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Valor preditivo da ultra-sonografia do cérebro em recém-natos com diagnóstico de meningite bacteriana neonatal: seguimento de 12 anos

Predictive value of cerebral ultrasound with respect to clinical outcome in infants diagnoses on neonatal meningitis: a focus 12 years later

Resumos

OBJETIVO: Avaliar o valor preditivo da ultra-sonografia do cérebro, para o dano cerebral, em crianças com diagnóstico de meningite neonatal. MÉTODO: Estudo retrospectivo realizado no Instituto Fernandes Figueira (FIOCRUZ-RJ) em 16 crianças que realizaram ultra-sonografia do cérebro por diagnóstico de meningite no período neonatal e tiveram seguimento neurológico até 12 anos. Foram calculados: valores preditivos positivo e negativo, sensibilidade e especificidade. RESULTADOS: 56,25% eram do sexo masculino e 81,25% prematuros. Hidrocefalia foi o achado mais freqüente (56,25%), seguido pelo exame normal (43,75%). Achados de hidrocefalia (9), somente em um havendo evolução favorável e achados normais (7), em 4 (57,14%) não havendo déficit neurológico. Achados de ventriculite (4) e abscesso cerebral (2): todos evoluíram com dano cerebral. Diagnóstico de encefalomalácia (2); em 50% havendo desenvolvimento cognitivo satisfatório. Diagnostico de atrofia (2), todos com dano cerebral severo. CONCLUSÃO: Valor preditivo positivo de 88,89%, negativo de 57,14%, sensibilidade de 72,73% e especificidade de 80%.

ultra-sonografia; cérebro; meningite neonatal


OBJECTIVE: To evaluate the predictive value of cerebral ultrasound in infants diagnoses on meningitis neonatal to the neurological outcome. METHOD: A retrospective study of 16 children admitted at Institute Fernandes Figueira RJ - Brazil, who had neonatal meningitis and were examined by cerebral ultrasound. The neurologic outcome was evaluated until 12 years of age. Positive and negative predictive values, sensitivity and specificity were calculated. RESULTS: 56.25% were male and 81.25% premature. Hydrocephalus was the most frequent finding (56.25%) followed by normal exam (43.75%). Findings of hydrocephalus (9) only one had good neurologic outcome; and normal exam (7): only 57.14% without brain damage. Findings of ventriculitis (4) and brain abscesses (2) all had neurologic damage. Diagnosis of encephalomalacia (2): only one had good cognitive function. Findings of cerebral atrophy (2) all with severe outcome. CONCLUSION: The positive and predictive values were: 88.89%; 57.14% negative; sensitivity was 72.73% and specificity 80%.

cerebral; ultrasound; neonatal meningitis


Valor preditivo da ultra-sonografia do cérebro em recém-natos com diagnóstico de meningite bacteriana neonatal: seguimento de 12 anos

Predictive value of cerebral ultrasound with respect to clinical outcome in infants diagnoses on neonatal meningitis: a focus 12 years later

Alexandra Maria Vieira MonteiroI; Olga BomfimII

Instituto Fernandes Figueiras, FIOCRUZ, Rio de Janeiro, Brasil*

IMédica - Radiologista do Instituto Fernandes Figueira, FIOCRUZ, Professor Adjunto (Doutor em Medicina) dos Cursos de Graduação e de Pós-Graduação da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

IIMédica do Departamento de Neonatologia do Instituto Fernandes Figueira, FIOCRUZ

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar o valor preditivo da ultra-sonografia do cérebro, para o dano cerebral, em crianças com diagnóstico de meningite neonatal.

MÉTODO: Estudo retrospectivo realizado no Instituto Fernandes Figueira (FIOCRUZ-RJ) em 16 crianças que realizaram ultra-sonografia do cérebro por diagnóstico de meningite no período neonatal e tiveram seguimento neurológico até 12 anos. Foram calculados: valores preditivos positivo e negativo, sensibilidade e especificidade.

RESULTADOS: 56,25% eram do sexo masculino e 81,25% prematuros. Hidrocefalia foi o achado mais freqüente (56,25%), seguido pelo exame normal (43,75%). Achados de hidrocefalia (9), somente em um havendo evolução favorável e achados normais (7), em 4 (57,14%) não havendo déficit neurológico. Achados de ventriculite (4) e abscesso cerebral (2): todos evoluíram com dano cerebral. Diagnóstico de encefalomalácia (2); em 50% havendo desenvolvimento cognitivo satisfatório. Diagnostico de atrofia (2), todos com dano cerebral severo.

CONCLUSÃO: Valor preditivo positivo de 88,89%, negativo de 57,14%, sensibilidade de 72,73% e especificidade de 80%.

Palavras-chave: ultra-sonografia, cérebro, meningite neonatal.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the predictive value of cerebral ultrasound in infants diagnoses on meningitis neonatal to the neurological outcome.

METHOD: A retrospective study of 16 children admitted at Institute Fernandes Figueira RJ - Brazil, who had neonatal meningitis and were examined by cerebral ultrasound. The neurologic outcome was evaluated until 12 years of age. Positive and negative predictive values, sensitivity and specificity were calculated.

RESULTS: 56.25% were male and 81.25% premature. Hydrocephalus was the most frequent finding (56.25%) followed by normal exam (43.75%). Findings of hydrocephalus (9) only one had good neurologic outcome; and normal exam (7): only 57.14% without brain damage. Findings of ventriculitis (4) and brain abscesses (2) all had neurologic damage. Diagnosis of encephalomalacia (2): only one had good cognitive function. Findings of cerebral atrophy (2) all with severe outcome.

CONCLUSION: The positive and predictive values were: 88.89%; 57.14% negative; sensitivity was 72.73% and specificity 80%.

Key words: cerebral, ultrasound, neonatal meningitis.

A meningite bacteriana aguda neonatal continua a ser, notadamente em países ditos em desenvolvimento, um grave problema de mortalidade e de morbidade1-5. A ultra-sonografia do cérebro é o método de escolha no diagnóstico das afecções neste grupo etário, destacando-se a ausência de necessidade de sedação e a facilidade de realização do exame a beira do leito aquecido.

Além disso, considerando-se a possibilidade de rápida evolução do processo inflamatório no cérebro, a ultra-sonografia permite o acompanhamento diário e sem riscos para estes pequenos pacientes6. Vários estudos descritivos dos achados da ultra-sonografia na meningite neonatal têm sido relatados7-10, porém poucos com seguimento clínico7,11.

O objetivo deste estudo é avaliar o valor preditivo da ultra-sonografia do cérebro, para o dano cerebral, em crianças até 12 anos que tiveram o diagnóstico de meningite no período neonatal.

MÉTODO

Durante o período de 41 meses, de janeiro de 1989 a junho de 1993, foram assistidos 6360 recém-natos no Departamento de Neonatologia do Instituto Fernandes Figueira. Destes, 29 tiveram o diagnóstico de meningite neonatal. Treze recém-natos foram excluídos: 9 por óbito, 1 por associação com anomalia de desenvolvimento cerebral, 1 pelo diagnóstico de meningite por Cândida, 1 por diagnóstico de meningite por Herpes simples e outro por não ter sido possível o seguimento clínico. Dos 16 pacientes incluídos com diagnóstico de meningite bacteriana, todos realizaram ultra-sonografia.

O aparelho de ultra-sonografia utilizado foi da marca ALOKA modelo SSD-280LS com transdutor setorial de 5.0MHz.

O protocolo de exame, através da fontanela anterior, incluiu cortes coronais e sagitais a época do diagnóstico e um segundo exame de controle de cura ou por importante piora clínica. A hidrocefalia, quando presente, foi graduada em leve, moderada ou severa. Pela complexidade da análise liquórica neste grupo etário os dados obtidos através de punção lombar foram analisados em conjunto com os dados clínicos e, nos casos duvidosos, foi repetido o exame do líquor para confirmação diagnóstica. A avaliação clínica neurológica foi realizada no primeiro ano de vida e agrupada por normal ou anormal. A avaliação clínica até 12 anos após o diagnóstico de meningite foi realizada por uma equipe multidisciplinar especializada e agrupada como desenvolvimento cognitivo (linguagem, fala e aprendizado escolar) e motor (distúrbios de tônus, equilíbrio e marcha).

RESULTADOS

Dos 16 pacientes 9 eram masculinos, 7 femininos, 13 prematuros e 3 a termo. Na correlação maturidade e peso 8 prematuros tinham peso adequado à idade gestacional (AIG), 3 eram pequenos para a idade gestacional (PIG) e 2 grandes para a idade gestacional (GIG); dos recém-natos a termo 1 era PIG, 1 AIG e 1 GIG. Em relação à manifestação clínica da meningite, em 10 dos casos esta foi tardia. A sepse esteve presente em todos os casos. Dos aspectos clínicos neonatais, os sinais e sintomas de maior freqüência foram hipoatividade (15 casos), seguidos pela hipertermia (11 casos) e distúrbios respiratórios (10 casos). A convulsão esteve presente em 8 casos.

A punção lombar, com cultura do líquor, foi positiva em 11 casos. A hipercelularidade foi diagnóstica em 5 casos (23,81%). As bactérias Gram negativas foram mais freqüentes (11/16) do que as Gram positivas (3/16), e em 2 casos a bactéria foi indeterminada. Dos achados iniciais à ultra-sonografia o exame normal foi o mais encontrado (9/16), seguido pela hidrocefalia (5/16) e pela ventriculite (4/16 )( Fig 1). Em nenhum dos casos de dilatação ventricular foi necessária a introdução de cateter de derivação. Houve dois casos de ventriculite com coexistência de abscesso cerebral (Fig 2). O resumo dos achados clínicos e os achados da ultra-sonografia a época do diagnóstico estão listados na Tabela 1.



Dos achados finais, a hidrocefalia foi o mais freqüente (9/16) seguida pelo exame normal (7/16). Em dois casos identificamos encefalomalacia (Fig 3), inclusive em associação à atrofia (Fig 4).



Do total de 16 casos, 9 (56,25%) apresentaram alterações na avaliação neurológica e 7 (43,75%) apresentaram evolução neurológica normal até o primeiro ano de vida. Na avaliação neurológica até os 12 anos verificamos que dos 9 pacientes com alteração neurológica somente 1 (caso 3) apresentou bom desenvolvimento cognitivo e de aprendizado; todavia, com déficit motor. Dos 7 casos avaliados clinicamente como normais no primeiro ano de vida, somente 5 apresentaram bom desenvolvimento cognitivo e motor.

Na correlação entre os dados clínicos e os achados do último exame da ultra-sonografia verificamos que dos 7 casos diagnosticados como exame normal somente em 4 casos (57,14%) a evolução neurológica foi normal nas duas avaliações neurológicas. Dos 9 casos de hidrocefalia, somente em 1, graduada como leve, houve evolução neurológica favorável nas duas avaliações. Dos 4 casos diagnosticados como ventriculite, todos apresentaram déficit neurológico variável. Dos 2 casos de encefalomalácia somente em 1 houve desenvolvimento cognitivo satisfatório. Dos pacientes diagnosticados como atrofia (2 casos) todos apresentaram dano cerebral. A correlação da ultra-sonografia com a evolução neurológica Tabela 2.

O valor preditivo positivo calculado foi 88,89% (IC-83,21-94,57) e o valor preditivo negativo, 57,14% (IC 49,78-64,51). A sensibilidade e a especificidade do método para o dano cerebral foram, respectivamente, de 72,73%( IC- 68,02-77,43) e 80% (IC- 69.79- 90,21).

DISCUSSÃO

Os aspectos clínicos relacionados a mortalidade1-13 e a morbidade13-15 conseqüentes a meningite já foram bem estabelecidos e estão em acordo aos nossos achados clínicos. Olmedo Diaz e cols.7 descreveram, em um estudo com 56 casos de meningite neonatal, dentre outros fatores, a presença de ultra-sonografia alterada como fator de risco para seqüela neurológica, o que está plenamente em acordo aos nossos achados. Destacado por Snyder e col.16 a hidrocefalia, achado de ultra-sonografia final mais freqüente, esteve também associada ao déficit neurológico na maioria dos casos. Um aspecto interessante, descrito por Cabral e col.9, é o da evolução favorável de um paciente com diagnóstico final de hidrocefalia leve, tal qual o verificado nos nossos resultados. Descreveram estes que podem ocorrer dilatações ventriculares transitórias no curso da doença o que poderia, talvez, explicar esta evolução benigna.

Os achados descritivos da ultra-sonografia, como o exame ultra-sonográfico normal na vigência de meningite, foi também descrito por outros autores8. Na correlação clínico-neurológica verificamos, entretanto, uma evolução desfavorável em alguns pacientes. Estes achados devem-se, provavelmente, a lesões destrutivas na substância branca que não foram identificadas à ultra-sonografia.

A detecção da ventriculite implica em infecção grave no sistema nervoso central (SNC), geralmente associada a pior prognóstico17, e é melhor identificada à ultra-sonografia do que à tomografia computadorizada10. No nosso estudo todos os pacientes diagnosticados com ventriculite apresentaram déficit motor e, somente em um caso, o desenvolvimento cognitivo foi satisfatório. Neste grupo, dois recém-natos apresentaram associação com abscesso cerebral. Estudo sobre infecções no SNC6 descreve que a presença de alterações no parênquima está associada com severas alterações neurológicas, notadamente na coexistência de abscessos, infreqüentes no período neonatal10.

Dos achados finais de encefalomalácia e atrofia cortical, todos os pacientes tiveram elevada morbidade, o que está literalmente em acordo a outros autores10. A ultra-sonografia do cérebro é, portanto, capaz de adicionar, na avaliação clínica preditiva do dano cerebral, em recém-natos, com diagnóstico de meningite.

Recebido 6 Outubro 2005. Aceito 10 Fevereiro 2006

Dra. Alexandra Maria Vieira Monteiro - Rua Macedo Sobrinho 21/1° Andar - 22271-080 Rio de Janeiro RJ - Brasil. E-mail: monteiroamv@gmail.com

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Ago 2006
  • Data do Fascículo
    Jun 2006

Histórico

  • Recebido
    06 Out 2005
  • Aceito
    10 Fev 2006
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