Acessibilidade / Reportar erro

Influência do prognóstico para dor e da modalidade de estimulação elétrica na amplitude de corrente elicitada no limiar sensorial em lombálgicos crônicos

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A função sensorial é potencialmente alterada na presença de dor lombar crônica (DLC), o que pode alterar a percepção de passagem de correntes terapêuticas. O objetivo deste estudo foi verificar se o risco de mau prognóstico para DLC influencia a amplitude elicitada no limiar sensorial (LS) em diferentes modalidades de estimulação elétrica neuromuscular (EENM).

MÉTODOS:

Trata-se de um estudo quase-experimental contrabalanceado composto por 40 voluntários alocados em quatro grupos (n=10 cada), de acordo com o risco de mau prognóstico para dor: sem risco (grupo controle – GC), baixo risco (GBR), médio risco (GMR) e alto risco (GAR). Foram testadas quatro modalidades de EENM: duas correntes de média frequência (corrente Aussie [CA] e corrente Russa [CR]) e duas correntes de baixa frequência (comumente denominada estimulação elétrica funcional [FES]), com duas durações de fases 200 μs (FES_200) e 500 μs (FES_500) na região dos músculos multífidos lombares. Todos os voluntários foram submetidos a todas as modalidades de corrente, com períodos de intervalos, e ao ser atingido o LS, foi realizado o registro da amplitude da corrente medida em mA.

RESULTADOS:

As correntes que elicitaram a maior e a menor amplitude no LS foram, respectivamente, FES_200 e CA. Quanto ao risco de mau prognóstico, as maiores amplitudes foram do GAR e as menores do GBR.

CONCLUSÃO:

A amplitude da corrente elicitada no LS tendeu a ser mais alta entre aqueles com maior risco de mau prognóstico para dor e, dentre as correntes, aquelas de média frequência elicitaram amplitudes mais baixas.A amplitude da corrente elicitada no LS tendeu a ser mais alta entre aqueles com maior risco de mau prognóstico para dor e, dentre as correntes, aquelas de média frequência elicitaram amplitudes mais baixas.

Descritores:
Dor lombar; Impacto psicossocial; Terapia por estimulação elétrica

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Sensory function may be altered in chronic low back pain (CLBP), which may alter the perception of therapeutic currents. The aim of this study was to verify whether the risk of poor prognosis for CLBP pain influences the amplitude elicited at the sensory threshold (ST) in different modalities of neuromuscular electrical stimulation (NMES).

METHODS:

This is a quasi-experimental counterbalanced study with 40 subjects divided into four groups (n=10 each), according to the risk of poor prognosis for pain: no risk (control group - CG), low (LrG), medium (MrG), and high (HrG) risks. Four modalities of NMES were tested: two medium frequency currents (Aussie current [AC] and Russian current [RC]) and two low frequency currents (commonly known as functional electrical stimulation [FES]), with two phase durations of200 μs (FES_200) and 500 μs (FES_500), in the region of the lumbar multifidus muscles. All subjects were exposed to all current modalities with interval periods, and when the ST was reached, the amplitude of the current measured in mA was recorded.

RESULTS:

The currents that elicited the highest and lowest amplitude in the ST were FES_200 and AC, respectively. As for the risk of poor prognosis, the highest amplitudes were for the HrG and the lowest for the LrG.

CONCLUSION:

The amplitude of the current elicited in the ST tended to be higher among those with a higher risk of poor prognosis for pain and, among the currents, those of medium frequency elicited lower amplitudes.

Keywords:
Electrical stimulation therapy; Low back pain; Psychosocial impact

DESTAQUES

Fatores psicossociais parecem influenciar o limiar sensorial na dor lombar crônica

Alto risco de mau prognóstico para dor elicita uma amplitude mais alta no limiar sensorial

A corrente aussie gera menor amplitude no limiar sensorial se comparada a outras correntes

INTRODUÇÃO

A dor lombar crônica (DLC) é uma síndrome prevalente que acarreta sequelas físicas e sociais11 Darlow B, Perry M, Dean S, Mathieson F, Baxter GD, Dowell A. Putting physical activity while experiencing low back pain in context: balancing the risks and benefits. Arch Phys Med Rehabil. 2016;97(2):245-251.e7.. A DLC tem etiologia multifatorial, e, além dos fatores físicos, os biopsicossociais também contribuem para o quadro clínico e afetam de forma negativa o prognóstico22 Kamper SJ, Apeldoorn AT, Chiarotto A, Smeets RJEM, Ostelo RWJG, Guzman J, van MW. Multidisciplinary biopsychosocial rehabilitation for chronic low back pain: Cochrane systematic review and meta-analysis. BMJ. 2015;350:h444., 33 Knezevic NN, Candido KD, Vlaeyen JWS, van Zundert J, Cohen SP. Low back pain. Lancet. 2021;398(10294):78-92.. Proporcionalmente ao nível de contribuição dos fatores biopsicossociais, que reflete na manifestação do quadro clínico, aqueles com DLC podem ser subgrupados quanto ao risco de desenvolver mau prognóstico, sendo esses: subgrupos de baixo, médio ou alto risco de mau prognóstico para dor44 Pilz B, Vasconcelos RA, Teixeira PP, Mello W, Marcondes FB, Hill JC, Grossi DB. Construct and discriminant validity of STarT Back Screening Tool - Brazilian version. Braz J Phys Ther. 2017;21(1):69-73., 55 Pilz B, Vasconcelos RA, Marcondes FB, Lodovichi SS, Mello W, Grossi DB. The Brazilian version of STarT Back Screening Tool - translation, cross-cultural adaptation and reliability. Braz J Phys Ther. 2014;18(5):453-61..

Em associação, a DLC também deteriora o controle muscular local, comprometendo a função dos músculos estabilizadores e gerando prejuízos na mobilidade, força e proteção das articulações da coluna vertebral. Os músculos multífidos lombares são os principais estabilizadores da região lombo-pélvica66 Sponbeck JK, Moody MA, Mitchell UH, Neves CD, Johnson AW. Multifidus muscle cross-sectional area adaptations over two volleyball seasons and one off-season in athletes with and without low back pain. J Back Musculoskelet Rehabil. 2022;35(5):1135-42. e, naqueles com DLC, sua ativação voluntária pode ser prejudicada e se tornar ineficiente para a função de estabilização77 Sions JM, Crippen DC, Hicks GE, Alroumi AM, Manal TJ, Pohlig RT. Exploring neuromuscular electrical stimulation intensity effects on multifidus muscle activity in adults with chronic low back pain: an ultrasound imaging-informed investigation. Clin Med Insights Arthritis Musculoskelet Disord. 2019;12:1179544119849570.. Acredita-se que o mecanismo que leva ao déficit no controle motor e à perda na qualidade da estabilização seja similar àquele descrito para explicar a inibição muscular artrogênica do quadríceps88 Russo M, Deckers K, Eldabe S, Kiesel K, Gilligan C, Vieceli J, Crosby P. Muscle control and non-specific chronic low back pain. Neuromodulation. 2018;21(1):1-9, 99 Sonnery-Cottet B, Saithna A, Quelard B, Daggett M, Borade A, Ouanezar H, Thaunat M, Blakeney WG. Arthrogenic muscle inhibition after ACL reconstruction: a scoping review of the efficacy of interventions. Br J Sports Med. 2019;53(5):289-98.. Adicionalmente, pessoas com DLC apresentam, nos multífidos lombares, sinais de infiltração de gordura e atrofia1010 Goubert D, van Oosterwijck J, Meeus M, DanneeST L. Structural changes of lumbar muscles in non-specific low back pain: a systematic review. Pain Physician. 2016;19:E985-1000., 1111 Ogon I, Takebayashi T, Takashima H, Morita T, Yoshimoto M, Terashima Y, Yamashita T. Quantitative analysis concerning atrophy and fat infiltration of the multifidus muscle with magnetic resonance spectroscopy in chronic low back pain. Spine Surg Relat Res. 2018;3(2):163-70., o que também compromete a capacidade muscular de gerar tensão. Por tais razões, intervenções capazes de otimizar os aspectos da função muscular são essenciais para restaurar a capacidade estabilizadora, a exemplo da eletroterapia.

As modalidades eletroterapêuticas, que consistem na aplicação de correntes elétricas transdérmicas1212 Maffiuletti NA, Green DA, Vaz MA, Dirks ML. Neuromuscular electrical stimulation as a potential countermeasure for skeletal muscle atrophy and weakness during human spaceflight. Front Physiol. 2019;10:1-8., são frequentemente utilizadas por fisioterapeutas pelos seus efeitos terapêuticos benéficos direcionados aos aspectos da função muscular e por serem bem aceitas pelos pacientes1313 Kocamaz D, Yakut H, Özberk S. Patients’ satisfaction with and awareness of electrical stimulation therapy. Physiother Q. 2020;28(1):11-5., 1414 Pereira KE, Pereira KL, Stachelski RA, Buzanello Azevedo MR, Carvalho AR, Flor Bertolini GR. KiloHertz currents on aspects of muscle function: A scoping review. J Bodyw Mov Ther. 2022;32:110-19., 1515 Linzmeyer A, Coracini CA, Bertolini GR, Carvalho AR. Efeito da estimulação elétrica neuromuscular na função muscular em pacientes com dor lombar crônica: revisão sistemática. BrJP. 2022;5(2):161-7.. A sequência de ativação de fibras nervosas pela estimulação elétrica neuromuscular (EENM) vai desde o recrutamento das fibras Aβ responsáveis pela sensação de parestesia que marca o limiar sensorial, até as fibras C responsáveis pela condução da informação nociceptiva, podendo, a depender da amplitude da corrente EENM, produzir contração muscular caso o limiar motor seja ultrapassado1616 Lefaucheur JP, Abbas SA, Lefaucheur-Ménard I, Rouie D, Tebbal D, Bismuth J, Nordine T. Small nerve fiber selectivity of laser and intraepidermal electrical stimulation: A comparative study between glabrous and hairy skin. Neurophysiol Clin. 2021;51(4):357-74..

Dentre as diferentes modalidades de EENM, que visam fortalecimento muscular, se destacam as correntes de média frequência, a exemplo das correntes aussie (CA) e russa (CR), e as correntes de baixa frequência, como a estimulação elétrica funcional (FES). Sabe-se que essas correntes promovem o recrutamento das unidades motoras induzindo o ganho de força muscular e a redução do quadro de dor1717 Batistella CE, Bidin F, Giacomelli I, Nunez MA, Gasoto E, Albuquerque CE, Flores LJF, Bertolini GRF. Effects of the Russian current in the treatment of low back pain in women: a randomized clinical trial. J Bodyw Mov Ther. 2020;24(2):118-22., 1818 Cittadin GL, Ansolin GZ, Furtado Santana NP, Tonini TL, Buzanello Azevedo MR, de Albuquerque CE, Flor Bertolini GR. Comparison between Russian and Aussie currents in the grip strength and thickness muscles of the non-dominant hand: a double-blind, prospective, randomized-controlled study. Turk J Phys Med Rehabil. 2020;66(4):423-8., 1919 Silva BC, Coracini CA, Branco CL, Michelon MD, Bertolini GR. Corrente Aussie em estudantes com cervicalgia crônica: um ensaio clínico randomizado. BrJP 2018;1(3):202-6., além de coibirem o mecanismo de inibição muscular artrogênica99 Sonnery-Cottet B, Saithna A, Quelard B, Daggett M, Borade A, Ouanezar H, Thaunat M, Blakeney WG. Arthrogenic muscle inhibition after ACL reconstruction: a scoping review of the efficacy of interventions. Br J Sports Med. 2019;53(5):289-98..

A EENM é uma aproximação biomecânica dos impulsos elétricos biológicos reais, sendo utilizada para manter, restaurar ou melhorar a função neuromuscular2020 Maffiuletti NA, Gondin J, Place N, Stevens-Lapsley J, Vivodtzev I, Minetto MA. Clinical use of neuromuscular electrical stimulation for neuromuscular rehabilitation: what are we overlooking? Arch Phys Med Rehabil. 2018;99(4):806-12., 2121 De Oliveira PFA, Durigan JLQ, Modesto KAG, Bottaro M, Babault N. Neuromuscular fatigue after low- and medium-frequency electrical stimulation in healthy adults. Muscle Nerve. 2018;58(2):293-9.. Apesar da EENM não estar entre as terapias propostas nas diretrizes de tratamento da DLC, ela tem se mostrado útil para interromper a inibição reflexa muscular e, por conseguinte, otimizar a estabilização articular, a força, o tônus e o trofismo muscular2222 Mukaino M, Ono T, Shindo K, Fujiwara T, Ota T, Kimura A, Liu M, Ushiba J. Efficacy of brain-computer interface-driven neuromuscular electrical stimulation for chronic paresis after stroke. J Rehabil Med. 2014;46(4):378-82., 2323 Mettler JA, Bennett SM, Doucet BM, Magee DM. Neuromuscular electrical stimulation and anabolic signaling in patients with stroke. J Stroke Cerebrovasc Dis. 2017;26(12):2954-63., 2424 Pelegrini ACA, Gasoto E, Bussolaro JM, Segatti G, Albuquerque CE, Bertolini GRF. The analgesic action of Aussie current in women with non-specific chronic lumbar pain. Int J Ther Rehabil. 2019;26(7):1-10..

Por conseguinte, o potencial terapêutico da EENM na DLC ainda não pode ser desconsiderado, incluindo o efeito analgésico das correntes excitomotoras, como destacado por algumas pesquisas1515 Linzmeyer A, Coracini CA, Bertolini GR, Carvalho AR. Efeito da estimulação elétrica neuromuscular na função muscular em pacientes com dor lombar crônica: revisão sistemática. BrJP. 2022;5(2):161-7., 1717 Batistella CE, Bidin F, Giacomelli I, Nunez MA, Gasoto E, Albuquerque CE, Flores LJF, Bertolini GRF. Effects of the Russian current in the treatment of low back pain in women: a randomized clinical trial. J Bodyw Mov Ther. 2020;24(2):118-22., 2424 Pelegrini ACA, Gasoto E, Bussolaro JM, Segatti G, Albuquerque CE, Bertolini GRF. The analgesic action of Aussie current in women with non-specific chronic lumbar pain. Int J Ther Rehabil. 2019;26(7):1-10., 2525 Lopes AB, Amboni DE, Schmidel MM, Maciel MJ, Carvalho AR, Bertolini GRF. Evaluation of the dose-response for electrostimulation with Aussie current in the core strength. Eur J Clin Exp Med. 2020;18(2):81-7., 2626 Embaby EA, ESTayed WH, Ahmed RM, Abdel azeim AS. Comparative effectiveness of Russian current and low-frequency puSTed current in mechanical low back pain. Turkish J Physiother Rehabil. 2021;32(3):12285-94., embora a dosimetria ainda seja um desafio a ser superado. Além do mais, sugere-se que as correntes de média frequência, comparadas àquelas de baixa frequência, sejam capazes de minimizar o desconforto produzido pela passagem da corrente1414 Pereira KE, Pereira KL, Stachelski RA, Buzanello Azevedo MR, Carvalho AR, Flor Bertolini GR. KiloHertz currents on aspects of muscle function: A scoping review. J Bodyw Mov Ther. 2022;32:110-19., bem como aumentar a atividade dos multífidos e reduzir a intensidade dolorosa em pacientes com DLC2626 Embaby EA, ESTayed WH, Ahmed RM, Abdel azeim AS. Comparative effectiveness of Russian current and low-frequency puSTed current in mechanical low back pain. Turkish J Physiother Rehabil. 2021;32(3):12285-94..

Sabe-se que o córtex motor primário, e por consequência os atos motores, são influenciados pelas entradas do córtex sensorial2727 Cash RFH, Isayama R, Gunraj CA, Ni Z, Chen R. The influence of sensory afferent input on local motor cortical excitatory circuitry in humans. J Physiol. 2015;593(7):1667-84.. Entretanto, considerando que a experiência dolorosa crônica se dá por meio do processamento cognitivo, emocional e autônomo2828 De Ridder D, Adhia D, Vanneste S. The anatomy of pain and suffering in the brain and its clinical implications. Neurosci Biobehav Rev. 2021;130:125-46., 2929 Yeater TD, Clark DJ, Hoyos L, Valdes-Hernandez PA, Peraza JA, Allen KD, Cruz-Almeida Y. Chronic pain is associated with reduced sympathetic nervous system reactivity during simple and complex walking tasks: potential cerebral mechanisms. Chronic Stress. 2021;5:24705470211030273. e que, consequentemente, a contribuição dos aspectos psicossociais pode afetar a qualidade da dor sem que haja uma clara associação entre a caracterização do evento doloroso pela ótica biomédica3030 Galan-Martin MA, Montero-Cuadrado F, Lluch-Girbes E, Coca-López MC, Mayo-Iscar A, Cuesta-Vargas A. Pain neuroscience education and physical therapeutic exercise for patients with chronic spinal pain in spanish physiotherapy primary care: a pragmatic randomized controlled trial. J Clin Med. 2020;9(4):1201., 3131 Barros MIG, Suguiura ITR, Linzmeyer A, Carvalho AR. Association between two classification modeST of chronic painful low back disorders, “biomedical” and “biopsychosocial.” Varia Sci - Ciências da Saúde. 2023;9(1):57-63., faz-se necessário identificar se a percepção da corrente é distinta entre os diferentes estratos de risco de mau prognóstico na DLC. Pessoas que sofrem com dor crônica podem apresentar uma amplificação na rede de sinalização dolorosa localizada no sistema nervoso central, conhecida por sensibilização central, que produz um quadro doloroso mesmo sem uma clara origem nociceptiva e, também, hipersensibilidade à dor como forma de proteção para evitar novos possíveis estímulos lesivos3232 Nijs J, Lahousse A, Kapreli E, Bilika P, Saraçoglu 1, Malfliet A, Coppieters I, De Baets L, Leysen L, Roose E, Clark J, Voogt L, Huysmans E. Nociplastic pain criteria or recognition of central sensitization? pain phenotyping in the past, present and future. J Clin Med. 2021;10(15):3203..

Em adição, nos casos de dor espinal crônica, cada vez é mais reconhecido o papel das alterações centrais, tais como modificações anormais das estruturas cerebrais, e da hiperexcitabilidade do sistema nervoso central na manutenção do quadro álgico3333 Nijs J, Meeus M, Cagnie B, Roussel NA, Dolphens M, Van Oosterwijck J, Danneels L. A modern neuroscience approach to chronic spinal pain: combining pain neuroscience education with cognition-targeted motor control training. Phys Ther. 2014;94(5):730-8.. Considerando que nocicepção, relacionada à percepção dos estímulos nocivos, e dor, que envolve aspectos afetivos e motivacionais, são conceitos distintos3434 Nijs J, De Baets L, Hodges P. Phenotyping nociceptive, neuropathic, and nociplastic pain: who, how, and why? Brazilian J Phys Ther. 2023;27(4):100537., é possível que no caso da DLC a nocicepção também esteja alterada. Por isso, acredita-se que aqueles com alto risco de mau prognóstico para dor sejam mais sensíveis à passagem da corrente e, por consequência, apresentarão menor amplitude da corrente no limiar sensorial.

O objetivo deste estudo foi verificar se o risco de mau prognóstico para dor na DLC influencia a amplitude de corrente elicitada no limiar sensorial (LS) em diferentes modalidades de EENM. A hipótese do estudo é que a amplitude da corrente no LS, independente da modalidade de EENM, diminui inversamente ao risco de mau prognóstico para dor e que as correntes de média frequência elicitam as menores amplitudes.

MÉTODOS

Este estudo foi classificado como um estudo quase-experimental contrabalanceado. Todos os voluntários assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) em duas vias, uma de posse do voluntário e a outra do pesquisador. Este estudo foi aprovado pelo comitê institucional de ética em pesquisa envolvendo seres humanos (protocolo nº 5151050).

A amostra foi composta por voluntários de ambos os sexos, com idade entre 18 e 59 anos, com e sem DLC, recrutados de forma não probabilística e consecutiva. Os voluntários foram distribuídos em grupos, sendo um grupo composto por voluntários sem apresentar afecções musculoesqueléticas em nenhum segmento corporal nos últimos 12 meses (grupo controle – GC), e outros três grupos com voluntários com DLC estratificados segundo o risco de mau prognóstico para dor, classificados pelo questionário STarT Back Screening Tool (SBST)44 Pilz B, Vasconcelos RA, Teixeira PP, Mello W, Marcondes FB, Hill JC, Grossi DB. Construct and discriminant validity of STarT Back Screening Tool - Brazilian version. Braz J Phys Ther. 2017;21(1):69-73., 55 Pilz B, Vasconcelos RA, Marcondes FB, Lodovichi SS, Mello W, Grossi DB. The Brazilian version of STarT Back Screening Tool - translation, cross-cultural adaptation and reliability. Braz J Phys Ther. 2014;18(5):453-61. como de baixo risco (GBR), médio risco (GMR) e alto risco (GAR). O SBST é uma ferramenta de avaliação capaz, por si só, de predizer incapacidade, a curto e médio prazos, na população brasileira com DLC3535 Medeiros FC, Salomão EC, Costa LOP, Freitas DG, Fukuda TY, Monteiro RL, Added MAN, Garcia AN, Costa LDCM. Use of the STarT Back Screening Tool in patients with chronic low back pain receiving physical therapy interventions. Braz J Phys Ther. 2021;25(3):286-95. e está listada entre as ferramentas mais comumente usadas para avaliação da dor nociplástica3636 Buldys K, Górnicki T, Kalka D, Szuster E, Biernikiewicz M, Markuszewski L, Sobieszczaήska M. What do we know about nociplastic pain? Healthcare. 2023;11(12):1794..

Todos os voluntários foram expostos a quatro modalidades de EENM, sendo duas correntes de média frequência (corrente aussie [CA], com duração de fase de 500 μs, e a corrente russa [CR], com duração de fase de 200 μs), e duas correntes de baixa frequência (tipo comumente denominado estimulação elétrica funcional [FES]), com duas durações de fases, 200 μs (FES_200) e 500 μs (FES_500). Os dados de um estudo prévio77 Sions JM, Crippen DC, Hicks GE, Alroumi AM, Manal TJ, Pohlig RT. Exploring neuromuscular electrical stimulation intensity effects on multifidus muscle activity in adults with chronic low back pain: an ultrasound imaging-informed investigation. Clin Med Insights Arthritis Musculoskelet Disord. 2019;12:1179544119849570., a partir do qual se calculou o tamanho de efeito, foram utilizados como base para o cálculo amostral. Para a determinação do tamanho da amostra foi utilizado o sofiware GPower 3.1, com os seguintes dados de entrada: tamanho de efeito de 0,70; alfa de 0,05; poder de 0,95; quatro grupos; quatro como número de medidas. O cálculo da amostra retornou um número mínimo de 40 voluntários ao total, sendo 10 em cada grupo.

Para inclusão no GC, os voluntários deveriam relatar comportamento físico hipocinético por não atingirem o nível mínimo de atividade física semanal recomendado pelas diretrizes de atividade física, que é de 150 min por semana3737 Thivel D, Tremblay A, Genin PM, Panahi S, Rivière D, Duclos M. Physical activity, inactivity, and sedentary behaviors: definitions and implications in occupational health. Front Public Heal. 2018;6(288):1-5., e negar episódios de dor lombar no último ano. Para inclusão nos grupos de DLC, foram adotados os seguintes critérios: a) voluntários fisicamente hipocinéticos, com relato de dor lombar persistente e ou recorrente há mais de três meses; b) dor lombar com características físicas compatíveis com etiologia mecânica, nas categorias de dor lombar inespecífica ou de dor lombar potencialmente associada à radiculopatia ou estenose espinal, de acordo com as diretrizes de avaliação e tratamento propostas pelo American College of Physicians e pela American Pain Societf3838 Chou R, Qaseem A, Snow V, Casey D, Cross JT Jr, Shekelle P, Owens DK; Clinical Efficacy Assessment Subcommittee of the American College of Physicians; American College of Physicians; American Pain Society Low Back Pain Guidelines Panel. Diagnosis and treatment of low back pain: a joint clinical practice guideline from the American College of Physicians and the American Pain Society. Ann Intern Med. 2007;147(7):478-91..

Os critérios de não inclusão e exclusão foram: a) histórico de cirurgia na coluna; b) gravidez; c) histórico de dores agudas ou crônicas relatadas em qualquer outro segmento corporal que não a coluna lombar; d) amplitude de dor no momento do teste e/ou no repouso medida pela Escala Analógica Visual (EAV) maior que seis, evitando que o protocolo de pesquisa fosse responsável pela agudização do quadro de dor.

Procedimentos metodológicos

Inicialmente, foi realizada uma entrevista para registrar o histórico físico, funcional e sociodemográfico dos voluntários, bem como suas medidas antropométricas. As seguintes medidas de caracterização da amostra foram registradas: idade (anos), massa corporal (kg), estatura (m), nível de atividade física, comprimento dos membros inferiores (m), sexo e índice de massa corporal (IMC). A avaliação de triagem para DLC seguiu um roteiro elaborado com questões sistematizadas.

O SBST foi administrado para todos os voluntários com DLC . Esse instrumento consiste em um conjunto de nove perguntas, com as quatro primeiras direcionadas às questões relacionadas à dor referida, disfunções e comorbidades, enquanto as cinco últimas abordam aspectos psicossociais55 Pilz B, Vasconcelos RA, Marcondes FB, Lodovichi SS, Mello W, Grossi DB. The Brazilian version of STarT Back Screening Tool - translation, cross-cultural adaptation and reliability. Braz J Phys Ther. 2014;18(5):453-61.. Inicialmente, cada voluntário respondeu às nove perguntas, nas quais as oito primeiras ofereceram opções de resposta “concordo” (pontuando um ponto) ou “discordo” (pontuando zero pontos). Na nona pergunta havia cinco opções de resposta: “nada,” “pouco,” “moderada” (valendo zero pontos), “muito,” “extremamente” (valendo um ponto).

Caso o escore total obtido estivesse na faixa de zero a três, o participante era categorizado como tendo um baixo risco de desenvolver um mau prognóstico relacionado à dor. Para escores finais superiores a três, o escore era recalculado, mas agora usando apenas a soma das respostas das questões de cinco a nove, que dizem respeito aos aspectos psicossociais. Nesse caso, participantes com escores recalculados até três foram estratificados como apresentando um risco moderado de desenvolver mau prognóstico para dor, enquanto aqueles com escores acima de três foram estratificados como tendo um alto risco de desenvolver mau prognóstico.

Para a aplicação das diferentes modalidades de EENM, foi utilizado o eletroestimulador Neurodyn Multicorrentes (Ibramed®, Amparo/SP, Brasil). Foi realizada a assepsia da região lombar para colocação dos eletrodos localizados bilateralmente na região dos músculos multífidos , sendo dois eletrodos cefálicos ao nível da segunda vértebra lombar, e dois eletrodos caudais ao nível da primeira vértebra sacral. Os eletrodos eram flexíveis, de borracha/silicone, com gel hidrossolúvel entre o eletrodo e a pele77 Sions JM, Crippen DC, Hicks GE, Alroumi AM, Manal TJ, Pohlig RT. Exploring neuromuscular electrical stimulation intensity effects on multifidus muscle activity in adults with chronic low back pain: an ultrasound imaging-informed investigation. Clin Med Insights Arthritis Musculoskelet Disord. 2019;12:1179544119849570., medindo 3 × 5 cm para que pudessem ser ajustados de forma adequada na área correspondente ao músculo estudado e, ainda assim, fossem garantidas dimensões próximas daquelas já testadas quanto à influência no conforto e na densidade da corrente3939 Flodin J, Juthberg R, Ackermann PW. Effects of electrode size and placement on comfort and efficiency during low-intensity neuromuscular electrical stimulation of quadriceps, hamstrings and gluteal muscles. BMC Sports Sci Med Rehabil. 2022;14(1):11..

Foram executadas duas rodadas de EENM, com intervalo de 10 min entre essas duas rodadas, para que as quatro configurações de correntes fossem entregues a todos os voluntários, sendo estas as configurações: CA, CR, FES_200 e FES_500. Durante o intervalo entre as rodadas, o voluntário permaneceu na posição de avaliação, deitado em decúbito ventral. Na primeira rodada, foram avaliadas duas configurações de correntes, uma em cada canal e com intervalo para washout de 2 min entre a entrega das correntes. Na segunda rodada foram avaliadas as outras duas configurações restantes com protocolo idêntico à primeira. Em cada rodada, os canais foram acionados de maneira individual e sequencial, porém tanto a ordem quanto a modalidade de corrente foram determinadas aleatoriamente por sorteio, para minimizar vieses.

Antes de receber a EENM, todos os voluntários foram familiarizados com as correntes e instruídos a expressar verbalmente a primeira sensação percebida pela sua estimulação, e essa resposta foi considerada o nível do LS. A ordem de entrega das correntes foi randomizada para os canais de 1 a 4. A primeira corrente selecionada para o participante foi a mesma utilizada para a familiarização pré-teste e definição LS-familiarização. O protocolo experimental e a posição dos eletrodos podem ser visualizados na figura 1, e as configurações das modalidades de correntes na tabela 1.

Figura 1
Representação esquemática da sequência de acionamento dos canais (1.A) e da disposição dos pares de eletrodos (1.B) para identificação do limiar sensorial

Tabela 1
Parâmetros de configuração para as diferentes modalidades de corrente

O protocolo foi idêntico para todas as configurações de corrente. A cada aumento de amplitude, o pesquisador perguntava ao voluntário sobre a sua percepção da corrente e, ao ser informado sobre o LS, a amplitude em miliamperes (mA) era registrada.

Análise estatística

Para análise estatística foi usado o software SPSS 20. O nível de significância adotado foi de 5% (α=0,05). Para as comparações, o teste estatístico utilizado foi o modelo de equações de estimação generalizadas (GEE), que se baseia na máxima verossimilhança e utiliza o teste Qui-quadrado de Wald (Wald X2) para identificar o efeito da variável no modelo linear generalizado. A variável desfecho foi a amplitude da corrente na unidade de mA, na qual o LS foi relatado. Os fatores para análise foram o estrato de risco (GC, GBR, GMR e GAR) e as correntes (CA, CR, FES_200 e FES_500). Também foram consideradas para a análise as interações entre os fatores (estrato*corrente). O teste Bonferroni foi utilizado post-hoc. O tamanho do efeito (TE) foi adicionado à análise inferencial. O TE escolhido foi o g de Hedges, por ser o mais indicado para amostras pequenas4040 Lakens D. Calculating and reporting effect sizes to facilitate cumulative science: a practical primer for t-tests and ANOVAs. Front Psychol. 2013;4:863.. A interpretação dos TE foi dada pelos seguintes critérios4040 Lakens D. Calculating and reporting effect sizes to facilitate cumulative science: a practical primer for t-tests and ANOVAs. Front Psychol. 2013;4:863., 4141 Sawilowsky SS. New effect size rules of thumb. J Mod Appl Stat Methods. 2009;8(2):597-9.: nulo (<0,10); muito pequeno (0,10 a 0,19); moderado (0,20 a 0,79); grande (0,80 a 1,19); muito grande (1,20 a 1,99); enorme (>2,0).

RESULTADOS

A amostra foi composta por 40 voluntários com média de idade de 38,8±13,4 anos, IMC de 77,1±19,9 kg e estatura de 1,67±0,12 m. Todos os participantes relataram não realizar atividades físicas de forma sistemática.

Foram observados os efeitos do estrato de risco (X2 [3] = 22,33 e p<0,001), da corrente (X2 [3] = 57,59 e p<0,001) e da interação estrato*corrente (X2 [9] = 43,37 e p<0,001). Segundo os parâmetros estimados pelo modelo, disponível no material suplementar, quanto ao efeito do estrato, observou-se diferença significativa entre as médias apenas entre o GC e o GAR, sendo que no GAR a amplitude da corrente no LS foi 5,90 mA mais alta que no GC. Quanto ao efeito das correntes, houve diferença significativa entre as médias das amplitudes no LS para CR, FES_200 e FES_500, em relação à CA, sendo que as amplitudes de CR, FES_200 e FES_500 foram 6,20 mA, 8,80 mA e 4,80 mA maiores, respectivamente.

As comparações por pares foram feitas observando o efeito da interação estrato*corrente. A FES_200 foi a modalidade de corrente que induziu as maiores amplitudes no LS, e a CA foi aquela que induziu as menores amplitudes. O GBR apresentou os menores valores de amplitude no LS em todas as correntes, enquanto o GAR apresentou os maiores valores. Para a maioria das comparações o TE variou de grande a enorme. As estatísticas inferenciais e descritivas, bem como os valores de TE para as comparações por pares podem ser visualizados nas figuras 2 e 3.

Figura 2
Apresentação dos valores médios da amplitude da corrente no limiar sensorial para cada modalidade de corrente em cada estrato de risco de mau prognóstico, bem como das comparações por pares, seus respectivos tamanhos de efeito e sua força

Figura 3
Apresentação dos valores médios da amplitude da corrente no limiar sensorial para cada estrato de risco de mau prognóstico nas diferentes modalidades de corrente, bem como das comparações por pares, seus respectivos tamanhos de efeito e sua força

DISCUSSÃO

As hipóteses deste estudo eram que: (1) a amplitude da corrente no LS, independente da modalidade de EENM, diminuiria inversamente ao risco de mau prognóstico para dor e que (2) as correntes de média frequência elicitariam as menores amplitudes. As hipóteses do presente estudo foram parcialmente atendidas, pois as correntes de média frequência tenderam a elicitar menores amplitudes de corrente no LS; porém, os voluntários dos grupos de médio e alto risco apresentaram amplitudes mais altas que aqueles dos grupos controle e, principalmente, dos grupos de baixo risco. Os tamanhos de efeito altos corroboram a relevância clínica dos achados.

Quando se trata de indivíduos com disfunção dolorosa, deve-se levar em conta a redução do limiar nociceptivo tanto casos agudos quanto crônicos4242 Latremoliere A, Woolf CJ. Central sensitization: a generator of pain hypersensitivity by central neural plasticity. J Pain. 2009;10(9):895-926.,4343 de Goeij M, van Eijk LT, Vanelderen P, Wilder-Smith OH, Vissers KC, van der Hoeven JG, Kox M, Scheffer GJ, Pickkers P. Systemic inflammation decreases pain threshold in humans in vivo. PLoS One. 2013;8(12):e84159.. Isso pode influenciar na percepção de uma corrente que visa estimular a contração muscular44.

Embora quanto maior a contribuição dos fatores psicossociais, maior o risco de mau prognóstico para dor44 Pilz B, Vasconcelos RA, Teixeira PP, Mello W, Marcondes FB, Hill JC, Grossi DB. Construct and discriminant validity of STarT Back Screening Tool - Brazilian version. Braz J Phys Ther. 2017;21(1):69-73., nem todos os que vivenciam dor crônica desenvolvem, necessariamente, alterações no processamento central da dor, ainda que a relação entre a sensibilização central e os aspectos psicossociais possa ser prevista por traços de ansiedade e de características de hipersensibilidade sensorial3232 Nijs J, Lahousse A, Kapreli E, Bilika P, Saraçoglu 1, Malfliet A, Coppieters I, De Baets L, Leysen L, Roose E, Clark J, Voogt L, Huysmans E. Nociplastic pain criteria or recognition of central sensitization? pain phenotyping in the past, present and future. J Clin Med. 2021;10(15):3203., 4545 Smart KM, Blake C, Staines A, Doody C. Self-reported pain severity, quality of life, disability, anxiety and depression in patients classified with ‘nociceptive’, ‘peripheral neuropathic’ and ‘central sensitisation’ pain. The discriminant validity of mechanisms-based classifications of low back (±leg) pain. Man Ther. 2012;17(2):119-25.. Nesse sentido, um estudo observou que, na presença de sensibilização central, várias crenças disfuncionais estavam presentes4646 Dionísio GH, Salermo VY, Padilha A. Central sensitization and beliefs among patients with chronic pain in a primary health care unit. Brazilian J Pain. 2020;3(1):42-7..

Tais reflexões podem ajudar a entender a resposta da amostra do presente estudo à percepção da corrente. Uma vez que os voluntários do grupo de baixo risco sofriam um menor impacto de fatores psicossociais em relação aos grupos de médio e alto risco, especula-se que o fenótipo da dor no GBR preservou características de dor nociceptiva (dor decorrente de ocorrência real ou ameaça de dano ao tecido não neural3232 Nijs J, Lahousse A, Kapreli E, Bilika P, Saraçoglu 1, Malfliet A, Coppieters I, De Baets L, Leysen L, Roose E, Clark J, Voogt L, Huysmans E. Nociplastic pain criteria or recognition of central sensitization? pain phenotyping in the past, present and future. J Clin Med. 2021;10(15):3203.), enquanto no GMR e no GAR as características de dor nociplástica (dor decorrente da nocicepção alterada)3232 Nijs J, Lahousse A, Kapreli E, Bilika P, Saraçoglu 1, Malfliet A, Coppieters I, De Baets L, Leysen L, Roose E, Clark J, Voogt L, Huysmans E. Nociplastic pain criteria or recognition of central sensitization? pain phenotyping in the past, present and future. J Clin Med. 2021;10(15):3203. prevaleceram. O fenótipo de dor nociplástica é recente, sendo seu conceito introduzido em 2016. Por isso, mesmo com os avanços nas pesquisas sobre o tema, a fisiopatologia dessa condição ainda apresenta muitas lacunas a serem exploradas. Há três mecanismos fisiopatológicos sobre dor nociplástica propostos na atualidade3636 Buldys K, Górnicki T, Kalka D, Szuster E, Biernikiewicz M, Markuszewski L, Sobieszczaήska M. What do we know about nociplastic pain? Healthcare. 2023;11(12):1794.: i) mecanismos supraespinais com presença de hiperresponsividade ao estímulo doloroso, hiperatividade e conectividade entre regiões cerebrais responsáveis pela percepção da dor, redução da atividade e conectividade de áreas cerebrais envolvidas na inibição da dor, concentrações de substância P e glutamina no fluido cerebrospinal com inibição dos neurotransmissores GABA; ii) mecanismos espinais que abrangem a regionalização de agrupamentos e a convergência de sinais provenientes de diversas áreas de desconforto, a reorganização da medula espinhal, a amplificação da transmissão reflexa espinhal, a redução da inibição espinhal, a integração e acumulação temporal, além da ativação do sistema imunológico, incluindo diversas células gliais; iii) mecanismos periféricos que englobam a proliferação de canais de sódio e o acoplamento simpático-aferente. A falta, na atualidade, de ferramentas para quantificar e qualificar todas as adaptações morfofuncionais decorrentes da experiência dolorosa sugere que a resposta à dor é algo muito singular, podendo isso ter influenciado na interpretação dos achados desta pesquisa.

Um estudo prévio4747 Insausti-Delgado A, López-Larraz E, Omedes J, Ramos-Murguialday A. Intensity and dose of neuromuscular electrical stimulation influence sensorimotor cortical excitability. Front Neurosci. 2021;14:593360. observou que a amplitude da EENM é significativamente dependente da modulação desempenhada pela atividade cerebral. Por conseguinte, especula-se que um risco maior de mau prognóstico possa induzir modificações na circuitaria do sistema nervoso central, a exemplo da sensibilização central, as quais, por sua vez, afetam o recrutamento das vias sensoriais elicitadas pela EENM. A CA tem sido descrita como uma corrente confortável e capaz de produzir adaptações positivas na função muscular de pacientes com DLC2525 Lopes AB, Amboni DE, Schmidel MM, Maciel MJ, Carvalho AR, Bertolini GRF. Evaluation of the dose-response for electrostimulation with Aussie current in the core strength. Eur J Clin Exp Med. 2020;18(2):81-7.. Por isso, o fato de a CA ter sido a corrente com menor amplitude de corrente no LS parece estar em concordância com a literatura.

Destaca-se, como limitação deste estudo, a ausência de análises da função muscular mais específicas, como a eletroneuromiografia, que poderia contribuir para o entendimento da ativação muscular nas respostas elicitadas pela EENM. A principal mensagem clínica deste estudo é que o risco de mau prognóstico para dor lombar crônica pode afetar a forma como os pacientes respondem à EENM.

CONCLUSÃO

A amplitude da corrente elicitada no LS parece ser mais alta entre aqueles com maior risco de mau prognóstico para dor lombar crônica e, dentre as correntes, aquelas de média frequência elicitaram amplitudes mais baixas.

  • Fontes de fomento: O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES), sendo o terceiro autor aquele que usufrui da bolsa.

REFERENCES

  • 1
    Darlow B, Perry M, Dean S, Mathieson F, Baxter GD, Dowell A. Putting physical activity while experiencing low back pain in context: balancing the risks and benefits. Arch Phys Med Rehabil. 2016;97(2):245-251.e7.
  • 2
    Kamper SJ, Apeldoorn AT, Chiarotto A, Smeets RJEM, Ostelo RWJG, Guzman J, van MW. Multidisciplinary biopsychosocial rehabilitation for chronic low back pain: Cochrane systematic review and meta-analysis. BMJ. 2015;350:h444.
  • 3
    Knezevic NN, Candido KD, Vlaeyen JWS, van Zundert J, Cohen SP. Low back pain. Lancet. 2021;398(10294):78-92.
  • 4
    Pilz B, Vasconcelos RA, Teixeira PP, Mello W, Marcondes FB, Hill JC, Grossi DB. Construct and discriminant validity of STarT Back Screening Tool - Brazilian version. Braz J Phys Ther. 2017;21(1):69-73.
  • 5
    Pilz B, Vasconcelos RA, Marcondes FB, Lodovichi SS, Mello W, Grossi DB. The Brazilian version of STarT Back Screening Tool - translation, cross-cultural adaptation and reliability. Braz J Phys Ther. 2014;18(5):453-61.
  • 6
    Sponbeck JK, Moody MA, Mitchell UH, Neves CD, Johnson AW. Multifidus muscle cross-sectional area adaptations over two volleyball seasons and one off-season in athletes with and without low back pain. J Back Musculoskelet Rehabil. 2022;35(5):1135-42.
  • 7
    Sions JM, Crippen DC, Hicks GE, Alroumi AM, Manal TJ, Pohlig RT. Exploring neuromuscular electrical stimulation intensity effects on multifidus muscle activity in adults with chronic low back pain: an ultrasound imaging-informed investigation. Clin Med Insights Arthritis Musculoskelet Disord. 2019;12:1179544119849570.
  • 8
    Russo M, Deckers K, Eldabe S, Kiesel K, Gilligan C, Vieceli J, Crosby P. Muscle control and non-specific chronic low back pain. Neuromodulation. 2018;21(1):1-9
  • 9
    Sonnery-Cottet B, Saithna A, Quelard B, Daggett M, Borade A, Ouanezar H, Thaunat M, Blakeney WG. Arthrogenic muscle inhibition after ACL reconstruction: a scoping review of the efficacy of interventions. Br J Sports Med. 2019;53(5):289-98.
  • 10
    Goubert D, van Oosterwijck J, Meeus M, DanneeST L. Structural changes of lumbar muscles in non-specific low back pain: a systematic review. Pain Physician. 2016;19:E985-1000.
  • 11
    Ogon I, Takebayashi T, Takashima H, Morita T, Yoshimoto M, Terashima Y, Yamashita T. Quantitative analysis concerning atrophy and fat infiltration of the multifidus muscle with magnetic resonance spectroscopy in chronic low back pain. Spine Surg Relat Res. 2018;3(2):163-70.
  • 12
    Maffiuletti NA, Green DA, Vaz MA, Dirks ML. Neuromuscular electrical stimulation as a potential countermeasure for skeletal muscle atrophy and weakness during human spaceflight. Front Physiol. 2019;10:1-8.
  • 13
    Kocamaz D, Yakut H, Özberk S. Patients’ satisfaction with and awareness of electrical stimulation therapy. Physiother Q. 2020;28(1):11-5.
  • 14
    Pereira KE, Pereira KL, Stachelski RA, Buzanello Azevedo MR, Carvalho AR, Flor Bertolini GR. KiloHertz currents on aspects of muscle function: A scoping review. J Bodyw Mov Ther. 2022;32:110-19.
  • 15
    Linzmeyer A, Coracini CA, Bertolini GR, Carvalho AR. Efeito da estimulação elétrica neuromuscular na função muscular em pacientes com dor lombar crônica: revisão sistemática. BrJP. 2022;5(2):161-7.
  • 16
    Lefaucheur JP, Abbas SA, Lefaucheur-Ménard I, Rouie D, Tebbal D, Bismuth J, Nordine T. Small nerve fiber selectivity of laser and intraepidermal electrical stimulation: A comparative study between glabrous and hairy skin. Neurophysiol Clin. 2021;51(4):357-74.
  • 17
    Batistella CE, Bidin F, Giacomelli I, Nunez MA, Gasoto E, Albuquerque CE, Flores LJF, Bertolini GRF. Effects of the Russian current in the treatment of low back pain in women: a randomized clinical trial. J Bodyw Mov Ther. 2020;24(2):118-22.
  • 18
    Cittadin GL, Ansolin GZ, Furtado Santana NP, Tonini TL, Buzanello Azevedo MR, de Albuquerque CE, Flor Bertolini GR. Comparison between Russian and Aussie currents in the grip strength and thickness muscles of the non-dominant hand: a double-blind, prospective, randomized-controlled study. Turk J Phys Med Rehabil. 2020;66(4):423-8.
  • 19
    Silva BC, Coracini CA, Branco CL, Michelon MD, Bertolini GR. Corrente Aussie em estudantes com cervicalgia crônica: um ensaio clínico randomizado. BrJP 2018;1(3):202-6.
  • 20
    Maffiuletti NA, Gondin J, Place N, Stevens-Lapsley J, Vivodtzev I, Minetto MA. Clinical use of neuromuscular electrical stimulation for neuromuscular rehabilitation: what are we overlooking? Arch Phys Med Rehabil. 2018;99(4):806-12.
  • 21
    De Oliveira PFA, Durigan JLQ, Modesto KAG, Bottaro M, Babault N. Neuromuscular fatigue after low- and medium-frequency electrical stimulation in healthy adults. Muscle Nerve. 2018;58(2):293-9.
  • 22
    Mukaino M, Ono T, Shindo K, Fujiwara T, Ota T, Kimura A, Liu M, Ushiba J. Efficacy of brain-computer interface-driven neuromuscular electrical stimulation for chronic paresis after stroke. J Rehabil Med. 2014;46(4):378-82.
  • 23
    Mettler JA, Bennett SM, Doucet BM, Magee DM. Neuromuscular electrical stimulation and anabolic signaling in patients with stroke. J Stroke Cerebrovasc Dis. 2017;26(12):2954-63.
  • 24
    Pelegrini ACA, Gasoto E, Bussolaro JM, Segatti G, Albuquerque CE, Bertolini GRF. The analgesic action of Aussie current in women with non-specific chronic lumbar pain. Int J Ther Rehabil. 2019;26(7):1-10.
  • 25
    Lopes AB, Amboni DE, Schmidel MM, Maciel MJ, Carvalho AR, Bertolini GRF. Evaluation of the dose-response for electrostimulation with Aussie current in the core strength. Eur J Clin Exp Med. 2020;18(2):81-7.
  • 26
    Embaby EA, ESTayed WH, Ahmed RM, Abdel azeim AS. Comparative effectiveness of Russian current and low-frequency puSTed current in mechanical low back pain. Turkish J Physiother Rehabil. 2021;32(3):12285-94.
  • 27
    Cash RFH, Isayama R, Gunraj CA, Ni Z, Chen R. The influence of sensory afferent input on local motor cortical excitatory circuitry in humans. J Physiol. 2015;593(7):1667-84.
  • 28
    De Ridder D, Adhia D, Vanneste S. The anatomy of pain and suffering in the brain and its clinical implications. Neurosci Biobehav Rev. 2021;130:125-46.
  • 29
    Yeater TD, Clark DJ, Hoyos L, Valdes-Hernandez PA, Peraza JA, Allen KD, Cruz-Almeida Y. Chronic pain is associated with reduced sympathetic nervous system reactivity during simple and complex walking tasks: potential cerebral mechanisms. Chronic Stress. 2021;5:24705470211030273.
  • 30
    Galan-Martin MA, Montero-Cuadrado F, Lluch-Girbes E, Coca-López MC, Mayo-Iscar A, Cuesta-Vargas A. Pain neuroscience education and physical therapeutic exercise for patients with chronic spinal pain in spanish physiotherapy primary care: a pragmatic randomized controlled trial. J Clin Med. 2020;9(4):1201.
  • 31
    Barros MIG, Suguiura ITR, Linzmeyer A, Carvalho AR. Association between two classification modeST of chronic painful low back disorders, “biomedical” and “biopsychosocial.” Varia Sci - Ciências da Saúde. 2023;9(1):57-63.
  • 32
    Nijs J, Lahousse A, Kapreli E, Bilika P, Saraçoglu 1, Malfliet A, Coppieters I, De Baets L, Leysen L, Roose E, Clark J, Voogt L, Huysmans E. Nociplastic pain criteria or recognition of central sensitization? pain phenotyping in the past, present and future. J Clin Med. 2021;10(15):3203.
  • 33
    Nijs J, Meeus M, Cagnie B, Roussel NA, Dolphens M, Van Oosterwijck J, Danneels L. A modern neuroscience approach to chronic spinal pain: combining pain neuroscience education with cognition-targeted motor control training. Phys Ther. 2014;94(5):730-8.
  • 34
    Nijs J, De Baets L, Hodges P. Phenotyping nociceptive, neuropathic, and nociplastic pain: who, how, and why? Brazilian J Phys Ther. 2023;27(4):100537.
  • 35
    Medeiros FC, Salomão EC, Costa LOP, Freitas DG, Fukuda TY, Monteiro RL, Added MAN, Garcia AN, Costa LDCM. Use of the STarT Back Screening Tool in patients with chronic low back pain receiving physical therapy interventions. Braz J Phys Ther. 2021;25(3):286-95.
  • 36
    Buldys K, Górnicki T, Kalka D, Szuster E, Biernikiewicz M, Markuszewski L, Sobieszczaήska M. What do we know about nociplastic pain? Healthcare. 2023;11(12):1794.
  • 37
    Thivel D, Tremblay A, Genin PM, Panahi S, Rivière D, Duclos M. Physical activity, inactivity, and sedentary behaviors: definitions and implications in occupational health. Front Public Heal. 2018;6(288):1-5.
  • 38
    Chou R, Qaseem A, Snow V, Casey D, Cross JT Jr, Shekelle P, Owens DK; Clinical Efficacy Assessment Subcommittee of the American College of Physicians; American College of Physicians; American Pain Society Low Back Pain Guidelines Panel. Diagnosis and treatment of low back pain: a joint clinical practice guideline from the American College of Physicians and the American Pain Society. Ann Intern Med. 2007;147(7):478-91.
  • 39
    Flodin J, Juthberg R, Ackermann PW. Effects of electrode size and placement on comfort and efficiency during low-intensity neuromuscular electrical stimulation of quadriceps, hamstrings and gluteal muscles. BMC Sports Sci Med Rehabil. 2022;14(1):11.
  • 40
    Lakens D. Calculating and reporting effect sizes to facilitate cumulative science: a practical primer for t-tests and ANOVAs. Front Psychol. 2013;4:863.
  • 41
    Sawilowsky SS. New effect size rules of thumb. J Mod Appl Stat Methods. 2009;8(2):597-9.
  • 42
    Latremoliere A, Woolf CJ. Central sensitization: a generator of pain hypersensitivity by central neural plasticity. J Pain. 2009;10(9):895-926.
  • 43
    de Goeij M, van Eijk LT, Vanelderen P, Wilder-Smith OH, Vissers KC, van der Hoeven JG, Kox M, Scheffer GJ, Pickkers P. Systemic inflammation decreases pain threshold in humans in vivo. PLoS One. 2013;8(12):e84159.
  • 44
    Nagakura Y, Malkmus S, Yaksh TL. Determination of current threshold for paw withdrawal with sine-wave electrical stimulation in rats: effect of drugs and alteration in acute inflammation. Pain. 2008;134(3):293-301.
  • 45
    Smart KM, Blake C, Staines A, Doody C. Self-reported pain severity, quality of life, disability, anxiety and depression in patients classified with ‘nociceptive’, ‘peripheral neuropathic’ and ‘central sensitisation’ pain. The discriminant validity of mechanisms-based classifications of low back (±leg) pain. Man Ther. 2012;17(2):119-25.
  • 46
    Dionísio GH, Salermo VY, Padilha A. Central sensitization and beliefs among patients with chronic pain in a primary health care unit. Brazilian J Pain. 2020;3(1):42-7.
  • 47
    Insausti-Delgado A, López-Larraz E, Omedes J, Ramos-Murguialday A. Intensity and dose of neuromuscular electrical stimulation influence sensorimotor cortical excitability. Front Neurosci. 2021;14:593360.

Editado por

Editor associado responsável: Isabela Azevedo Freire Santos https://orcid.org/0000-0001-8836-8640

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    05 Out 2023
  • Aceito
    02 Fev 2024
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br