, M. A. Biodeterioração no ambiente construído. In: MELO, I. S.; AZEVEDO, J. L. (org.) Microbiologia ambiental. 2. ed. Jaguariúna: Embrapa, 2008.), entre outros. Além disso, a umidade em excesso pode ocasionar a ocorrência de fungos filamentosos, também conhecidos como fungos emboloradores, os quais podem prejudicar a qualidade do ar interno das edificações (WHO, 2009WORLD HEALTH ORGANIZATION. Guidelines for indoor air quality: dampness and mould. 2009. Copenhagen: WHO Regional Office for Europe, 2009.).

Atualmente, a norma brasileira de desempenho de edificações residenciais, NBR 15575-1 (ABNT, 2013ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15575-1: edificações habitacionais: desempenho: parte 1: requisitos gerais. Rio de Janeiro, 2013.) estabelece requisitos e critérios de desempenho para a estanqueidade à água proveniente do ambiente externo (chuva) ou interno(áreas molhadas e molháveis). Entretanto, a água pode se fazer presente de outras formas, incluindo a condensação do vapor d’água sobre superfícies e a transferência de água líquida ou de vapor d’água através dos elementos construtivos (Bomberg; Shirtliffe, 2009BOMBERG, M. T.; SHIRTLIFFE, C. J. Hygrothermal characteristics of materials and components used in building enclosures. In: TRECHSEL, H. R.; BOMBERG, M. T. (ed.). Moisture control in buildings: the key factor in mold prevention. 2nd. ed. West Conshohocken, 2009.). Materiais porosos podem absorver água por capilaridade e permitir a passagem de vapor d’água por difusão através dos poros; além disso, pode ocorrer condensação de vapor d’água no interior dos poros, o que é denominado condensação intersticial (Krus, 1996KRUS, M. Moisture transport and storage coefficients of porous mineral building materials: theoretical principles and new test methods. Stuttgart: Fraunhofer IRB-Verlag Stuttgart, 1996. ).

É possível avaliar experimentalmente as trocas de calor e umidadeincluindo a difusão de vapor d’água; contudo, são fenômenos complexos e que ocorrem lentamente, exigindo ensaios com duração de meses ou até anos. Sendo assim, uma alternativa para sua análise é a simulação higrotérmica computacional, que considera trocas transientes (não-estacionárias) e simultâneas de calor e umidade entre os elementos construtivos e o ambiente (Künzel, 1995KÜNZEL, H. M. Simultaneous heat and moisture transport in building components: one- and two-dimensional calculation using simple parameters. Stuttgart: Fraunhofer IBR Verlag Stuttgart, 1995.). Estas simulações requerem como dados de entrada as condições ambientais às quais o elemento construtivo está exposto, a descrição do elemento construtivo e as características higrotérmicas dos materiais que o compõem. Como saídas, obtêm-se os perfis de temperatura, umidade relativa e teor de umidade em cada camada do elemento construtivo, ao longo dos anos considerados na simulação, o que permite avaliar o risco de ocorrência de fungos emboloradores, entre outros potenciais problemas (Künzel, 1995).

A simulação computacional higrotérmica já é amplamente utilizada no exterior (Hamdaoui et al., 2021HAMDAOUI, M. et al. A review on physical and data-driven modeling of buildings hygrothermal behavior: Models, approaches and simulation tools. Energy & Buildings, v. 251, 111343, 2021.), constando inclusive de normas técnicas para avaliação do desempenho de envoltórias de edifícios, tais como a norma norte americana Standard 160 (ASHRAE, 2016AMERICAN SOCIETY OF HEATING, REFRIGERATING AND AIR-CONDITIONING ENGINEERS. ANSI/ASHRAE Standard 160: criteria for moisture-control design analysis in buildings. Atlanta, 2016.) e a norma europeia EN 15026 (DIN, 2007DEUTSCHES INSTITUT FÜR NORMUNG EN 15026: hygrothermal performance of building components and building elements: assessment of moisture transfer by numerical simulation. Berlim, 2007.). No Brasil, a simulação higrotérmica é predominantemente usada para fins de pesquisa, incluindo a avaliação do comportamento de fachadas e envoltórias feitas de diferentes materiais frente à umidade (Afonso, 2018AFONSO, T. M. Desempenho higrotérmico de edificações e procedimentos para previsão de ocorrência de bolores em ambientes internos: estudo de caso de habitações construídas com paredes de concreto. São Paulo, 2018. Dissertação (Mestrado Profissional em Habitação) - Instituto de Pesquisas Tecnológicas, São Paulo, 2018.; Santos, 2019SANTOS, A. C. Avaliação do desempenho potencial de duas soluções de revestimentos argamassados em função do risco de formação de fungos emboloradores no interior de edificações na cidade de São Paulo. São Paulo, 2019. Dissertação (Mestrado Profissional em Habitação) - Instituto de Pesquisas Tecnológicas, São Paulo, 2019.; Socoloski et al., 2023SOCOLOSKI, R. F. et al. The influence of temperature and rain moisture in mortar facades obtained through hygrothermal simulation. Construction and Building Materials, v. 370, mar. 2023.; Zanoni et al., 2020ZANONI, V. A. G. et al. Estudo higrotérmico na autoconstrução: simulação computacional e medições em campo. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 20, n. 3, p. 109-120, jul./set. 2020.), bem como o desenvolvimento de aspectos metodológicos (Goffart; Rabouille; Mendes, 2015GOFFART, J.; RABOUILLE, M.; MENDES, N. Uncertainty and sensitivity analysis applied to hygrothermal simulation of a brick building in a hot and humid climate. Journal of Building Performance Simulation, v. 10, n. 1, p. 37-57, 2015.; Zanoni; Sanchez; Bauer, 2018ZANONI, V. A. G.; SANCHEZ, J. M. M.; BAUER, E. Métodos para quantificação de chuva dirigida incidente nas fachadas das edificações. PARC Pesquisa em Arquitetura e Construção, v. 9, n. 2, p. 122-132, jun. 2018.) e modelos numéricos (Mendes, 1997MENDES, N. Modelos para previsão de transferência de calor e de umidade em elementos porosos de edificações. Florianópolis, 1997. Tese (Doutorado em Engenharia Mecânica) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1997.; Berger et al., 2020BERGER, J. et al. An efficient two-dimensional heat transfer model for building envelopes. Numerical Heat Transfer, Part A: Applications, v. 79, n. 3, p. 163-194, 2020.).

Embora a simulação higrotérmica seja uma ferramenta com alto potencial para avaliar o comportamento das edificações frente à umidade, a confiabilidade desta avaliação depende diretamente da confiabilidade dos dados de entrada, bem como da precisão do modelo numérico. No Brasil, ainda faltam dados importantespara viabilizar o uso desta ferramenta, em especial as características higrotérmicas dos materiais de construção brasileiros. Nesse sentido, é fundamental compreender a influência das características higrotérmicas dos materiais nosresultados da simulação computacional do comportamento higrotérmico de elementos construtivos, visando priorizar a determinação experimental destes parâmetros para os materiais brasileiros de acordo com a sua importância.

O objetivo deste artigo é apresentar uma análise do efeito da variação de características higrotérmicas do concreto no comportamento higrotérmico de uma parede, avaliado por simulação computacional. A parede de concreto é utilizada como exemplo, não sendo propósito deste artigo a avaliação de desempenho deste sistema construtivo. Com este trabalho, busca-se contribuir com a definição de prioridades para determinação das características higrotérmicas de materiais de construção brasileiros.

Referencial teórico

Mecanismos de transporte de calor e umidade

Os materiais trocam constantemente calor e umidade com o entorno, seja com o ambiente, seja com outros materiais com os quais tenham interface. Considerando como exemplo uma parede externa de uma edificação, este elemento construtivo está sujeito a variações de temperatura e umidade do ambiente externo, devido à incidência de radiação solar, de chuva e à umidade relativa do ar externo. Quanto ao ambiente interno, há também a geração de calor e umidade por fontes como pessoas e equipamentos de cocção, por exemplo. A Figura 1 apresenta as principais fontes e mecanismos de troca de calor e umidade para uma parede externa de uma edificação.

Os mecanismos de transporte de calor e umidade em materiais são interdependentes. O transporte de calor (∂H) se dá mediante diferença de temperatura (∂T) e ocorre por condução e por mudança de fase associada à condensação ou evaporação de vapor d’água (Equação 1). Tanto a condutividade térmica dos materiais quanto a mudança de fase dependem da umidade. Já o transporte de umidade (∂w) se dá mediante diferença de umidade relativa (∂φ) e ocorre por transporte capilar de água líquida e por difusão de vapor d’água (Equação 2), sendo que ambos são uma função da umidade relativa do ar, que por sua vez é dependente da temperatura (Equação 3) (Künzel, 1995KÜNZEL, H. M. Simultaneous heat and moisture transport in building components: one- and two-dimensional calculation using simple parameters. Stuttgart: Fraunhofer IBR Verlag Stuttgart, 1995.).

H T . T t = λ. T condução + h v . δ. φ. p sat difusão de vapor mudança de fase Eq. 1

Onde:

H é a entalpia total (J/m³);

T é a temperatura (°C);

t é o tempo (s);

λ é a condutividade térmica do material (W/(m.K));

hv é o calor latente de mudança de fase da água (J/kg);

δ é a permeabilidade ao vapor d’água do material (kg/(m.s.Pa));

φ é a umidade relativa do ar; e

psat é a pressão de saturação de vapor d’água (Pa).

Figura 1
Representação esquemática das fontes de calor e umidade externas e internas às edificações e dos mecanismos de transporte e armazenamento de calor e umidade em componentes construtivos

w φ . φ t = D φ . φ capilaridade + δ. ( φ. p sat ) difusão de vapor Eq. 2

Onde:

w é o teor de umidade (kg/m³);

φ é a umidade relativa do ar, t é o tempo (s);

Dφ é o coeficiente de transporte líquido do material (kg/(m.s));

δ é a permeabilidade ao vapor d’água do material (kg/(m.s.Pa)); e

psat é a pressão de saturação de vapor d’água.

φ = p v p sat = p v 611 . e α.T T 0 + T Eq. 3

Onde:

φ é a umidade relativa do ar;

pv é a pressão parcial de vapor (Pa);

psat é a pressão parcial de vapor de saturação (Pa);

T é a temperatura (°C) e T 0 e α são constantes dependentes da temperatura: se T ≤ 0°C, T 0 = 272,44°C e α = 22,44; se T> 0°C, T 0 = 234,18°C e α = 17,08.

As Equações 1 e 2 são a base da modelagem das trocas transientes e simultâneas de calor e umidade nos programas de simulação computacional higrotérmica. Essas equações são utilizadas em conjunto com outrasequações, que representam as fontes de calor (radiação solar, radiação de onda longa e convecção) e de umidade (chuva dirigida e vapor d’água) que incidem sobre as superfícies dos elementos construtivos (Künzel, 1995KÜNZEL, H. M. Simultaneous heat and moisture transport in building components: one- and two-dimensional calculation using simple parameters. Stuttgart: Fraunhofer IBR Verlag Stuttgart, 1995.). Em geral, os programas de simulação higrotérmica demandam dados horários para as condições ambientais externas e internas; no caso das condições ambientais externas, o ideal é ter um ano higrotérmico típico, ou hygrothermal reference year (HRY) (ASHRAE, 2016).

Armazenamento de umidade em materiais porosos

A capacidade de materiais porosos armazenarem umidade está relacionada à quantidade, tamanho e geometria dos poros e à composição química dos materiais, que define sua higroscopicidade, ou seja, a afinidade dos materiais com a água (Kumaran, 2009KUMARAN, M. K. Fundamentals of transport and storage of moisture in building materials and components. In: TRECHSEL, H. R.; BOMBERG, M. T. (ed.). Moisture control in buildings: the key factor in mold prevention . 2nd. ed. West Conshohocken: ASTM, 2009.). A Figura 2 apresenta uma representação esquemática da função de armazenamento de umidade de um material, que descreve o teor de umidade do material em função da umidade relativa do ar.

Figura 2
Representação esquemática da função de armazenamento de umidade de um material

Observam-se três regiões na função de armazenamento de umidade. Na região de sorção, o material adsorve o vapor d’água contido no ar até atingir um estado de equilíbrio com o ambiente (Künzel, 1995KÜNZEL, H. M. Simultaneous heat and moisture transport in building components: one- and two-dimensional calculation using simple parameters. Stuttgart: Fraunhofer IBR Verlag Stuttgart, 1995.). As moléculas de água ficam aderidas às paredes dos poros e, na medida em que a umidade relativa do ar aumenta e o material adsorve mais vapor d’água, essas moléculas se juntam e forma-se um filme de água líquida sobre as paredes dos poros, fenômeno conhecido como condensação capilar (Künzel, 1995KÜNZEL, H. M. Simultaneous heat and moisture transport in building components: one- and two-dimensional calculation using simple parameters. Stuttgart: Fraunhofer IBR Verlag Stuttgart, 1995.). Na região de capilaridade, que se inicia à umidade relativa de aproximadamente 95%, os poros capilares menores estão totalmente preenchidos com água e começa a ocorrer o transporte de água líquida no interior do material, causando um incremento significativo no seu teor de umidade, até que todos os poros capilares estejam preenchidos com água, que corresponde ao teor de saturação livre do material (Künzel, 1995KÜNZEL, H. M. Simultaneous heat and moisture transport in building components: one- and two-dimensional calculation using simple parameters. Stuttgart: Fraunhofer IBR Verlag Stuttgart, 1995.). Ainda assim, haverá poros que não estão preenchidos com água; para saturá-los, é necessário aplicar uma pressão externa adicional, o que corresponde à região de supersaturação(Krus, 1996KRUS, M. Moisture transport and storage coefficients of porous mineral building materials: theoretical principles and new test methods. Stuttgart: Fraunhofer IRB-Verlag Stuttgart, 1996. ; Künzel, 1995KÜNZEL, H. M. Simultaneous heat and moisture transport in building components: one- and two-dimensional calculation using simple parameters. Stuttgart: Fraunhofer IBR Verlag Stuttgart, 1995.).

A função de armazenamento de umidade também funciona no sentido da secagem do material: com a redução da umidade relativa do ar, a água contida nos poros é liberada para o ambiente na forma de vapor d’água. Para a maioria dos materiais de construção, as curvas de adsorção e dessorção são similares e sofrem influências poucos significativas das variações usuais da temperatura do ar; por isso, é suficiente determinar esta curva para uma temperatura, sendo denominada isoterma de sorção (Künzel, 1995KÜNZEL, H. M. Simultaneous heat and moisture transport in building components: one- and two-dimensional calculation using simple parameters. Stuttgart: Fraunhofer IBR Verlag Stuttgart, 1995.). A isoterma de sorção pode ser determinada experimentalmente, expondo um material a diferentes níveis de umidade relativa do ar e, em cada nível, aguardando que a massa do material se estabilize, o que indica equilíbrio com o ambiente, e quantificando o ganho de massa do material, que indica seu teor de umidade (ISO, 2013INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 12571: hygrothermal performance of building materials and products: determination of hygroscopic sorption properties. Genebra, 2013.). Trata-se de um ensaio demorado, pois o estabelecimento do estado de equilíbrio com a umidade relativa do ar é um processo lento (Krus, 1996KRUS, M. Moisture transport and storage coefficients of porous mineral building materials: theoretical principles and new test methods. Stuttgart: Fraunhofer IRB-Verlag Stuttgart, 1996. ).

Características higrotérmicas dos materiais

As características higrotérmicas são aquelas que descrevem o armazenamento e o transporte de calor e umidade nos materiais, constantes das Equações 1 e 2.

Condutividade térmica

A condutividade térmica do material (λ) descreve a quantidade de energia que ele transmite quando este material é submetido a um gradiente de temperatura uniforme, de 1 K/m (ABNT, 2022aASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220-2: desempenho térmico de edificações: parte 2: componentes e elementos construtivos das edificações: resistência e transmitância térmica: métodos de cálculo (ISO 6946:2017 MOD). Rio de Janeiro, 2022a.). Podem ser utilizados valores tabelados, como os da NBR ISO 10456 (ABNT, 2022bASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR ISO 10456: materiais e produtos de construção: propriedades higrotérmicas: valores e procedimentos tabulados para determinar valores térmicos declarados e de projeto. Rio de Janeiro, 2022b.), ou pode ser feita sua determinação experimental.

Permeabilidade ao vapor d’água

O transporte de vapor d’água se dá por difusão, induzida pela diferença de pressão parcial de vapor d’água (∇p v ), que por sua vez depende da diferença de temperatura do ar, conforme apresentado na Equação 3. A permeabilidade ao vapor d’água (δ), cuja unidade de medida é kg/(m.s.Pa), é a característica higrotérmica que descreve a quantidade de vapor d’água que pode passar por um material, por unidade de espessura, por um determinado tempo, a uma determinada diferença de pressão parcial de vapor.

A permeabilidade ao vapor d’água pode ser calculada a partir da permeância (W), que descreve a quantidade de vapor d’água que passa por uma determinada área de material, por um determinado tempo, mediante uma determinada diferença de pressão parcial de vapor, como mostra a Equação 4. A permeância pode ser determinada experimentalmente, conforme a ISO 12572 (ISO, 2017INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 12572: hygrothermal performance of building materials and products: determination of water vapour transmission properties: cup method. Genebra, 2017.).

δ = W.d Eq. 4

Onde:

δ é a permeabilidade ao vapor d’água do material (kg/(m.s.Pa));

W é a permeância ao vapor d’água do material (kg/(m².s.Pa)); e

d é a espessura do material (m).

Como os valores de permeância são em unidades para as quais não se tem muita sensibilidade, há um parâmetro adicional, que é a espessura da camada de ar (S d ) com permeabilidade ao vapor d’água equivalente à do material, conforme mostra a Equação 5 (ISO, 2017INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 12572: hygrothermal performance of building materials and products: determination of water vapour transmission properties: cup method. Genebra, 2017.).

S d = μ.d = δ ar δ .d Eq. 5

Onde:

Sd é a espessura da camada de ar equivalente (m);

μ é o fator de resistência à difusão de vapor d’água (adimensional);

δar é a permeabilidade ao vapor d’água do ar (aproximadamente 2.10-10 kg/(m.s.Pa));

δ é a permeabilidade ao vapor d’água do material (kg/(m.s.Pa)); e

d é a espessura do material (m).

Coeficiente de transporte líquido

O transporte de água líquida nos materiais se dá por capilaridade. Os materiais absorvem água líquida pelos seus poros capilares e redistribuem a água pela estrutura interna de poros dos materiais, até que, no máximo, se atinja o teor de saturação de água livre. A característica higrotérmica que descreve o transporte de água líquida é o coeficiente de transporte líquido (D φ ), que descreve a quantidade de água absorvida pelo material por unidade de espessura e tempo, mediante um gradiente de umidade relativa do ar (Equação 2). A medição deste coeficiente requer técnicas experimentais de alta precisão como, por exemplo, a ressonância magnética nuclear, que permite medir a profundidade de penetração d’água na estrutura de poros ao longo do tempo (Krus, 1996KRUS, M. Moisture transport and storage coefficients of porous mineral building materials: theoretical principles and new test methods. Stuttgart: Fraunhofer IRB-Verlag Stuttgart, 1996. ). É possível, no entanto, realizar uma aproximação com uma característica cuja determinação experimental é mais simples, que é o coeficiente de absorção d’água por capilaridade do material, conforme as Equações 6 e 7 (Künzel, 1995KÜNZEL, H. M. Simultaneous heat and moisture transport in building components: one- and two-dimensional calculation using simple parameters. Stuttgart: Fraunhofer IBR Verlag Stuttgart, 1995.).

D φ = D w . w φ Eq. 6

Onde:

Dφ é o coeficiente de transporte líquido do material (kg/(m.s));

Dw é o coeficiente de transporte capilar (m²/s); e

∂w/∂φ é a derivada da função de armazenamento de umidade (kg/m³).

D w = 3,8 . A w w f 2 . 1000 w w f - 1 Eq. 7

Onde:

Dw é o coeficiente de transporte capilar (m²/s);

Aw é o coeficiente de absorção de água por capilaridade (kg/(m².s0,5));

wf é o teor de saturação livre (kg/m³) e w é o teor de umidade (kg/m³) do material.

O coeficiente de absorção de água por capilaridade (A w ) pode ser determinado experimentalmente, conforme a ISO 15148 (ISO, 2002INTERNATIONAL ORGANIZATION FOR STANDARDIZATION. ISO 15148: hygrothermal performance of building materials and products: determination of water absorption coefficient by partial immersion. Genebra, 2002.).

Método

Descrição geral do método

Considerou-se uma habitação padrão de interesse social para realização das simulações computacionais. Inicialmente, foi utilizado o programa EnergyPlus™ para a simulação do comportamento térmico da edificação e obtenção das condições ambientais internas (temperatura e umidade relativa do ar), considerando-se duas condições de ocupação da habitação. Ambas as condições foram, então, simuladas no programa WUFI® Pro para a obtenção do comportamento térmico de uma parede externa, utilizando-se quatro tipos de concreto disponíveis na base de dados do programa. Por fim, utilizou-se o programa de pós-processamento WUFI® Bio para avaliação do risco de ocorrência de fungos emboloradores em cada situação analisada (Sedlbauer, 2001SEDLBAUER, K. Prediction of mould fungus formation on the surface of and inside building components. Holzkirchen: Fraunhofer IBP, 2001.).

Descrição da habitação

As simulações foram feitas para uma habitação térrea localizada na cidade de São Paulo, com 2 dormitórios (Figura 3), composta por lajes de piso, paredes e laje de cobertura de concreto armado com 10 cm de espessura, telhado com telhas de fibrocimento com 6mm de espessura, portas de madeira de 2cm de espessura e janelas com vidros comuns com 3mm de espessura. A orientação solar considera o “dormitório 1” com janela voltada para a direção Sul, por ser a condição mais crítica em termos de temperatura e umidade. O dormitório foi selecionado para análise devido à maior ocorrência de manifestações patológicas associadas à umidade e aos fungos emboloradores em habitações de interesse social neste tipo de ambiente (Afonso, 2018AFONSO, T. M. Desempenho higrotérmico de edificações e procedimentos para previsão de ocorrência de bolores em ambientes internos: estudo de caso de habitações construídas com paredes de concreto. São Paulo, 2018. Dissertação (Mestrado Profissional em Habitação) - Instituto de Pesquisas Tecnológicas, São Paulo, 2018.).

Condições ambientais externas

Na ausência de arquivos climáticos do tipo HRY para o Brasil, adotou-se o arquivo climático com o ano climático típico (TMY - Typical Meteorological Year) do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), para a cidade de São Paulo. Este arquivo tem informações horárias de precipitação, velocidade e direção do vento, que são requeridas para a simulação higrotérmica, e já havia sido adotado em outras análises semelhantes feitas no Brasil (Nascimento et al., 2016NASCIMENTO, M. L. M. et al. Wind-driven rain incidence parameters obtained by hygrothermal simulation. Journal of Building Pathology and Rehabilitation, v. 1, n. 1, p. 5, Dec. 2016.; Santos, 2019SANTOS, A. C. Avaliação do desempenho potencial de duas soluções de revestimentos argamassados em função do risco de formação de fungos emboloradores no interior de edificações na cidade de São Paulo. São Paulo, 2019. Dissertação (Mestrado Profissional em Habitação) - Instituto de Pesquisas Tecnológicas, São Paulo, 2019.; Zanoni et al., 2020ZANONI, V. A. G. et al. Estudo higrotérmico na autoconstrução: simulação computacional e medições em campo. Ambiente Construído, Porto Alegre, v. 20, n. 3, p. 109-120, jul./set. 2020.; Zanoni; Sanchez; Bauer, 2018).

Condições ambientais internas

As condições ambientais internas foram obtidas a partir da simulação no programa EnergyPlus™, considerando duas situações de ocupação da edificação:

  1. desocupada, com renovação do ar apenas através de frestas, para analisar a interação da envoltória com o ambiente isoladamente; e

  2. ocupada, com fontes internas de calor e umidade e ventilação natural, para analisar também os efeitos das condições de uso da edificação.

O Quadro 1 apresenta as fontes de calor e umidade consideradas na condição ocupada, com base na norma NBR 15575-1 (ABNT, 2021ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15575-1: edificações habitacionais: desempenho: parte 1: requisitos gerais: emenda 1. Rio de Janeiro, 2021.), com adaptações para se considerar condições mais exigentes quanto à exposição dos elementos construtivos à umidade. As características das janelas e os horários em que ocorre a ventilação natural na condição ocupada são conforme a NBR 15575-1 (ABNT, 2021ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15575-1: edificações habitacionais: desempenho: parte 1: requisitos gerais: emenda 1. Rio de Janeiro, 2021.), considerando a área de ventilação como 50% da área da janela.

Características higrotérmicas dos materiais

Para a simulação higrotérmica das paredes, selecionaram-se quatro tipos de concreto, disponíveis na base de dados do programa WUFI® Pro, com características higrotérmicas diferentes, conforme apresentado na Tabela 1. A Tabela 1 também apresenta as características térmicas da telha de fibrocimento e da porta de madeira, consideradas na simulação feita no EnergyPlus™ com base na NBR 15220-2, na versão de 2005, ainda em vigor na época em que as simulações foram realizadas (ABNT, 2005ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15220-2: desempenho térmico de edificações: parte 2: métodos de cálculo da transmitância térmica, da capacidade térmica, do atraso térmico e do fator solar de elementos e componentes de edificações. Rio de Janeiro, 2005.).

Figura 3
Projeto da habitação, sem escala

Quadro 1
Fontes de calor e umidade consideradas na condição ocupada

Tabela
1 - Características higrotérmicas dos materiais

A Figura 4 apresenta as isotermas de sorção dos concretos. A Figura 5 e a Figura 6 apresentam, respectivamente, o coeficiente de transporte capilar de sucção (Dws) e de redistribuição (Dww), visto que o programa WUFI® Pro modela essas duas etapas do transporte capilar de água líquida separadamente.

Para o vidro da janela, considerou-se o fator solar de 0,87. As faces das paredes têm absortância à radiação solar de 0,5 e foram simuladas no WUFI® Pro sem pintura, por representar uma condição mais crítica de absorção de umidade. Considerou-se umidade inicial do concreto de 147 kg/m³, conforme dados da biblioteca do WUFI® Pro, o que equivale a um teor de umidade aproximado entre 6% e 7% (em massa).

Procedimentos de simulação

Utilizou-se a versão 9.4 do EnergyPlus™, com o modelo de cálculo “Conduction Transfer Functions - CTF”, que não considera o transporte e armazenamento de umidade no interior dos elementos construtivos. O período de simulação foi de um ano. As condições ambientais internas foram exportadas em formato passível de importação no software WUFI® Pro.

Utilizou-se a versão 5.3 do WUFI® Pro. O período de simulação foi de três anos. Adotou-se malha fina, com modelo de cálculo que considera a dependência da umidade e temperatura para cálculos da condutividade térmica dos materiais, além da opção de aumento da precisão de cálculos e adaptação de convergência. Adotou-se o modelo da norma ASHRAE 160 para chuva dirigida, por resultar em índices mais rigorosos, com fator de exposição à chuva igual a 1 e fator de deposição igual a 0,5 (Zanoni; Sanchez; Bauer, 2018ZANONI, V. A. G.; SANCHEZ, J. M. M.; BAUER, E. Métodos para quantificação de chuva dirigida incidente nas fachadas das edificações. PARC Pesquisa em Arquitetura e Construção, v. 9, n. 2, p. 122-132, jun. 2018.).

Figura 4
Isotermas de sorção dos concretos considerados na análise

Figura 5
Coeficiente de transporte capilar de sucção (Dws) em função do teor de umidade

Figura 6
Coeficiente de transporte capilar de redistribuição (Dww) em função do teor de umidade

Os dados de temperatura e umidade superficiais gerados pelo WUFI® Pro foram inseridos no programa WUFI® Bio para a verificação do risco de ocorrência de fungos emboloradores na superfície interna da parede da fachada. De acordo com este modelo (Sedlbauer, 2001SEDLBAUER, K. Prediction of mould fungus formation on the surface of and inside building components. Holzkirchen: Fraunhofer IBP, 2001.), ocorrem fungos emboloradores quando o teor de umidade no interior do esporo é superior ao teor de umidade crítico dependendo do substrato (classe I para materiais biodegradáveis e classe II para materiais não biodegradáveis). No trabalho foi considerado somente o substrato classe II que corresponde ao acabamento em concreto. Os resultados são apresentados em função do índice de crescimento de fungos emboloradores, considerando uma escala de 0 a 6 (Viitanen et al., 2015VIITANEN, H. et al. Mold risk classification based on comparative evaluation of two established growth models. Energy Procedia, v. 78, p. 1425-1430, nov. 2015.), conforme apresentado no Quadro 2.

Resultados e discussões

Edificação desocupada

A Figura 7 apresenta o teor de umidade total das paredes na condição desocupada da edificação, considerando os quatro tipos de concreto analisados, junto com os dados de precipitação horária.

Quadro 2
Índice de crescimento de fungos emboloradores conforme considerado no programa WUFI-Bio

Figura 7
Teor de umidade total das paredes, para edificação desocupada

Os concretos A e B se mostram mais sensíveis ao efeito da chuva dirigida, apresentando alguns picos mais pronunciados de aumento de umidade logo após eventos de precipitação do que os demais. Entretanto, esses concretos também secam mais rápido. A maior absorção de água de chuva dos concretos A e B se explica por apresentarem maior coeficiente de transporte capilar de sucção, conforme mostra a Figura 5. O concreto B seca mais rápido do que o concreto A, porque é mais permeável ao vapor d’água (menor fator de resistência à difusão de vapor d’água - μ). O concreto C absorve pouca água de chuva, apresentando uma redução do teor de umidade gradual, até uma condição de estabilidade após o primeiro ano de simulação, o que é coerente com seu baixo coeficiente de transporte capilar. O concreto D também absorve pouca água de chuva, embora mais que o concreto C; entretanto, é o concreto que apresenta a menor redução no teor de umidade inicial, o que não pode ser atribuído à baixa permeabilidade ao vapor d’água (que, em tese, atrapalharia sua secagem), uma vez que ele tem o menor fator de resistência à difusão ao vapor d’água entre os concretos analisados. Todos os concretos têm uma redução do teor de umidade em relação ao teor inicial de 147 kg/m³, com teores finais variando entre 72 kg/m³ e 116 kg/m³, ou entre 3% e 5% em massa.

Edificação ocupada

A Figura 8 apresenta o teor de umidade das paredes na condição da edificação ocupada, com ventilação natural.

O comportamento higrotérmico das paredes na condição ocupada é semelhante ao observado para a condição desocupada, exceto para o concreto D, que apresenta um grande aumento do teor de umidade no início de junho, ultrapassando o teor de umidade inicial e permanecendo com um alto teor de umidade (chegando a um máximo de 180 kg/m³ ou 8% em massa) até o início do ano seguinte, quando começa a secar. Para os demais concretos, os teores de umidade da condição ocupada são ligeiramente superiores aos da condição desocupada, e a tendência de redução do teor de umidade ao longo do tempo se mantém.

Esse aumento abrupto de umidade do concreto D ocorre quando a umidade relativa superficial interna fica igual a 100%, ou seja, quando ocorre condensação superficial. Os resultados da simulação higrotérmica mostram que esse patamar de umidade relativa igual a 100% se mantém por meses para este concreto (Figura 9), o que é um comportamento atípico. Além disso, o concreto atinge teores de umidade superiores ao teor de saturação livre, que é de 144 kg/m³; na teoria, esse valor só pode ser ultrapassado mediante aplicação de pressão, o que não ocorre neste caso. Ou seja, trata-se de um comportamento higrotérmico anormal.

Figura 8
Teor de umidade total das paredes, para edificação ocupada

Figura 9
Umidade relativa (linha contínua) e temperatura (linha tracejada) superficiais internas, para edificação ocupada

A única característica do concreto D que é muito diferente dos demais concretos analisados é a curva do coeficiente de transporte capilar de redistribuição (Dws) (Figura 6), que apresenta valores entre 6 e 9 ordens de grandeza inferiores aos demais concretos. Registra-se que não há nenhuma observação quanto a esse dado no programa, que indique se tratar de um concreto especial, por exemplo. Para confirmar esta hipótese, repetiu-se a simulação, alterando o coeficiente Dww do concreto D, considerando a aproximação recomendada por Künzel (1995)KÜNZEL, H. M. Simultaneous heat and moisture transport in building components: one- and two-dimensional calculation using simple parameters. Stuttgart: Fraunhofer IBR Verlag Stuttgart, 1995. a partir do coeficiente Dws, conforme Equação 8.

D ww ( w ) = D ws ( w ) 10 Eq. 8

A Figura 10 mostra a curva do coeficiente Dww do concreto D ajustado. Observa-se que o concreto D ajustado apresenta uma curva de Dww em função do teor de umidade intermediária às curvas dos concretos A e B. As Figuras 11 e 12 apresentam, respectivamente, os resultados de teor de umidade e umidade relativa superficial interna da parede com o concreto D ajustado, em comparação à parede com o concreto D original. Após o ajuste, o comportamento higrotérmico da parede fica semelhante ao das demais paredes, com a secagem da umidade inicial e sem a ocorrência de períodos prolongados de condensação superficial.

Risco de ocorrência de fungos emboloradores

A Figura 13 apresenta o índice de crescimento de fungos emboloradores, considerando a edificação ocupada e com ventilação natural, ao longo do primeiro ano. Os resultados consideram que a camada de acabamento interno é não biodegradável (Classe II), o que corresponde ao concreto aparente analisado no presente artigo. Os resultados da condição desocupada não são apresentados pois, em todos os casos, o índice de crescimento de fungos emboloradores foi inferior a 0,35, o que indica um risco muito baixo, uma vez que não se gera calor nem umidade no ambiente interno.

Os resultados mostram que os concretos A, B e C apresentam resultados semelhantes de índice de crescimento de fungos emboloradores, com índices finais variando entre 1,5 a 1,7, o que corresponde a fungos emboloradores visíveis apenas em microscópio. O índice de crescimento se eleva mais rapidamente no mês de junho (3650 horas), quando a umidade relativa superficial interna está maior (Figura 9). No caso do concreto D, como ele permanece na condição de umidade relativa superficial interna igual a 100% por um longo período, ele atinge o nível máximo de desenvolvimento de fungos emboloradores (6). Um índice igual a 6 corresponde a fungos emboloradores visíveis a olho nu em 100% da superfície. Caso se considere o ajuste no coeficiente Dww do concreto D, ele passa a apresentar índice de crescimento de fungos emboloradores inferiores aos demais concretos, da ordem de 0,5 ao final do período de simulação. Isto ocorre porque o concreto D tem o menor fator de resistência à difusão de vapor d’água, ou seja, a maior permeabilidade ao vapor, o que facilita sua secagem, reduzindo a umidade disponível para o desenvolvimento de fungos.

Figura 10
Coeficiente de transporte capilar de redistribuição (Dww) em função do teor de umidade

Figura 11
Teor de umidade da parede com o concreto D original e com o coeficiente de transporte capilar de redistribuição (Dww) ajustado, para edificação ocupada

Figura 12
Umidade relativa superficial interna da parede com o concreto D original e com o coeficiente de transporte capilar de redistribuição (Dww) ajustado, para edificação ocupada

Figura 13
Índice de crescimento de fungos emboloradores, para edificação ocupada

Discussão

Os resultados das simulações higrotérmicas são sensíveis à variação das características higrotérmicas dos materiais, avaliadas por meio da seleção de diferentes tipos de concreto disponíveis na base de dados do programa WUFI® Pro. Em especial, as funções higrotérmicas têm uma influência relevante: a maior velocidade de sucção e redistribuição de água por capilaridade dos concretos A e B, dada pela inclinação das curvas dos coeficientes DWS e DWW em função do teor de umidade, determinam uma maior sensibilidade ao efeito da chuva dirigida das paredes com esses concretos, enquanto o baixo coeficiente de transporte capilar do concreto C o torna muito pouco permeável à água de chuva. No caso do concreto D, a função higrotérmica que expressa o coeficiente de transporte capilar de redistribuição (Dww) em função do teor de umidade teve um efeito decisivo sobre os resultados da simulação higrotérmica, no que parece ser um dado inconsistente, uma vez que não é compatível com a aproximação empírica de Dww por Dws (Eq. 8) recomendada por Künzel (1995)KÜNZEL, H. M. Simultaneous heat and moisture transport in building components: one- and two-dimensional calculation using simple parameters. Stuttgart: Fraunhofer IBR Verlag Stuttgart, 1995..

Esses resultados apontam para a importância de se verificar todas as características dos materiais, inclusive suas funções higrotérmicas, quando da escolha de dados de materiais disponíveis em bases de dados de programas de simulação higrotérmica. Idealmente, indica-se realizar a determinação experimental das características higrotérmicas dos materiais efetivamente utilizados nos elementos construtivos sob análise. Entretanto, em análises exploratórias, ou quando isso não for possível, análises de sensibilidade, como a apresentada neste estudo, podem ajudar na seleção dos materiais a serem considerados na simulação, assim como na avaliação da robustez dos resultados e das conclusões depreendidos da simulação higrotérmica.

Observa-se que as análises apresentadas neste artigo se limitam aos resultados do programa de simulação higrotérmica utilizado (WUFI® Pro). O uso de outros programas, com outros algoritmos e baseados em diferentes pressupostos, pode levar a resultados distintos no que diz respeito à variabilidade dos resultados de simulações higrotérmicas às características higrotérmicas dos materiais.

Outra limitação importante deste artigo é a restrição da análise à variação entre quatro tipos de concreto entre os disponíveis na base de dados do programa de simulação higrotérmica. Idealmente, uma análise de sensibilidade requereria variar cada característica higrotérmica dentro de faixas de valores considerados possíveis para um determinado material. Contudo, não se dispõem de dados experimentais de materiais brasileiros que permitam “calibrar” as faixas de variação para tal análise de sensibilidade, o que pode ser desenvolvido em estudos futuros.

Conclusões

O efeito da variação das características higrotérmicas do concreto no comportamento higrotérmico de uma parede de concreto, avaliado por meio de simulação computacional, considerando quatro tipos de concreto disponíveis na base de dados do programa WUFI® Pro. Trata-se de uma análise exploratória, uma vez que uma análise de sensibilidade completa requereria variar cada característica higrotérmica dentro das faixas de valores consideradas possíveis para cada material. Apesar desta limitação, os resultados evidenciam a influência significativa das características higrotérmicas e, particularmente, das funções higrotérmicas, sobre os resultados da simulação e, consequentemente, sobre as conclusões que podem ser depreendidas de simulações higrotérmicas.

A análise exploratória realizada mostra a importância de analisar cuidadosamente as características higrotérmicas dos materiais ao selecioná-los em uma base de dados para a realização de simulações higrotérmicas computacionais. Resultados confiáveis são essenciais para embasar melhores decisões de projeto. Por isso, é importante aumentar a disponibilidade de dados sobre características higrotérmicas de materiais de construção brasileiros, por meio de caracterização experimental, para que seja possível utilizar a simulação higrotérmica como ferramenta de apoio ao projeto, de forma confiável, no Brasil. Além disso, a disponibilidade de dados experimentais das características higrotérmicas de materiais de construção brasileiros permitiria calibrar as faixas de variação de tais características para análises de sensibilidade mais robustas, que podem ser desenvolvidas em estudos futuros.

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Editado por

Editora de seção:

Edna Possan

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2023
  • Aceito
    25 Jul 2023
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