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Comparação da reatividade de resíduo de cerâmica vermelha cominuído e matéria-prima de olaria calcinada

Comparison of the reactivity of comminuted red ceramic waste and calcined pottery raw material

Resumo

A potencialidade do uso de argila calcinada como material cimentício suplementar (MCS) decorre da disponibilidade global de matérias-primas argilosas. A calcinação desidroxila a caulinita e forma uma matriz amorfa reativa. O teor de caulinita nas matérias-primas é um pré-indicador da possível reatividade pós calcinação. Na indústria de cerâmica vermelha, a matéria-prima é composta predominantemente de argilominerais e quartzo. Os produtos sinterizados descartados nesse setor, denominados resíduo de cerâmica vermelha (RCV), apresentam, após cominuição, capacidade de reagir com cal a depender do teor de caulinita contido na matéria-prima e de suas características físico-químicas e mineralógicas. Neste trabalho foi realizada a comparação da reatividade de duas amostras de argilas calcinadas provenientes de matérias-primas de diferentes polos ceramistas, com distintos teores de caulinita, com os respectivos RCVs. Os ensaios dereatividade foram: Chapelle modificado, Frattini,teste R³ eíndice de desempenho (ID), com variação do tipo de cimento Portland. A reatividade foi dependente do teor de caulinita contido na matéria-prima e da área superficial específica BET do material calcinado cominuído. A análise dos resultados indicou pouca influência do tratamento térmico na reatividade dos materiais calcinados.

Palavras-chave:
Resíduo de cerâmica vermelha; Argila calcinada; Caulinita; Atividade pozolânica

Abstract

The potential of using calcined clay as supplementary cementitious material (SCM) stems from the global availability of clayey raw materials. The calcination dehydroxylates kaolinite and forms a reactive amorphous matrix. The kaolinite contained in the raw materials is a pre-indicator of the possible post-calcination reactivity. In the red ceramic industry, raw material is predominantly composed of clays and quartz. The sintered products discarded in this sector, called red ceramic waste (RCW), present, after comminution, the ability to react with lime depending on the kaolinite content contained in the raw material and its physical-chemical and mineralogical characteristics. In this work, the reactivity comparison was made of two samples of calcined clays from raw materials from different poles of ceramics, with varied kaolinite contents, with the respective RCWs. The reactivity tests were: modified Chapelle, Frattini, R³ test, and performance index (ID), with the variation of Portland cement type. The reactivity depends on the kaolinite content contained in the raw material and the BET specific surface area of ​​the comminuted calcined material. The analysis of the results indicated little influence of the heat treatment on the reactivity of the calcined materials.

Keywords:
Red ceramic waste; Calcined clay; Kaolinite; Pozzolanic activity

Introdução

As alterações climáticas decorrentes dos gases de efeito estufa (GEE) impõem à indústria cimenteira a necessidade de redução das emissões de CO2 decorrentes do processo fabril. A principal ação mitigadora está na redução do fator clínquer, ou seja, aumento progressivo do teor de materiais cimentícios suplementares (MCS) na composição do cimento Portland (SINDICATO..., 2019SINDICATO NACIONAL DA INDÚSTRIA DO CIMENTO ROADMAP tecnológico do cimento: potencial de redução das emissões de carbono da indústria do cimentobrasileiraaté 2050. Rio de Janeiro: SNIC, 2019. Disponível em: Disponível em: http://snic.org.br/assets/pdf/roadmap/cement-technology-roadmap-brazil.pdf . Acesso em: 07 dez. 2022.
http://snic.org.br/assets/pdf/roadmap/ce...
).

A tendência mundial de aumento de demanda de cimento Portland contraposta pela oferta limitada de cinza volante (estagnação ou redução) e escória granulada de alto forno (disponibilidade abaixo da demanda) implica a busca de MCS alternativos. Nesse cenário, despontam o fíler calcário e as argilas como opções plausíveis para suprir a demanda necessária e ainda contribuir para a redução da emissão de CO2. Os teores máximos de fíler calcário nas composições dos diferentes tipos de cimento Portland foram recentemente ampliados, conforme consta da norma NBR 16697 (ABNT, 2018ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16697: cimento Portland: requisitos. Rio de Janeiro, 2018.). Já a argila se destaca pela grande disponibilidade geológica global e pela emissão de água quando da sua ativação térmica (JASKULSKI; JÓZWIAK-NIEDZWIEDZKA; YAKYMECHKO, 2020JASKULSKI, R.; JÓZWIAK-NIEDZWIEDZKA, D.; YAKYMECHKO, Y. Calcined clay as supplementary cementitious material. Materials,v. 13, p. 1-36, out. 2020.).

Dentre as argilas ilíticas, cauliníticas e montmoriloníticas, após a ativação térmica (calcinação), as cauliníticas apresentam significativa reatividade devido à sua desidroxilação e formação de metacaulinita, uma matriz sílico-aluminosa amorfa passível de interação química com a cal (FERNANDEZ; MARTIRENA; SCRIVENER, 2011FERNANDEZ, R.; MARTIRENA, F.; SCRIVENER, K. L. The origin of the pozzolanic activity of calcined clay minerals: A comparison between kaolinite, illite and montmorillonite. Cement and Concrete Research , v. 41, n. 1, p. 113-122, jan. 2011.). Logo, o caulim seria o melhor precursor de argila calcinada para uso como MCS; entretanto, aplicações mais nobres agregam valor a esse argilomineral, dificultando o seu uso na indústria do cimento. As matérias-primas argilosas, normalmente constituídas de argilominerais e quartzo, contendo óxido de ferro como constituinte minoritário, são a base para a produção de argila calcinada.

A intenção do presente trabalho foi coletar amostras de matérias-primas argilosas e de resíduos de cerâmica vermelha (RCV) de dois polos ceramistas da região oeste do Estado da Bahia (Brasil) para determinar o teor de caulinita contido nas massas cerâmicas e, após a calcinação em condições controladas, verificar se há variação significativa de reatividade quando comparado com o RCV cominuído. Tal análise evidencia os efeitos do teor de caulinita contido nas matérias-primas, das características físico-químicas e mineralógicas dos materiais calcinados e das temperaturas variadas de sinterização decorrentes do processo produtivo de cada olaria. A principal contribuição do presente trabalho está na constatação, ou não, da viabilidade do uso de RCV cominuído como MCS, por meio de comparação com a argila calcinada produzida em condições controladas.

Referencial teórico

A constante reafirmação e ampliação de metas e a garantia de implementação de ações urgentes sobre o clima, discutidas nas Conferências das Partes (COP) da Organização das Nações Unidas (ONU) e ratificadas pelo Brasil, pressiona os setores produtivos a reduzir as emissões de gases do efeito estufa (GEE). O Roadmap tecnológico do cimento, publicado em 2019 (SINDICATO..., 2019SINDICATO NACIONAL DA INDÚSTRIA DO CIMENTO ROADMAP tecnológico do cimento: potencial de redução das emissões de carbono da indústria do cimentobrasileiraaté 2050. Rio de Janeiro: SNIC, 2019. Disponível em: Disponível em: http://snic.org.br/assets/pdf/roadmap/cement-technology-roadmap-brazil.pdf . Acesso em: 07 dez. 2022.
http://snic.org.br/assets/pdf/roadmap/ce...
) pelo Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC), estabelece como diretriz a redução da emissão média de 552 kg CO2/ton. cimento (ano base 2020) para 375 CO2/ton. cimento (ano base 2050), o que implica a variação do fator clínquer médio de 66% para 52% no período de 30 anos.

Essa redução no fator clínquer requer o aumento gradual dos teores de MCS nas composições dos cimentos Portland. Diante da atual tendência de redução de uso de termelétricas movidas a carvão mineral e ampliação do rol de matrizes energéticas mais sustentáveis (energia solar e eólica), a disponibilidade de cinza volante (CV) tende a sofrer estagnação ou até redução a longo prazo. A evolução na produção de ferro gusa e consequentemente de escória granulada de alto forno (EGAF) não acompanha a demanda social por cimento Portland, tornando insuficiente a oferta dessa adição mineral para atender aos anseios da indústria ( JASKULSKI; JÓZWIAK-NIEDZWIEDZKA; YAKYMECHKO, 2020JASKULSKI, R.; JÓZWIAK-NIEDZWIEDZKA, D.; YAKYMECHKO, Y. Calcined clay as supplementary cementitious material. Materials,v. 13, p. 1-36, out. 2020.; SCHNEIDER, 2019SCHNEIDER, M. The cement industry on the way to a low-carbon future. Cement and Concrete Research , v. 124, p. 1-19, out. 2019.; SKIBSTED; SNELLINGS, 2019SKIBSTED, J.; SNELLINGS, R. Reactivity of supplementary cementitious materials (SCMs) in cement blends. Cement and Concrete Research , v. 124, p. 1-16, out. 2019.; MILLER, 2018MILLER, S. A. Supplementary cementitious materials to mitigate greenhouse gas emissions from concrete: can there be too much of a good thing? Journal of Cleaner Production, v. 178, p. 587-598, mar. 2018.). Além dessas questões também é preciso evidenciar que a disponibilidade de CV e de EGAF ocorrem, respectivamente, nas regiões Sul e Sudeste do Brasil. A carência das demais regiões pode ser suprida pela grande disponibilidade e ampla distribuição de jazidas de argilas que, após ativação térmica, podem apresentar atividade pozolânica significativa a depender do teor de caulinita contido na sua composição mineralógica (JASKULSKI; JÓZWIAK-NIEDZWIEDZKA; YAKYMECHKO, 2020JASKULSKI, R.; JÓZWIAK-NIEDZWIEDZKA, D.; YAKYMECHKO, Y. Calcined clay as supplementary cementitious material. Materials,v. 13, p. 1-36, out. 2020.).

A desidroxilação da caulinita, em temperaturas compreendidas entre 600 e 800 ºC, resulta em estrutura sílica-aluminosa bastante desordenada (amorfa) e de grande potencial reativo. As argilas ilíticas, após calcinação na mesma faixa de temperatura, apresentam baixa reatividade, com comportamento similar ao fíler inerte. Por fim, as argilas montmoriloníticas calcinadas apresentam alguma reatividade em idades avançadas (FERNANDEZ; MARTIRENA; SCRIVENER, 2011FERNANDEZ, R.; MARTIRENA, F.; SCRIVENER, K. L. The origin of the pozzolanic activity of calcined clay minerals: A comparison between kaolinite, illite and montmorillonite. Cement and Concrete Research , v. 41, n. 1, p. 113-122, jan. 2011.). Portanto, a reatividade da argila calcinada é extremamente dependente do teor de caulinita contido na matéria-prima argilosa (SCRIVENER et al., 2018SCRIVENER, K. et al. Calcined clay limestone cements (LC3). Cement and Concrete Research , v. 114, p. 49-56, dez. 2018.).

A contextualização apresentada motiva o questionamento referente ao comportamento de matrizes cimentícias com a incorporação de argila calcinada proveniente de matéria-prima contendo baixo teor de caulinita na composição. As matérias-primas argilosas utilizadas nas indústrias de cerâmica vermelha são normalmente constituídas de uma mistura de argilominerais (ilita e caulinita) e quartzo, além de óxido de ferro (hematita) como constituinte minoritário, em teor entre 5 e 8%, responsável pela coloração das peças após a sinterização.

Nos principais polos ceramistas do Estado de São Paulo, o teor de caulinita nas matérias-primas argilosas varia entre 21 e 36%, com a presença de óxido de ferro entre 5,7 e 7,7%. O quartzo e a ilita, além de outros constituintes minoritários, completam a composição (GARCIA et al., 2014GARCIA, E. et al. Resíduo de Cerâmica Vermelha (RCV): uma alternativa como material pozolânico. Revista Cerâmica Industrial, v. 19, n. 4, p. 31-38, jul./ago. 2014.). Em olaria situada na Região Nordeste do Brasil, a matéria-prima argilosa utilizada contém 22% de caulinita, 21% de ilita e 47% de quartzo, complementados por minerais acessórios. O óxido de ferro representa 6,3% da composição química (HOPPE FILHO et al., 2021aHOPPE FILHO, J. et al. Characterization of red ceramic waste for application as mineral addition in Portland cement. Journal of Materials in Civil Engineering, v. 33, n. 6, p. 1-9, mar. 2021a.). Os baixos teores de caulinita nas matérias-primas aliados aos significativos teores de quartzo e ilita atribuem a esses materiais, após calcinação, reatividade limitada, ou seja, parte significativa do material (quartzo e ilita desidroxilada) atuará como material inerte em sistema cimentício. Teores de caulinita da ordem de 25 a 30% já são capazes de atribuir às argilas calcinadas, avaliadas por meio do ensaio Chapelle modificado, uma capacidade de fixar cal de 436 mg Ca(OH)2/g de material (AVET et al., 2016AVET, F. et al. Development of a new rapid, relevant and reliable (R3) test method to evaluate the pozzolanic reactivity of calcined kaolinitic clays. Cement and Concrete Research, v. 85, p. 1-11, jul. 2016.; GARCIA et al., 2014GARCIA, E. et al. Resíduo de Cerâmica Vermelha (RCV): uma alternativa como material pozolânico. Revista Cerâmica Industrial, v. 19, n. 4, p. 31-38, jul./ago. 2014.), valor recomendado por Raverdy et al. (1980)RAVERDY, M. et al. Appreciation of pozzolanic reactivity of minor components. In: INTERNATIONAL CONGRESS ON THE CHEMISTRY OF CEMENT, 7., Paris, 1980. Proceedings […] Paris: Institut Francais des Sciences et Technologies des Transports, de l’Aménagement et des Réseaux, 1980. para que a variação da resistência à compressão, entre 28 e 180 dias, de sistema cimentício contendo entre 20 e 35% de pozolana seja maior ou, no mínimo, igual à variação observada no sistema de referência.

Convém salientar que há relatos de teores de cal fixados inferiores e superiores ao valor de referência (436 mg Ca(OH)2/g de material) para os mesmos percentuais de caulinita (GARCIA et al., 2014GARCIA, E. et al. Resíduo de Cerâmica Vermelha (RCV): uma alternativa como material pozolânico. Revista Cerâmica Industrial, v. 19, n. 4, p. 31-38, jul./ago. 2014.). Diante desse fato fica evidente que o teor de caulinita contido da matéria-prima é um pré-indicador da potencialidade reativa, a qual também é dependente do processo/temperatura de calcinação e das características físico-químicas e mineralógicas do material ativado. A distribuição granulométrica e a área superficial específica são fatores intervenientes na reatividade. A redução do diâmetro das partículas e o aumento da área superficial específica BET (Brunauer, Emmett e Teller) tendem a potencializar a capacidade da argila calcinada em fixar cal (ZHAO et al., 2020ZHAO, Y. et al. The particle-size effect of waste clay brick powder on its pozzolanic activity and properties of blended cement. Journal of Cleaner Production , v. 242, p. 1-10, jan. 2020.). O teor de fração amorfa e a solubilidade de silício e alumínio em solução alcalina são outros fatores importantes e estão condicionados à temperatura de calcinação.

A caulinita ativada apresenta maior solubilidade em solução alcalina (0,5 N NaOH) quando comparada com a ilita calcinada, conforme observado na Figura 1 (HE; MAKOVICKY; OSBAECK, 1994HE, C.; MAKOVICKY, E.; OSBAECK, B. Thermal stability and pozzolanic activity of calcined kaolin. Aplied Clay Science, v. 9, n. 3, p. 165-187, set. 1994., 1995HE, C.; MAKOVICKY, E.; OSBAECK, B. Thermal stability and pozzolanic activity of calcined illite. Aplied Clay Science , v. 9, n. 5, p. 337-354, fev. 1995.). A faixa de temperatura para ativação da caulinita está compreendida entre 600 e 800 ºC (FERNANDEZ; MARTIRENA; SCRIVENER, 2011FERNANDEZ, R.; MARTIRENA, F.; SCRIVENER, K. L. The origin of the pozzolanic activity of calcined clay minerals: A comparison between kaolinite, illite and montmorillonite. Cement and Concrete Research , v. 41, n. 1, p. 113-122, jan. 2011.); porém, nesse intervalo, apesar da desidroxilação da ilita, sua reatividade é baixa. A potencialização da reatividade da ilita requer calcinação a 930 ºC (HE; MAKOVICKY; OSBAECK, 1995HE, C.; MAKOVICKY, E.; OSBAECK, B. Thermal stability and pozzolanic activity of calcined illite. Aplied Clay Science , v. 9, n. 5, p. 337-354, fev. 1995.).

Figura 1
Solubilidade, em solução alcalina, de silício e alumínio de caulinita e ilita ativadas em diferentes temperaturas

Nas matérias-primas argilosas contendo caulinita e ilita, além de quartzo e outros minerais minoritários, o processo de calcinação deve priorizar a ativação da caulinita, já que a ilita calcinada pouco contribui com a reatividade global do material ativado. Na faixa de temperatura entre 650 e 800 ºC, a solubilidade da ilita (silício + alumínio) representa, em média, apenas 15% daquela observada na caulinita. Na condição de maior reatividade da ilita (930 ºC), equivale a 27% decorrente, sobretudo, da redução da solubilização da caulinita em virtude do início da cristalização das fases mineralógicas (HE; MAKOVICKY; OSBAECK, 1994HE, C.; MAKOVICKY, E.; OSBAECK, B. Thermal stability and pozzolanic activity of calcined kaolin. Aplied Clay Science, v. 9, n. 3, p. 165-187, set. 1994., 1995HE, C.; MAKOVICKY, E.; OSBAECK, B. Thermal stability and pozzolanic activity of calcined illite. Aplied Clay Science , v. 9, n. 5, p. 337-354, fev. 1995.). A capacidade de fixar cal (Chapelle modificado) de matérias-primas de composição mista de argilominerais (mica e caulinita), além de quartzo e minerais acessórios, reduz gradativamente quando a temperatura de calcinação excede 800 ºC, estabilizando entre 900 e 950 ºC (GARCIA et al., 2014GARCIA, E. et al. Resíduo de Cerâmica Vermelha (RCV): uma alternativa como material pozolânico. Revista Cerâmica Industrial, v. 19, n. 4, p. 31-38, jul./ago. 2014.).

Avet et al. (2016)AVET, F. et al. Development of a new rapid, relevant and reliable (R3) test method to evaluate the pozzolanic reactivity of calcined kaolinitic clays. Cement and Concrete Research, v. 85, p. 1-11, jul. 2016. apontam um teor mínimo de 40% de caulinita na matéria-prima argilosa para que, após a calcinação, seja possível restabelecer a resistência à compressão, aos 7 dias, de sistema cimentício pozolânico, contendo 30% de argila calcinada, àquela observada na referência.

As matérias-primas argilosas comumente utilizadas nas olarias podem possuir baixo teor de caulinita (≈20%) associado a teores variados de ilita (HOPPE FILHO et al., 2021bHOPPE FILHO, J. et al. Red ceramic waste as supplementary cementitious material: microstructure and mechanical properties. Construction and Building Materials, v. 296, p. 1-11, ago 2021b.) que, a depender das condições de sinterização, resultam em materiais calcinados de diferentes reatividades. Nos parques fabris, o processo de queima dos blocos cerâmicos varia consideravelmente, a depender da infraestrutura e da tecnologia abarcada na linha de produção. A temperatura de queima, quando controlada, é normalmente aferida nos fornos e não representa a temperatura experimentada pelos blocos dispostos nas mais variadas posições do forno. Portanto, a reatividade de resíduo de cerâmica vermelha (RCV) obtido a partir da cominuição e peneiramento de blocos danificados pode variar significativamente.

No Brasil, a indústria de cerâmica vermelha queima (sinteriza) seus produtos na faixa de temperatura entre 700 e 900 ºC (GARCIA et al., 2014GARCIA, E. et al. Resíduo de Cerâmica Vermelha (RCV): uma alternativa como material pozolânico. Revista Cerâmica Industrial, v. 19, n. 4, p. 31-38, jul./ago. 2014.), o suficiente para a desidroxilação completa da caulinita, a depender da eficiência do processo (tempo de exposição, homogeneidade da temperatura no forno, etc.).

A substituição parcial de cimento Portland por RCV, no teor de 30%, reduz a resistência à compressão de argamassas, independentemente da finura do MCS. A redução é mais significativa nas primeiras idades (7 dias), variando entre 22 e 33%. Aos 28 dias, a redução se situa entre 12 e 19%. Nas idades mais avançadas, até 91 dias, a redução varia entre 8 e 15%. O menor diâmetro das partículas e a maior área superficial tendem a aumentar a resistência à compressão, mitigando a diferença em comparação à argamassa de referência (ZHAO et al., 2020ZHAO, Y. et al. The particle-size effect of waste clay brick powder on its pozzolanic activity and properties of blended cement. Journal of Cleaner Production , v. 242, p. 1-10, jan. 2020.). Resultados próximos a esses foram apresentados por Hoppe Filho et al. (2021b)HOPPE FILHO, J. et al. Red ceramic waste as supplementary cementitious material: microstructure and mechanical properties. Construction and Building Materials, v. 296, p. 1-11, ago 2021b. para um RCV proveniente de argila contendo 22% de caulinita. Os autores ainda evidenciaram que a relação água/ligante (cimento + RCV) utilizada no preparo das argamassas impacta no nível de redução de resistência, sobretudo nas primeiras idades. Menores relações água/ligante tendem a diminuir a diferença de resistência à compressão observada aos 7 dias devido à alteração na porosidade aparente das argamassas. Nas idades precoces (1 e 3 dias), argilas calcinadas oriundas de matérias-primas contendo entre 20 e 30% de caulinita apresentam resistências à compressão relativas de 60 e 70%, respectivamente (AVET et al., 2016AVET, F. et al. Development of a new rapid, relevant and reliable (R3) test method to evaluate the pozzolanic reactivity of calcined kaolinitic clays. Cement and Concrete Research, v. 85, p. 1-11, jul. 2016.).

A utilização de RCV como adição mineral pozolânica já foi bastante estudada (GARCIA et al., 2014GARCIA, E. et al. Resíduo de Cerâmica Vermelha (RCV): uma alternativa como material pozolânico. Revista Cerâmica Industrial, v. 19, n. 4, p. 31-38, jul./ago. 2014.; MATIAS; FARIA; TORRES, 2014MATIAS, G.; FARIA, P.; TORRES, I. Lime mortars with heat treated clays and ceramic waste: a review. Construction and Building Materials, v. 73, p. 125-136, dez. 2014.;IRKI et al., 2017IRKI, I. et al. Effect of Blaine fineness of recycling brick powder replacing cementitious materials in self compacting mortar. Journal of Adhesion Science and Technology, v. 32, n. 9, p. 963-975, nov. 2017.; ZHAO et al., 2020ZHAO, Y. et al. The particle-size effect of waste clay brick powder on its pozzolanic activity and properties of blended cement. Journal of Cleaner Production , v. 242, p. 1-10, jan. 2020.; SCHACKOW; CORREIA; EFFTING, 2020SCHACKOW, A.; CORREIA, S. L.; EFFTING, C. Influence of microstructural and morphological properties of raw natural clays on the reactivity of clay brick wastes in a cementitious blend matrix. Cerâmica, v. 66, n. 378, p. 154-163, abr./jun. 2020.). Atualmente esforços estão sendo realizados para ampliação do conhecimento acerca da potencialidade de uso, após ativação térmica, de argilas contendo baixos teores de caulinita como MCS. A literatura recomenda que matérias-primas argilosas contendo, no mínimo, 40% de caulinita sejam utilizadas como MCS (AVET; SCRIVENER., 2018AVET, F; SCRIVENER, K. Investigation of the calcined kaolinite content on the hydration of Limestone Calcined Clay Cement (LC3). Cement and Concrete Research , v 107, p. 124-135, may 2018.).

Os produtos de cerâmica vermelha danificados, impossibilitados de comercialização, denominados RCV, representam significativo passivo ambiental e requerem adequada destinação. O RCV é constituído de matéria-prima sinterizada, ou seja, argila calcinada entremeada com quartzo e outros minerais acessórios.

A fragmentação e moagem do RCV resulta em material finamente particulado que apresenta atividade pozolânica a depender das características da matéria-prima de origem e do processo fabril de cada olaria. A argila calcinada proveniente da ativação térmica, em condições controladas, também apresenta atividade pozolânica. Nesse caso, a matéria-prima finamente particulada é submetida à ambiente com temperatura e tempo de exposição controlados, com o objetivo de otimizar a sua ativação, sem permitir que ocorra a sinterização entre as partículas e as transformações de fase (cristalização). Partindo desse pressuposto, é possível obter argila calcinada proveniente de mesma matéria-prima, porém por meios (processos) distintos. As diferentes formas de obtenção das argilas calcinadas podem, ou não, resultar em MCS com diferentes reatividades.

Não havendo diferenças significativas de reatividade é possível atestar a viabilidade de uso de RCV como MCS, sendo necessário somente realizar a fragmentação e moagem (adequação granulométrica), pois o material já está ativado (calcinado). A redução dos custos relacionados à ativação térmica deve ser confrontada com as despesas operacionais de reciclagem para atestar a viabilidade econômica. Essa questão não faz parte do escopo do presente trabalho, o qual se limita na análise comparativa da reatividade de RCV e da argila calcinada em condições controladas, proveniente da matéria-prima utilizada na produção de blocos cerâmicos.

Método

Materiais

Os materiais utilizados foram matérias-primas argilosas provenientes de dois polos ceramistas da região oeste da Bahia (denominados de A e B) e blocos cerâmicos danificados e descartados nos respectivos parques fabris. Os blocos danificados cominuídos constituem as amostras de resíduos de cerâmica vermelha (RCV) a serem utilizados como material cimentício suplementar (MCS). As massas cerâmicas (argilas in natura) foram caracterizadas e, posteriormente, submetidas à calcinação controlada, seguida de moagem e peneiramento, para serem utilizadas como MCS de referência, fornecendo parâmetros comparativos com os RCVs.

Os cimentos Portland utilizados foram do tipo CP II - F - 32 e CP V - ARI. O ensaio de índice de desempenho (ID) com cimento Portland aos 28 dias - NBR 5752 (ABNT, 2014ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 12653: materiais pozolânicos: requisitos. Rio de Janeiro, 2014.) - impõe a utilização do CP II - F - 32 e, portanto, esse ligante foi utilizado. O cimento CP V - ARI também foi utilizado no mesmo ensaio, passando a ser denominado ID modificado, com o intuito de verificar a influência do tipo de cimento no resultado do ensaio indireto de avaliação de possíveis materiais pozolânicos. O ensaio Frattini (ABNT, 2010bASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5753: cimento Portland: ensaio de pozolanicidade para cimento Portland pozolânico. Rio de Janeiro, 2010b.) foi realizado com o cimento CP V - ARI. A escolha do cimento CP V - ARI como referência se fundamenta no maior teor de clínquer + sulfatos de cálcio na composição (mínimo de 90%) e teor máximo de 10% de material carbonático (ABNT, 2018ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16697: cimento Portland: requisitos. Rio de Janeiro, 2018.). Dessa forma é possível avaliar a reatividade do MCS sem qualquer interferência de outra adição mineral ativa e, também, ampliar o teor de substituição do cimento Portland, já que esse cimento é, dentre os comerciais, o que produz o maior teor de portlandita durante a hidratação.

O agregado miúdo utilizado no preparo das argamassas foi a areia normal brasileira, em conformidade com a norma NBR 7214 (ABNT, 2015ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 7214: areia normal para ensaio de cimento: especificação. Rio de Janeiro, 2015.).

Método

Previamente ao detalhamento da metodologia utilizada é apresentado, na Figura 2, um fluxograma conciso do planejamento experimental, com o objetivo de delinear, de forma resumida, as etapas realizadas para a obtenção das amostras a serem caracterizadas e submetidas aos diferentes ensaios de reatividade.

Figura 2
Fluxograma conciso do planejamento experimental

Coleta das amostras de argila e RCV

As massas argilosas in natura, denominadas A e B, foram coletadas na linha de produção dos blocos, imediatamente após a extrusora. Os blocos extrudados úmidos foram acondicionados em sacos plásticos e, posteriormente, fragmentos desses blocos foram secos em estufa a 105 ºC, durante 24 horas, constituindo as amostras das matérias-primas argilosas in natura. Os blocos cerâmicos danificados utilizados para a produção dos RCVs foram coletados nas respectivas olarias, onde há deposição das peças sinterizadas inaptas para a comercialização.

Nas olarias visitadas, o controle de temperatura do processo de sinterização é realizado no piso e no teto dos fornos. A temperatura alvo para o piso é de, no máximo, 600 ºC e, no teto a temperatura deve variar entre 800 e 900 °C, podendo atingir até 1.000 °C.

Calcinação das argilas

As amostras de matérias-primas argilosas in natura, secas, foram submetidas a uma pré-moagem em moinho de bolas cerâmico. No jarro, com capacidade de 5 litros, foi colocada uma amostra de 1 kg e esferas de alumina de diferentes diâmetros (6 esferas de 2” de diâmetro, 13 esferas de 1” de diâmetro e 179 esferas de 3/8” de diâmetro). A moagem foi realizada durante 20 minutos. Posteriormente, o material foi peneirado em abertura de malha de 150 µm. O material retido era novamente submetido à moagem e peneiramento. Esse processo foi repetido até a completa passagem da amostra pela referida peneira.

Na sequência, as amostras foram calcinadas, utilizando 1 kg de material acondicionado em recipiente metálico de dimensões 10x10x20 cm. A taxa de aquecimento utilizada na mufla foi de 6,5 °C/minuto até atingir a temperatura de 800 °C. As amostras permaneceram nessa temperatura durante três horas (patamar de estabilização) para, então, sofrerem resfriamento na própria mufla que fora desligada. Transcorridas 24 horas, as amostras de argila calcinada foram retiradas da mufla e acondicionadas para posterior moagem e peneiramento.

Moagem dos materiais cimentícios suplementares

As amostras de argilas calcinadas foram moídas, durante 20 minutos, em moinho de bolas cerâmico, utilizando uma carga de 1 kg e as esferas de alumina previamente descritas. Na sequência, a argila calcinada moída foi peneirada na abertura de malha de 75 µm. A fração retida era novamente submetida à moagem e peneiramento. Esse processo foi repetido até a completa passagem da amostra pela referida peneira.

Os blocos danificados foram, primeiramente, fragmentados com auxílio de marreta até atingir, aproximadamente, 25 mm de dimensão máxima. Na sequência, os fragmentos foram cominuídos em aparelho de abrasão Los Angeles, usando 12 esferas de aço de 47 mm de diâmetro e massa de 445 g, rotacionando a 33 rpm durante 3,5 h. A massa de fragmentos foi de 5 kg. A moagem final do material pulverizado foi executada de forma idêntica à descrita para o preparo das argilas calcinadas.

Caracterização dos materiais

As matérias-primas argilosas, os RCVs e as argilas calcinadas foram submetidos à difratometria de raios-X (DRX) para identificação e quantificação, por Rietveld, das fases cristalinas e do teor de amorfos. O equipamento utilizado foi o RIGAKU, modelo ULTIMA IV. O perfil difratométrico foi aquisitado entre 5º e 75º 2θ, com passo angular de 0,02º 2θ e velocidade de 1º/minuto. A análise utilizou tubo com ânodo de cobre, 40 kV / 30 mA. No lado do feixe incidente foram utilizadas uma fenda limitante de divergência de altura (Div. H. L. slit) de 10 mm e uma fenda divergente (Div. slit) de 1º. No lado do feixe difratado foram utilizadas uma fenda de dispersão (Sct. Slit) de 1º e uma fenda receptora (Rec. Slit) de 0,3 mm. A análise foi realizada no programa X’Pert HighScore Plus. Nas amostras de argilas calcinadas e de RCVs foi utilizado o fluoreto de lítio (LiF) como padrão interno, no teor de 10%, em massa, para a quantificação do teor de amorfos.

A partir do perfil difratométrico e da identificação das fases mineralógicas presentes, foi realizada a quantificação destas pelo método de Rietveld. No refinamento foram utilizadas as estruturas cristalinas do banco de dados do ICSD (Inorganic Crystal Structure Database).

A distribuição granulométrica dos cimentos, das argilas calcinadas e dos RCVs foi realizada em equipamento Cilas Particle Size 1180, apropriado para fornecer a distribuição granulométrica de partículas entre 0,04 μm e 2.500 μm de dimensão. A distribuição granulométrica dos cimentos foi realizada em álcool isopropílico e, para os materiais argilosos calcinados, em água. Previamente à aquisição dos resultados, as amostras foram submetidas ao ultrassom (60 s) para dispersão das partículas.

O ensaio de determinação da área superficial específica BET seguiu os procedimentos previstos naC1069-09 (AMERICAN..., 2014AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS. C1069-09: standard test method for specific surface area of alumina or quartz by nitrogen adsorption. West Conshohocken, 2014.), empregando o equipamento Nova Station A, com a utilização de nitrogênio, mantendo a temperatura de ensaio em 77,350 K (-195,8 ºC).

A composição química dos cimentos, das argilas calcinadas e dos RCVs foram obtidas por espectrometria de fluorescência de raios-X (FRX) em equipamento Bruker S8 Tiger, com gerador de raios-X de 4 kW, fonte de radiação, tubo de Rh e detector WDS. As amostras foram secas ao ar livre antes da realização do ensaio e a perda ao fogo foi realizada nos materiais de acordo com os procedimentos da NM 18 (ABNT, 2012ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NM 18: cimento Portland: análise química: determinação de perda ao fogo. Rio de Janeiro, 2012.).

Ensaio Chapelle modificado

O ensaio Chapelle modificado quantifica a reatividade de um material silicoso ou sílico-aluminoso, por meio da determinação do teor de óxido de cálcio fixado para a formação de compostos hidratados. O ensaio foi executado nas amostras de argilas calcinadas e de RCVs, conforme as recomendações da norma NBR 15895 (ABNT, 2010aASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 15895: materiais pozolânicos: determinação do teor de hidróxido de cálcio fixado: Método Chapelle modificado. Rio de Janeiro, 2010a.). De acordo com Raverdy et al. (1980RAVERDY, M. et al. Appreciation of pozzolanic reactivity of minor components. In: INTERNATIONAL CONGRESS ON THE CHEMISTRY OF CEMENT, 7., Paris, 1980. Proceedings […] Paris: Institut Francais des Sciences et Technologies des Transports, de l’Aménagement et des Réseaux, 1980.), o material pode ser considerado pozolânico se fixar, no mínimo, 330 mg CaO/g de amostra (equivalente a 436 mg Ca(OH)2/g de amostra).

Pozolanicidade de cimento Portland pozolânico - Ensaio Frattini

O ensaio de pozolanicidade para cimento Portland pozolânico foi realizado de acordo com as especificações da norma NBR 5753 (ABNT, 2010bASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5753: cimento Portland: ensaio de pozolanicidade para cimento Portland pozolânico. Rio de Janeiro, 2010b.). A pozolanicidade foi estimada por comparação entre a concentração de íons cálcio, expressa como óxido de cálcio, presente em solução aquosa em contato com o cimento hidratado, após um período fixado (tempo compreendido entre 8 e 15 dias), e a quantidade de íons cálcio capaz de saturar uma solução de mesma alcalinidade. A composição cimentícia satisfaz o ensaio, ou seja, apresenta resultado positivo, se a concentração de íons cálcio na solução for menor do que a concentração de saturação.

No ensaio com as amostras de argilas calcinadas e RCVs foi utilizado um teor de 30%, em massa, na substituição parcial do cimento Portland do tipo CP V - ARI. O teor adotado está em sintonia com aquele normalmente utilizado na produção do cimento Portland do tipo CP IV e também com o cenário no qual o fator clínquer é da ordem de 59%, conforme previsto para o ano de 2030, segundo o Roadmap Tecnológico do Cimento (SINDICATO..., 2019SINDICATO NACIONAL DA INDÚSTRIA DO CIMENTO ROADMAP tecnológico do cimento: potencial de redução das emissões de carbono da indústria do cimentobrasileiraaté 2050. Rio de Janeiro: SNIC, 2019. Disponível em: Disponível em: http://snic.org.br/assets/pdf/roadmap/cement-technology-roadmap-brazil.pdf . Acesso em: 07 dez. 2022.
http://snic.org.br/assets/pdf/roadmap/ce...
). No cimento CP IV, considerando um teor de material carbonático de 10% e de material pozolânico de 30%, o complemento (60%) é suprido pelo clínquer + sulfatos de cálcio, cumprindo as exigências da norma NBR 16697 (ABNT, 2018ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16697: cimento Portland: requisitos. Rio de Janeiro, 2018.).

Teste R³ (rapid, relevant and reliable)

A atividade pozolânica de argilas calcinadas e de RCVs pode ser quantificada por meio do teste rápido, relevante e confiável (rapid, relevant and reliable - R³), desenvolvido por Avet et al. (2016)AVET, F. et al. Development of a new rapid, relevant and reliable (R3) test method to evaluate the pozzolanic reactivity of calcined kaolinitic clays. Cement and Concrete Research, v. 85, p. 1-11, jul. 2016. para avaliar a reatividade de argilas calcinadas provenientes de matéria-prima argilosa contendo caulinita em teores entre 0 e 95%.

As amostras (pastas) são compostas por água, hidróxido de cálcio p.a., argila calcinada, hidróxido de potássio (KOH) e sulfato de potássio (K2SO4), conforme a proporção apresentada na Tabela 1.

Após a mistura, a pasta foi moldada em recipiente plástico cilíndrico, selada e exposta à temperatura de 40 ºC durante 24 horas. Na sequência, a pasta foi cortada para a obtenção de três discos de aproximadamente 3 cm de diâmetro e 4 mm de espessura. Os discos, acomodados em cadinhos de alumina, foram submetidos à secagem em estufa a 110 °C até a constância de massa. A secagem foi considerada completa quando a variação de massa dos discos, no intervalo de 1 dia, não excedeu 0,5% (AMERICAN..., 2022AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS. C642-21: standardtestmethodfordensity, absorption, and voids in hardenedconcrete. West Conshohocken, 2022.). Nesse processo a água livre é evaporada, restando nas amostras apenas a água quimicamente combinada. Após a determinação da massa inicial (m 110ºC estabilizada), os discos foram expostos, em mufla, à temperatura de 400 ºC durante 2 horas e, na sequência, resfriados até a temperatura de 110 ºC, para a determinação da massa final (m 110ºC resfriada). O teor de água quimicamente combinada (AQC) como hidratos, em decorrência da atividade pozolânica do material testado, foi determinado por meio da Equação 1.

AQC = 100 x m 110 ºC estabilizada - m 110 º resfriada m 110 ºC estabilizada Eq. 1

Tabela 1
Proporção de mistura para o teste R³

Quanto maior o teor de água quimicamente combinada, maior o teor de hidratos formados e, provavelmente, maior o efeito sobre a resistência à compressão do sistema cimentício que contém o material testado.

Índice de desempenho

O ensaio de índice de desempenho (ID) seguiu as recomendações da norma NBR 5752 (ABNT, 2014ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 5752: materiais pozolânicos: determinação do índice de desempenho com cimento Portland aos 28 dias. Rio de Janeiro, 2014.). A constatação indireta da pozolanicidade do material é realizada em argamassa com 25% de substituição, em massa, de cimento Portland do tipo CP II - F pelo MCS a ser testado. A argamassa contendo o possível material pozolânico deve apresentar, aos 28 dias, resistência à compressão no mínimo igual a 90% da resistência à compressão da argamassa de referência (sem substituição).

O índice de desempenho (ID) é determinado pela Equação 2.

ID = FcB FcA x 100 Eq. 2

Onde:

ID - Índice de desempenho com cimento Portland aos 28 dias;

FcB - Resistência média aos 28 dias dos corpos de prova moldados com cimento e material pozolânico (argamassa B) (MPa);

FcA - Resistência média aos 28 dias dos corpos de prova moldados apenas com cimento Portland (argamassa A) (MPa); e

A influência do tipo de cimento no resultado do ensaio foi avaliada por meio do uso de cimento Portland do tipo CP V - ARI que, nesse caso, foi denominado ID modificado.

A Tabela 2 apresenta as proporções de mistura unitária das argamassas.

Resultados e discussões

Caracterização mineralógica das argilas

A Tabela 3 apresenta os teores das fases cristalinas contidos nas argilas in natura A e B, quantificados por DRX/Rietveld. Nos respectivos RCVs e argilas calcinadas foram quantificados, além das fases cristalinas, os teores de amorfos, em decorrência do uso de padrão interno (fluoreto de lítio). Na argila A havia, inicialmente, 32,0% de caulinita, enquanto na argila B, 17,3%. Após a queima para fabricação dos artefatos de cerâmica e, também, calcinação em laboratório, houve total desidroxilação da caulinita. Os teores de amorfos quantificados foram de 45,7% para o RCV A, 44,8% para a argila calcinada A, 42,6% para o RCV B e 41,1% para a argila calcinada B. A caracterização mineralógica foi realizada em uma única amostra para cada material (argilas in natura, RCVs e argilas calcinadas).

Tabela 2
Proporções de mistura unitárias das argamassas
Tabela 3
Composição mineralógica das argilas A e B e dos respectivos RCVs e argilas calcinadas

Figura 3
Distribuição granulométrica dos RCVs e argilas calcinadas A e B

Caracterização física dos materiais

As curvas de distribuição granulométrica dos RCVs e das argilas calcinadas A e B são apresentadas na Figura 3. Os materiais calcinados provenientes da mesma argila apresentaram distribuições granulométricas similares, o que permite a análise comparativa dos diversos resultados apresentados no presente trabalho para, sobretudo, evidenciar se há motivação, ou não, para restringir o uso do RCV em relação à argila calcinada produzida em condições controladas. Na Figura 4 são apresentadas as curvas de distribuição granulométrica dos cimentos Portland utilizados, o CP II - F - 32 e CP V - ARI.

A Tabela 4 apresenta as massas específicas e as áreas superficiais específicas BET dos materiais, além dos parâmetros específicos das distribuições granulométricas.

As massas específicas das argilas calcinadas foram ligeiramente superiores às massas específicas dos RCVs e ambas inferiores às dos dois cimentos utilizados. As áreas superficiais específicas BET dos materiais calcinados foram superiores às dos cimentos Portland (no mínimo 3,5 x). Os materiais calcinados provenientes da argila A apresentaram maior área BET quando comparados aos materiais oriundos da argila B, apesar da variação ter sido pequena, exceto pelo RCV A, que apresentou área BET de 18,17 m²/g. A maior área superficial das argilas calcinadas justifica a demanda por aditivo superplastificante para manter o índice de consistência das argamassas com substituição parcial do cimento em relação às argamassas de referência.

Os materiais decorrentes da argila B apresentaram maior finura quando comparados aos materiais oriundos da argila A. O D50 médio do RCV (7,12 µm) e da argila calcinada B (7,21 µm) foi da ordem de 7,15 µm, enquanto os equivalentes da argila A (D50 RCV = 9,03 µm / D50 argila calcinada = 10,76 µm) apresentaram D50 médio próximo a 9,80 µm. Maior diferença foi observada no D90, com valores médios da ordem de 37,27 µm para os materiais da argila A e 24,55 µm para os materiais da argila B. Os percentuais de material retido na peneira com abertura de malha de 45 µm foram menores que 20%, cumprindo o requisito da norma NBR 12653 (2014).

Figura 4
Distribuição granulométrica dos cimentos CP II - F - 32 e CP V - ARI

Tabela 4
Propriedades físicas dos RCVs, das argilas calcinadas e dos cimentos Portland

Caracterização química dos materiais

A Tabela 5 apresenta a composição química dos RCVs, argilas calcinadas e cimentos utilizados.

Os materiais pozolânicos denominados de argilas calcinadas, classificados como classe N, devem cumprir, de acordo com a NBR 12653 (ABNT, 2014ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 12653: materiais pozolânicos: requisitos. Rio de Janeiro, 2014.), os seguintes requisitos químicos: SiO2 + Al2O3 + Fe2O3 ≥ 70%, teor de SO3 ≤ 4,0%, perda ao fogo (LOI) ≤ 10% e álcalis disponíveis, em Na2O equiv., ≤ 1,5%. As amostras de RCV e de argila calcinada, independentemente da procedência, cumprem os requisitos químicos preconizados na norma. No tocante ao teor de álcalis (Na2O equiv.), as amostras apresentaram valores entre 1,84 e 1,99%. Esses resultados não expressam os álcalis disponíveis, mas os teores totais de álcalis e, portanto, não podem ser comparados com o requisito da norma.

As composições químicas do RCV e da argila calcinada provenientes de um mesmo local não apresentaram variação significativa, apesar das amostras representarem momentos temporais bastante distintos da produção. Isso evidencia que a matéria-prima argilosa utilizada no polo ceramista possui certa homogeneidade, impactando minimamente na composição química dos produtos sinterizados.

O cimento CP II - F - 32 cumpriu, de acordo com a NBR 16697 (ABNT, 2018ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 16697: cimento Portland: requisitos. Rio de Janeiro, 2018.), o requisito relacionado à perda ao fogo (LOI ≤ 12,5%), porém o teor de anidrido sulfúrico (SO3) excedeu, minimamente, o limite máximo de 4,5%. O cimento CP V - ARI cumpriu os seguintes requisitos químicos: perda ao fogo (LOI) ≤ 6,5%, MgO ≤ 6,5% e SO3 ≤ 4,5%.

Ensaio Chapelle modificado

Os teores de cal fixados por atividade pozolânica dos RCVs e das argilas calcinadas são apresentados na Figura 5.

Tabela 5
Composição química dos materiais e reatividade dos RCVs e argilas calcinadas

Figura 5
Resultados do ensaio de Chapelle modificado para os RCVs e argilas calcinadas

As reatividades dos RCVs e das argilas calcinadas, quantificadas pelo ensaio Chapelle modificado, não atingiram o valor mínimo de 436 mg Ca(OH)2/g de amostra, proposto por Raverdy et al. (1980)RAVERDY, M. et al. Appreciation of pozzolanic reactivity of minor components. In: INTERNATIONAL CONGRESS ON THE CHEMISTRY OF CEMENT, 7., Paris, 1980. Proceedings […] Paris: Institut Francais des Sciences et Technologies des Transports, de l’Aménagement et des Réseaux, 1980., para a classificação como material pozolânico. As amostras provenientes da argila A fixaram, em média, 308 mg Ca(OH)2/g de material, enquanto as amostras advindas da argila B fixaram, em média, 237 mg Ca(OH)2/g de material. O teor de amorfos do RCV e da argila calcinada proveniente da argila A foi, em média, de 45,3%. Já para o RCV e a argila calcinada obtidos da argila B, o teor médio de amorfos foi de 41,9%. A pequena variação no teor de amorfos não justifica a diferença média de 30% na capacidade de fixar cal. A composição da matriz amorfa parece ter maior influência na reatividade das amostras e, a partir desse pressuposto, fica evidente que o maior teor de caulinita, convertido em metacaulinita por desidroxilação, aumenta a capacidade de fixar cal dos materiais calcinados. A argila A possuía 32,0% de caulinita na composição, enquanto a argila B, 17,3%. Essa tendência está de acordo com os resultados do ensaio Chapelle apresentados no trabalho de Avet et al. (2016)AVET, F. et al. Development of a new rapid, relevant and reliable (R3) test method to evaluate the pozzolanic reactivity of calcined kaolinitic clays. Cement and Concrete Research, v. 85, p. 1-11, jul. 2016.. A área superficial específica BET não exerceu influência significativa na reatividade avaliada sob as condições específicas do ensaio Chapelle modificado.

Determinação da pozolanicidade pelo ensaio Frattini

Os resultados do ensaio Frattini são apresentados na Figura 6. Também é apresentada a curva teórica de pH em função da concentração de íons hidroxila para fins de análise do efeito da reatividade dos RCVs e das argilas calcinadas sobre a alcalinidade da solução.

O cimento de referência, de alta resistência inicial, situou-se ligeiramente acima da curva de saturação aos 8 e 15 dias, confirmando ser um material sem a presença de material pozolânico na composição. Para a concentração de íons hidroxila próxima a 49,2 mmol/L, o pH da solução aquosa em contato com a matriz hidratada manteve-se próximo a 12,70.

As pastas contendo os diferentes RCVs e argilas calcinadas, no teor de 30%, atribuíram pozolanicidade ao cimento Portland em ambas as idades de ensaio, sem a ocorrência de variação significativa dos resultados ao longo do tempo. O RCV A reduziu mais intensamente a concentração de íons cálcio e hidroxila em solução, indicando ser mais reativo que o RCV B. A partir dos resultados obtidos, analisando somente os RCVs, fica evidente que há uma tendência de o maior teor de caulinita presente na matéria-prima argilosa potencializar a reatividade do respectivo RCV, embora outras características físico-químicas possam exercer influência significativa da interação com a cal, como a distribuição granulométrica, a área específica BET e a composição química da fração amorfa.

No caso do RCV A, além do maior teor de caulinita na argila de origem (32,0%), a área superficial específica BET (18,17 m2/g) é 45% maior em relação ao RCV B (12,51 m2/g), oriundo de argila com 17,3% de caulinita. Ambos os RCVs foram preparados a partir de blocos de vedação danificados, produzidos em condições semelhantes, embora não seja possível estabelecer, com precisão, a temperatura experimentada por esses artefatos cerâmicos. Como mencionado na metodologia, as olarias de origem dos blocos mantêm, na linha de produção, sensores de temperatura no piso e no teto dos fornos, de forma a manter um gradiente de temperatura, entre esses pontos, em uma faixa considerada adequada para a sinterização dos produtos cerâmicos. Portanto, diante dos resultados disponíveis, é possível afirmar que o RCV B, apesar de um pouco mais fino, apresentou menor reatividade quando comparado com o RCV A em decorrência do possível efeito conjunto relacionado ao menor teor de metacaulinita (amorfos) na composição e à menor área superficial específica BET das partículas.

Figura 6
Resultados do ensaio Frattini do cimento Portland CP V - ARI e das composições contendo 30% de material calcinado

Quando se analisa as argilas calcinadas, observam-se valores muito próximos das concentrações de íons hidroxila e cálcio, demonstrando que o mesmo tratamento térmico aplicado às duas matérias-primas argilosas, de distintas composições mineralógicas, resultou em consumos de íons cálcio similares. Esse resultado está de acordo com aqueles obtidos no ensaio Chapelle modificado, em que ambas as argilas calcinadas fixaram valores próximos a 270 mg Ca(OH)2/grama.

A calcinação controlada das argilas, a uma temperatura de 800 ºC, reduziu a diferença entre as áreas superficiais específicas BET (argila calcinada A = 13,74 m2/g e argila calcinada B = 11,29 m2/g), porém a diferença no teor de metacaulinita se manteve constante. A similaridade no consumo de íons cálcio em solução das argilas calcinadas evidencia que o teor de metacaulinita não é o único fator preponderante para a reatividade. A finura e a área superficial específica BET exercem influência. No caso da argila calcinada A, com área superficial específica BET 22% maior que a observada na argila calcinada B, não foi verificada influência significativa na reatividade, avaliada pelo ensaio Frattini, decorrente do maior teor de metacaulinita.

A análise conjunta dos resultados dos RCVs e das argilas calcinadas evidenciou que o teor de metacaulinita não foi preponderante para a variação da reatividade, ou seja, o ensaio Frattini não foi sensível ao teor de metacaulinita contido nos materiais calcinados. Já a área superficial específica BET apresentou maior influência, sobretudo quando seu incremento excedeu, no mínimo, 32% em relação ao material calcinado de mesma origem, o que foi constatado na comparação entre o RCV A (18,17 m2/g) e a argila calcinada A (13,74 m2/g). Portanto, a metodologia experimental do ensaio Frattini avalia de forma mais criteriosa a variação da área superficial específica BET dos MCS testados, diferentemente do ensaio Chapelle modificado, que foi mais sensível ao teor de caulinita contido na matéria-prima argilosa precursora dos materiais calcinados.

A maior reatividade do RCV A reduziu mais intensamente o pH da solução aquosa em comparação com o RCV B, porém, em ambos os casos, a alcalinidade das soluções mantém-se elevada, acima de 12,60.

O RCV A atingiu o equilíbrio em uma concentração aproximada de íons hidroxila de 39,6 mmol/L. Nessa concentração, a saturação de íons cálcio é de aproximadamente 14,3 mmol/L, porém o valor residual foi, em média, de 6,6 mmol/L. Logo, a presença do RCV A na composição reduziu em 54% a disponibilidade de íons cálcio em solução. Já o RCV B causou uma redução de 28%, o que representa valor próximo à metade daquele observado no RCV A.

No caso da argila calcinada A, esta atingiu o equilíbrio em uma concentração aproximada de íons hidroxila de 41,1 mmol/L. Nessa concentração, a saturação de íons cálcio é de aproximadamente 13,4 mmol/L, porém o valor residual foi, em média, de 8,3 mmol/L. Logo, a presença da argila calcinada A na composição reduziu em 38% a disponibilidade de íons cálcio em solução. Já a argila calcinada B causou uma redução de 35%, valores próximos e inferiores à redução da disponibilidade de íons cálcio causada pelo RCV A.

A similaridade de resultados observados entre o RCV B e as argilas calcinadas A e B difere daquele observado no RCV A. A justificativa para tal fato está na maior área superficial específica BET do RCV A, o que potencializa a interação com a cal em decorrência da maior solubilização da matriz amorfa.

Índice de desempenho

A Figura 7(a) apresenta os resultados de índices de desempenho (ID) para os RCVs e as argilas calcinadas A e B, e a Figura 7(b) os resultados do ID modificado, utilizando cimento Portland de alta resistência inicial.

Os resultados de ID de 102% para o RCV A e de 86% para a argila calcinada A evidenciam que apenas o RCV cumpre o requisito mínimo de 90% para a classificação como material pozolânico. Para o RCV B e a argila calcinada B, os resultados de ID foram de 81%, não classificando esses materiais como pozolânicos.

No ID modificado, tanto o RCV A quanto a argila calcinada A atingiram valores superiores a 90%. Apesar do critério de resistência mínima ser aplicado em sistemas cimentícios executados com CP II - F - 32, os resultados obtidos com o cimento de alta resistência inicial foram promissores, evidenciando a possibilidade de uso destes como MCS. O RCV B e a argila calcinada B apresentarem, respectivamente, ID modificado de 84% e 85%, valores inferiores a 90%. Portanto, a utilização desses materiais na composição do cimento deve ser vista com ressalvas.

Figura 7
Índice de desempenho com cimento Portland aos 28 dias

De forma geral, o teor de caulinita contido na composição da matéria-prima argilosa foi preponderante para a reatividade dos materiais calcinados (RCV e argila calcinada). Essa tendência difere daquelas observadas no ensaio Chapelle modificado, em que todos os materiais foram classificados como não pozolânicos, e no ensaio Frattini, com todas as composições sendo classificadas como pozolânicas quando da utilização dos MCS no teor de 30%, em massa. O maior teor de substituição parcial de cimento Portland praticado no ensaio Frattini em relação ao ID não permite uma comparação direta dos resultados, mas evidencia uma tendência comportamental, ou seja, a probabilidade das composições cimentícias contendo os materiais calcinados no teor de 25% serem pozolânicas é alta, porém o consumo de íons cálcio em solução tende a reduzir.

O ID se caracteriza por ser um ensaio indireto de avaliação da pozolanicidade de um determinado material e está fundamentado no ensaio de resistência à compressão. A argamassa contendo o possível material pozolânico deve apresentar resistência à compressão, aos 28 dias, no mínimo igual a 90% daquela observada na referência.

Questões importantes precisam ser pontuadas a respeito dessa metodologia para o entendimento das limitações do ensaio. Na argamassa com MCS ocorre a diluição do cimento Portland e o aumento da relação água/cimento efetiva, o que tende a reduzir a resistência à compressão. Essa redução deve ser mitigada, de forma a não exceder 10% em relação à resistência à compressão da referência, por meio dos efeitos físico-químicos propiciados pelas partículas do MCS.

Os efeitos físicos são caracterizados pelo efeito fíler, responsável pelo preenchimento dos interstícios das partículas de cimento pelas finas partículas do MCS, e pela nucleação heterogênea, efeito atribuído à precipitação de hidratos do cimento sobre as partículas do MCS. Esses efeitos aumentam a compacidade da matriz e o grau de hidratação do cimento Portland, contribuindo para a mitigação da redução da resistência à compressão da argamassa.

O efeito químico se caracteriza pela reação do MCS com a portlandita (atividade pozolânica) para formar compostos hidratados secundários, com propriedades cimentantes. Os compostos hidratados formados dependem da composição da matriz amorfa do MCS. As consequências da atividade pozolânica se refletem na tortuosidade e na distribuição do tamanho dos poros (refinamento) da microestrutura da matriz hidratada, causando acréscimo de resistência à compressão da argamassa.

Portanto, no ensaio indireto (ID), a resistência à compressão da argamassa contendo MCS depende da magnitude dos efeitos físico-químicos. Os efeitos físicos são potencializados pelo incremento da finura e da área superficial específica BET do MCS. Isso significa que MCS com baixa reatividade, mas com características físicas adequadas, pode ser classificado como pozolânico. A partir dessa contextualização, é sensato quando da avaliação da reatividade de determinado MCS por meio de ensaio indireto realizar, no mínimo, um ensaio direto para confrontação dos resultados e obtenção de uma classificação mais assertiva.

Teste R³ (rapid, relevant and reliable)

Os resultados do teste R3 são apresentados na Tabela 6. Tanto para o RCV quanto para a argila calcinada foram observados maiores valores de água quimicamente combinada (AQC) nas amostras A em relação às amostras B. O teor de AQC está relacionado com os produtos hidratados formados, os quais dependem sobremaneira da composição da matriz amorfa. A maior disponibilidade de alumina potencializa o teor de AQC, pois os produtos hidratados formados (AFt e AFm) contêm maior teor de água de constituição do que aqueles hidratos decorrentes da reação da sílica. Dessa forma, o maior teor de caulinita contido na argila A propiciou maior reatividade aos produtos calcinados.

Análise conjunta dos resultados

A Tabela 7 apresenta um resumo geral dos resultados obtidos no presente estudo. Na comparação das duas amostras analisadas se observa que os produtos calcinados da argila A apresentaram maior reatividade do que os da argila B. Assim como descrito por Schackow, Correia e Effting (2020) SCHACKOW, A.; CORREIA, S. L.; EFFTING, C. Influence of microstructural and morphological properties of raw natural clays on the reactivity of clay brick wastes in a cementitious blend matrix. Cerâmica, v. 66, n. 378, p. 154-163, abr./jun. 2020., foi observado que a maior quantidade de caulinita, além da morfologia com maior área superficial específica BET dos materiais calcinados provenientes da argila A, resultou em um material com maior capacidade de interagir com a cal quando comparado com aqueles provenientes da argila B.

Portanto, a reatividade depende de uma combinação de fatores, como o teor de caulinita, o teor de amorfos, a área superficial específica BET e a distribuição granulométrica.

Nos materiais calcinados provenientes da matéria-prima argilosa A, observa-se maior área superficial específica BET no RCV (32% maior que a correspondente argila calcinada). Essa característica física exerceu influência mais pronunciada no ensaio Frattini e no ID. Nos ensaios Chapelle modificado e R3 não houve significativa variação dos resultados. Portanto, a depender da metodologia de avaliação da reatividade, a área superficial específica BET do MCS pode assumir maior relevância, apesar de que no ensaio de ID, ao variar o tipo de cimento, o efeito dessa característica física foi anulado.

A Figura 8 apresenta os resultados de resistência à compressão do ensaio de índice de desempenho (ID) das argamassas com RCVs e com argilas calcinadas, considerando os dois tipos de cimento Portland utilizados. A linha diagonal tracejada representa a perfeita proporcionalidade dos valores obtidos nas argamassas contendo RCV com aqueles obtidos nas argamassas contendo argila calcinada de mesma procedência. Com exceção dos valores da amostra A com CP II - F - 32, nos quais a argamassa com RCV apresentou maior desempenho em relação à argamassa com argila calcinada, verifica-se que para os demais materiais a relação entre os pares de RCV e argila calcinada foi praticamente coincidente com a linha de perfeita proporcionalidade. A linha de tendência que representa a totalidade dos resultados plotados indica que os valores de resistência à compressão das argamassas contendo RCVs devem ser ligeiramente maiores do que aqueles observados nas argamassas contendo argilas calcinadas, com coeficiente de determinação (R²) de 0,88. Portanto, os RCVs, provenientes de sinterizações em temperaturas variadas, apresentaram desempenhos praticamente idênticos àqueles observados nas argilas calcinadas, sinterizadas em temperatura controlada (800 ºC).

Tabela 6
Resultados do teste R³ (rapid, relevant and reliable)

Tabela 7
Resumo dos resultados obtidos no estudo

Figura 8
Comparativos dos valores de resistência à compressão de argamassas com RCV e argilas calcinadas

Conclusões

A avaliação dos efeitos da utilização das diferentes amostras de RCV e argila calcinada como MCS permite explanar as seguintes conclusões:

  1. a temperatura de sinterização praticada nas indústrias cerâmicas estudadas e o tempo de residência dos blocos nos fornos foram suficientes para a desidroxilação total da caulinita contida nas matérias-primas argilosas, fator de impacto da reatividade dos RCVs;

  2. as comparações entre os materiais calcinados de diferentes origens demonstraram que a reatividade foi proporcional ao conteúdo de caulinita presente na argila crua;

  3. o teor de caulinita contido na argila crua não é o único fator determinante da reatividade dos produtos calcinados. O teor de amorfos e a área superficial específica BET também exercem influência;

  4. as comparações entre os RCVs e as argilas calcinadas provenientes de mesma origem demonstraram pouca influência do efeito térmico na reatividade dos materiais estudados, desde que ocorra a completa desidroxilação da caulinita;

  5. o tipo de cimento Portland exerceu influência do resultado do ID. O cimento de alta resistência inicial melhorou o desempenho dos materiais testados;

  6. a quantificação da reatividade pelo R³ demonstrou proporcionalidade entre o teor de caulinita e o teor de água quimicamente combinada; e

  7. os resultados relatados no artigo comprovaram a potencialidade de utilização de RCVs sinterizados em temperaturas variadas como MCS.

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Editado por

Editor do artigo:

Marcelo Henrique Farias de Medeiros

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Set 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2023
  • Aceito
    20 Maio 2023
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