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Terceirização de TI e Capacidade Absortiva: Um Estudo de Casos Múltiplos no Setor de Seguros

RESUMO

As fontes de conhecimento externo são críticas na implementação de estratégias baseadas em inovação, especialmente as habilitadas pelas tecnologias da informação. O conceito de capacidade absortiva reflete a habilidade de uma firma de obter, assimilar, combinar e tirar proveito de conhecimentos externos para gerar inovações. O objetivo desta pesquisa foi investigar como a terceirização de TI pode influenciar a capacidade absortiva e inovativa de uma organização. Os resultados de um estudo de casos múltiplos, comparando quatro seguradoras com diferentes graus de inovação e de adoção da terceirização de TI, mostraram que as conexões entre a estratégia de relacionamento com fornecedores e a postura da área de TI do contratante, e a forma de atuação e nível de conhecimento prévio do contratado são essenciais para a capacidade absortiva e inovativa. Além disso, empresas que negligenciam a terceirização de TI para alavancar sua capacidade absortiva e inovativa podem ter ônus significativos para o uso de seus recursos, e sua agilidade e competitividade.

Palavras-chave:
Terceirização de TI; Capacidade Absortiva; Inovação; Seguros

ABSTRACT

Sources of external knowledge are critical to the implementation of strategies to achieve innovation, especially in the case of information technology. The concept of absorptive capacity reflects the ability of firms to obtain, assimilate, combine, and extract advantages from external knowledge to generate innovations. The objective of this multiple case study was to investigate how outsourcing of IT can influence the absorptive and innovative capacity of organizations, focused on the insurance sector. The results of comparing four insurers with different degrees of innovation and adoption of IT outsourcing indicate that the connections between the strategy of relationship with suppliers and the stance of the IT area of the client company, and its previous activity and level of knowledge, are essential to determine the absorptive and innovative capacity. Besides this, companies that neglect outsourcing of IT to leverage their absorptive and innovative capacity can suffer significant harm regarding the use of resources, agility, and competitiveness.

Keywords:
Outsourcing of IT; Absorptive Capacity; Innovation; Insurance

1. INTRODUÇÃO

A Tecnologia da Informação (TI) converteu-se em um fator relevante para o desenvolvimento de inovações no ecossistema de seguros, como atesta o surgimento das insurtechs (Cappiello, 2018Cappiello, A. (2018). Digital disruption and insurtech start-ups: Risks and challenges. Technology and the Insurance Industry (pp. 29-50). Pisa: Palgrave McMillan. doi: 10.1007/978-3-319-74712-5_3
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). Tais inovações são poderosos aceleradores para a diversificação da oferta de novos produtos, aumento de competitividade, e melhoria no apreçamento, gerando potenciais benefícios para o segurado.

A rápida convergência e difusão de tecnologias de computação, de comunicações, e de geração e gestão de conteúdo digital vêm ampliando a capacidade absortiva das organizações (Roberts, Galluch, Dinger, & Grover, 2012Roberts, N., Galluch, P. S., Dinger, M., & Grover, V. (2012). Absorptive capacity and information systems research: Review, synthesis, and directions. MIS Quarterly, 36(2), 625-648.). A capacidade absortiva (CA) pode ser definida como a capacidade de detectar e absorver conhecimentos relevantes no ambiente externo e aproveitá-los para inovar (Cohen & Levinthal, 1990Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive-capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152. doi: 10.2307/2393553
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). Os sistemas de informação (SI) exercem influência direta sobre a CA de uma organização ao facilitarem a transferência de conhecimento (Iyengar, Sweeney, & Montealegre, 2015Iyengar, K., Sweeney, J. R., & Montealegre, R. (2015). Information technology use as a learning mechanism: The impact of it use on knowledge transfer effectiveness, absorptive capacity, and franchisee performance. MIS Quarterly, 39(3), 615-A5.), reduzindo os esforços necessários para identificar, assimilar e utilizar internamente novos conhecimentos (Carlo, Lyytinen, & Rose, 2012Carlo, J. L., Lyytinen, K., & Rose, G. M. (2012). A knowledge-based model of radical innovation in small software firms. MIS Quarterly, 36(3), 865-A10.).

Nas últimas décadas, organizações em todo o mundo têm terceirizado processos e ativos de TI com o objetivo de reduzir custos, aumentar sua agilidade e flexibilidade, ter acesso a mercados globais, e concentrar seus esforços em capacidades que consideram essenciais (core capabilities) (Lee, 2017Lee, J. (2017). Strategic risk analysis for information technology outsourcing in hospitals. Information & Management, 54(8), 1049-1058. doi: 10.1016/j.im.2017.02.010
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; Trantopoulos, Krogh, Wallin, & Woerter, 2017Trantopoulos, K., Krogh, G. von, Wallin, M. W., & Woerter, M. (2017). External knowledge and information technology: Implications for process innovation performance. MIS Quarterly, 41(1), 287-300. doi: 10.1002/fut
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). A terceirização ou outsourcing de TI consiste na contratação de tarefas especializadas geralmente não relacionadas ao negócio principal da empresa, com o objetivo de melhorar a prestação dos serviços associados a essas tarefas (Lee, 2017Lee, J. (2017). Strategic risk analysis for information technology outsourcing in hospitals. Information & Management, 54(8), 1049-1058. doi: 10.1016/j.im.2017.02.010
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). Os serviços de TI passíveis de terceirização incluem o desenvolvimento e suporte de aplicativos, a integração de sistemas, o gerenciamento de dados e de data centers, o gerenciamento de redes e telecomunicações, e serviços de computação distribuída (Lacity, 2017Lacity, M. (2017). Review of 23 years of empirical research on information technology outsourcing decisions and outcomes. Proceedings of the 50 th Hawaii International Conference on System Sciences, 5214-5224. Retrieved from http://hdl.handle.net/10125/41794
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). Com o desenvolvimento das novas tecnologias digitais (ex., computação em nuvem, inteligência artificial e machine learning, IoT), projeta-se um aumento das oportunidades de terceirização de TI, assim como de parcerias estratégicas com fornecedores desses serviços (David et al., 2018David, A., Nguyen, Q., Johnson, V., Kappelman, L., Torres, R., & Maurer, C. (2018). The 2017 SIM IT issues and trends study. MIS Quarterly Executive, 17(1), 53-88. Retrieved from https://aisel.aisnet.org/misqe/vol17/iss1/6
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; Overby, 2017Overby, S. (2017, July 19). 7 hot IT outsourcing trends: And 7 going cold. CIO. Retrieved from https://www.cio.com/article/3208031/outsourcing/7-hot-it-outsourcing-trends-and-7-going-cold.html
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).

Estudos recentes sugerem que a terceirização de TI pode prover a uma firma acesso a conhecimentos externos relevantes que a ajudem a aumentar sua capacidade inovativa (Bertrand & Mol, 2013Bertrand, O., & Mol, M. J. (2013). The antecedents and innovation effects of domestic and offshore R&D outsourcing: The contingent impact of cognitive distance and absorptive capacity. Strategic Management Journal, 34(6), 751-760.; Carlo et al., 2012Carlo, J. L., Lyytinen, K., & Rose, G. M. (2012). A knowledge-based model of radical innovation in small software firms. MIS Quarterly, 36(3), 865-A10.; Lacity, 2017Lacity, M. (2017). Review of 23 years of empirical research on information technology outsourcing decisions and outcomes. Proceedings of the 50 th Hawaii International Conference on System Sciences, 5214-5224. Retrieved from http://hdl.handle.net/10125/41794
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). Isso se daria em virtude essencialmente de as empresas contratadas poderem estabelecer relações estreitas com outras empresas e clientes de diversos setores (Weeks & Feeny, 2008Weeks, M. R., & Feeny, D. (2008). Outsourcing: From cost management to innovation and business value. California Management Review, 50(4), 127-146. doi: 10.1177/1087057111427682
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). Por outro lado, a terceirização pode ter o efeito oposto, uma vez que tipicamente resulta em reduções do estoque de conhecimentos e de habilidades relacionadas à TI, que parecem ser atualmente essenciais à inovação (Devece, Palacios-Marqués, Galindo-Martín, & Llopis-Albert, 2017Devece, C., Palacios-Marqués, D., Galindo-Martín, M.-Á., & Llopis-Albert, C. (2017). Information systems strategy and its relationship with innovation differentiation and organizational performance. Information Systems Management, 34(3), 250-264.; Saldanha, Mithas, & Krishnan, 2017Saldanha, T. J., Mithas, S., & Krishnan, M. S. (2017). Leveraging customer involvement for fueling innovation: The role of relational and analytical information processing capabilities. MIS Quarterly, 41(1), 367-396.).

O objetivo desta pesquisa foi investigar em que condições e como a terceirização de TI pode influenciar (positiva ou negativamente) a CA de uma organização e, por conseguinte, sua capacidade inovativa. Para tanto, foi desenvolvido um estudo de casos múltiplos que compara quatro organizações do segmento de seguros que atuam no mercado brasileiro e que utilizam a terceirização de TI, em diferentes graus, para endereçar múltiplas prioridades, muitas vezes conflitantes, relacionadas a custo, eficiência, qualidade e inovação (Jogani, Pande, & Shirdade, 2017Jogani, R., Pande, A., & Shirdade, V. (2017, September). Five ways to unlock win-win value from IT-services sourcing relationships | McKinsey. Retrieved from https://www.mckinsey.com/business-functions/digital-mckinsey/our-insights/five-ways-to-unlock-win-win-value-from-it-services-sourcing-relationships
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).

2. REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Capacidade Absortiva (CA)

Pode-se entender a CA como a habilidade de uma organização de identificar conhecimento externo valioso, assimilar ou transformar esse conhecimento, integrando-o a sua própria base de conhecimento, e aplicá-lo por meio da inovação e de ações competitivas (Cohen & Levinthal, 1990Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive-capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152. doi: 10.2307/2393553
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; Roberts et al., 2012Roberts, N., Galluch, P. S., Dinger, M., & Grover, V. (2012). Absorptive capacity and information systems research: Review, synthesis, and directions. MIS Quarterly, 36(2), 625-648.). Ao longo das últimas décadas, pesquisas em temas tão diversos quanto aprendizado interorganizacional, fusões e aquisições, e desenvolvimento de novos produtos sugerem que a CA, a medida que melhora a capacidade inovativa, é essencial para a geração de vantagem competitiva para uma firma (Cooper & Molla, 2017Cooper, V., & Molla, A. (2017). Information systems absorptive capacity for environmentally driven IS-enabled transformation. Information Systems Journal, 27(4), 379-425.; Lane, 2006Lane, P. J. (2006). The reification of absorptive capacity: A critical review and reuvenation of the construct, 31(4), 833-863.).

Grande parte da literatura da área de SI adota a definição de CA que agrupa os processos e rotinas de aprendizagem com vistas à inovação em quatro dimensões distintas e complementares: aquisição, assimilação, transformação e exploração do conhecimento externo (Roberts et al., 2012Roberts, N., Galluch, P. S., Dinger, M., & Grover, V. (2012). Absorptive capacity and information systems research: Review, synthesis, and directions. MIS Quarterly, 36(2), 625-648.; Zahra & George, 2002Zahra, S. A., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconceptualization, and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203. doi: 10.2307/4134351
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). A dimensão aquisição diz respeito à capacidade de uma organização de identificar e avaliar conhecimentos relevantes no ambiente externo, bem como de empreender os esforços necessários para a obtenção desses conhecimentos (Backmann, Hoegl, & Cordery, 2015Backmann, J., Hoegl, M., & Cordery, J. L. (2015). Soaking it up: Absorptive capacity in interorganizational new product development teams. Journal of Product Innovation Management, 32(6), 861-877. doi: 10.1111/jpim.12295
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; Zahra & George, 2002Zahra, S. A., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconceptualization, and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203. doi: 10.2307/4134351
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). A dimensão assimilação está relacionada à habilidade da organização de analisar, processar, apreender e compreender novos conhecimentos adquiridos de fontes externas (Backmann et al., 2015Backmann, J., Hoegl, M., & Cordery, J. L. (2015). Soaking it up: Absorptive capacity in interorganizational new product development teams. Journal of Product Innovation Management, 32(6), 861-877. doi: 10.1111/jpim.12295
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). Após o conhecimento ter sido adquirido e assimilado, mudanças precisam ser realizadas internamente para que ele seja transformado e explorado sob a forma de soluções inovadoras (Cepeda-Carrion, Cegarra-Navarro, & Jimenez-Jimenez, 2012Cepeda-Carrion, G., Cegarra-Navarro, J. G., & Jimenez-Jimenez, D. (2012). The effect of absorptive capacity on innovativeness: Context and information systems capability as catalysts. British Journal of Management, 23(1), 110-129. doi: 10.1111/j.1467-8551.2010.00725.x
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). A dimensão transformação diz respeito à capacidade da organização de desenvolver e refinar rotinas que facilitem a combinação, em suas rotinas e práticas internas, de seus conhecimentos prévios com os novos conhecimentos externos adquiridos e assimilados (Gluch, Gustafsson, & Thuvander, 2009Gluch, P., Gustafsson, M., & Thuvander, L. (2009). An absorptive capacity model for green innovation and performance in the construction industry. Construction Management and Economics, 27(5), 451-464. doi: 10.1080/01446190902896645
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; Zahra & George, 2002Zahra, S. A., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconceptualization, and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203. doi: 10.2307/4134351
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). Por fim, a exploração está associada à habilidade da organização de refinar, estender e alavancar suas competências atuais ou de criar novas competências a partir dos conhecimento adquiridos, assimilados e transformados para alcançar vantagens competitivas (Backmann et al., 2015Backmann, J., Hoegl, M., & Cordery, J. L. (2015). Soaking it up: Absorptive capacity in interorganizational new product development teams. Journal of Product Innovation Management, 32(6), 861-877. doi: 10.1111/jpim.12295
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; Zahra & George, 2002Zahra, S. A., & George, G. (2002). Absorptive capacity: A review, reconceptualization, and extension. Academy of Management Review, 27(2), 185-203. doi: 10.2307/4134351
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).

O conhecimento prévio é um habilitador fundamental da CA (Cohen & Levinthal, 1990Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive-capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152. doi: 10.2307/2393553
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; Lane, 2006Lane, P. J. (2006). The reification of absorptive capacity: A critical review and reuvenation of the construct, 31(4), 833-863.). O estoque de conhecimento existente na organização permite que se avalie a importância e o valor de novos conhecimentos externos, aumentando a velocidade de aprendizado e a precisão das estimativas do potencial comercial de uma inovação (Huang, Bhattacherjee, & Wong, 2018Huang, M., Bhattacherjee, A., & Wong, C.-S. (2018). Gatekeepers’ innovative use of IT: An absorptive capacity model at the unit level. Information & Management, 55(2), 235-244. doi: 10.1016/j.im.2017.06.001
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). De fato, o conhecimento externo é assimilado, aprendido e aplicado a partir da sua associação com o conhecimento prévio (Iyengar et al., 2015Iyengar, K., Sweeney, J. R., & Montealegre, R. (2015). Information technology use as a learning mechanism: The impact of it use on knowledge transfer effectiveness, absorptive capacity, and franchisee performance. MIS Quarterly, 39(3), 615-A5.).

Segundo Nelson e Winter (1982Nelson, R. R., & Winter, S. G. (1982). An evolutionary theory of economic change. Cambridge: Harvard University Press.), o locus da capacidade de aprendizagem de uma firma não é o indivíduo em si, mas sim o mosaico de recursos individuais existente na organização. As conexões desse mosaico dependem das interações entre indivíduos que possuem estruturas de conhecimento diferentes. Seu fortalecimento aumenta a capacidade de criação de novas conexões e associações inovadoras. Em um cenário de incerteza, a diversidade do estoque de conhecimento da organização é importante para estimular a geração de novas ideias e aumentar a exposição dos seus membros a novos conhecimentos. Entende-se, portanto, que a CA é função tanto da profundidade, quanto da abrangência das estruturas de conhecimento da firma (Cohen & Levinthal, 1990Cohen, W. M., & Levinthal, D. A. (1990). Absorptive-capacity: A new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, 35(1), 128-152. doi: 10.2307/2393553
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; Lane, 2006Lane, P. J. (2006). The reification of absorptive capacity: A critical review and reuvenation of the construct, 31(4), 833-863.; Roberts et al., 2012Roberts, N., Galluch, P. S., Dinger, M., & Grover, V. (2012). Absorptive capacity and information systems research: Review, synthesis, and directions. MIS Quarterly, 36(2), 625-648.). Autores como Roberts et al. (2012Roberts, N., Galluch, P. S., Dinger, M., & Grover, V. (2012). Absorptive capacity and information systems research: Review, synthesis, and directions. MIS Quarterly, 36(2), 625-648.) sugerem também que as tecnologias da informação podem influenciar positivamente a CA da firma, por promovem o compartilhamento do conhecimento intra e interorganizacional.

2.2 Terceirização de TI

A terceirização envolve uma firma provedora de serviços que realiza tarefas especializadas, geralmente não relacionadas ao negócio principal de seu cliente, para melhorar a produção e o serviço associados a essas tarefas (Lee, 2017Lee, J. (2017). Strategic risk analysis for information technology outsourcing in hospitals. Information & Management, 54(8), 1049-1058. doi: 10.1016/j.im.2017.02.010
https://doi.org/10.1016/j.im.2017.02.010...
). Segundo Lacity (2017Lacity, M. (2017). Review of 23 years of empirical research on information technology outsourcing decisions and outcomes. Proceedings of the 50 th Hawaii International Conference on System Sciences, 5214-5224. Retrieved from http://hdl.handle.net/10125/41794
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), a terceirização de TI inclui serviços como o desenvolvimento e suporte a aplicativos, integração de sistemas, gerenciamento de dados, redes e telecomunicações, e computação distribuída. Redução de custos, aumento de agilidade e flexibilidade, acesso a mercados, e o foco em competências essenciais são motivações típicas da terceirização de TI (Lee, 2017Lee, J. (2017). Strategic risk analysis for information technology outsourcing in hospitals. Information & Management, 54(8), 1049-1058. doi: 10.1016/j.im.2017.02.010
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; Trantopoulos et al., 2017Trantopoulos, K., Krogh, G. von, Wallin, M. W., & Woerter, M. (2017). External knowledge and information technology: Implications for process innovation performance. MIS Quarterly, 41(1), 287-300. doi: 10.1002/fut
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).

Diante das rápidas mudanças no ambiente de negócios, a terceirização de TI se tornou uma opção de parceria estratégica para absorção de conhecimento externo e facilitação da inovação (Teo & Bhattacherjee, 2014Teo, T. S. H., & Bhattacherjee, A. (2014). Knowledge transfer and utilization in IT outsourcing partnerships: A preliminary model of antecedents and outcomes. Information and Management, 51(2), 177-186. doi: 10.1016/j.im.2013.12.001
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; Trantopoulos et al., 2017Trantopoulos, K., Krogh, G. von, Wallin, M. W., & Woerter, M. (2017). External knowledge and information technology: Implications for process innovation performance. MIS Quarterly, 41(1), 287-300. doi: 10.1002/fut
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; Weeks & Feeny, 2008Weeks, M. R., & Feeny, D. (2008). Outsourcing: From cost management to innovation and business value. California Management Review, 50(4), 127-146. doi: 10.1177/1087057111427682
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). Nesse contexto, a terceirização é vista como uma ferramenta para ajudar as organizações a mudar radicalmente ou de forma incremental os principais elementos de seus sistemas de informação (Hirschheim, Heinzl, & Dibbern, 2014Hirschheim, R., Heinzl, A., & Dibbern, J. (2014). Information technology outsourcing: Towards sustainable business value. Management International Review, 4(2), 45-50. doi: 10.1007/978-3-662-43820-6_1
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).

A oferta e aquisição de atividades comoditizadas é a primeira fase do processo de implementação de um arranjo de terceirização bem-sucedido (Fan, Xiao, Shun, & Ji, 2007Fan, J. M., Xiao, Y. H., Shun, X. Y., & Ji, P. (2007). A unified framework for outsourcing governance. Proceedings - The 9th IEEE International Conference on E-Commerce Technology , The 4th IEEE International Conference on Enterprise Computing, E-Commerce and E-Services, CEC/EEE 2007, 367-374. doi: 10.1109/CEC-EEE.2007.16
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). Pesquisadores sugerem que as organizações podem encontrar em seus provedores de serviços uma fonte de conhecimento externo que influencia positivamente a sua CA e, por conseguinte, a geração de inovações (Bahli, Wettenberg, Borgman, & Heier, 2013Bahli, B., Wettenberg, C., Borgman, H. P., & Heier, H. (2013). The role of absorptive capacity in information technology outsourcing and innovation performance: A moderated mediation analysis. 2013 46 th Hawaii International Conference on System Sciences, 4635-4644. doi: 10.1109/HICSS.2013.538
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; Gonçalves, 2016Gonçalves, E. M. (2016). O impacto do outsourcing de TI na capacidade absortiva das organizações (Master’s thesis). Faculdades Ibmec, Rio de Janeiro.; Lacity, 2017Lacity, M. (2017). Review of 23 years of empirical research on information technology outsourcing decisions and outcomes. Proceedings of the 50 th Hawaii International Conference on System Sciences, 5214-5224. Retrieved from http://hdl.handle.net/10125/41794
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; Liang, Wang, Xue, & Cui, 2016Liang, H., Wang, J. J., Xue, Y., & Cui, X. (2016). IT outsourcing research from 1992 to 2013: A literature review based on main path analysis. Information and Management, 53(2), 227-251.doi: 10.1016/j.im.2015.10.001
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; Weeks & Feeny, 2008Weeks, M. R., & Feeny, D. (2008). Outsourcing: From cost management to innovation and business value. California Management Review, 50(4), 127-146. doi: 10.1177/1087057111427682
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). No entanto, o sucesso de arranjos de terceirização mais amplos requer que provedor de serviço e cliente compartilhem conhecimentos, além de comunicação, confiança, qualidade de relacionamento, visão de parceria, governança relacional e compromisso, principalmente em ambientes complexos que se caracterizam pela alta incerteza e dificuldade de medição de resultados (Bertrand & Mol, 2013Bertrand, O., & Mol, M. J. (2013). The antecedents and innovation effects of domestic and offshore R&D outsourcing: The contingent impact of cognitive distance and absorptive capacity. Strategic Management Journal, 34(6), 751-760.; Lacity, 2017Lacity, M. (2017). Review of 23 years of empirical research on information technology outsourcing decisions and outcomes. Proceedings of the 50 th Hawaii International Conference on System Sciences, 5214-5224. Retrieved from http://hdl.handle.net/10125/41794
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).

No contexto dos serviços de TI, as capacidades dominadas tanto pelo provedor de serviços, quanto pelo cliente são fatores determinantes para o resultado da terceirização. De acordo com Lacity (2017Lacity, M. (2017). Review of 23 years of empirical research on information technology outsourcing decisions and outcomes. Proceedings of the 50 th Hawaii International Conference on System Sciences, 5214-5224. Retrieved from http://hdl.handle.net/10125/41794
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), provedores de serviço com forte capacidade técnica e metodológica, gerenciamento de recursos humanos, experiência no segmento de negócio do cliente, e gerenciamento de clientes produzem melhores resultados para os clientes e para si mesmos. Por outro lado, clientes com forte controle técnico e metodológico, capacidade de gestão de fornecedores, gerenciamento de transição, e CA tendem a obter melhores resultados com a terceirização.

Vale ressaltar que, sendo a TI uma habilitadora da inovação (Trantopoulos et al., 2017Trantopoulos, K., Krogh, G. von, Wallin, M. W., & Woerter, M. (2017). External knowledge and information technology: Implications for process innovation performance. MIS Quarterly, 41(1), 287-300. doi: 10.1002/fut
https://doi.org/10.1002/fut...
; Weeks & Feeny, 2008Weeks, M. R., & Feeny, D. (2008). Outsourcing: From cost management to innovation and business value. California Management Review, 50(4), 127-146. doi: 10.1177/1087057111427682
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), a terceirização de TI pode prover à firma acesso a conhecimentos externos que a ajudem a aumentar sua capacidade inovativa (Bertrand & Mol, 2013Bertrand, O., & Mol, M. J. (2013). The antecedents and innovation effects of domestic and offshore R&D outsourcing: The contingent impact of cognitive distance and absorptive capacity. Strategic Management Journal, 34(6), 751-760.; Carlo et al., 2012Carlo, J. L., Lyytinen, K., & Rose, G. M. (2012). A knowledge-based model of radical innovation in small software firms. MIS Quarterly, 36(3), 865-A10.; Lacity, 2017Lacity, M. (2017). Review of 23 years of empirical research on information technology outsourcing decisions and outcomes. Proceedings of the 50 th Hawaii International Conference on System Sciences, 5214-5224. Retrieved from http://hdl.handle.net/10125/41794
http://hdl.handle.net/10125/41794...
). Esse acesso é possível em virtude das relações profundas e amplas que o terceiro mantém com outros fornecedores e clientes (Weeks & Feeny, 2008Weeks, M. R., & Feeny, D. (2008). Outsourcing: From cost management to innovation and business value. California Management Review, 50(4), 127-146. doi: 10.1177/1087057111427682
https://doi.org/10.1177/1087057111427682...
). A motivação do cliente para obter conhecimento e a disposição do fornecedor para compartilhar conhecimento são importantes antecedentes de sua transferência em relações de terceirização de TI e, portanto, da geração de inovações a partir dessas relações (Teo & Bhattacherjee, 2014Teo, T. S. H., & Bhattacherjee, A. (2014). Knowledge transfer and utilization in IT outsourcing partnerships: A preliminary model of antecedents and outcomes. Information and Management, 51(2), 177-186. doi: 10.1016/j.im.2013.12.001
https://doi.org/10.1016/j.im.2013.12.001...
).

3. MÉTODO DE PESQUISA

O presente estudo adotou uma abordagem de pesquisa qualitativa do tipo exploratória, consistindo em um estudo de casos múltiplos. Foram investigadas quatro empresas seguradoras atuantes no mercado brasileiro, com o objetivo de entender em que condições e como a terceirização de TI pode influenciar a CA de uma organização e, portanto, sua capacidade inovativa. Considerando que os processos relacionados às capacidades absortiva e inovativa de uma organização requerem períodos de tempo razoavelmente longos para se manifestarem, foram considerados apenas casos em que os serviços terceirizados foram contratados para serem prestados de forma contínua, em vez de episódica.

Além disso, para uma melhor identificação dos fatores e condições relevantes para os fenômenos estudados, buscou-se selecionar seguradoras mais e menos inovadoras e que adotassem em diferentes graus a terceirização de serviços de TI. Para identificar empresas potencialmente inovadoras, tomou-se por base os vencedores dos últimos prêmios de inovação em seguros da Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg). Posteriormente, nas conversas iniciais com os gestores das empresas participantes, buscou-se avaliar o quanto as seguradoras selecionadas geravam de fato inovações, e que estratégia de terceirização adotavam.

As informações sobre as seguradoras contempladas na pesquisa são apresentadas no Quadro 1. Dados sobre seu faturamento e atuação foram obtidos nos relatórios anuais de informações financeiras divulgadas publicamente. As informações sobre inovação e terceirização foram inferidas a partir dos dados obtidos nas entrevistas e demais documentos coletados.

Quadro 1
Empresas Participantes do Estudo

O principal método de coleta de dados utilizado na pesquisa foi a entrevista semiestruturada. O protocolo desenvolvido incluiu um roteiro com perguntas desenvolvidas a partir dos construtos extraídos do referencial teórico sobre CA e suas dimensões (aquisição, assimilação, transformação e exploração), e a terceirização de serviços de TI. As perguntas buscaram explorar o grau, as condições e as formas em que a terceirização de TI estava associada à CA de cada seguradora. Para alcançar uma visão mais abrangente dos temas de interesse, procurou-se entrevistar, para cada empresa, um representante gestor da área de TI, um representante gestor de uma das principais áreas do negócio (cliente interno de TI), e um representante gestor do provedor de serviços terceirizados de TI. Como as práticas de terceirização de TI na seguradora D eram praticamente inexistentes, optou-se por não entrevistar um representante das empresas terceirizadas.

O Quadro 2 apresenta o perfil dos profissionais entrevistados. A coluna “Cód.” mostra o código utilizado nos trechos de entrevistas incluídos posteriormente ao longo do texto, para identificar os participantes a que cada um se refere.

Quadro 2
Participantes do Estudo

Todas as entrevistas foram realizadas presencialmente. Apenas os dois participantes da seguradora D não autorizaram a gravação de suas entrevistas. Nos dois casos, foi elaborada uma descrição detalhada da narrativa logo após a realização da entrevista. As entrevistas gravadas foram transcritas integralmente. Em linha com a abordagem qualitativa, foram incluídos nas transcrições códigos para descrever atitudes não verbais observadas nas entrevistas, como o uso de ironia, ansiedade, etc.

Além das entrevistas, foram coletadas informações relevantes para o estudo em documentos e reportagens sobre as organizações investigadas. Os documentos de domínio público utilizados foram os balanços patrimoniais, obtidos nos websites das seguradoras, e artigos de revistas especializadas do segmento de seguros. Os balanços foram usados para avaliar o desempenho financeiro das empresas e a relevância da TI para seus negócios, na visão de acionistas e demais stakeholders. Por exemplo, em alguns casos, o balanço patrimonial citou inovações da área de TI que contribuíram para o resultado financeiro obtido. As reportagens utilizadas serviram como fonte de informação sobre a evolução financeira e as tendências de inovações tecnológicas do segmento de seguros até a data da pesquisa.

Apoiado na corrente filosófica construtivista social, que busca entender a realidade em que se vive e se trabalha a partir de significados e compreensões subjetivas (Creswell, 2010Creswell, J. W. (2010). Projeto de pesquisa: Métodos qualitativo, quantitativo e misto (3rd ed.). São Paulo: SAGE.), o processo de análise de dados qualitativos deste estudo seguiu o método NCT (Friese, 2014Friese, S. (2014). Qualitative data analysis with ATLAS.ti (2nd ed.). Los Angeles: Sage.). Os códigos e famílias iniciais utilizados no processo de análise de dados foram criados, a priori, com base na revisão de literatura sobre CA e terceirização de TI. Além disso, durante a análise dos dados, códigos livres foram gerados indutivamente, de forma que se pudessem capturar elementos das narrativas e dos fenômenos estudados que não estivessem contemplados na literatura. A análise das transcrições, notas de campo, documentos e reportagens foi realizada com o apoio do software Atlas.ti 8.

Para aumentar a confiabilidade dos resultados, foi feita uma triangulação das informações fornecidas pelos entrevistados de cada empresa. Em caso de conflito de opiniões, um novo contato com os entrevistados envolvidos foi realizado para sanar discrepâncias, revisar interpretações, ou ratificar divergências. Além disso, elaborou-se um relatório sintetizando a análise dos dados, o qual foi submetido à validação dos entrevistados, de forma que interpretações alternativas fossem eliminadas, e conclusões analíticas confiáveis fossem produzidas (Yin, 2015Yin, R. K. (2015). Estudo de caso: Planejamento e métodos (5th ed.). Porto Alegre: Bookman.). Os participantes não identificaram pontos que precisassem ser revisados na análise. Por fim, dois pesquisadores seniores independentes, com experiência em pesquisas qualitativas, revisaram a análise dos dados, ratificando as interpretações e conclusões dos autores.

4. RESULTADOS

Mesmo com o agravamento da crise econômica a partir de 2014, o segmento de seguros vem crescendo consistentemente (L.S., 2017L.S., - (2017, July 10). Mercado segurador registra crescimento de 7% em maio. Revista Apólice. Retrieved from http://www.revistaapolice.com.br/2017/07/mercado-segurador-registra-crescimento-de-7-em-maio/
http://www.revistaapolice.com.br/2017/07...
). Segundo Rio (2017Rio, I. M. (2017, April 15). O cenário do mercado de seguros no Brasil. Estadão. Retrieved from https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/o-cenario-do-mercado-de-seguros-no-brasil/
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), para sustentar esse crescimento, as seguradoras têm evoluído expressivamente, tanto no processo de contratação de seguros, quanto no de pagamento de sinistros. Além disso, a fiscalização da Superintendência de Seguros Privados (SUSEP) tem garantido cada vez mais robustez e confiabilidade ao setor. Lubiato (2017Lubiato, K. (2017, June 6). As 10 tendências globais de tecnologia para o mercado de seguros. Revista Apólice. Retrieved from https://www.revistaapolice.com.br/2017/06/as-10-tendencias-globais-de-tecnologia-para-o-mercado-de-seguros/
https://www.revistaapolice.com.br/2017/0...
) relata que o segmento tem investido em pesquisas de inovação tecnológica em busca de maior eficácia, eficiência, qualidade dos seus produtos e serviços, e atendimento a regulamentações do setor (compliance).

A seguir, comparam-se os resultados gerados com base na análise dos dados coletados, organizando-os de acordo com as dimensões da CA.

4.1 Aquisição

Foram identificados nos quatro casos investigados os mesmos mecanismos de acesso a novos conhecimentos, quais sejam: participação em congressos nos segmentos de seguros e TI; contratação de palestras e workshops; relacionamento com fornecedores que estudam o direcionamento estratégico das seguradoras; e análise de relatórios de tendência do mercado de seguros e de TI, como o relatório anual da empresa Gartner.

Todos os representantes de TI entrevistados ressaltaram a dificuldade para deslocar recursos das rotinas operacionais para buscar novos conhecimentos relevantes no ambiente externo: “pra você inovar com agilidade, você precisa de parceria. É a melhor forma de você acelerar” [C-TI]. Entretanto, os participantes das seguradoras A, B e C reconheceram que o terceiro reduzia a intensidade desse esforço, na medida em que usava suas conexões com outros clientes e com o mercado de TI, principalmente suas parcerias com fabricantes, para identificar e oferecer às seguradoras novos conhecimentos relevantes. Além disso, as contratadas tinham certificações e conhecimento profundo em determinados temas técnicos que eram relevantes para o negócio das seguradoras.

Assim, quando você tá numa empresa, você tem uma visão limitada. Você faz aquilo que você tá acostumado a fazer. O máximo que vai acontecer é você ter contato, em algum simpósio, em algum congresso [...] Esses fornecedores que atendem a gente, atendem diversas empresas. Então, a gente consegue pegar boas práticas de algumas empresas, validar essas boas práticas, e já trazer uma coisa mais testada aqui pra dentro. [A-TI]

Na seguradora A, o terceiro possuía instalações no Vale do Silício como diferencial comercial. Isso proporcionava à área de TI maior agilidade e assertividade na busca e acesso a novos conhecimentos relevantes para o negócio. Como o terceiro conhecia o negócio da empresa e era envolvido nos problemas que a TI enfrentava, identificava e selecionava antecipadamente novos conhecimentos que provavelmente interessariam às áreas de TI e de negócios. A importância de seu papel na aquisição de conhecimento era reconhecida pelos entrevistados, sendo clara a sua influência na CA daquelas áreas.

A gente tem uma área, agora, de inovação, até com atuação lá no Vale do Silício [para] ter a interação com as startups, com as várias startups, com ideias e, com isso, conseguir trazer pra nossos clientes [...] conseguir fazer esse elo aí, e traduzir em benefício pro negócio [dos clientes]. Então, a gente tem discutido ideias de blockchain, chatbot, robot automation e outros assuntos, para, justamente, conseguir contribuir com esse conceito nos diversos clientes. [A-TERC]

No caso C, verificou-se que o terceiro, por iniciativa própria, procurava no ambiente externo novos conhecimentos que solucionassem os problemas existentes na área de TI da seguradora, mesmo ciente de que isso não estava no escopo dos serviços contratados. Sua importância na aquisição de novos conhecimentos também era reconhecida pelo representante da área de TI.

Nos casos B, C e D, observou-se uma postura reativa da área de TI, que se posicionava como uma mera prestadora de serviços ao negócio. Em geral, as áreas de negócio buscavam isoladamente novas soluções para seus problemas, envolvendo a TI apenas após a identificação e assimilação de novos conhecimentos e quando sua transformação e exploração envolviam algum sistema computacional: “nós temos que procurar [no ambiente externo] resolver [o problema], escrever, desenhar o que a gente quer e, depois, a TI tem que executar e implementar” [B-NEG]. Nas três seguradoras, o envolvimento da área de TI tinha início, portanto, apenas durante a fase de transformação.

Pode-se concluir, portanto, que, enquanto na seguradora A a atuação do terceiro promovia a aquisição de novos conhecimentos externos tanto na área de TI, quanto nas áreas de negócio, nas seguradoras B e C, habilitava apenas a CA da área TI. Vale também destacar que, no caso D, em que praticamente não havia terceirização de TI, observou-se um esforço maior por parte da área para tentar conciliar as demandas operacionais e de aquisição de novos conhecimentos.

4.2 Assimilação

Nos casos A, B e C, foram encontradas evidências de influência da terceirização sobre a dimensão assimilação. Os representantes dos terceiros acreditavam ter contribuído para aumentar a diversidade e a profundidade do estoque de conhecimento das seguradoras a partir de ações fora do escopo dos serviços contratados. Ou seja, ações relacionadas à dimensão assimilação foram oferecidas às empresas contratantes em adição aos serviços terceirizados formalmente contratados. Seguem exemplos:

  • Na seguradora A, o terceiro promoveu workshops sobre Design Thinking como suporte à geração de ideias. Tanto as equipes de TI como da área comercial participaram dos workshops.

  • Na seguradora B, o terceiro realizou workshops para conscientizar as equipes de desenvolvimento de sistemas das melhores práticas de utilização de bancos de dados relacionais. Tal ação aumentou a capacidade da área de TI de solucionar problemas, gerando redução da indisponibilidade dos sistemas: “mas pra Área de Desenvolvimento, a gente procura passar, assim, maneiras melhores de se utilizar o banco de dados [...] Eu tenho prazer em ensinar!” (B-TER).

  • Na seguradora C, o terceiro buscou e assimilou conhecimentos sobre novas tecnologias, que foram aproveitados pela área de TI da contratante para resolver problemas e apresentar uma solução adequada a seu contexto de negócio.

No caso C, o representante de TI enfatizou que a confiança e a sinergia no relacionamento com os terceiros foram fundamentais para aumentar a base de conhecimento de sua área, evidenciando sua importância para a dimensão assimilação.

Porque os principais fornecedores, os principais parceiros tão no dia a dia, né, pra poder entender um pouco da nossa dor. Então, precisa haver uma sinergia nesse relacionamento. [C-TI]

Na mesma linha, os participantes das áreas de TI das seguradoras A e B identificaram a atitude de superioridade dos membros da equipe da empresa cliente (funcionários da área de TI) em relação aos da equipe do terceiro como uma barreira para a assimilação de novos conhecimentos: “O cara fala ‘Eu sou o bom. Eu não quero, não vou dividir’” [B-TI]. Essa atitude tendia a resultar em sonegação de informação e dificultava o estabelecimento de uma relação de confiança entre as partes.

A gente teve um problema com uma pessoa, porque ele tinha uma coisa menos de decisão compartilhada e mais de decisão dele. E acabou não encaixando no grupo [...] E agora, na expansão da esteira digital, a gente tá justamente pinçando pessoas, né? pensando muito nisso. E contratando também pensando nisso. [A-TI]

Na seguradora D, a assimilação do conhecimento externo ocorria a partir de ações e interações formais, no contexto dos projetos realizados em conjunto com fornecedores especializados contratados. O representante de TI da empresa também destacou que a área contratou uma consultoria para realizar um treinamento em conceitos de Design Thinking como um método de apoio à geração de ideias. De forma geral, a área de TI combinava seus conhecimentos prévios com os conhecimentos do fornecedor contratado para gerar ideias que atendessem às necessidades previamente especificadas pelo negócio.

Conforme citado anteriormente, as áreas de negócio das seguradoras B, C e D envolviam a área de TI na busca por conhecimentos externos e soluções inovadoras somente no processo de transformação, ou seja, após o conhecimento externo ter sido identificado e assimilado. Dadas as evidências apresentadas nesta seção, conclui-se que, nos casos B e C, a terceirização tinha influência importante na dimensão assimilação da CA da área de TI, mas não na das áreas de negócio. Em contraste, na seguradora A, a terceirização habilitava tanto a CA da área de TI, quanto a das áreas de negócio. Por fim, a seguradora D também recorria a terceiros para obter e assimilar novos conhecimentos, mas apenas eventualmente, quando a área de TI julgava necessário.

4.3 Transformação

Nas entrevistas relacionadas aos casos A, B e C, identificou-se a participação de terceiros em rotinas formais e informais que objetivavam a transformação de conhecimentos externos adquiridos e assimilados pelas seguradoras.

Na seguradora A, os líderes técnicos da área de TI e as equipes do terceiro estabeleceram uma forma própria de transferência de conhecimento bilateral, apoiada na comunicação constante entre as partes e num relacionamento de confiança. Isso promovia a combinação ágil dos conhecimentos prévios com os recém-assimilados, aumentando a diversidade e a profundidade do estoque de conhecimentos da área de TI.

A gente usa bastante fornecedor, também como um facilitador ou um intermediário de inovação aqui dentro [...] Tem os líderes técnicos nossos, que conhecem os sistemas, e o Head [líder] passa o conhecimento pra empresa [terceiro]. E também a empresa passa o conhecimento pra ele [líder da seguradora]. E então, acaba sendo uma troca boa pros dois. [A-TI]

No caso B, o terceiro, por iniciativa própria, promoveu eventos com o objetivo de transferir conhecimento para as equipes de TI da área de desenvolvimento da seguradora.

A gente procura passar, assim, maneiras melhores de se utilizar o banco de dados. [...] então, se eu ajudo o cara a usar melhor o banco, a escrever melhor as queries [consultas] dele, automaticamente, eu reduzo a quantidade de incidentes. [B-TERC]

Tais eventos, além de melhorarem a capacidade da área de TI de assimilar novos conhecimentos externos, aumentaram sua capacidade de transformá-los, pois promoviam a discussão de soluções para os problemas que a área enfrentava. Como na seguradora A, a troca e transformação do conhecimento também ocorria nas interações informais do dia a dia.

É dia a dia e projeto. [...] ou por reunião, ou por chamada perto, ou por telefone. Ele é como se fosse mais um membro do time. [...] faz parte do time. É um braço do time. Só que é uma empresa. [B-TI]

No caso C, o representante da área de TI acionava informalmente o terceiro, que, devido aos laços de confiança desenvolvidos, aceitava realizar as atividades de transformação do conhecimento, mesmo estando fora do escopo dos serviços contratados. Em alguns casos, a solução desenvolvida a partir da transformação do conhecimento era formalizada via adições contratuais entre a empresa e o terceiro.

Então, esse envolvimento, a gente vai, faz esse mapeamento, explica como é o processo que a gente tá querendo implementar, coloca a área a par de todo esse processo e, depois, a gente retorna com uma proposta de acordo. [C-TERC]

Na visão do representante da área de TI da seguradora D, as rotinas formais que facilitavam a combinação dos conhecimentos novos e prévios se davam por meio de reuniões de planejamento e acompanhamento da execução de projetos. No entanto, de acordo com o participante, a pressão da empresa por concluir os projetos rapidamente dificultava uma transferência efetiva de conhecimento entre as partes. Em função disso, a obtenção e transformação do conhecimento dos terceiros requeria intenso esforço por parte das equipes envolvidas, principalmente das equipes de TI. Vale ressaltar que as exigências da seguradora D de formalização das relações com terceiros impediam que a transformação de conhecimento obtidos externamente se desse por vias informais.

Percebeu-se nos casos B, C e D uma postura reativa da área de TI em relação à obtenção de novos conhecimentos e geração de soluções inovadoras para o negócio. Nas três empresas, as áreas de negócio buscavam, por conta própria, novos conhecimentos no ambiente externo, envolvendo a área de TI somente na etapa de transformação. Isso se dava apenas quando a solução de um problema ou desenvolvimento de uma inovação envolvia mudanças nos sistemas computacionais da empresa.

Essa postura reativa da área de TI das três seguradoras gerava um descasamento entre as atividades do negócio e as da TI, associadas às dimensões da capacidade absortiva. Como consequência, as entregas dos projetos relativas aos sistemas computacionais das empresas tendiam a ser feitas com atraso, ou seja, fora do prazo considerado ideal pelo negócio. Em contraste, na seguradora A, tanto as áreas de negócio, quanto a de TI participavam ativamente das atividades relacionadas às dimensões da CA. A postura da área de TI como habilitadora do negócio permitia que a empresa ganhasse agilidade na geração de inovações que envolviam a TI, e, por conseguinte, aumentasse sua competitividade.

Hoje, a gente já tem uma plataforma tecnológica muito avançada frente ao mercado, no que diz respeito ao controle, e muito focado esse controle em qualidade. Por consequência do controle de qualidade, a gente também tem uma mensuração de custo adequado, porque o uso da tecnologia faz com que você tenha um nível de utilização mais ajustado, com um nível de dispêndio menor. [A-NEG]

4.4 Exploração

Durante as entrevistas foi possível observar que a preocupação com a transformação digital estava presente em todos os casos. As quatro seguradoras empregavam grandes esforços na criação e monitoração de plataformas tecnológicas que viabilizassem a exploração dos benefícios das novas tecnologias digitais (ex., inteligência artificial e aprendizado de máquina, Internet das coisas, computação em nuvem), quase sempre contando com o apoio formal e informal dos terceiros contratados.

A seguradora A implementou uma plataforma de comércio eletrônico que contribuiu para melhoria de seu desempenho e competitividade, com um aumento das vendas para o mercado varejo de pessoas físicas. O conhecimento técnico obtido com os terceiros foi essencial para a decisão da seguradora sobre as linguagens de programação a serem utilizadas para a criação e aprimoramento dessa plataforma, que incluía um ferramental digital para armazenar o histórico clínico-operacional dos segurados, facilitando a análise preditiva e aumentando a agilidade dos procedimentos internos, ao mesmo tempo em que garantia o atendimento das exigências legais do segmento de seguros.

Captura de imagem, prontuários eletrônicos, todo ferramental digital que gere agilidade e que gere também valor agregado para que a gente monte uma base de dados rica que vai construindo um histórico clínico-operacional. [A-NEG]

A plataforma melhorava o relacionamento com os brokers em toda a cadeia de suprimento, fato que beneficiou o negócio com a redução de despesas operacionais, mitigação de riscos, melhor atendimento aos beneficiários, redução do tempo para o pagamento da rede médica pelos serviços prestados, e maior facilidade transacional e rapidez nas transações realizadas pelo corretor. À época da entrevista, encontravam-se em processo de implantação a monitoração de mídias sociais e a automação do atendimento por chatbot, com diálogos estruturados e recursos de inteligência artificial, para adicionar novos canais de relacionamento e promover a aproximação com o beneficiário.

As evidências coletadas indicam que o caso A se destacou dos demais, pois o representante do negócio reconhecia a área de TI como uma parceira de inovação, que aportava novos conhecimentos relevantes para a seguradora, e uma habilitadora de novas competências para o negócio.

Sempre embarcando a área de TI, esse tipo de inovação em conjunto. Então, essa é uma integração grande da área de produto, com o nosso próprio pessoal de ponta, com a área de TI, que trazem também a necessidade dos clientes com quem eles estão lidando. [A-NEG]

No caso B, a partir das iniciativas do terceiro de promover workshops para transferir conhecimentos sobre melhores práticas de gerenciamento de banco de dados, foi possível otimizar os processos de back-end (executados no servidor) de sites integrados aos bancos de dados via SQL, para reduzir o número de incidentes na plataforma digital da seguradora. Com isso, a empresa alcançou melhores níveis de serviço, com maior agilidade na emissão de orçamentos e maior capacidade de emissão de apólices. Tais melhorias beneficiavam diretamente os seus corretores e clientes.

A grande inovação que a área de negócio alcançou [...] foi que, a partir do momento que a gente migrou dados para bancos de dados relacionais e bancos de dados que pudessem gerar aplicações web, você criou uma aproximação maior com o corretor. Coisa que não existia antigamente, tá? [B-TERC]

Na seguradora C, as iniciativas isoladas do terceiro tinham por foco a solução de problemas específicos relacionados à capacidade e disponibilidade dos sistemas de informação. Novos conhecimentos assimilados e explorados pelo terceiro foram operacionalizados a partir da implantação de um conjunto de ferramentas relacionadas à monitoração e simulação da experiência do usuário. As ferramentas automatizavam a identificação dos componentes da infraestrutura e das aplicações, monitoravam esses componentes, alertavam reativamente sobre a ocorrência de incidentes, e criavam modelos preditivos para possíveis incidentes a partir de algoritmos de aprendizado de máquina (Machine Learning). As iniciativas proporcionaram benefícios como o aumento do volume de orçamentos de seguros processados, uma maior agilidade na emissão de apólices, e uma maior eficiência dos processos operacionais.

Inovações que a gente implementou ou contribuiu no sentido de garantir a disponibilidade do ambiente, seja por uma inovação na forma de monitorar ou de gerenciar essa plataforma digital, trazendo soluções, metodologias, ferramentas que mostram de forma mais objetiva como essa infraestrutura tá atendendo à demanda, ou seja, se o meu cliente tá satisfeito ou não na tentativa de usar os serviços de TI. [C-TI]

O conhecimento dos seus próprios funcionários e o conhecimento obtido dos fornecedores de TI era essencial para a seguradora D atingir os objetivos dos projetos definidos pelo negócio. Nos últimos anos, a empresa inovou para se preparar para a transformação digital, com a adoção de novas tecnologias e uma arquitetura baseada em serviços e computação em nuvem. Adotaram-se práticas de Design Thinking e novas metodologias de gerenciamento de projetos em áreas de negócio e de TI. Essas inovações geraram não só benefícios para o cliente final da empresa, como também uma redução de despesas operacionais com a automação de processos. Entretanto, o representante da área de TI manifestou preocupação com o suporte das novas soluções tecnológicas, uma vez que a relação comercial com os fornecedores seria encerrada após a entrega dos projetos e, conforme mencionado anteriormente, a pressão pelo cumprimento de prazos exíguos dificultava a assimilação de novos conhecimentos.

5. DISCUSSÃO

Os resultados do estudo indicam que, apesar de as quatro empresas investigadas terem investido esforços para a criação, aprimoramento e monitoração de plataformas digitais que viabilizassem a exploração dos benefícios das novas tecnologias, suas áreas de TI enfrentavam dificuldades para deslocar recursos de suas rotinas operacionais e buscar novos conhecimentos relevantes no ambiente externo. Em três seguradoras, a terceirização surgiu então como uma importante alternativa, alavancando ou até mesmo substituindo rotinas próprias de aquisição, assimilação, transformação e exploração de conhecimentos externos. Esse resultado vai além do que foi até agora reportado na literatura de capacidade absortiva, a qual tem se concentrado na perspectiva do terceiro apenas como provedor de novos conhecimentos (Bertrand & Mol, 2013Bertrand, O., & Mol, M. J. (2013). The antecedents and innovation effects of domestic and offshore R&D outsourcing: The contingent impact of cognitive distance and absorptive capacity. Strategic Management Journal, 34(6), 751-760.; Carlo et al., 2012Carlo, J. L., Lyytinen, K., & Rose, G. M. (2012). A knowledge-based model of radical innovation in small software firms. MIS Quarterly, 36(3), 865-A10.; Lacity, 2017Lacity, M. (2017). Review of 23 years of empirical research on information technology outsourcing decisions and outcomes. Proceedings of the 50 th Hawaii International Conference on System Sciences, 5214-5224. Retrieved from http://hdl.handle.net/10125/41794
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; Un, 2017Un, C. A. (2017). Absorptive capacity and R&D outsourcing. Journal of Engineering and Technology Management, 43, 34-47.).

Em consonância com Lee (2017Lee, J. (2017). Strategic risk analysis for information technology outsourcing in hospitals. Information & Management, 54(8), 1049-1058. doi: 10.1016/j.im.2017.02.010
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) e Trantopoulos et al. (2017Trantopoulos, K., Krogh, G. von, Wallin, M. W., & Woerter, M. (2017). External knowledge and information technology: Implications for process innovation performance. MIS Quarterly, 41(1), 287-300. doi: 10.1002/fut
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), as seguradoras que terceirizavam serviços de TI (casos A, B e C) conseguiram vantagens na busca por novos conhecimentos, como agilidade no acesso, redução do esforço dispendido, e assertividade. No entanto, muitas vezes, a atuação do terceiro ia além do que estava previsto nos contratos de terceirização, com a oferta informal de serviços que alavancavam as dimensões da capacidade absortiva (ex., workshops, auxílio na identificação de problemas e proposta de soluções, acesso a novas tecnologias). Para que isso ocorresse, era imprescindível estabelecer uma relação de respeito, confiança e sinergia entre as equipes da empresa e do terceiro, ou seja, construir um ambiente propício para a troca de conhecimento e a colaboração, apoiado na definição de objetivos comuns e no compartilhamento de riscos e benefícios. Esse ponto, embora crítico, não vem sendo devidamente abordado nos estudos sobre capacidade absortiva e terceirização.

Como observado na seguradora A, a proporção de funcionários de TI em relação ao número de funcionários do terceiro deve ser gerenciada com cuidado para que o conhecimento externo possa ser efetivamente obtido e retido na empresa. Segundo Weeks e Thomason (2011Weeks, M. R., & Thomason, S. (2011). An exploratory assessment of the linkages between HRM practices, absorptive capacity, and innovation in outsourcing relationships. International Journal of Innovation Management, 15(2), 303-334. doi: 10.1142/S1363919611003179
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), quando essa proporção é excessivamente grande ou pequena, a relação de terceirização tende a não ser efetiva no que tange ao desenvolvimento da capacidade absortiva. Na seguradora A, o gestor de TI gerenciava essa proporção em função do nível de retenção desejado para cada tipo de conhecimento externo potencialmente obtido com o terceiro.

Os resultados também deixaram clara a importância dos relacionamentos informais com terceiros para o fortalecimento da capacidade absortiva de áreas de TI fortemente pressionadas por orçamentos e prazos, como era o caso nas empresas investigadas. Porém, o grau em que esse apoio se traduz numa geração efetiva de inovações de negócio parece depender do nível de alinhamento entre os processos de capacidade absortiva da área de TI e das áreas de negócio da organização. Esse alinhamento está associado à postura da área de TI em sua atuação na empresa.

Na seguradora A, a área de TI tinha uma postura proativa, com plena inserção nos processos de inovação do negócio. As áreas de TI e negócio atuavam de forma conjunta e sincronizada, com o apoio formal e informal do terceiro, ao longo de todo o ciclo da capacidade absortiva. Isso reduzia o tempo e o investimento de recursos necessários para a geração de inovações. Essa postura de TI se assemelha ao que Henderson e Venkatraman (1993Henderson, J. C., & Venkatraman, N. (1993). Strategic alignment: Leveraging information technology for transforming organizations. IBM Systems Journal, 32(1), 472-484.) definem como perspectiva de alinhamento TI-negócio baseada em potencial competitivo. Nela, exploram-se capacidades de TI emergentes para a reformulação e criação de produtos e serviços, delinear atributos da estratégia do negócio, e desenvolver novas formas de relacionamento.

Já nas seguradoras B, C e D, a área de TI assumia uma postura reativa, concentrando-se em atender a demandas trazidas pelo negócio. Isso gerava uma falta de alinhamento entre os processos de aquisição, assimilação, transformação e exploração das duas áreas. Como consequência, tais processos tendiam a ser menos eficientes e eficazes, exigindo grande esforço por parte da área de TI e dependendo, nos casos B e C, de uma forte atuação informal dos terceiros. Henderson e Venkatraman (1993Henderson, J. C., & Venkatraman, N. (1993). Strategic alignment: Leveraging information technology for transforming organizations. IBM Systems Journal, 32(1), 472-484.) referiam-se a esse tipo de alinhamento TI-negócio como o de foco na execução da estratégia. Segundo os autores, nesse caso, e em linha com o que foi observado nas três empresas, os critérios de desempenho utilizados para avaliar a área de TI tendem a ser baseados em parâmetros puramente financeiros, com ênfase em custos.

A Figura 1 contrasta as situações observadas no caso A, e nos casos B, C e D.

Figura 1
Postura da TI e alinhamento das dimensões da CA.

6. CONCLUSÃO

O objetivo desta pesquisa foi investigar como e em que condições a terceirização de serviços de TI, como meio de acesso a fontes externas de conhecimento, pode influenciar a capacidade absortiva (CA) de uma organização e, por conseguinte, sua capacidade inovativa. Foi desenvolvido um estudo de casos múltiplos, que analisou as dinâmicas associadas às dimensões da CA (aquisição, assimilação, transformação e exploração) em quatro seguradoras que atuavam no mercado brasileiro e que utilizavam a terceirização de TI em diferentes graus para endereçar prioridades relacionadas a custo, eficiência, qualidade e inovação.

Os resultados obtidos sugerem que organizações podem se beneficiar da terceirização de TI para influenciar positivamente sua CA e a geração de inovações para o negócio. Esse efeito depende, no entanto, da forma de atuação do terceiro, que, por sua vez, é condicionada pela estratégia de relacionamento (formal ou informal) adotada pela empresa contratante. Nesse contexto, torna-se essencial que o terceiro adote o papel de agente direcionador na identificação e avaliação de novos conhecimentos externos. Sua efetividade nesse papel é influenciada por seu nível de conhecimento prévio do segmento de seguros e dos problemas enfrentados pela TI, e da diversidade de suas conexões com clusters de inovação.

Por outro lado, os resultados da pesquisa sugerem que a adoção de estratégias de TI que não tirem proveito da terceirização pode ter como consequência: (1) uma maior intensidade de esforço para conciliar as demandas das rotinas operacionais e da obtenção de conhecimento externo e geração de inovações; (2) um maior investimento financeiro na contratação de consultorias para motivar a geração de ideias; (3) a dificuldade para a transferência de conhecimento do fornecedor para a seguradora, devido à pressão exercida pelo prazo de encerramento dos projetos; e (4) maiores exigências de suporte após a implantação de soluções criadas a partir de novos conhecimentos, uma vez que a relação comercial com o fornecedor geralmente se encerra após a entrega do projeto. Esses resultados estendem e complementam os de estudos anteriores.

Vale lembrar que as evidências e conclusões deste estudo, por terem por base a investigação de quatro casos do setor de seguros brasileiro, podem ser generalizadas apenas a contextos de negócios similares. Sugere-se que futuras pesquisas considerem os efeitos de outros tipos de terceirização em organizações de setores distintos, adotando métodos qualitativos, quantitativos ou mistos. Adicionalmente, o desenvolvimento de estudos longitudinais permitiria uma melhor avaliação da evolução da relação de terceirização e de seus efeitos na capacidade absortiva, assim como das condições em que ela se desdobraria em resultados positivos, tanto para o contratante, quanto para o terceiro. Em particular, recomenda-se o estudo dos papéis dos gestores e líderes das duas organizações no estabelecimento de ambientes que estimulem o compartilhamento de conhecimentos e a colaboração, assim como de outros fatores que possam levar a resultados de uma estratégia de terceirização adversos à inovação.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Feb 2020

Histórico

  • Recebido
    25 Nov 2018
  • Revisado
    28 Fev 2019
  • Aceito
    21 Abr 2019
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