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No início era Serge: a poesia em língua francesa de Sérgio Milliet

RESUMO

O artigo traça um breve panorama da poesia em língua francesa com a qual Sérgio Milliet deu início à sua carreira literária. Diferentemente do destino reservado aos versos compostos em língua portuguesa, os poemas dessa fase inaugural não foram jamais retomados pelo autor em edições posteriores de sua obra poética. A um rápido exame das obras publicadas ainda no período genebrino, de essência semelhante, acrescentam-se comentários acerca de um dos poemas publicados na revista Klaxon, “La guerre”, e do livro lançado na Bélgica em 1923, Œil-de-bœuf. Acredita-se que essa leitura pode apontar os rumos que a poesia millietiana tomaria a partir de 1926 e dar subsídios para uma análise mais acurada da crítica poética e do trabalho tradutório de Sérgio Milliet.

PALAVRAS-CHAVE:
Sérgio Milliet; Modernismo; Poesia; Relações Brasil-França

ABSTRACT

This article outlines a brief overview on the French language poetry written by Sérgio Milliet which came to be the start of his literary career. Unlike his poetry production in Portuguese, these inaugural poems were never revisited by the author in later editions of his poetic oeuvre. In addition to a quick perusal of the works published while still in his Genevese period (works of similar essence), we have the comments made on one of his poems published in the visual arts and literary magazine Klaxon, “La Guerre”, and on the book published in Belgium, in 1923, intitled Œil-de-bœuf. These accounts may be able to point the way Milliet’s poetry would come to take as of 1926 and provide the bases for a more accurate analysis of Sérgio Milliet’s poetic criticism and translations.

KEYWORDS:
Sérgio Milliet; Modernism; Poetry; French-Brazilian Relations

Conquanto se reconheça poeta - “poeta e desconfiado” - no autorretrato traçado no prefácio ao segundo tomo de seu Diário crítico, Sérgio Milliet afirma resolutamente não aspirar, no âmbito literário, senão a “um posto de reserva do primeiro time”, condição que teria sido prenunciada por sua “tímida” participação na Semana de Arte Moderna (“mais como admirador de Mário e Oswald de Andrade que como militante ativo”) e pelo insucesso de suas obras ficcionais, “apesar do aplauso dos críticos”. Desiludido com a literatura - e encontrando no ensino e nas “pesquisas sérias de sociologia e história” suas “maior[es] alegria[s]”, Milliet (1981, p.7-8), se não chega a abandonar a lírica e a ficção, volta-se, já no final dos anos 1920, sobretudo para a crítica.

Meio século após sua morte, poucos são os leitores e pesquisadores de sua obra que não se atêm apenas ao exame de sua produção crítica e tradutória. Sua criação ficcional e poética é raramente revisitada. Seu estudo, contudo, pode trazer novas leituras para o trabalho crítico e tradutório do autor, bem como para a compreensão e interpretação da poesia e da narrativa compostas pela geração de 22.

Parte significativa da obra poética de Milliet foi escrita em língua francesa - e assinada com a forma afrancesada de seu nome, Serge. Foi na língua de seus ascendentes maternos, aprendida ao longo da década de 1910 nos nove anos vividos na Suíça, que Milliet publicou seus primeiros livros: Par le sentier e Le départ sous la pluie, que reúnem poemas neorromântico-simbolistas; En singeant, coletânea de pastiches feita em parceria com Charles Reber; e Œil-de-bœuf, compilação de versos de feição modernista. Os três primeiros títulos foram lançados em Genebra entre 1917 e 1919; e o último, no início da segunda temporada europeia de Milliet, na cidade de Antuérpia, em 1923. Às quatro publicações em livro acrescentam-se as inúmeras colaborações em periódicos, dentre os quais sobressaem, para além do nosso pioneiro Klaxon, os europeus Le Carmel, Het Overzicht, Lumière e Revue de l’Amérique Latine. Neles, Serge difunde não somente poemas de sua lavra, mas também versões em francês de versos alheios (sobretudo de Guilherme de Almeida) e críticas sobre a nova geração de escritores brasileiros e suíços.

Com exceção dos textos publicados na revista Lumière que visavam a divulgar a moderna literatura brasileira na Bélgica (“Une semaine d’art moderne à São Paulo” e “La jeune littérature brésilienne”, lançados em abril e em novembro de 1922), as demais contribuições de Milliet em periódicos europeus ainda aguardam reedição.1 1 Os dois artigos mencionados foram traduzidos por Marta Rossetti Batista, publicados na Revista do Instituto de Estudos Brasileiros (n.34, 1994, p.199-210) e mais tarde relançados em 22 por 22: a Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos (Boaventura, 2010). Esses textos, aos quais se junta “La poésie moderne au Brésil”, publicado em 1923 na Revue de l’Amérique Latine, foram igualmente reeditados, em sua versão original, por Antoine Chareyre em Poèmes modernistes & autres écrits (Milliet, 2010). Quanto a seus escritos em língua francesa lançados em revistas brasileiras, apenas os poemas de Klaxon foram reeditados por aqui (na versão fac-similada da revista).2 2 Nossas principais revistas modernistas tornaram-se recentemente disponíveis em plataformas digitais (como a <https://br.revistasdeideias.net/pt-pt>). Chareyre igualmente incluiu os poemas klaxistas no volume mencionado na nota acima.

Neste artigo, intenta-se traçar um breve panorama da poesia em língua francesa com a qual Sérgio Milliet deu início à sua carreira literária. Diferentemente do destino reservado aos versos compostos em língua portuguesa, os poemas dessa fase inaugural (publicados, como mencionado, em três livros e em diversos periódicos) não foram jamais retomados pelo autor em edições posteriores de sua obra poética.3 3 Ao menos em sua versão original (em língua francesa). Milliet publicaria no jornal carioca A Noite (30.12.1925) um Olho-de-boi em português. No entanto, esse poema seria, segundo Chareyre, mais uma nova composição baseada nos versos franceses do que uma simples tradução desses (Milliet, 2010, p.180). Milliet, aliás, tampouco voltaria a escrever em francês após o retorno, no final de 1925, de sua segunda longa passagem pela Europa.4 4 Excetuando-se a tradução para o francês do “Cabo Machado” (“Le Caporal Machado”) de Mário de Andrade, no v.XXII da Revue de l’Amérique Latine (n.118, nov. 1931), não foi encontrado nenhum outro texto de Milliet nessa língua que tenha se tornado público após 1926. A um rápido exame das obras publicadas ainda no período genebrino acrescentam-se alguns comentários acerca de um dos poemas publicados em Klaxon, “La guerre”, e do livro lançado na Bélgica em 1923, Œil-de-bœuf (que reúne, aliás, alguns dos poemas que tinham saído na revista paulistana). Acredita-se que essa leitura possa apontar os rumos que tomaria, a partir de 1926, a poesia em língua portuguesa de Milliet e dar subsídios para uma análise mais acurada de sua crítica poética e de seu trabalho tradutório.

* * *

Foi pela editora do grupo Le Carmel, grêmio literário de Genebra em que se teria inserido a convite do amigo Henri Mugnier, que Milliet lançou seu primeiro livro, Par le sentier, em 1917MILLIET, S. Par le sentier. Genebra/Paris: Éditions du Carmel, 1917.. Alguns poemas que integram esse volume saíram igualmente na revista do grupo, Le Carmel - Revue mensuelle de littérature, de philosophie et d’art, idealizada por outro amigo, Charles Baudouin (que viria a ser o representante de Klaxon na França). Da pacifista revista suíça - que, a despeito de ter contado em seus quadros com nomes como Romain Rolland e Carl Spitteler, não chegou a ter relevância nos meios literários europeus - foram editados 21 números, entre abril de 1916 e junho de 1918. A editora Le Carmel sobrevive ao fim da revista, mas foi sob o selo de outro grupo - capitaneado por Jean Violette - que Milliet lançou em 1919 seu segundo livro, Le départ sous la pluie (impresso em São Paulo pela Tipografia Piratininga). Entre as duas publicações, Milliet ainda editou, ao lado de Charles Reber, En singeant...: Pastiches littéraires em 1918 pela genebrina Édition Atar.

O curto intervalo que separa as edições de Par le sentier e Le départ sous la pluie por si só não indica o quão semelhantes as duas obras são. De saída, assinala-se que ambas reúnem o mesmo número de poemas, 48, repartidos em blocos. Em Par le sentier, os 46 poemas que sucedem aos preambulares “Dédicace” e “Prélude” repartem-se em cinco seções de proporções distintas, “Idéal” [Ideal], “Demi-teintes” [Meios-tons], “Le chemin des sens” [O caminho dos sentidos], “Lassitudes” [Lassidões] e “Vers la Joie” [Rumo à alegria]. Em Le départ sous la pluie, os 47 poemas que se pospõem ao prefacial “Liminaire” dividem-se em três partes, “Le départ sous la pluie” [A despedida na chuva], “Pendant l’absence” [Durante a ausência] e “La dernière étape” [A última etapa]. Nos dois volumes impera o uso de versos rimados e medidos (com prevalência de alexandrinos) e sobressai, das formas fixas, a grande presença de sonetos (18 no primeiro volume, 14 no segundo).

Figura 1
Capa de Par le sentier.

Figura 2
Capa de Le départ sous la pluie (ilustração de Di Cavalcanti).

Os dois textos prefaciais de Par le sentier, assinados pelos amigos carmelitas Charles Baudouin e Henri Mugnier, acentuam a sensibilidade amarga e ardente de Milliet (que, ademais, vinha de um país tropical...) e indicam os autores de preferência dele. “Sérgio Milliet”, diz Mugnier, “admira Samain, Baudelaire e Verlaine, e tal fato afeta seus versos de iniciante, o faz ainda pender para a poesia ‘decadente’ e revela o quão sensível, sensual e apaixonado ele é”.5 5 “Serge Milliet admire Samain, Baudelaire, Verlaine, c’est dire que ses vers de débutant s’en ressentiront, c’est dire qu’il penche encore du côté de la poésie ‘décadente’, c’est dire également que c’est un sensible, un sensuel, un passionné” (Milliet, 1917, p.7). Baudouin, em formulação mais ousada, vai além e diz que o jovem brasileiro seria o amálgama de Baudelaire e Verlaine!

Se Baudouin realça a competência linguística do colega estrangeiro - que teria se apropriado do francês com inteligência e arte -, Mugnier apressa-se em responder a eventuais críticas ao autor de Par le sentier por não ter tratado em sua obra de estreia de uma questão inevitável: a guerra. Ignorar a hecatombe que se alastrava por boa parte do território europeu seria, diriam alguns, alienação ou insensatez. Mugnier, no entanto, justifica o não engajamento do poeta brasileiro (que, aliás, não tinha obrigações militares a cumprir na Europa) reafirmando o discurso pacifista do grupo Le Carmel e a importância, tão depreciada em períodos de guerra, da arte.

Com efeito, Milliet não alude nenhuma vez nessa obra (e tampouco em Le départ sous la pluie) às batalhas que transcorriam a poucas centenas de quilômetros de sua casa.6 6 Com exceção de menções à neve, ao inverno ou à queda de folhas no outono não há praticamente nenhum índice de referencialidade espacial ou temporal nesses poemas. Em seus versos, a existência subjetiva do eu-lírico - que seguidamente lastima suas desilusões amorosas - se sobrepõe à realidade objetiva: de tom confessional, neles triunfa a dor causada pelo distanciamento da mulher amada (que se ajusta ao modelo de femme fatale da Belle Époque), dor em parte fingida, por sinal, posto que cultivada com finalidades práticas, como assume o próprio autor na supracitada introdução ao segundo volume do Diário crítico: “...fui jogado aos 14 anos na liberdade excessiva da Suíça dos lagos transparentes e das montanhas azuis. Abusei convenientemente dessa liberdade, estudei pouco e escrevi versos para arranjar pequenas” (Milliet, 1981, p.7). Não se sabe se o propósito foi atingido a contento, mas sabe-se que esses versos asseguraram a seu jovem autor a entrada em círculos literários locais, a publicação em revistas e livros e a conquista de seus primeiros leitores.

Parece-nos, portanto, que, ao menos no período inicial de sua carreira literária, Milliet, diferentemente de outros escritores brasileiros - contemporâneos seus ou que o antecederam, como Joaquim Nabuco, Manuel Bandeira, Péthion de Villar, Freitas Valle, Alphonsus de Guimaraens, Guilherme de Almeida e Oswald de Andrade -, não teria empregado o francês como língua de expressão artística por “refinamento” ou “aristocratismo” (Candido, 1989CANDIDO, A. Literatura e subdesenvolvimento. In: ___. A educação pela noite & outros ensaios. São Paulo: Ática, 1989. p.140-62.), mas por conveniência, a fim de melhor aclimatar-se ao espaço literário em que se encontrava. O jovem, que contava então apenas 18 anos de idade, optou - num début literário que não parece revelar grandes pretensões - pelo uso da língua com a qual se comunicava em seu cotidiano. Não se nos configura, por conseguinte, nenhuma tensão aparente ou significativa entre a escolha da língua e dos modelos literários franceses e a origem brasileira do escritor nessas primeiras obras. Contudo, esse traço distintivo da poética de Sérgio Milliet (mas não exclusivo dele, como atestam os exemplos supramencionados) tornar-se-á - se não para ele, ao menos para alguns de seus interlocutores, como revela a correspondência trocada com Mário de Andrade ao longo do ano de 1923 (Duarte, 1977DUARTE, P. Mário de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Hucitec; Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1977.) - uma escolha a ser revista por questões ideológicas e estéticas. Milliet, reitere-se, adotará exclusivamente o português como língua de expressão após o retorno de sua segunda temporada europeia.

No entanto, a mudança de língua e a adesão aos princípios estéticos vanguardistas de modo algum afetam a posição de destaque que a poesia francesa da segunda metade do século XIX ocupa na produção literária e crítica do autor, como testemunham o ensaio dedicado a Émile Verhaeren, “Um poeta da vida moderna” (Milliet, 1967_______. Quatro ensaios. São Paulo: Martins Editora, 1967.), cujo título alude ao famoso texto de Baudelaire denominado “Le peintre de la vie moderne” [O pintor da vida moderna], e as inúmeras referências ao autor das Fleurs du mal em De cães, de gatos, de gente, obra de caráter memorialista lançada em 1964. A presença da poesia francesa fin de siècle em Par le sentier, por exemplo, é muito evidente, seja pela divisão do livro em subseções inequivocamente baudelairianas (como “Idéal”), seja pela citação em epígrafe de versos de Verhaeren e Samain.

Segue, como mostra da produção lírica de Milliet (1917MILLIET, S. Par le sentier. Genebra/Paris: Éditions du Carmel, 1917., p.57) daquele período, um poema de Par le sentier, “En ce moment tout dort” [Agora tudo dorme], em que se assinalam o momento - à noite, no isolamento de seu quarto - no qual o poeta materializa em versos o desejo pela mulher distante e, no âmbito da forma, o domínio da composição de versos alexandrinos:

En ce moment tout dort et j’entends seulement Le bruit très sec et doux que fait ma cigarette, Ou bien sur ce papier le léger grincement De ma plume amoureuse ; et pensif je m’arrête. Je pense à toi. Je songe à tes cheveux très bruns, À tes gestes câlins, tes lèvres sensuelles, Tes yeux d’aventurine et ton ardent parfum ; Et comme chaque soir je sens sur moi les ailes De mon désir brûlant. Je prends dans mon tiroir Cette photographie où tu es si vivante, Et j’ai l’impression certaine de t’avoir Prête à t’offrir à moi, bienheureuse et tremblante. 7 7 Agora tudo dorme e tenho só ouvido Do meu cigarro o som ameno e crepitante, Ou sobre este papel o suave ruído De uma amorosa pena; e eu me quedo distante. Eu penso em ti. Desejo os teus cabelos pretos, Teus olhos de esmeralda, o teu lábio lascivo, Teu ardente perfume e teus gentis afetos; E como em cada noite eu sinto em mim ativo Meu desejo escaldante. Eu pego em meu armário Uma fotografia em que tu és tão viva, E vejo-te disposta em meu imaginário A te dares a mim, bem feliz e emotiva. (Essa tradução e as que seguem são de nossa autoria).

* * *

Milliet retorna ao Brasil no final de 1920 e rapidamente aproxima-se do grupo de jovens que organizaria a Semana de Arte Moderna um ano e meio depois. Se sua participação no evento foi “tímida” - com efeito, foi o amigo Henri Mugnier quem subiu ao palco do Theatro Municipal de São Paulo para ler alguns versos do Œil-de-bœuf -, o mesmo não se pode dizer de sua atuação junto à revista criada pelos modernistas de primeira hora tão logo findou o festival. Na Klaxon, Milliet não somente publicou poemas e textos críticos, mas também atuou como intermediário entre a revista brasileira e os periódicos de vanguarda europeus mencionados no início deste artigo.

É nos versos publicados na revista Klaxon que se nota a virada na poética de Milliet: o caráter confessional dos poemas de sua fase suíça - que pareciam menos a transfiguração, em forma literária, de dores e desencantos reais do que um simples exercício lírico de inspiração romântica - ganha tônus com a integração de referências espaço-temporais e autobiográficas, e as rimas e medidas fixas dão lugar a versos brancos e livres. É nessa revista que Milliet aborda pela primeira vez (e com anos de atraso) o desastre que marcaria sua geração e mudaria o rumo da história: a Guerra de 1914. “La Guerre” (Milliet, 1972 [1922, p.5-6]), aliás, é o título de um de seus poemas. Nele, irrompem menções a datas, lugares, periódicos, fatos históricos e casos pessoais, dentre os quais sobressai o relacionamento do eu-lírico com Susy. A despeito de sua extensão, cremos valer a pena transcrever o poema integralmente aqui:

LA GUERRE AH ! LA GUERRE 2 AOÛT 1914 MOBILISATION GÉNÉRALE en Suisse je plongeais [dans] le calme du Léman trop bleu au milieu des montagnes sombres Et Susy avait des yeux de lac aussi des cheveux roux et une cape bleue très élégante On ignorait le fox-trott le shimmy au Monico Tabarin Maxim’s et j’espérais ne plus revoir l’Amérique si lointaine dans les cartes presque éteinte en ma mémoire... On ignorait d’autres choses encore la faim la mort le change Et puis un jour on apprit tout cela LE SUPPLÉMENT DU JOURNAL DE GENÈVE LA TRIBUNE LA SUISSE Et les placards en trois langues sur les murs et les tambours dans les villages Angoisses Anxiétés Qu’arrivait-il au juste ? Et on lisait tous les journaux contradictoires Patriotisme Enthousiasme Pauvre France blessée... Mais la vie reprit Susy Monico Études Susy encore et d’autres dont MON AMOUR Ô promenades silencieuses audacieuses par les nuits glacées à la rencontre de la chambre bleue comme le lac comme la foi de ma jeunesse... Et puis la bataille de la Marne On respira profondément et pendant quelques mois on y pensa souvent et puis plus rien que l’étau des petites misères qui se resserra insensiblement et peu à peu devint l’étau des grandes misères Mais on y était déjà habitué Et que m’importait la guerre, la misère, la Vie ? Je mourais tous les soirs dans la chambre bleue qui tournait dans ses yeux verts... Et cette mort multipliée que je l’aimais ! Le facteur m’apporta un soir une lettre recommandée et le journal du 11 novembre 1918. ARMISTICE 8 8 A GUERRA AH! A GUERRA / 2 DE AGOSTO DE 1914 / MOBILIZAÇÃO GERAL // na Suíça / eu mergulhava na calma do Léman / azulíssimo entre montanhas sombrias // E Susy tinha olhos de lago também / cabelos ruivos / e uma capa azul muito elegante // Ignorávamos o foxtrote / o shimmy / no Monico / Tabarin / Maxim’s / e eu esperava não mais rever a América / tão longe nos mapas / quase extinta em minha memória... // Ignorávamos outras coisas ainda / a fome / a morte / o câmbio // E então um dia descobrimos isso tudo // O SUPLEMENTO DO JORNAL DE GENEBRA / A TRIBUNA / A SUÍÇA // E os cartazes em três línguas / nos muros / e os tamboreiros nas aldeias / Angústias / Aflições / O que de fato estava acontecendo? / E líamos todos os jornais divergentes // Patriotismo / Entusiasmo / Pobre França ferida... / Mas a vida recomeçou / Susy / Monico / Estudos / Susy novamente / E outras dentre as quais MEU AMOR / Ó passeios silenciosos / audaciosos / pelas noites geladas / ao encontro do quarto azul / como o lago / como a fé de minha juventude... // E então a batalha do Marne / Respiramos profundamente / e durante meses pensamos muito nela / e depois nada mais / senão o cerco das pequenas misérias / que se fechou insensivelmente / e se tornou pouco a pouco / o cerco das grandes misérias / Ao qual no entanto já estávamos habituados // E o que me importavam a guerra, a miséria, a Vida? Eu morria todas as noites no quarto azul que girava nos olhos verdes dela... E como eu amava aquela morte multiplicada! / O carteiro me trouxe certa noite uma carta registrada e o jornal de 11 de novembro de 1918. / ARMISTÍCIO

Esse eu-lírico, que os leitores da revista facilmente associariam ao próprio Milliet, passa rapidamente em revista no poema - cujas espontaneidade e puerilidade revelam a tenra idade do autor - quatro anos de sua vida. Na primeira estrofe essa voz anuncia, em caixa alta, o fato que marcaria o início da guerra: a mobilização das forças armadas francesas e alemãs. Assim, parece desconsiderar ou desconhecer o atentado de Sarajevo e a declaração de guerra do Império Austro-Húngaro à Sérvia como eventos inaugurais do conflito.9 9 Referimo-nos, aqui, exclusivamente ao eu-lírico, pois não cabe ao poeta a obrigação de fazer de seus versos um trabalho de reconstituição histórica. Não era apenas o que se passava longe das fronteiras suíças que esse jovem eu-lírico ignorava: submerso na imensidão azul do céu genebrino e das águas do Léman e no profundo verde dos olhos de Susy, ele tampouco conhecia as novidades norte-americanas que fariam sucesso em todo o mundo nos “frementes anos 20”, o foxtrote e o shimmy, que animariam muitas noites no londrino Monico e nos parisienses Maxim’s e Bal Tabarin (ou seriam esses locais tão somente arremedos genebrinos daqueles famosos espaços de sociabilidade?). Essa voz, que se assume estrangeira, esforça-se por distanciar-se da vida que levava do outro lado do Atlântico (continente ao qual, aliás, espera não mais retornar), mas, a julgar pelo desconhecimento da fome, da morte e da destruição que assolavam a Europa em guerra (mazelas de que teve ciência apenas pela imprensa local), não se encontra plenamente assimilada à nova terra.

Da ignorância, o eu-lírico passou à incerteza, posto que as notícias que lia nos jornais eram, na neutra Suíça, evidentemente contraditórias. Mas a vida não para, e ele não deixa de visitar Susy, de estudar e de frequentar cabarés... A Batalha do Marne, de maio a agosto de 1918, foi decisiva para a vitória dos Aliados, e, no dia 11 de novembro daquele ano, em Compiègne, alemães e representantes da Tríplice Entente assinaram o armistício, de que ele tomou conhecimento, mais uma vez, pelos jornais. Comme tout un chacun, ele acostumara-se às pequenas e grandes misérias, pois, nesse intervalo de tempo, ele igualmente morria - todas as noites - no quarto azul de Susy (alusão clara ao prazer erótico).

Susy reaparecerá ao menos em mais duas obras de Sérgio Milliet: no romance Roberto, de 1935_______. Roberto. São Paulo: Niccolini, 1935., e no segundo volume do memorialista De ontem, de hoje, de sempre, subintitulado Recordações com devaneios, de 1962. No romance, o protagonista, espécie de alter ego de Milliet, envolve-se, no final de sua temporada europeia, com uma “costureirinha suíço-alemã, isolada em Genebra, ávida de amores [e] sonhando com príncipes encantados” chamada Suzie. A moça, “simples, ingênua, humilde na auréola de seus cabelos louros” (e não ruivos como os do poema), era, afirma o narrador, “uma gata caseira que não ocupava espaço no quarto, que não se ouvia andar”, e cuja ambição se resumia a um “amigamento sossegado” (Milliet, 1935, p.117-18). A relação com Suzie, entrecortada por “aventuras multiplicadas”, dura aproximadamente seis meses, no fim dos quais Roberto parte para a França (e de lá para o Brasil). O breve namoro de Roberto e Suzie ter-se-ia desenrolado no final de 1918, e não ao longo de toda a guerra, como o do eu-lírico do poema “La guerre” e sua Susy.

No segundo tomo de De ontem, de hoje e de sempre (Milliet, 1962_______. De ontem, de hoje e de sempre: recordações com devaneios. São Paulo: Martins Editora, 1962. v.2., p.59), a ali nomeada Suzy reaparece, dessa vez como namorada suíça de Sérgio Milliet. O autor, aliás, traz para o texto autobiográfico a exata descrição que elaborara para a personagem Suzie trinta anos antes! Não se intenta comparar as diferentes versões de Susy / Suzie / Suzy, mas tão somente realçar o matiz autobiográfico do poema de 1922 - que não se assume, como tampouco será o caso de Roberto, como obra autobiográfica10 10 Para quem ainda possa estranhar a ideia de um poema autobiográfico, trazemos aqui as palavras de Philippe Lejeune: “A poesia não está em toda parte, a autobiografia também não. Uma pode ser instrumento da outra. Não há mal nenhum em reconhecer que são duas coisas diferentes e, ao mesmo tempo, admitir-se a possibilidade de que têm muitas interseções. Pode-se tomar o termo autobiografia num sentido amplo e vago, ou estrito e preciso. Assim como a poesia” (Lejeune, 2014, p.103). - e o esforço do poeta em incorporar no seu fazer literário, ainda que de forma tímida, “algumas tendências da poesia modernista”,11 11 Subtítulo de A escrava que não é Isaura, ensaio de Mário de Andrade em que são transcritos versos de Milliet publicados na Klaxon e no Œil-de-bœuf. dentre as quais se evidenciam a irregular distribuição de seus 59 versos em 11 estrofes de dimensões díspares, a versificação livre e branca, a disposição gráfica singular (com emprego de caixa alta), a ausência quase completa de sinais de pontuação e um ordenamento sintático que muito se assemelha ao da prosa.

* * *

Œil-de-bœuf, lançado no ano subsequente ao da realização da Semana pelo grupo belga que editava a revista Lumière, reúne 22 poemas nos quais, já de acordo com as novas tendências, Milliet “canta a época em que vive” (Andrade, 1980ANDRADE, M. de. Obra imatura. 3.ed. São Paulo: Martins; Belo Horizonte: Itatiaia, 1980., p.224). Mas não é apenas o modo de expressão que muda:12 12 Mudança que Milliet anuncia na escolha da epígrafe da obra, de autoria desconhecida: “Tuer le virtuose pour qu’il ne tue pas l’art” [Matar o virtuose para que ele não mate a arte]. Se não fará como muitos de sua geração, que renegaram suas primeiras publicações, Milliet omitirá de seus escritos futuros referências diretas a seus primeiros livros: não há, por exemplo, nenhuma menção aos livros lançados em Genebra nos dez tomos que compõem o Diário crítico. à viagem noturna em volta do quarto, tão característica do retraído eu-lírico de Par le sentier e Le départ sous la pluie, somam-se, agora, as primeiras saídas exploratórias para o mundo exterior. Não por acaso, intitulam-se “Voyage” os dois poemas que abrem o livro (e há ainda um terceiro com título idêntico na mesma obra). Seguem os versos iniciais do primeiro deles (Milliet, 2010 [1923, p.11]):

De la Ville Lumière aux villes de lumière France et Hollande et Allemagne et Suisse et pays chauds et de ville en village d’ici là-bas et puis ailleurs AILLEURS...13 13 Da Cidade Luz às cidades de luz França e Holanda e Alemanha e Suíça e países quentes e de cidade em cidade daqui ali e logo além ALÉM... Assinala-se, no verso inaugural, a presença do nome da revista e da editora do cenáculo literário de Antuérpia: Lumière.

Nesses versos, o poeta - que não dissimula seu cosmopolitismo - elenca países pelos quais já andou, indaga-se sobre o que viu e, nas respostas que dá ao leitor, vale-se de comparações em que se manifestam não apenas seu apreço, já conhecido, pela literatura fin de siècle (Verlaine, Francis Jammes, Verhaeren), mas também sua familiaridade com artistas de vanguarda (Picasso, Epstein e Apollinaire), como atestam dois exemplos extraídos do mesmo poema (Milliet, 1923, p.12):

Rochers fiers isolés roides sur la mer parfois immenses et bizarres comme des toiles de Picasso

e

et de lianes qui se tendent tentaculaires comme les villes de Verhaeren 14 14 Rochedos altivos isolados rijos sobre o mar por vezes imensos e estranhos como telas de Picasso e cipós que se esticam tentaculares como as cidades de Verhaeren

Couto de Barros (1924, p.47), no primeiro volume da revista Estética, já aponta o caráter desigual de Œil-de-bœuf, no qual o emprego do princípio estético da associação de ideias - que parece por vezes forçado e desnecessário, numa “tentativa de mostrar de quanto ele era capaz” - coexiste com preceitos literários de que talvez Milliet tentasse se libertar. Chareyre vai além, não vendo no Œil-de-bœuf senão o projeto de atualização formal de um tipo de lirismo que, mesmo em língua portuguesa e sujeito à realidade brasileira, não será nunca abandonado (Milliet, 2010, p.176).

Œil-de-bœuf distingue-se, por conseguinte, por seu caráter híbrido. Ao lirismo bucólico dos versos neorromânticos das obras editadas no final da década de 1910, ainda evidente em poemas como “Crépuscule” e “Elle a passé”, acrescentam-se, agora, as marcas da modernização, de que servem de exemplo a série de poemas intitulados “Voyage”, “Jazz-band” (que recebeu de Mário de Andrade (1980ANDRADE, M. de. Obra imatura. 3.ed. São Paulo: Martins; Belo Horizonte: Itatiaia, 1980., p.238-41) comentários elogiosos em A escrava que não é Isaura) e, é claro, o poema “Œil-de-bœuf”, que traz, numa enumeração vertiginosa, as múltiplas faces da vida na metrópole, com seus homens-sanduíche, seus arranha-céus, suas chaminés, suas avenidas e automóveis, seus trens e seu metrô, e, para além das novidades tecnológicas, toda a crueza da vida do homem (igualmente transformado em máquina), cuja manifestação maior, a guerra - não por acaso comparada ao circo, forma popular de manifestação artística que será exaltada pelo grupo klaxista -, é o objeto de mais da metade dos versos. Se irrompem, nesse livro, os já mencionados nomes de Apollinaire, Epstein e Picasso, nele ainda têm droit de cité poetas presentes nas obras lançadas em Genebra, dentre os quais Victor Hugo e Verlaine.

Ramos (1968RAMOS, P. E. da S. Sérgio Milliet e o Modernismo. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n.5, p.47-64, 1968.) realça, na breve análise que faz dessa obra, seus recursos avançados: a falta de pontuação cubista, a superposição, a técnica analógica e o princípio de simultaneidade. A esses aspectos é importante acrescentar a ironia, que se manifesta sobretudo no apelo às autocitações (devidamente assinaladas por aspas), como se vê em “Rêverie” e “Automne”. Nesse poema, aliás, Milliet funde passado e presente, realidade e ficção, vanguarda e tradição, e propõe uma espécie de arte poética (Millet, 1923, p.42):

je travaille à la traduction de « Messidor » Pensées-association métaphores EPSTEIN et tout le reste est littérature 15 15 Trabalho na tradução de “Messidor” Pensamentos-associação Metáforas EPSTEIN e todo o resto é literatura A tradução de Messidor, de Guilherme de Almeida, anunciada nas páginas da revista Lumière, não chegou a ser publicada. O último verso mencionado nesta citação é a transcrição, sem aspas, do verso final do poema “Art Poétique”, de Verlaine.

Volta-se, com esses versos, ao já anunciado caráter autobiográfico de Œil-de-bœuf. Esse aspecto, despontado nos poemas publicados na revista Klaxon, será um traço distintivo de toda a obra do autor, seja ela ficcional, lírica, crítica, seja tradutória. A série de poemas de viagem - que será aperfeiçoada em obras posteriores, dentre as quais os Poemas análogos, de 192716 16 Segue, como exemplo da produção poética em língua portuguesa de Sérgio Milliet, a transcrição de “Paris” (o último de uma série de cinco poemas com o mesmo nome), da seção “1$000 a dúzia” dos Poemas análogos. Neste breve “cartão postal”, a perspectiva dos prédios parisienses - e suas chaminés -, entrevista por uma janela, é retratada por meio de uma comparação com a pintura (Léger) e com a dança (numa possível alusão a Diaghilev). Janela O cata-vento parece um quadro de Léger Bailado negro Exército de chaminés Capacetes Casas leprosas abrem pálpebras cansadas. (MILLIET, 1946, p. 36) - e a menção a autores como Verhaeren e Guilherme de Almeida (de quem Milliet se tornaria tradutor e crítico) apontam, aliás, para uma faceta bem particular dessa perspectiva: a do “homem-ponte”, figura singular não apenas por ter sido, segundo Antonio Candido, o elo entre as gerações de 1922 e 1945, mas por ter intermediado a circulação de obras europeias e brasileiras num fluxo que era simultaneamente temporal, posto que Milliet não restringiu sua paleta aos “antigos” nem aos “modernos”, e espacial, como atesta sua vasta produção crítica e tradutória em revistas de vanguarda nacionais e estrangeiras.

A adesão à vanguarda não teria passado despercebida pela crítica. É com uma resposta contundente àqueles que se opunham às novas tendências que o poeta encerra seu Œil-de-bœuf, num poema-posfácio que amalgama diversos elementos mencionados até aqui, com destaque para a alusão à sua própria escrita. De fato, os “sonetos mirabolantes” e a obsessão pela rima ficarão para trás, mas o leitor atento continuará a vislumbrar, nos versos em língua portuguesa de Sérgio Milliet - dos Poemas análogos às Cartas à dançarina -, um fazer literário cujos contornos, hoje tão pouco conhecidos, já se definiam na lírica francesa de Serge.

POST-FACE Et quelques-uns ont dit ..................................... Ce n’est qu’un fou C’est un poète futuriste un dé-tra-qué Un fouturiste ajouta-t-on ....................................... Vers d’amour et romantisme et sonnets mirobolants symbolisme aussi et SURTOUT comme une nuit très longue...... Qu’est devenue cette hantise de la rime Mais on disait encore .................................. Et pourtant il n’est pas trop bête c’est bien dommage ................................................... Et leur mépris m’enveloppait d’une auréole et leurs paroles qui suaient l’envie et l’affront s’enchaînaient en couronne au-dessus de mon front... 17 17 POSFÁCIO E disseram alguns ............................. É apenas um louco É um poeta futurista um ma-lu-co Um fodidurista complementavam .................................................... Versos de amor e romantismo e sonetos mirabolantes simbolismo também e SOBRETUDO como uma noite longuíssima...... O que virou essa aversão pela rima Mas diziam ainda ............................. E no entanto ele não é burro é uma pena ............................................. E o desprezo deles me revestia com uma auréola E suas palavras que exalavam inveja e ofensa transformavam-se em coroa sobre minha cabeça...

Referências

  • ANDRADE, M. de. Obra imatura. 3.ed. São Paulo: Martins; Belo Horizonte: Itatiaia, 1980.
  • BOAVENTURA, M. E. 22 por 22: A Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos. São Paulo: Edusp, 2010.
  • CANDIDO, A. Literatura e subdesenvolvimento. In: ___. A educação pela noite & outros ensaios. São Paulo: Ática, 1989. p.140-62.
  • COUTO DE BARROS, A. C. A propósito do livro Œil-de-bœuf. Estética, ano I, v.I, n.1, p.45-54, set. 1924.
  • DUARTE, P. Mário de Andrade por ele mesmo. São Paulo: Hucitec; Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1977.
  • LEJEUNE, P. O pacto autobiográfico: de Rousseau à Internet. Org. Jovita Maria Gerheim Noronha; trad. Jovita Maria Gerheim Noronha, Maria Inês Coimbra Guedes. 2.ed. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.
  • MILLIET, S. Par le sentier. Genebra/Paris: Éditions du Carmel, 1917.
  • _______. Le départ sous la pluie. São Paulo/Genebra: Édition du Groupe Littéraire Jean Violette, 1919.
  • _______. Roberto. São Paulo: Niccolini, 1935.
  • _______. Poesias. Rio de Janeiro; Porto Alegre; São Paulo: Edição da Livraria do Globo, 1946.
  • _______. De ontem, de hoje e de sempre: recordações com devaneios. São Paulo: Martins Editora, 1962. v.2.
  • _______. De cães, de gatos, de gente. São Paulo: Martins Editora, 1964.
  • _______. Quatro ensaios. São Paulo: Martins Editora, 1967.
  • _______. La guerre. Klaxon - Mensário de Arte Moderna de São Paulo. Ed. fac-similar, com introdução de Mário da Silva Brito. São Paulo: Martins/SCET, 1972. [n.7, p.5-6, nov. 1922]
  • _______. Diário crítico (1944). São Paulo: Martins, 1981[1945]. v.II.
  • _______. Poèmes modernistes & autres écrits. Anthologie 1921-1932. Textes originaux français ou traduits du brésilien. Choix, traduction, présentation et notes par Antoine Chareyre. Toulon: La Nerthe, 2010.
  • RAMOS, P. E. da S. Sérgio Milliet e o Modernismo. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n.5, p.47-64, 1968.

Notas

  • 1
    Os dois artigos mencionados foram traduzidos por Marta Rossetti Batista, publicados na Revista do Instituto de Estudos Brasileiros (n.34, 1994, p.199-210) e mais tarde relançados em 22 por 22: a Semana de Arte Moderna vista pelos seus contemporâneos (Boaventura, 2010). Esses textos, aos quais se junta “La poésie moderne au Brésil”, publicado em 1923 na Revue de l’Amérique Latine, foram igualmente reeditados, em sua versão original, por Antoine Chareyre em Poèmes modernistes & autres écrits (Milliet, 2010).
  • 2
    Nossas principais revistas modernistas tornaram-se recentemente disponíveis em plataformas digitais (como a <https://br.revistasdeideias.net/pt-pt>). Chareyre igualmente incluiu os poemas klaxistas no volume mencionado na nota acima.
  • 3
    Ao menos em sua versão original (em língua francesa). Milliet publicaria no jornal carioca A Noite (30.12.1925) um Olho-de-boi em português. No entanto, esse poema seria, segundo Chareyre, mais uma nova composição baseada nos versos franceses do que uma simples tradução desses (Milliet, 2010, p.180).
  • 4
    Excetuando-se a tradução para o francês do “Cabo Machado” (“Le Caporal Machado”) de Mário de Andrade, no v.XXII da Revue de l’Amérique Latine (n.118, nov. 1931), não foi encontrado nenhum outro texto de Milliet nessa língua que tenha se tornado público após 1926.
  • 5
    Serge Milliet admire Samain, Baudelaire, Verlaine, c’est dire que ses vers de débutant s’en ressentiront, c’est dire qu’il penche encore du côté de la poésie ‘décadente’, c’est dire également que c’est un sensible, un sensuel, un passionné” (Milliet, 1917, p.7).
  • 6
    Com exceção de menções à neve, ao inverno ou à queda de folhas no outono não há praticamente nenhum índice de referencialidade espacial ou temporal nesses poemas.
  • 7
    Agora tudo dorme e tenho só ouvido Do meu cigarro o som ameno e crepitante, Ou sobre este papel o suave ruído De uma amorosa pena; e eu me quedo distante. Eu penso em ti. Desejo os teus cabelos pretos, Teus olhos de esmeralda, o teu lábio lascivo, Teu ardente perfume e teus gentis afetos; E como em cada noite eu sinto em mim ativo Meu desejo escaldante. Eu pego em meu armário Uma fotografia em que tu és tão viva, E vejo-te disposta em meu imaginário A te dares a mim, bem feliz e emotiva.
    (Essa tradução e as que seguem são de nossa autoria).
  • 8
    A GUERRA
    AH! A GUERRA / 2 DE AGOSTO DE 1914 / MOBILIZAÇÃO GERAL // na Suíça / eu mergulhava na calma do Léman / azulíssimo entre montanhas sombrias // E Susy tinha olhos de lago também / cabelos ruivos / e uma capa azul muito elegante // Ignorávamos o foxtrote / o shimmy / no Monico / Tabarin / Maxim’s / e eu esperava não mais rever a América / tão longe nos mapas / quase extinta em minha memória... // Ignorávamos outras coisas ainda / a fome / a morte / o câmbio // E então um dia descobrimos isso tudo // O SUPLEMENTO DO JORNAL DE GENEBRA / A TRIBUNA / A SUÍÇA // E os cartazes em três línguas / nos muros / e os tamboreiros nas aldeias / Angústias / Aflições / O que de fato estava acontecendo? / E líamos todos os jornais divergentes // Patriotismo / Entusiasmo / Pobre França ferida... / Mas a vida recomeçou / Susy / Monico / Estudos / Susy novamente / E outras dentre as quais MEU AMOR / Ó passeios silenciosos / audaciosos / pelas noites geladas / ao encontro do quarto azul / como o lago / como a fé de minha juventude... // E então a batalha do Marne / Respiramos profundamente / e durante meses pensamos muito nela / e depois nada mais / senão o cerco das pequenas misérias / que se fechou insensivelmente / e se tornou pouco a pouco / o cerco das grandes misérias / Ao qual no entanto já estávamos habituados // E o que me importavam a guerra, a miséria, a Vida? Eu morria todas as noites no quarto azul que girava nos olhos verdes dela... E como eu amava aquela morte multiplicada! / O carteiro me trouxe certa noite uma carta registrada e o jornal de 11 de novembro de 1918. / ARMISTÍCIO
  • 9
    Referimo-nos, aqui, exclusivamente ao eu-lírico, pois não cabe ao poeta a obrigação de fazer de seus versos um trabalho de reconstituição histórica.
  • 10
    Para quem ainda possa estranhar a ideia de um poema autobiográfico, trazemos aqui as palavras de Philippe Lejeune: “A poesia não está em toda parte, a autobiografia também não. Uma pode ser instrumento da outra. Não há mal nenhum em reconhecer que são duas coisas diferentes e, ao mesmo tempo, admitir-se a possibilidade de que têm muitas interseções. Pode-se tomar o termo autobiografia num sentido amplo e vago, ou estrito e preciso. Assim como a poesia” (Lejeune, 2014, p.103).
  • 11
    Subtítulo de A escrava que não é Isaura, ensaio de Mário de Andrade em que são transcritos versos de Milliet publicados na Klaxon e no Œil-de-bœuf.
  • 12
    Mudança que Milliet anuncia na escolha da epígrafe da obra, de autoria desconhecida: “Tuer le virtuose pour qu’il ne tue pas l’art” [Matar o virtuose para que ele não mate a arte]. Se não fará como muitos de sua geração, que renegaram suas primeiras publicações, Milliet omitirá de seus escritos futuros referências diretas a seus primeiros livros: não há, por exemplo, nenhuma menção aos livros lançados em Genebra nos dez tomos que compõem o Diário crítico.
  • 13
    Da Cidade Luz às cidades de luz França e Holanda e Alemanha e Suíça e países quentes e de cidade em cidade daqui ali e logo além ALÉM...
    Assinala-se, no verso inaugural, a presença do nome da revista e da editora do cenáculo literário de Antuérpia: Lumière.
  • 14
    Rochedos altivos isolados rijos sobre o mar por vezes imensos e estranhos como telas de Picasso e cipós que se esticam tentaculares como as cidades de Verhaeren
  • 15
    Trabalho na tradução de “Messidor”
    Pensamentos-associação
    Metáforas
    EPSTEIN
    e todo o resto é literatura
    A tradução de Messidor, de Guilherme de Almeida, anunciada nas páginas da revista Lumière, não chegou a ser publicada. O último verso mencionado nesta citação é a transcrição, sem aspas, do verso final do poema “Art Poétique”, de Verlaine.
  • 16
    Segue, como exemplo da produção poética em língua portuguesa de Sérgio Milliet, a transcrição de “Paris” (o último de uma série de cinco poemas com o mesmo nome), da seção “1$000 a dúzia” dos Poemas análogos. Neste breve “cartão postal”, a perspectiva dos prédios parisienses - e suas chaminés -, entrevista por uma janela, é retratada por meio de uma comparação com a pintura (Léger) e com a dança (numa possível alusão a Diaghilev).
    Janela O cata-vento parece um quadro de Léger Bailado negro Exército de chaminés Capacetes Casas leprosas abrem pálpebras cansadas. (MILLIET, 1946, p. 36)
  • 17
    POSFÁCIO E disseram alguns ............................. É apenas um louco É um poeta futurista um ma-lu-co Um fodidurista complementavam .................................................... Versos de amor e romantismo e sonetos mirabolantes simbolismo também e SOBRETUDO como uma noite longuíssima...... O que virou essa aversão pela rima Mas diziam ainda ............................. E no entanto ele não é burro é uma pena ............................................. E o desprezo deles me revestia com uma auréola E suas palavras que exalavam inveja e ofensa transformavam-se em coroa sobre minha cabeça...

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2024

Histórico

  • Recebido
    11 Jan 2023
  • Aceito
    22 Mar 2023
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