Acessibilidade / Reportar erro

A gênese da antropofagia Langeana

The genesis of Langean anthropophagy

Resumo

O pensamento e a ação do economista polonês Oskar Lange (1904-1965) são apresentados a partir de uma pesquisa inédita que contextualiza historicamente a origem de sua metodologia de interação com a teoria econômica mainstream. Ao levar em consideração todo o caminho de construção teórica de Oskar Lange em associação com sua práxis política, especialmente em sua etapa mais crítica como articulador da República Popular da Polônia no final da Segunda Guerra Mundial, conclui-se que Lange iniciou a construção de um sistema próprio com pretensões totalizantes para a ciência econômica, cuja característica principal é a absorção de elementos externos para capturar suas forças. Chamamos essa abordagem de “Antropofagia Langeana”, uma estratégia de luta contra a ideologia capitalista na ciência econômica que expressa o caráter contraditório, exploratório e inacabado de sua obra Moderna Economia Política. É sob esse prisma que se deve investigar sua liberdade criativa dentro do Marxismo, uma vez que Lange não se concebia como livre pensador rebelde, mas seguidor de Rosa Luxemburgo e Karl Marx, a quem tinha em consideração como a maior autoridade de todos os tempos no campo da Economia Política.

Palavras-chave
Oskar Lange; 1904-1965; História do pensamento econômico; Polônia

Abstract

The thought and action of Polish economist Oskar Lange (1904-1965) are presented based on novel research that contextualizes the historical origin of his methodology of how to interact with mainstream economic theory. By taking into consideration his entire path towards a general theoretical system in association to his political praxis, especially its most critical stage as co-organizer of the Polish Popular Republic at the end of the Second World War, we conclude that Lange initiated the construction of a system of his own. It intends to be the totality of economic science and its main characteristic is the absorption of external unfriendly elements to capture their strengths. We call this approach “Langean Antropophagy”, a strategy of struggle against capitalist ideology in economic science which expresses the contradictory, exploratory and unfinished character of his masterpiece, Political Economy. It is in that context that one must analyze his creative liberty within Marxism, since Lange did not think of himself as a rebel free thinker, but as follower of Rosa Luxemburg and Karl Marx, who he considered to be the greatest authority of all times in Political Economy.

Keywords
Oskar Lange; 1904-1965; History of economic thought; Poland

Introdução

O economista polonês Oskar Lange (1904-1965) é considerado uma das mentes mais influentes em sua área, tendo contribuído e participado de praticamente todos os debates relevantes da ciência econômica que antecederam a ascensão do neoliberalismo nos anos 1970. Seu conterrâneo e amigo, Michal Kalecki (1970)KALECKI, M. Foreword. In: LANGE, O. Papers in economics and sociology (1930-1960). London: Pergamon Press, 1970. , apontando para a imensidão de sua exploração científica, o chamou de economista universal. Apesar disso, o conhecimento que geralmente se tem da metodologia de Oskar Lange é caricato. Às vezes ele é retratado como um marxista herético que concordava com a análise dos marginalistas, outras vezes ele é simplesmente descrito como alguém que misturava diversas fontes num sistema eclético sem qualquer planejamento ou lógica (Lampa, 2014LAMPA, R. When science meets revolution: the influence of Rosa Luxemburg on Oskar Lange’s early project (1931-1945). In: BELLOFIORE, R.; KARWOWSKI, W.; TOPOROWSKI, J. The legacy of Rosa Luxemburg, Oskar Lange and Michal Kalecki. v. 1 of Essays in Honour of Tadeusz Kowalik. New York: Palgrave Macmillan, 2014.). O principal motivo para isso é a falta de um tratamento unitário da biografia de Lange, como sujeito ao mesmo tempo, intelectual e político.

A partir da exposição histórica do entrelaçamento entre suas publicações acadêmicas e de sua vida política, com especial atenção à sua mediação entre as forças geopolíticas que afetavam diretamente o povo polonês no desfecho da Segunda Guerra Mundial, este artigo apresenta a complexidade de sua práxis e teoria, de modo a contribuir com a superação desse senso comum. Especificamente, pretende-se ir além da contribuição de Lampa (2014)LAMPA, R. When science meets revolution: the influence of Rosa Luxemburg on Oskar Lange’s early project (1931-1945). In: BELLOFIORE, R.; KARWOWSKI, W.; TOPOROWSKI, J. The legacy of Rosa Luxemburg, Oskar Lange and Michal Kalecki. v. 1 of Essays in Honour of Tadeusz Kowalik. New York: Palgrave Macmillan, 2014., que tem demonstrado como os trabalhos de Lange se relacionam uns com os outros revelando um projeto científico coerente e ordenado. As sínteses sistemáticas de Lange não resultam apenas do método dialético no plano abstrato, mas sim da elevação sucessiva que parte de sua própria prática na luta política concreta e penetra na elaboração teórica, gerando um movimento expansivo, organizado e áspero, como a própria luta1 1 A professora Lenina Pomeranz (1986, p. 9), já havia alertado que “todo o aporte metodológico de Oskar Lange, assim como a tentativa de generalização da teoria econômica por ele ensaiada nos últimos anos de sua vida, assenta-se na rica experiência que soube aprender das transformações sociais históricas por ele vividas e que influíram decisivamente na evolução de seu próprio pensamento”. Ao reforçar esse alerta, queremos caracterizar esse assentamento de um modo original, chamando a atenção para o fato de que Lange pode ser um pensador da mutação, e não meramente um pensador mutante. .

Defendemos que esse movimento é de natureza antropofágica2 2 A etimologia da palavra antropofagia remonta à junção dos termos gregos άνθρωπος (ánthropos = homem) e φάγω (phago = eu como, 1a pessoa do verbo comer). Originalmente utilizada pelos colonizadores europeus para inferiorizar os povos ameríndios, remete à vastidão de significados de um processo social complexo de combate em que se apropria das forças do vencido. Esse significado de antropofagia enquanto uma modalidade de luta foi popularizado no final dos anos 1920 com o Manifesto antropofágico de Oswald de Andrade e a tela Abaporu, do tupi-guarani aba (homem), pora (gente) e ú (comer), de Tarsila do Amaral. A associação entre a antropofagia e a abordagem de Lange que fazemos é analítico-didática: não existem elementos que indiquem ser a própria regra de guerra dos Tupinambá ou o movimento cultural do modernismo em São Paulo uma de suas inspirações filosóficas. O que apontamos com base nessa pesquisa padrão de história do pensamento econômico é que a abordagem de Lange pode ser descrita como uma estratégia antropofágica de combate no campo da teoria econômica. Para uma apresentação do conceito de antropofagia que empregamos para caracterizar a Economia Política de Oskar Lange ver Lima (2017). A utilização do conceito de antropofagia para descrever a abordagem de Lange se justifica também porque este trabalho expressa uma apropriação brasileira deste pensador mundial. , quer dizer, defendemos que a trajetória de Lange até sua obra Moderna Economia Política incorpora sucessivamente elementos estranhos à sua origem e os readapta dentro de um plano de expansão cuja meta é ser a própria totalidade do campo conhecido como ciência econômica. Assim, da mesma maneira que o mainstream neoclássico domina e conquista correntes alternativas ocupando todo espaço, Lange ambiciona hegemonizar a área tendo como normativa política sua militância socialista em disputa com os inimigos pelo território do pensamento econômico. Ao devorar seus oponentes, o sistema de Lange se transforma e cresce, sendo o resultado de um rito antropofágico completo de identificação e reconhecimento do agente externo, absorção e processamento por meio do qual Lange separaria os elementos positivos, úteis à sua causa e que lhe trariam força, dos elementos negativos que representam os aspectos apologéticos ao capital típicos da economia vulgar e que deveriam ser descartados. Desse modo, Lange teria legado um projeto para extirpar o componente burguês imbricado na teoria econômica que se desenvolveu alheia à tradição marxista desde a segunda metade do século XIX.

Para que se possa fazer um julgamento adequado sobre o sucesso dessa estratégia, é necessário, antes de tudo, entender o contexto no qual ela emerge, o que é o principal objetivo deste trabalho3 3 Assim, este trabalho adota a metodologia habitual de pesquisas em história do pensamento econômico, contextualizando histórica e socialmente tanto as ideias do autor sob análise quanto sua atividade prática. Essa observação é pertinente para garantir o devido distanciamento entre a metodologia usada na presente pesquisa historiográfica e a própria metodologia de Oskar Lange. Não é tarefa do presente trabalho defender que a metodologia de Oskar Lange funciona, mas sim que ela pode ser caracterizada como uma abordagem antropofágica na ciência econômica. Para uma defesa da metodologia de Oskar Lange ver Camarinha Lopes (2021) e Camarinha Lopes (2022). .

O corpo central do artigo, dividido em três sessões, segue as três principais etapas da vida de Lange. As “Raízes vastas e profundas (1904-1934)” apresentam as origens de atuação intelectual e política. A sessão “Embates teóricos e políticos (1935-1946)” mostra como Lange marcou presença em embates acadêmicos de primeira ordem e interveio no jogo geopolítico da incipiente Guerra Fria. Em seguida, pontuamos momentos importantes de sua subsequente atuação como líder intelectual em sua terra natal enquanto “Cidadão da República Popular da Polônia (1947-1965)”. Por fim, uma conclusão chamada “O livro de sua vida” argumenta como Lange buscou integrar todo seu conhecimento teórico e experiência prática em um único sistema de Economia Política, que pretendia subverter não só a separação entre a economia Marxista e neoclássica mainstream, mas entre a economia Marxista e não-Marxista como um todo.

1 Raízes vastas e profundas (1904-1934)

De acordo com Tadeusz Kowalik (1926-2012), intelectual polonês que foi o mais proeminente aluno de Kalecki e Lange, Oskar Ryszard Lange nasceu em 27 de julho de 1904, na cidade de Tomaszów Mazowiecki, localizada na região centro-sul da Polônia4 4 Neste artigo, os trabalhos de Tadeusz Kowalik (1926-2012) e Jan Toporowski (1950-) são referenciados em profusão. Isso ocorre porque eles são as maiores autoridades sobre a biografia de Oskar Lange e porque todas as demais referências sobre a vida e obra de Oskar Lange que têm detalhes adicionais se encaixam sem contradições em seus relatos. Tadeusz Kowalik foi instruído diretamente tanto por Michal Kalecki quanto Oskar Lange e participou ativamente dos debates sobre os processos políticos e econômicos da Polônia após 1989. Jan Toporowski nasceu e fez carreira acadêmica na Inglaterra, tendo realizado estágios de pesquisa na Szkoła Główna Planowania i Statystyki (Escola Central de Planejamento e Estatística) de Varsóvia nos anos 1980. Ele lançou recentemente uma obra sobre a biografia intelectual de Kalecki em dois volumes (Toporowski, 2018). Atualmente, de posse de diversos manuscritos e correspondências de Lange, e com auxílio do material em polonês deixado por Tadeusz Kowalik que incluem uma coleção de oito volumes dos trabalhos de Lange, inclusive um volume final com material bibliográfico massivo, ele coordena um projeto para escrever a biografia intelectual de Lange (Soas, 2018. Disponível em: https://www.soas.ac.uk/news/newsitem137086.html). A caracterização da abordagem de Lange como de natureza antropofágica poderá ser rigorosamente criticada nos próximos anos, assim que o trabalho de Toporowski for publicado. Desse modo, o presente artigo pode também ser apreciado como uma preparação para a recepção dessa obra. Agradecemos o professor Toporowski, que foi contactado por nós, respondeu perguntas específicas e encorajou com entusiasmo nossa investigação. . Os seus pais, Arthur e Sophie (Rosner) Lange, de origem alemã, eram proprietários de uma empresa do ramo têxtil. Na época da Primeira Guerra Mundial foi enviado à região da cidade de Graz, na Áustria, para um tratamento. Szymczak (1995)SZYMCZAK, R. Oskar Lange, American Polonia, and the Polish-Soviet Dilemma during World War II: the republic partisan as private emissary. The Polish Review, Warsaw, v. 40, n. 1, p. 3-27, 1995a. salienta que Lange veio ao mundo com saúde débil. Segundo Cienciala (1996)CIENCIALA, A. M. New light on Oskar Lange as an intermediary between Roosevelt and Stalin in attempts to create a new Polish government. Acta Poloniae Historica, v. 73, p. 89-134, 1996. tratava-se de uma tuberculose óssea que o fazia mancar ao caminhar, de modo que os livros acabaram se tornando parte de seu cotidiano muito cedo.

Suas leituras favoritas eram de proeminentes teóricos do pensamento socialista e particularmente marxista, como Karl Marx, Friedrich Engels, Karl Kaustsky e os primeiros divulgadores do marxismo na Polônia, Krzywicki, Krauz e Abramowski. Devorou também famosos naturalistas como Charles Darwin e Ernst Haeckel. Sua atenção contemplava ainda a linguística, em especial o idioma chinês (Kowalik, 1964KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. ). O caráter amplo e interdisciplinar é marcante em sua etapa inicial de formação intelectual. Segundo Szymczak (1995b, p. 155)SZYMCZAK, R. Oskar Lange, American Polonia, and the Polish-Soviet Dilemma during World War II: making the case for a “People’s Poland” [part two]. The Polish Review, Warsaw, v. 40, n. 2, p. 131-157, 1995b. essa refinada tradição científica iluminista foi determinante para sua postura “progressista” no contexto histórico do século XX.

O fim da Primeira Guerra Mundial coincide com um momento crucial na vida de Lange. Em 1918, de acordo com Kowalik (1964)KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. , Lange, aos quatorze anos, proferiu uma palestra sobre marxismo no centenário de Karl Marx em sua cidade natal. Nesse mesmo ano estabeleceu contato com o Conselho dos Trabalhadores de Tomaszów Mazowiecki, organizando uma reunião da União da Juventude Socialista Independente Polonesa com a presença de estudantes e jovens trabalhadores (Kowalik, 1990KOWALIK, T. Oskar Lange. In: EATWELL, J. et al. (Ed.). The New Palgrave. Problems of the planned economy. London: The Macmillan Press, 1990. 4v.).

Duas grandes problemáticas atraíam atenção especial do jovem Lange. A primeira era sobre a origem humana a partir dos animais. A segunda estava ligada às justificativas científicas dos padrões que formatavam a vida social e econômica de sociedades humanas.

Essas duas problemáticas (a origem humana do ponto de vista da Biologia e a organização humana em formações sociais historicamente determinadas) levaram Lange a buscar uma conexão firme entre os campos da Biologia e da Antropologia, que, por sua vez, já estaria subsumida ao corpo embrionário Marxista de seu pensamento. Ele encontrou essa conexão no antropólogo Ludwik Krzywicki (Hochfeld, 1964HOCHFELD, J. Oskar Lange as a theoretician of historical materialism. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in Honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. ), editor da primeira edição polonesa de O Capital e um dos principais divulgadores do materialismo histórico na Polônia. Ludwik Krzywicki estuda as relações sociais humanas dentro de uma linha temporal que engloba o estabelecimento dos vínculos sociais que se identifica em diferentes espécies do reino animal (Lange, 1970LANGE, O. Ludwik Krzywicki – theorist of historical materialism. In: LANGE, O. Papers in economics and sociology (1930-1960). London: Pergamon Press, 1970.). Nessa perspectiva, a investigação sólida sobre a sociedade integra a pesquisa sobre a origem e evolução humana tanto do ponto de vista biológico quanto cultural ou civilizacional.

Em 1922, diante da necessidade de definir uma área de estudos universitários em Poznań que pudesse contemplar essas duas áreas, Lange escolheu cursar Economia (Kowalik, 1964KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. ). Em razão de sua formação abrangente e pouco convencional para a época, Poznań, uma cidade conservadora, mostrou-se um ambiente hostil ao jovem Lange. Por isso, no segundo ano, ele transferiu-se para a Universidade Jaguelônica de Cracóvia, onde estudou direito, economia e história social. Mais precisamente, de acordo com a nota biográfica da University of Chicago Library, Oskar Lange recebeu o título Bachelor of Arts (B.A.) em 1926 e o título Masters of Law (Ll.D, Legum Doctor) em 1928 (University of Chicago, 2006UNIVERSITY OF CHICAGO. Guide to the Oskar Lange. Papers 1936-1944. Chicago: University of Chicago Library, 2006. Disponível em: https://www.lib.uchicago.edu/e/scrc/findingaids/view.php?eadid=ICU.SPCL.LANGE. Acesso em: 22 jun. 2022.
https://www.lib.uchicago.edu/e/scrc/find...
).

Os primeiros esforços de Lange no que diz respeito ao estudo das economias capitalista e socialista foi através da leitura de um artigo intitulado “Essay of a theory of the limit of production em 1923 ou 1924”. O trabalho, apresentado no seminário conduzido pelo professor de economia Adam Krzyzanowski, um liberal e anglófilo na descrição de Kowalik (1964)KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. , abordava de maneira matemática os problemas de produção de ambos os sistemas capitalista e socialista e marcou o início de uma longa trajetória de pesquisa em torno desse tópico. Contudo, seu primeiro trabalho acadêmico publicado, em polonês em 1925, foi na área de história econômica e teve como objeto a história das leis medievais com o título “Localization of towns under German law in great Poland during the middle ages”. Em 1926, Lange conseguiu um trabalho no Ministério do Trabalho em Varsóvia, onde atuou até 1927, ano em que assumiu a cadeira de assistente do professor Adam Krzyzanowski na Universidade Jaguelônica, de Cracóvia (University of Chicago, 2006UNIVERSITY OF CHICAGO. Guide to the Oskar Lange. Papers 1936-1944. Chicago: University of Chicago Library, 2006. Disponível em: https://www.lib.uchicago.edu/e/scrc/findingaids/view.php?eadid=ICU.SPCL.LANGE. Acesso em: 22 jun. 2022.
https://www.lib.uchicago.edu/e/scrc/find...
).

Juntamente com seu desenvolvimento acadêmico inicial, Lange já atuava politicamente de modo formal. Ainda em 1927 ele se filiou ao Partido Socialista Polonês, organização da qual foi suspenso duas vezes durante a década de 1930 por adotar posturas heréticas perante a direção, uma vez que apoiava a cooperação entre socialistas e comunistas. Atuando de modo mais contundente na União da Juventude Socialista Independente, chegou a ocupar os cargos de secretário e presidente da divisão da Cracóvia. Foi autor da declaração política adotada na conferência nacional da União da Juventude Socialista Independente de 1928, ancorada no que ele chamou na época de princípios revolucionários marxistas (Kowalik, 1964KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. ).

No ano de 1928, publicou em polonês o livro The sociology and social ideas of Edward Abramowski, primeiro escrito em que manifestou ser socialista. No trabalho, Lange fala dos princípios adotados pelo filósofo anarquista polonês Edward Abramowski, cuja ideologia ele chamou de “anarquismo construtivista” e que hoje poderia ser classificada na ampla categoria do cooperativismo autogestionário. Tal ideologia era a base de sua concepção de um autogoverno industrial, da separação do poder político e econômico, e da decadência do Estado como uma instituição de dominação de classe, embora não como um instrumento de coerção.

Juntamente com as análises sociológicas qualitativas, Lange também fazia análises de conjuntura econômica com base em dados estatísticos. Ainda no ano de 1928 e nos anos seguintes, em que ele teria realizado uma curta estadia em Londres (Kowalik, 1990KOWALIK, T. Lange, Oskar Ryszard (1904-1965). In: DURLAUF, S.; BLUME, L. (Ed.). The New Palgrave. A dictionary of economics. London: The Macmillan Press, 1990. (Versão atualizada e expandida de Kowalik, 1990)., p. 1, 8), Lange mensurou a volatilidade das economias capitalistas. Sua tese de doutorado intitulada Business Cycles in Poland, 1924-1927 foi publicada em 1928 e um estudo mais genérico sobre a oscilação da atividade econômica chamado “Statistical methods on investigating economic fluctuations” saiu em 1931 em Varsóvia. Este trabalho lhe rendeu o cargo de professor de estatística na Universidade Jaguelônica, apesar de que seu interesse era lecionar a disciplina Economia Política. Segundo Kowalik (1964)KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. , Lange não pôde assumir essa cadeira neste instante devido a entraves políticos com as autoridades da universidade e do governo. O regime da Segunda República Polonesa passara a ver Lange com suspeição devido à sua participação na organização da classe trabalhadora nacional, o que pode parcialmente explicar seu desejo de sair do país5 5 Szymczak (1995) elenca esse motivo e faz referência a Sadler (1977), porém não foi possível confirmar ser esse o único ou principal motivo que abriu caminho para que Lange se mudasse para os Estados Unidos, primeiro provisoriamente como bolsista de pesquisa em 1934 e depois definitivamente como professor emigrante em 1938. . De todo modo, percebe-se que as análises qualitativa e quantitativa estão presentes desde cedo em seu crescente sistema6 6 Segundo Lampa (2011), que analisou detalhadamente a primeira etapa da carreira acadêmica de Lange na Polônia no segundo capítulo de sua tese, até 1934 não era evidente uma relação mútua entre essas duas esferas. Ou seja, ambas existiam, mas estavam separadas. Por isso, até então Lange era “simultaneamente um economista marginalista e um economista político Marxista”, com leve tendência para este último lado. .

Entrementes, em 1934 a Cracóvia havia se tornado o mais forte centro do pensamento socialista nos movimentos da juventude de esquerda da Polônia em parte devido à ativa atuação política de Lange.

Entre suas contribuições como intelectual e militante político deste período está seu primeiro modelo de socialismo, um texto intitulado The Way to the Socialist Planned Economy, em co-autoria com Marek Breit.7 7 Trata-se de um dos capítulos de um dos principais documentos políticos da época na Polônia, intitulado The Economics, Polity, Tactics, Organization of Socialism. Entre os autores estavam: Stefan Arski, Marek Breit, Wiktor Ehrenpreis, Julian Hochfeld, Wladyslaw Malinowski, Jan Topinski (Kowalik, 1964, p. 2). O chamado modelo Lange-Breit tinha influências do projeto de autogestão operária de Edward Abramowski e basicamente propunha uma transição ao socialismo por meio da organização da indústria sob controle operário formando gigantescos trustes que poderiam rivalizar com o restante da economia sob controle do capital. Segundo Chilosi (2005)CHILOSI, A. The Lange-Breit model, the right to employment and the outside option. In: Lange, Oskar; Wspolczesno, A. 26-27 Sept. 2004, Warsaw. Proceedings […]. Warsaw: Polskic Towarzystwo Ekonomiczne, 2005. Disponível em: https://www.chilosi.it/brei%20lange%20and%20the%20ouside%20option.pdf. Acesso em: 22 jun. 2022.
https://www.chilosi.it/brei%20lange%20an...
, a ideia vinha de modelos socialistas não-Marxistas que remontavam às ideias de Eugen Dühring. Contudo, é importante destacar que Breit e Lange (2003)LANGE, O.; BREIT, M. [1934]. The way to the socialist planned economy. Trad. Jan Toporowski. History of Economics Review, v. 37, n. 1, p. 51-71, 2003. se posicionam firmemente contra o reformismo e gradualismo de Bernstein, deixando à vista que buscam seguir Rosa Luxemburgo (1986)LUXEMBURG, R. Reform or revolution. London: Militant Publications, 1986. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/luxemburg/1900/reform-revolution/index.htm. Acesso em: 5 set. 2019.
https://www.marxists.org/archive/luxembu...
e ([1916LUXEMBURG, R. The Junius Pamphlet. The crisis of German social democracy. Zurich: [s. n.], 1916. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/luxemburg/1915/junius/index.htm. Acesso em: 22 jun. 2022.
https://www.marxists.org/archive/luxembu...
) na correta concatenação entre fins (revolução) e meios (reforma).

Posteriormente, uma das partes deste trabalho inspirou as primeiras atividades realizadas pela República Popular da Polônia (Kowalik, 1964KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. ), Estado cujo nascimento no pós-Segunda Guerra Mundial contou com a efetiva participação de Lange e que o abrigaria de volta após um autoexílio de quase dez anos nos Estados Unidos8 8 Pouco se sabe sobre a vida pessoal de Oskar Lange. A maior parte dos relatos documentados tem como fundo sua obra ou sua atuação como pessoa pública. Lange se casou com Irene Oderfeld supostamente no ano de 1932. Da união nasceu Christopher Stephen Lange em 1940 nos Estados Unidos (University of Chicago, 2006, p. 2). Devido a uma carta da companheira de Lange que esteve com ele até sua morte, em 2 de outubro de 1965, enviada para Sraffa em 26 de setembro de 1965 quando Lange estava hospitalizado em Londres, sabemos que Lange se casou pelo menos uma segunda vez, com Felicja Lange. Agradecemos a Andres Lazzarini pela indicação sobre a carta que se encontra disponível no acervo online dos manuscritos de Piero Sraffa, na seção de correspondência (SRAF/C/162). Disponível em: https://archives.trin.cam.ac.uk/index.php/papers-of-piero-sraffa-1898-1983-economist. Acesso em: 22 jun. 2022. .

2 Embates teóricos e políticos (1935-1945)

O período entre 1935 e 1945 é o mais importante em termos de organização de seu projeto científico (Lampa, 2011LAMPA, R. Between anti-bureaucratism and technocratic democratisation: was Oskar Lange’s socialist theory tightrope walking? In: TOPOROWSKI, J. (Ed.). Polish Marxism after Luxemburg, research in political economy. Bingley: Emerald Publishing Limited, 2022. v. 37, p. 157-171. Doi: 10.1108/S0161-723020220000037010.
https://doi.org/10.1108/S0161-7230202200...
)) e provavelmente o mais acirrado em termos de luta política. Durante essa década, Lange participa ativamente do esforço de configuração para a Polônia no pós-Segunda Guerra Mundial e publica uma sequência de trabalhos que culmina no artigo “The scope and method of economics” de 1945. Este artigo é a semente da tese geral que deveria vir a ser minuciosamente desenvolvida em sua obra final, Moderna economia política, de 1959.

Em 1934 Lange aproveitou a oportunidade de uma bolsa da Fundação Rockefeller para estudar por dois anos nos Estados Unidos. Durante esse período ele frequentou as Universidades de Harvard, Berkeley e Chicago, o que lhe permitiu não somente melhorar sua capacidade analítica como entrar em contato com grandes economistas da época9 9 Kowalik (1990, p. 8) aponta que Lange, durante esse período, frequentou também a London School of Economics, em Londres. De acordo com a University of Chicago (2006, p. 2), Lange lecionou, em 1936, na Universidade de Michigan e estudou também na Universidade de Minnesota durante o período da bolsa. . A maior parte desse tempo Lange passou em Harvard, onde foi tutorado pessoalmente por Schumpeter e esteve em contato com Wassily Leontief e Paul Sweezy (Kowalik, 1990KOWALIK, T. Oskar Lange. In: EATWELL, J. et al. (Ed.). The New Palgrave. Problems of the planned economy. London: The Macmillan Press, 1990. 4v., p. 8)10 10 Achávamos originalmente que Lange teria absorvido a teoria de Walras por meio de Schumpeter, porém Lange tinha uma interpretação própria sobre a Escola de Lausanne já consolidada antes de ir para os Estados Unidos. Para detalhes sobre o walrasianismo de Lange, ver Rubin (2016) e Desai (2014), que aborda também a leitura langeana de Pareto. Segundo Toporowski, Lange já tinha sido introduzido à toda tradição do marginalismo durante sua formação na Universidade de Cracóvia, na Polônia, por meio de Adam Krzyzanowski, um dos professores de “mente mais aberta” no departamento. . Esse momento foi crítico para iniciar uma organização sobre a relação entre os universos do marginalismo e da Economia Política Marxista que ainda permaneciam relativamente separados em sua cabeça.

A mescla de sua já consolidada formação marxista com a maneira como a ciência econômica vinha sendo praticada nos Estados Unidos nos anos 1930 vem a público no artigo “Marxian economics and modern economic theory” (Lange, 1935LANGE, O. Marxian economics and modern economic theory. The Review of Economic Studies, Oxford, v. 2, n. 3, p. 189-201, 1935.). O argumento central desse importante trabalho, que é uma reação ao professor japonês Shibata, é o de que a superioridade da economia marxista em relação à economia neoclássica (burguesa) não está no aspecto analítico. Ou seja, a força da economia marxista não está em conceitos isolados (como a teoria do valor trabalho) mas sim na indicação das especificidades históricas ou institucionais que distinguem o modo de produção capitalista de uma economia produtora de mercadorias qualquer. Assim, Lange repele o ataque de Shibata à Escola de Lausanne de um modo bastante peculiar.

Apesar de ser inferior em aspectos fundamentais, Walras, Pareto e outros teóricos neoclássicos carregam consigo qualidades pontuais que são muito relevantes para atacar certos problemas que não estão ao alcance do ferramental de O Capital. Para Lange, o modelo de equilíbrio e todo o aparato teórico que permite capturar a totalidade das relações quantitativas de troca entre todos os valores de uso no circuito da produção-distribuição podem agregar muito ao economista que também conta com o arsenal da Economia Política Marxista. Isso porque essas duas caixas de ferramentas são complementares. A razão de ser da “teoria econômica moderna” seria mapear a frenética mudança de preços para que se possa manusear a cadeia causa-efeito entre variáveis macro e microeconômicas com segurança. É a partir daí, por exemplo, que emergiria a possibilidade de alterar indicadores-alvo por políticas econômicas concretas como se faz necessário na condução do Banco Central ou na previsão do impacto de tarifas, o que seria extremamente útil para dirigir o sistema econômico rumo ao socialismo.

Para Lange (1935, p. 191, nota de rodapé 1)LANGE, O. Preface to the Polish edition. In: LANGE, O. Papers in economics and sociology (1930-1960). London: Pergamon Press, 1970., existe uma racionalidade por trás da teoria neoclássica, que tem sim origem burguesa, mas que possui também em certos aspetos “significado universal”. Assim que a defesa ideológica do capitalismo for extirpada da “teoria econômica moderna”, seria possível isolar aquilo que é uma contribuição genuína à ciência econômica e que poderia servir à causa socialista. Consequentemente, ao invés de desdenhar o estranho (nesse caso, a neoclássica na vertente da Escola de Lausanne) com arrogância e distanciamento, Lange propõe uma forma de luta que demanda uma intimidade absoluta com o inimigo. Para Lange, a vulgaridade da economia burguesa não é uma desculpa para ofendê-la e se distanciar, mas um vício que demanda tratamento.

Outro exemplo dessa abordagem muito própria de Oskar Lange pode ser observado em sua participação no famoso debate sobre o cálculo econômico socialista11 11 Para uma análise detalhada da participação de Lange no debate do cálculo econômico socialista, ver Camarinha Lopes (2021). . A resposta de Lange ao desafio de Mises (1920)MISES, L. V. Die Wirtschaftsrechnung im sozialistischen Gemeinwesen. Archiv für Sozialwissenschaften, v. 47. Versão em inglês: Mises, L. von ([1920] 1935). Economic Calculation in the Socialist Commonwealth. In: Hayek, F. A. (1935). London: Collectivist Economic Planning, 1920., um artigo chamado “On the economic theory of socialism”, dividido em duas partes (Lange, 1936LANGE, O. On the economic theory of socialism: part one. The Review of Economic Studies, Oxford, v. 4, n. 1, p. 53-71, 1936., 1937LANGE, O. On the economic theory of socialism: part two. The Review of Economic Studies, Oxford, v. 4, n. 2, p. 123-142, 1937.), foi também concebida durante sua estadia nos Estados Unidos. A estratégia básica da intervenção de Lange nessa controvérsia era demonstrar a viabilidade da alocação racional de recursos no socialismo utilizando todo o framework aceito pela comunidade científica dos economistas ocidentais. Seu trabalho teve enorme impacto, e contribuiu decisivamente para que fosse reconhecido, pelo menos entre os anos 1940 e 1970 nos próprios termos do que se considerava ser “ciência econômica séria”, que um sistema econômico socialista era não só possível, mas também potencialmente superior ao sistema capitalista em diversos aspectos comparativos. Nesse sentido, a consolidação da Escola Austríaca como corrente autônoma é em parte explicada pela sua expulsão do mainstream neoclássico como um dos resultados do manuseio de Lange do instrumental ortodoxo contra os agentes mais apologéticos do capital que infestam a ciência econômica oficial.

Um terceiro trabalho desta lavra do estágio nos Estados Unidos é o “The place of interest in the theory of production”, que também foi publicado em 1936. Como se sabe, a teoria dos juros havia abandonado a abordagem física dos fisiocratas para buscar uma fundamentação psicológica-temporal para o fenômeno do incremento de valor que pudesse estar totalmente desvinculado da esfera da produção. Isso fazia parte da Revolução Marginalista e já havia sido inclusive denunciada pelo próprio Marx como fenômeno de formação da economia vulgar. Em linha com essa crítica de Marx, Lange (1936b)LANGE, O. The place of interest in the theory of production. The Review of Economic Studies, Oxford, v. 3, n. 3, p. 159-192, 1936b. constrói um raciocínio para invalidar a tese de que os juros são um fenômeno puramente temporal. Porém ele não faz isso invocando o conceito de excedente ou de valor trabalho explicitamente como alternativa. Ele conduz o leitor nas próprias diretrizes da economia “convencional”, forçando-o a concordar que os juros podem ser compreendidos não como resultado da passagem do tempo, mas como uma relação de meios-fins que concatenam bens intermediários a bens finais. A passagem do tempo pode ser abstraída para que se indique que os juros precisam ter uma base material que não depende exatamente do tempo, mas sim de um processo de transformação da matéria que, por acaso, exige a passagem do tempo. Aqui vemos como a luta para ampliar a presença da economia marxista no território oficial não se apoia num choque direto, mas sim num processo tortuoso em que correntes distintas pertencentes ao mesmo corpo mainstream são jogadas umas contra as outras. Nesse caso, Wicksell é contraposto a Pareto para que Lange possa concluir que a origem dos juros está na escassez de capital, e não na variável tempo.

Findo o contrato da bolsa Rockefeller, Oskar Lange retornou para a Polônia em 1937 como professor universitário no Departamento de Estatística da Universidade Jaguelônica. Nesse período, The Free Polish University, uma organização não-governamental considerada progressista na Polônia, lhe ofereceu uma oportunidade de lecionar a disciplina de Economia Política em sua sede de Lódz (Kowalik, 1964KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. , p. 3). Contudo, por motivos políticos semelhantes àqueles de anos anteriores, Lange logo é impedido de lecionar a disciplina e muda-se de vez para os Estados Unidos para dar aulas em universidades americanas (Kowalik, 1990KOWALIK, T. Lange, Oskar Ryszard (1904-1965). In: DURLAUF, S.; BLUME, L. (Ed.). The New Palgrave. A dictionary of economics. London: The Macmillan Press, 1990. (Versão atualizada e expandida de Kowalik, 1990).).

Em solo norte-americano, após lecionar por curto período nas universidades da Califórnia, Lange foi indicado para a vaga de professor assistente de Economia e Estatística na Universidade de Chicago em 1938, onde se tornou professor titular em 1943 (Fisher, 1966FISHER, W. D. Oskar Ryszard Lange, 1904-1965. Econometrica, New Haven, v. 34, n. 4, p. 733-738, 1966.)12 12 Existe uma pequena divergência quanto à data exata de entrada na Universidade de Chicago nos relatos de Kowalik. Kowalik (1964) relata que teria sido em 1939. Já Kowalik (1990) relata que teria sido em 1938. Optou-se pelo ano de 1938 devido a um documento fornecido pela University of Chicago Library. . Ainda em 1938 e durante o período que marca a Segunda Guerra Mundial, Lange dedicou-se à investigação do capitalismo em seu contexto geopolítico concreto, sempre atento para continuar capturando coisas alienígenas em relação à teoria econômica marxista. É diante desse pano de fundo que precisamos compreender sua participação no banquete intelectual que foi a publicação da obra “The general theory of employment, interest and money” de John Maynard Keynes.

Os estudos de Lange sobre a teoria de Keynes são à primeira vista bastante parecidos com a síntese proposta por Hicks (1937)HICKS, J. R. Mr. Keynes and the “Classics”: a suggested interpretation. Econometrica, New Haven, v. 5, n. 2, p. 147-159, 1937.. Em The rate of interest and the optimum propensity to consume, Lange (1938)LANGE, O. The rate of interest and the optimum propensity to consume. Economica. New Series, v. 5, n. 17, p. 12-32, 1938. inicia agradecendo Keynes pela contribuição por apresentar um ferramental capaz de lidar com problemas que incomodavam os economistas do subconsumo desde a época de Malthus e Sismondi, nominalmente, o conceito de preferência pela liquidez13 13 Keynes chegou a reconhecer que Lange havia entendido bem sua Teoria Geral. Nas palavras de Keynes (1938, p. 321, tradução nossa), a interpretação de Lange seria “próxima e acuradamente minha linha de pensamento”. Para mais detalhes sobre a relação de Lange com a teoria de Keynes, ver os trabalhos de Toporowski (2012) e Assous e Lampa (2014). . Contudo, Lange argumenta que tanto a economia tradicional, do equilíbrio, como a economia de Keynes eram casos especiais de uma teoria ainda mais geral.

Em outras palavras: para Lange, existe um espaço capaz de conter os casos específicos que se referem tanto ao que Keynes chama de “escola clássica” quanto à sua própria Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. Por essa razão, como detalham Assous e Lampa (2014)ASSOUS, M.; LAMPA, R. Lange’s 1938 model: dynamics and the “Optimum propensity to consume”. The European Journal of the History of Economic Thought, Abingdon, v. 21, n. 5, p. 871-898, 2014. corretamente, o modelo de 1938 de Lange não é simplesmente uma reação aos trabalhos de Keynes, mas uma parte de seu próprio projeto de construir uma teoria econômica universal que separasse os pressupostos implícitos de uma economia capitalista presentes no código neoclássico (Lampa, 2014bLAMPA, R. A ‘Walrasian Post-Keynesian’ model? Resolving the paradox of Oskar Lange’s 1938 theory of interest. Cambridge Journal of Economics, Cambridge, v. 38, n. 1, p. 6386, 2014b.). Disso se depreende também que, ao invés de seguir a trilha rumo a um mundo paralelo ao mainstream neoclássico, como irão fazer os pós-keynesianos, Lange se esforça continuamente para não sair daquela corrente que é vista como a principal. Ele integra as variadas ideias em disputa e as adapta ao seu próprio sistema, englobando tudo e tentando assegurar a posição de sistema mais geral em relação aos demais. Por isso seu nome está explicitamente ligado à síntese keynesiana-neoclássica, uma vez que tanto Keynes quanto Marshall teriam que estar acomodados dentro do caldeirão de Lange.

Entre 1939 e 1943, a produção científica de Lange expressa nitidamente essa confluência entre as teorias marxista, neoclássica e keynesiana. Os artigos “The foundations of welfare economics” (Lange, 1942LANGE, O. The foundations of welfare economics. Econometrica, New Haven, v. 10, n. 3/4, p. 215-228, 1942.), “Say’s law: a criticism and restatement” (Lange, 1942LANGE, O. The foundations of welfare economics. Econometrica, New Haven, v. 10, n. 3/4, p. 215-228, 1942.b) e “The theory of the multiplier” (Lange, 1943LANGE, O. The theory of the multiplier. Econometrica, New Haven, v. 11, n. 3/4, p. 227-245, 1943.) são seguidos por um trabalho mais longo e técnico, um livreto intitulado “Price flexibility and employment” (Lange, 1944LANGE, O. Price flexibility and employment. Bloomington: The Principia Press, 1944.).

Neste livro, Lange atacou a tese de que a rigidez de preços era uma das principais causas do desemprego. Como aponta Kowalik (1964, p. 4)KOWALIK, T. Oskar Lange. In: EATWELL, J. et al. (Ed.). The New Palgrave. Problems of the planned economy. London: The Macmillan Press, 1990. 4v., a tese de que o atrito de ajuste de preços seria o responsável pelo desemprego sistemático já havia sido combatida por outros economistas como Kalecki e pelo próprio Keynes. Contudo, o ferramental metodológico utilizado por eles ainda era alvo de críticas por parte dos economistas neoclássicos. O intuito de Lange era evitar esse tipo de crítica, neutralizando o ataque ao desenvolver o raciocínio do equilíbrio abaixo do pleno emprego com o próprio instrumental neoclássico.

As conclusões de Lange convergem para a visão do desemprego como fenômeno permanente, com a particularidade de que isso é feito dentro do próprio arcabouço neoclássico, e não fora dele, como pretendeu fazer Keynes. Ao final do livro, ele conclui que a hipótese de obtenção de pleno emprego a partir da flexibilização dos salários era uma contingência extremamente improvável: a probabilidade de um sistema totalmente flexível de todos os preços, incluindo aqueles do mercado de trabalho, gerarem um equilíbrio nesse estado socialmente desejável seria equivalente à probabilidade de um chimpanzé digitar toda a Enciclopédia Britânica ao bater nas teclas de uma máquina de escrever, como Lange resumiria plasticamente muitos anos depois (Kowalik, 2018KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. , p. 7585).

Apesar do raciocínio poder soar razoável para o campo hoje denominado pós-keynesiano, não se pode dizer que a estratégia antropofágica de Lange tenha tido sucesso nesse caso. Devido à complexidade de se chegar às mesmas conclusões de Keynes utilizando a linguagem hermética do arcabouço neoclássico o livro não teve impacto para além do mundo acadêmico e permaneceu à sombra de grandes nomes do turbilhão gerado por Keynes. De toda forma, foi elogiado por autores cuja posição rivalizava com a de Keynes, como, por exemplo Milton Friedman (1946)FRIEDMAN, M. Lange on price flexibility and employment: a methodological criticism. The American Economic Review, [s. l.], v. 36, n. 4, p. 613-631, 1946., que considerava Lange “um teórico de primeira classe, mas cuja metodologia de análise era irreal e artificial”.

Em paralelo às batalhas de caráter teórico, Lange também atuava no campo da política. Com o desfecho da Segunda Guerra Mundial se delineando, Lange conquistou uma posição de proeminência entre os poloneses exilados em países ocidentais e acabou se transformando em um dos principais interlocutores entre Roosevelt e Stalin para definir o posicionamento da Polônia no tabuleiro geopolítico ainda em aberto ao final da Segunda Guerra Mundial (Szymczak, 1995SZYMCZAK, R. Oskar Lange, American Polonia, and the Polish-Soviet Dilemma during World War II: making the case for a “People’s Poland” [part two]. The Polish Review, Warsaw, v. 40, n. 2, p. 131-157, 1995b.). Como é demonstrado a seguir, do mesmo modo que ele enfraquecia seus oponentes do campo teórico por meio de uma apropriação das armas de qualquer escola de pensamento econômico, Lange soube influenciar forças políticas alheias para que colaborassem com, ou ao menos não atrapalhassem, seus próprios objetivos.

Na primeira metade dos anos 1940 formaram-se três agrupamentos de poloneses exilados nos Estados Unidos que se distinguiam quanto à posição sobre o Governo Polonês no Exílio em Londres14 14 Com a ocupação do território da Polônia pelo exército nazista em setembro de 1939, os membros do governo refugiaram-se em Londres, de onde continuaram a exercer forte influência sobre os destinos políticos do país ao longo da Segunda Guerra Mundial. Poucos dias depois, em linha com o Pacto Molotov-Ribbentrop de não agressão entre a Alemanha e os países soviéticos, a União Soviética ocupou territórios do leste polonês. Desse modo, o Governo Polonês no Exílio se contrapunha à ocupação tanto da Alemanha de Hitler quanto da União Soviética de Stálin. e a União Soviética (Szymczak, 1995SZYMCZAK, R. Oskar Lange, American Polonia, and the Polish-Soviet Dilemma during World War II: the republic partisan as private emissary. The Polish Review, Warsaw, v. 40, n. 1, p. 3-27, 1995a.).

O primeiro, no centro, e mais numeroso, tinha base na Aliança Nacional Polonesa e na União Polonesa Católica Romana na cidade de Chicago. Esse grupo acreditava em Sikorski, o líder do Governo Polonês no Exílio em Londres. Os “poloneses de Chicago” se esforçavam para estabelecer relações harmoniosas com Moscou a fim de se chegar a um acordo sobre as fronteiras do leste, porém sempre alinhados ideologicamente com as potências capitalistas.

Um segundo grupo, à direita, apesar de também apoiar o Governo Polonês no Exílio em Londres, era mais radical: para esses poloneses-americanos residentes principalmente em Nova York, Sikorski era muito fraco para garantir que a União Soviética devolvesse os territórios poloneses do Leste. Apesar de menor, o ultranacionalismo, o anticomunismo e a falta de tato desse grupo sobre as condições reais de disputa no campo geopolítico ameaçavam as relações entre a Polônia e a União Soviética. Toda sua energia era voltada para o conflito e divergência, o que prejudicava o primeiro grupo.

Um terceiro grupo, à esquerda e relativamente pequeno com base em Detroit, se posicionava abertamente contra o Governo Polonês no Exílio e era simpático à União Soviética. Como o primeiro grupo, ele era realista, só que alinhado ideologicamente com a emergente força do mundo socialista. Oskar Lange foi uma das lideranças deste terceiro grupo.

Um dos mitos que ainda ronda a biografia de Oskar Lange é o de que ele teria recebido instruções e apoio direto de Moscou enquanto morava nos Estados Unidos, apesar de materiais abertos pelo FBI provarem que essa acusação é falsa (Toporowski, 2018TOPOROWSKI, J. Michal Kalecki: an intellectual biography. Palgrave Macmillan, 2018.). Essa lenda é forte porque sua participação em encontros políticos e publicação de artigos de opinião em defesa de uma solução para a questão polonesa era muito próxima da buscada pela União Soviética na primeira metade da década de 1940 (Szymczak, 1995SZYMCZAK, R. Oskar Lange, American Polonia, and the Polish-Soviet Dilemma during World War II: the republic partisan as private emissary. The Polish Review, Warsaw, v. 40, n. 1, p. 3-27, 1995a.). Como jogar luz sobre esse ponto polêmico?

A biografia padrão de Oskar Lange é o obituário de Kowalik (1964)KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. seguido de uma revisão sem acréscimos significativos em 1990 (Kowalik, 1990KOWALIK, T. Oskar Lange. In: EATWELL, J. et al. (Ed.). The New Palgrave. Problems of the planned economy. London: The Macmillan Press, 1990. 4v.) e ampliada no The New Palgrave Dictionary of Economics, que é editado com regularidade (Kowalik, 2018KOWALIK, T. Oskar Lange. In: EATWELL, J. et al. (Ed.). The New Palgrave. Problems of the planned economy. London: The Macmillan Press, 1990. 4v.)15 15 Em português, a referência primordial é a apresentação da professora Lenina Pomeranz (1986), seguido de um artigo de celebração do centenário do nascimento de Lange escrito por Luiz Eduardo Simões de Souza (2005). Mas em ambos os casos o enfoque é quase que exclusivamente na teoria de Lange, e não em sua atividade política. . Ela contextualiza a visita de Lange à União Soviética mas não expõe os detalhes desse importante momento de sua trajetória. Segundo a pesquisa historiográfica mais recente a que se teve acesso, há fortes indícios de que havia uma forte convergência estratégica entre a posição individual de Lange e as diretrizes do Kremlin. Quer dizer (como corretamente apontava Tadeusz Kowalik) que Lange definitivamente não era um enviado dos soviéticos. Só que como sua militância política própria na questão nacional polonesa coincidia em grandes aspectos com os interesses da União Soviética no desfecho da Segunda Guerra Mundial, a versão falaciosa de que Lange era um agente secreto se espalhou.

O serviço de inteligência soviético havia notado a presença decisiva de Lange no movimento de poloneses-americanos ideologicamente próximos à União Soviética e seu nome acabou chegando ao gabinete de Stalin (Cienciala, 1996CIENCIALA, A. M. New light on Oskar Lange as an intermediary between Roosevelt and Stalin in attempts to create a new Polish government. Acta Poloniae Historica, v. 73, p. 89-134, 1996.). Stalin “teve sorte” em localizar um militante marxista com raízes na organização da classe trabalhadora polonesa que, além de ter cidadania norte americana era já também um respeitado intelectual na academia Ocidental. O nome de Lange foi sugerido como um dos pouquíssimos poloneses-norte americanos que teria condições de ser ouvido por todos os envolvidos na disputa geopolítica envolvendo a Polônia: Roosevelt, Stalin e os elementos abertos à negociação do Governo Polonês no Exílio na Inglaterra de Churchill, principalmente o primeiro ministro Mikołajczyk, que havia sucedido Sikorski, morto em um acidente aéreo em julho de 1943. Segundo Szymczak (1995)SZYMCZAK, R. Oskar Lange, American Polonia, and the Polish-Soviet Dilemma during World War II: making the case for a “People’s Poland” [part two]. The Polish Review, Warsaw, v. 40, n. 2, p. 131-157, 1995b., foi a autoridade de Lange enquanto professor de Economia que, em grande parte, lhe garantiu poder enquanto interlocutor entre forças em crescente conflito no que viria a ser a Guerra Fria. Isso mostra que Lange sabia instrumentalizar seu conhecimento (e seu status de pesquisador) para sua causa política, num encontro incisivo entre ciência e revolução como Lampa (2014)LAMPA, R. When science meets revolution: the influence of Rosa Luxemburg on Oskar Lange’s early project (1931-1945). In: BELLOFIORE, R.; KARWOWSKI, W.; TOPOROWSKI, J. The legacy of Rosa Luxemburg, Oskar Lange and Michal Kalecki. v. 1 of Essays in Honour of Tadeusz Kowalik. New York: Palgrave Macmillan, 2014. argumenta.

Até outubro de 1943 o serviço de inteligência da União Soviética ainda achava que Lange não era comunista (Szymczak, 1995SZYMCZAK, R. Oskar Lange, American Polonia, and the Polish-Soviet Dilemma during World War II: the republic partisan as private emissary. The Polish Review, Warsaw, v. 40, n. 1, p. 3-27, 1995a.). Contudo, sua postura era tão convergente com a política externa soviética que uma aproximação teve que ocorrer. Em 7 de janeiro de 1944 Lange recebeu em mãos em Chicago de um enviado do Cônsul Soviético em Nova York, E. Kiselev, um convite para participar de uma comissão especial de reconstrução da Polônia, composta por eminentes poloneses exilados que eventualmente fariam parte do novo governo, e viajar imediatamente a Moscou16 16 O convite a Oskar Lange transmitido pelo Consulado Soviético tinha aprovação direta de Stalin e foi feito em nome da União dos Poloneses Patriotas Residentes na URSS (ZPP). A intenção da administração soviética era envolver Lange nessa comissão de reconstrução da Polônia e futuramente contar com sua participação no novo governo polonês. Lange respondeu que dava todo apoio à criação dessa comissão (Comissão Nacional Polonesa – PKN), mas que não poderia aceitar o convite para participar dela sem o consenso dos Estados Unidos. Ademais, tal participação seria prematura, pois ele possuía cidadania norte americana e poderia ser mal interpretado pelo público, comprometendo o apoio tanto dos Estados Unidos quanto da Inglaterra a um novo governo polonês. Para mais detalhes, ver Cienciala (1996, p. 98). . Lange respondeu demonstrando entusiasmo com a iniciativa, mas que só poderia aceitar se o governo estadunidense desse seu aval para evitar desgastes e acusações de que ele teria sempre sido um agente soviético.

A partir daí, após requisição direta de Stalin, Lange foi autorizado pelo governo norte americano a fazer a viagem para juntar mais informações sobre a questão polonesa e retornar aos Estados Unidos, que estavam extremamente interessados em fechar um acordo com a União Soviética sobre a questão polonesa (Cienciala, 1996CIENCIALA, A. M. New light on Oskar Lange as an intermediary between Roosevelt and Stalin in attempts to create a new Polish government. Acta Poloniae Historica, v. 73, p. 89-134, 1996.). Só que como Lange não possuía nenhum status como representante diplomático, seja da União Soviética, da Polônia, ou dos Estados Unidos, o governo norte americano se precaveu justificando que Lange viajaria como cidadão privado e atuaria como interlocutor informal entre Roosevelt e Stalin, caso a informação vazasse e houvesse ruído junto à opinião pública (Cenciala, 1996CIENCIALA, A. M. New light on Oskar Lange as an intermediary between Roosevelt and Stalin in attempts to create a new Polish government. Acta Poloniae Historica, v. 73, p. 89-134, 1996.; Szymczak, 1995SZYMCZAK, R. Oskar Lange, American Polonia, and the Polish-Soviet Dilemma during World War II: the republic partisan as private emissary. The Polish Review, Warsaw, v. 40, n. 1, p. 3-27, 1995a.).

Em maio de 1944 Lange voou até o Alasca em um avião militar norte americano e de lá foi transportado para Moscou pela força aérea soviética (Cienciala, 1996CIENCIALA, A. M. New light on Oskar Lange as an intermediary between Roosevelt and Stalin in attempts to create a new Polish government. Acta Poloniae Historica, v. 73, p. 89-134, 1996.). Toda a visita de Lange à União Soviética ao longo de um mês e suas subsequentes conferências com autoridades e lideranças políticas foram guiadas por um esforço em construir um ambiente de apoio conjunto das superpotências ao novo governo polonês, incluindo aí a Inglaterra e seus abrigados líderes da extinta Segunda República Polonesa (1918-1939)17 17 Lange reuniu-se com Stalin em 17 de maio de 1944. Para mais detalhes, ver Szymczak (1995), Cienciala (1996) e os arquivos desse encontro com Stalin em Lange e Molotov (1944). Disponível em: https://digitalarchive.wilsoncenter.org/document/123131. Acesso em: 22 jun. 2022. . Assim, Lange foi contundente em propor a inclusão de poloneses exilados que não faziam parte de seu próprio agrupamento mais à esquerda, porque ele acreditava que sem esse cenário de apoio minimamente simétrico das forças antagônicas da nascente Guerra Fria não haveria possibilidades para um desenvolvimento nacional genuinamente polonês.

Similarmente, Lange pediu a Stalin que deixasse a cidade de Lwów do lado de fora do território da União Soviética – algo que era explicitamente desejado pelas forças do Ocidente –, e que se não fosse feito poderia complicar a questão política interna do governo polonês ao gerar um sentimento anti-soviético na Polônia. Enquanto Stalin acabou incorporando a primeira sugestão de Lange, a segunda foi recebida sem entusiasmo com a resposta de que “este problema (a cidade de Lwów) precisaria ser estudado mais a fundo” (Sczyczak, 1995SZYMCZAK, R. Oskar Lange, American Polonia, and the Polish-Soviet Dilemma during World War II: the republic partisan as private emissary. The Polish Review, Warsaw, v. 40, n. 1, p. 3-27, 1995a., p. 21; Stalin; Lange; Molotov, 1944STALIN, J.; LANGE, O.; MOLOTOV, V. M. (1944). Record of the Conversation of Comrade I. V. Stalin and Comrade V. M. Molotov with Polish Professor Lange. May 17, 1944, History and Public Policy Program Digital Archive, Source: AVPRF, f.6, op. 6, p. 42, d. 546, I. 53 -70. Contributed by Anna Cienciala and translated by Michael Thurman. Disponível em: http://digitalarchive.wilsoncenter.org/document/123131. Acesso em: 3 out. 2023.
http://digitalarchive.wilsoncenter.org/d...
).

Lange sabia que a composição de forças não exatamente amigas era uma tarefa concreta de luta por avanços realistas dentro de uma conjuntura estabelecida. Ao mesmo tempo, ele não era ingênuo a ponto de acreditar que essa composição é simplesmente uma agregação dos diferentes em condições iguais: ao apoiar elementos selecionados do campo inimigo e provocar rachas nas forças que sustentavam o Governos Polonês no Exílio em Londres, Lange enfraquecia ainda mais a direita polonesa, o que explica bem porque havia se tornado uma figura pública duramente criticada entre a população polonesa exilada, composta em maioria por indivíduos oriundos da classe não-trabalhadora. Assim, não se trata aqui de um árbitro neutro que concilia forças em disputa, mas de alguém que arranja soluções realistas favoráveis ao seu lado aproveitando todas as oportunidades históricas que aparecem.

De volta aos Estados Unidos em 7 de junho de 1944, Lange enviou um relatório de seus encontros e atividades ao governo norte-americano e foi recebido na Casa Branca pela equipe do presidente Roosevelt. A resposta que Stalin enviava a Roosevelt por meio de Lange era a de que a porta para um entendimento com o Governo Polonês Exilado em Londres nunca está fechada (Cienciala, 1996CIENCIALA, A. M. New light on Oskar Lange as an intermediary between Roosevelt and Stalin in attempts to create a new Polish government. Acta Poloniae Historica, v. 73, p. 89-134, 1996.), e de modo mais explícito, que ele, Stalin, aceitaria como membros de um novo governo polonês os poloneses londrinos que reconhecessem a linha Curzon como a fronteira entre a Polônia e a União Soviética18 18 Cienciala (1996, p. 122), se indaga antes de sua conclusão se Lange anteviu que o governo polonês poderia vir a ser uma marionete do Kremlin. Creio que essa pergunta é mal posicionada, assim como aquela que questiona se Lange era um agente controlado pela URSS. Como é Lange quem pauta a estratégia junto a Stalin sobre como evitar que se espalhe a aparência de uma Polônia submissa a Moscou, pode-se inferir que ele entendia que na essência a submissão existiria. Além disso, para ele o que interessava no momento era que a União Soviética providenciaria o apoio militar necessário para reverter a ocupação militar do país e garantir sua independência (Lange, Stalin e Molotov (1944), p. 44). Se isso posteriormente se convertesse em soberania, era outra questão, e que talvez nem fosse tão importante para Lange enquanto internacionalista. De fato, a própria Cienciala (1996, p. 133, tradução nossa), opina ao final de seu estudo que “o professor não era nem um agente do Kremlin nem uma marionete de Stalin”. . Essa era, por sua vez, a mensagem que Roosevelt havia mandado para Stalin pelo emissário “extraoficial” Lange: a de que os Estados Unidos queriam acertar a questão polonesa com a União Soviética contemplando também de alguma forma o Governo Polonês no Exílio em Londres.

“Lange era simplesmente um pateta articulado soviético, um bocó a mando de Moscou, como ele era frequentemente chamado pelos poloneses-norte americanos que se opunham às suas visões?” pergunta Szymczak (1995b, p. 54, tradução nossa)SZYMCZAK, R. Oskar Lange, American Polonia, and the Polish-Soviet Dilemma during World War II: making the case for a “People’s Poland” [part two]. The Polish Review, Warsaw, v. 40, n. 2, p. 131-157, 1995b.. E ele mesmo responde logo em seguida que acha difícil alguém com a formação e o intelecto de Lange, educado na melhor tradição Ocidental e fluente em seis idiomas ser diminuído desta maneira: “certamente, é preciso ser suposto que Lange podia pensar por si mesmo e que sabia exatamente o que estava fazendo” (Szymczak, 1995bSZYMCZAK, R. Oskar Lange, American Polonia, and the Polish-Soviet Dilemma during World War II: making the case for a “People’s Poland” [part two]. The Polish Review, Warsaw, v. 40, n. 2, p. 131-157, 1995b., tradução nossa). Por isso, é necessário concluir que ele não era um objeto nas mãos nem de Roosevelt nem de Stalin, mas um sujeito político que aproveitou as oportunidades históricas para promover sua própria agenda. Nesse sentido, tudo leva a crer que “Lange atuou como intermediário entre Moscou e Washington de acordo com sua meta pessoal, qual seja, o estabelecimento de uma Polônia socialista, democrática e aliada com a URSS” (Cienciala, 1996CIENCIALA, A. M. New light on Oskar Lange as an intermediary between Roosevelt and Stalin in attempts to create a new Polish government. Acta Poloniae Historica, v. 73, p. 89-134, 1996., p. 133, tradução nossa).

Espelhando essa intensa mobilização política que o colocou no circuito dos mais poderosos líderes mundiais, a última produção acadêmica de Lange desse período é um prelúdio de sua futura Moderna Economia Política: o artigo “The scope and method of economics” (Lange, 1945LANGE, O. Marxian economics and modern economic theory. The Review of Economic Studies, Oxford, v. 2, n. 3, p. 189-201, 1935.)19 19 No mesmo ano, publica “Marxian economics in the Soviet Union, um comentário sobre o ensino da teoria econômica na União Soviética de então. Apesar de reconhecer os esforços feitos pelos economistas soviéticos para elaborar o planejamento econômico em direção ao socialismo baseada fundamentalmente na teoria de Marx, Lange (1945b) aponta que sem a incorporação da análise marginalista eles não serão capazes de administrar a economia soviética. . Nele são apresentados os elementos fundamentais que balizam a junção subordinada da economia não-marxista ao seu sistema assumidamente marxista, entre eles a coexistência de leis gerais econômicas e leis específicas para condução do processo de reprodução material de uma sociedade historicamente determinada. A síntese de estruturas tão antagônicas quanto a economia marxista e a mainstream neoclássica parece extremamente complexa. Será que Lange conseguiria realizar as mediações necessárias para tal? E, uma vez feita essa junção, será que ela se sustentaria? Afinal, apesar do nascimento de uma nova Polônia socialista poder ser interpretado como mediação exitosa entre diferentes forças, essa experiência não perdurou: a República Popular da Polônia terminou em 1989.

Com essa sequência de estudos arquivada publicamente no periódico The Review of Economic Studies e terminada a Segunda Guerra Mundial, Lange tem então um mapa rumo à sua grande síntese que ele pretende trilhar paulatinamente nos interstícios de sua, agora oficial, representação do povo polonês junto à comunidade internacional.

3 Cidadão da República Popular da Polônia (1946-1965)

A terceira e última etapa da vida de Oskar Lange é caracterizada por seu apoio na estruturação da via polonesa ao socialismo e pela sua contribuição ao debate internacional sobre desenvolvimento econômico e social. A história da República Popular da Polônia (1944-1989) faz parte da Guerra Fria e Lange esteve nesta cena até o fim de sua vida. Mesmo tendo diversas atribuições no mundo político, Lange acabou consolidando sua biografia na historiografia mundial não como policy maker, mas como professor de Economia. Foi nessa condição de liderança intelectual, falando de desenvolvimento e subdesenvolvimento, planejamento, emprego, crise e paz que obteve pleno reconhecimento dentro e fora da Polônia.

Como resultado imediato de sua participação na formação do novo governo, Lange abdicou da cidadania norte-americana em 1945 e dividiu seu tempo entre Washington e Nova York até 1947 enquanto embaixador polonês e representante no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) (Szymczak, 1995bSZYMCZAK, R. Oskar Lange, American Polonia, and the Polish-Soviet Dilemma during World War II: making the case for a “People’s Poland” [part two]. The Polish Review, Warsaw, v. 40, n. 2, p. 131-157, 1995b.)20 20 Enquanto representante oficial do novo governo polonês nos Estados Unidos e no Conselho de Segurança da ONU, Oskar Lange teria angariado reputação proeminente em política internacional na avaliação de Kowalik (1964), defendendo de forma coerente princípios filosóficos, políticos e econômicos para guiar a humanidade em direção à paz. Szymczak (1995b), com maior distanciamento histórico, faz uma ponderação muito mais crítica à performance de Lange, que poderia inclusive ser considerada tanto fraca quanto submissa à União Soviética. .

Finalmente, no final de 1947, Lange regressou à Polônia para participar da vida política como membro do Partido Socialista Polonês e defendeu a unificação dos partidos dos trabalhadores (Kowalik, 1964KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. , p. 8-9). Nos anos 1950 lecionou no Instituto de Ciências Sociais, do Comitê Central do Partido dos Trabalhadores Unidos da Polônia e em 1953 participou de reflexões sobre o livro de Joseph Stalin, intitulado Economic Problems of the USSR, onde enfatizou a importância de se analisar as leis econômicas e a lei do valor na gestão de uma economia socialista. Nesse período Oskar Lange foi membro do Comitê Central do Partido dos Trabalhadores Unidos da Polônia e teve importante atuação política tanto internamente quanto no exterior, ao defender a coexistência pacífica e a cooperação econômica internacional (Kowalik, 1964KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. )21 21 Toporowski nos alertou que em 1948 houve uma mudança importante na maneira como se dava a mediação entre o pensamento de Lange e a direção da União Soviética sobre o planejamento econômico. Como Lange havia sido muito crítico sobre a realidade do planejamento soviético, que introduzia distorções monopolísticas sobre o mecanismo de mercado, é necessário investigar em que medida sua resenha servil de Economic problems of the USSR foi escrita sob vigília. Conforme revelado por Lampa (2022) a partir de pesquisa nos arquivos dos manuscritos de Lange em Chicago, Lange classificava o governo soviético como uma “ditadura Bonapartista”. Sobre o processo político polonês no contexto geopolítico dos anos 1950, ver também a entrevista de Leo Huberman com Lange (Huberman; Lange, 1957). .

Um dado biográfico pouco conhecido e que vale a pena ser apresentado é que Oskar Lange e Piero Sraffa mantiveram relações de amizade durante muitos anos, provavelmente desde os anos 1930, quando devem ter se conhecido na Inglaterra22 22 Segundo Kowalik (1990), Lange fez um estágio de estudos na London School of Economics em 1929, quando Sraffa já estava em Cambridge. Lange ajudou Sraffa com informações bibliográficas e biográficas acerca da reprodução dos trabalhos de David Ricardo na Polônia (ver The Works and correspondence of David Ricardo, v. 10, disponível em: https://oll.libertyfund.org/titles/ricardo-the-works-and-correspondence-of-david-ricardo-vol-10-biographical-miscellany e posteriormente, segundo Toporowski, demonstrou enorme interesse pelo livro de Sraffa, Produção de Mercadorias por Meio de Mercadorias, publicado em 1960. O conteúdo desse interesse está em polonês no material legado por Kowalik. . Entre os dias 22 e 24 de novembro de 1954, Lange recebeu Piero Sraffa em Varsóvia, que estava voltando de um estudo de campo na China conforme diário de viagem do próprio Sraffa relatado por Lazzarini e Brondino (2016)LAZZARINI, A.; BRONDINO, G. Sraffa’s visit to China in 1954. Scott Carter Blog, [s. l.], 27 Sept. 2016. Disponível em: https://sraffaarchive.org/f/sraffa%E2%80%99s-visit-to-china-in-1954. Acesso em: 22 jun. 2022.
https://sraffaarchive.org/f/sraffa%E2%80...
.

Da mesma forma que seu amigo italiano, Lange também foi ver com os próprios olhos a realidade periférica. Durante 1956, ele teve uma estadia relativamente longa na Índia, onde atuou na consultoria econômica do Segundo Plano Quinquenal. Ao retornar dessa viagem, que lhe forneceu muito material empírico para tratar a questão do planejamento a partir das tabelas de insumo-produto, Lange passou a lecionar a disciplina Economia Política da Universidade de Varsóvia e suas palestras ganharam notoriedade mundial (Kowalik, 1964KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. ). Em cada ano ele iniciava um novo curso de palestras sobre diferentes assuntos econômicos e políticos, que tratava em todos os países que visitava23 23 Sua contribuição na esfera internacional não foi pontual. Na ONU, entre 1957 e 1959 ocupou o cargo de presidente da Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa e de 1961 a 1962 exerceu atribuições como membro do Comitê de Especialistas das Nações Unidas para o estudo das consequências econômicas e sociais do desarmamento mundial. Prestando contas para o público dessa atividade, escreveu o artigo intitulado Disarmament, Economic Growth and Internacional Cooperation (Kowalik, 1964). Como registra Kowalik (1964, p. 12), Lange viajou nesse período para diversas cidades na condição de professor e representante do Estado polonês, como Londres, Oxford, Cambridge, Paris, Nova Iorque, Chicago, Boston, Moscou, Leningrado, Belgrado, Calcutá, Bagdá, Cairo, México, Rio de Janeiro, Roma, Viena, Haia e Roterdã. .

Como um dos resultados da colaboração com a Índia, Lange publicou, em 1959, o livro Essays on economic planning, uma significativa contribuição à literatura do planejamento do desenvolvimento econômico, tópico fundamental no debate do então chamado terceiro mundo. De fato, como explica Mazurek (2018)MAZUREK, M. Polish economists in Nehru’s India: making science for the third world in an era of de-stalinization and decolonization. Slavic Review, v. 77, n. 3, p. 588-610, 2018., o envolvimento de Lange com as questões do desenvolvimento econômico indiano não era um acaso isolado, mas parte de uma cooperação institucional vigorosa e específica entre os governos da Polônia e da Índia. Tal cooperação se inseria na dinâmica do conflito geopolítico entre os mundos capitalista e socialista, que disputavam a influência econômica sobre todos os países em processo de descolonização. Nesse contexto, o principal produto de exportação da Polônia socialista entre os anos 1950 e 1960 era a consultoria e expertise em planejamento do desenvolvimento econômico, que foi gratificantemente consumido pelo primeiro-ministro indiano Jawaharlal Nehru, com quem Lange estabeleceu relações de confiança.

Parte dessas experiências concretas foram também integradas ao longo de 1956 e 1957 em palestras sobre Econometria, que se transformaram no livro Introdução à Econometria (Lange, 1963LANGE, O. Moderna economia política. Princípios gerais. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1963.), o primeiro do gênero publicado por um autor polonês e uma das obras pioneiras do campo da estatística econômica. O livro apresenta um uso sistemático de métodos econométricos para fins de planejamento econômico nacional, tendo sido traduzido para diversos idiomas (Kowalick, 1964). Diferente do formato dos manuais de Econometria atuais, o cerne da matéria não era determinar a relação entre variáveis no padrão de um modelo de regressão linear. A base de sua exposição era o mapeamento do quadro de Leontief e manipulação das matrizes de insumo para que se obtivesse matrizes produto-alvo.

Daí se depreende que a Econometria de Lange está subordinada à prática do planejamento, que por sua vez é dependente do programa mais amplo de fazer o sistema de Marx avançar sobre ramificações específicas e ausentes em O Capital, dominando seus instrumentos. No caso em questão, o problema real do subdesenvolvimento que irrompia como tópico quente era tratado com as técnicas mais avançadas de compilação de material estatístico para propósitos de programação econômica mediante uso das tabelas de insumo-produto, sem que isso desvirtuasse ou comprometesse as bases fundamentais da Economia Política Marxista.

O Brasil também entrou na agenda de Lange no contexto dos debates sobre (sub)desenvolvimento econômico no pós-Segunda Guerra Mundial. Inicialmente, ainda nos anos 1940, Lange manteve contato com o chanceler brasileiro Oswaldo Aranha, quando ambos eram representantes da Polônia e do Brasil junto ao Conselho de Segurança da ONU24 24 Da relação entre os ex-chanceleres, segundo o acervo do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – FGV (Fundação Getúlio Vargas), consta que Oskar Lange, em 03 de agosto de 1951, se correspondeu, por meio de carta (Praga), com Oswaldo Aranha, onde explica os objetivos da Conferência sobre Economia Internacional, a realizar-se em Moscou, e solicita sugestões sobre questões que pudessem interessar ao Brasil e demais países sul-americanos (Fundação Getúlio Vargas (1951)). . Em relação ao continente latino-americano, no começo de fevereiro de 1948, durante os debates sobre o subdesenvolvimento no Conselho Econômico e Social da ONU, Lange posicionou-se favorável à criação da Cepal em nome da Polônia contribuindo assim para diminuir os atritos entre as superpotências Estados Unidos e União Soviética no que tange ao desenvolvimento na América Latina25 25 Considerando que a Polônia sempre votava junto com a União Soviética nas grandes questões decididas na ONU e que inicialmente a União Soviética (assim como os Estados Unidos) era contrária à criação da Cepal, pode-se conjecturar que Lange participou do movimento dos demais países para reverter essa negativa das duas superpotências. Ver Santa Cruz (1984, p. 161). .

Alguns anos mais tarde, a convite da Câmara dos Deputados e do Senado Federal brasileiros, Oskar Lange visitou o Brasil entre 19 e 24 de março de 1960 na condição de vice-presidente do Conselho de Estado da Polônia, presidente da Comissão Parlamentar do Plano Econômico Nacional e chefe da delegação do Parlamento da República Popular da Polônia. Na chegada ao Rio de Janeiro, Lange declarou à imprensa: “A Polônia e o Brasil têm agora através deste entendimento direto, grandes oportunidades de progresso e desenvolvimento industrial, ao lado de uma cooperação mútua na política das mais eficazes na luta pela paz e harmonia dos povos do mundo” (Parlamentares poloneses afirmam…, 1960PARLAMENTARES POLONESES AFIRMAM: Brasil e Polônia juntos pela paz. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ed. 20545, 19 mar. 1960. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_07&pagfis=2831&u#. Acesso em: 22 jun. 2022.
http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/H...
).

A missão polonesa foi recebida pelo presidente Juscelino Kubitschek e pelo vice-presidente do país e presidente do Senado Federal João Goulart. Lange proferiu uma palestra no Rio de Janeiro com o tema “Problemas Econômicos da Polônia” (Brasil, 1960BRASIL. Câmara dos Deputados. Problemas econômicos da Polônia. Palestra proferida por Oskar Lange no Instituto Superior de Estudos Brasileiros. Brasília, DF: Ministério da Educação e Cultura, 1960. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=69541882F7FBD5B1282B4AE74E2975C1.node2?codteor=1203098&filename=Avulso+-PL+2714/1961. Acesso em: 22 jun. 2022.
http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/...
) e teve a oportunidade de visitar a recém-construída Brasília, prestes a ser inaugurada como a futura capital brasileira. O diálogo entre o Brasil e a Polônia deu origem a diversos acordos econômicos que previam o sistema de clearing no acerto de contas, isto é, baseado no equilíbrio dos fornecimentos mútuos sem necessidade de passar pela moeda internacional para fazer transações. Também foram formalizados acordos de cooperação científica, técnica e cultural. Em 18 de janeiro de 1961, as relações entre os países foram fortalecidas e elevadas ao nível de embaixadas.

Fizeram parte ainda daquela lavra de publicações advindas de palestras o livro Theory of reproduction and accumulation de 1961, que faz um tratamento matemático da teoria marxista da reprodução e acumulação, entre outras obras que explicitam a mistura entre a Economia Política de Marx, a econometria e o planejamento. Nos últimos anos de sua vida, Lange acompanhou com grande entusiasmo a formação de um novíssimo campo, chamado Cibernética, e que pretendia causar uma revolução científica pela junção entre a engenharia e a biologia partindo da grande novidade que eram os computadores. Lange logo tratou de integrar tanto a cibernética quanto a praxeologia (estudo da ação humana propositada ou consciente em oposição à ação humana inconsciente ou reflexiva) à ciência econômica (e ao materialismo dialético) nos estudos Wholes and parts: a general theory of system behaviour, de 1962 e Introducción a la economia cibernética ([1965] 1969LANGE, O. Introducción a la economía cibernética. Madrid: Siglo Veintiuno, 1969.)

Como se vê, a produção científica de Oskar Lange que sempre havia sido muito intensa, com exceção dos anos de 1946 e 1947 quando exerceu o serviço diplomático nos Estados Unidos, progrediu para todos os lados, de modo que se tornou muito difícil decifrar qual era a grande síntese que ele perseguia. Como se relacionam a teoria de Marx, a teoria econômica vulgar, o planejamento econômico, o capitalismo e o socialismo, a econometria e a emergente tecnologia da computação? É o que o grande livro de Lange, em processo de escrita, pretendia responder.

4 O livro de sua vida

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, Lange já tinha as grandes diretrizes sobre como integrar todo o universo da teoria econômica marginalista dentro da Economia Política de Marx. Contudo, ele só começou a efetivamente escrever um “tratado sistemático” em 1957. A obra deveria ser composta de três livros, mas apenas o primeiro foi publicado em vida, em 1959, em polonês26 26 A versão em inglês saiu em 1963 conforme resenha de Yotopoulos (1964). O segundo livro (Lange, 1981), composto postumamente a partir de seu manuscrito não finalizado foi publicado em polonês em 1968 e saiu em inglês em 1971. O terceiro livro nunca foi publicado. . Oskar Lange faleceu em Londres, em 2 de outubro de 1965, devido a uma complicação em uma cirurgia na coxa. Ele foi enterrado em Aleja Zasłużonych, o cemitério militar de Varsóvia.

Quatro anos antes, em 1961, Lange havia supervisionado a edição de uma coletânea com trabalhos seus. Para compô-la, ele selecionou artigos publicados entre 1930 e 1960 que não eram nem propriamente técnicos nem propriamente políticos, mas um apanhado dessas duas dimensões. Ele menciona que a leitura desse conjunto leva à correta percepção de que sua evolução intelectual seguia “uma única ideia-guia, qual seja, uma tentativa de conectar um tratamento estritamente científico da investigação econômica com as necessidades da prática social, e particularmente com o movimento da classe trabalhadora e a questão do socialismo” (Lange, 1961, tradução nossa).

Além desse esforço de manter uma unidade entre atividade científica e militância, a Economia Política de Lange é um programa de sínteses sucessivas, que abrange contradições e complexidades num movimento crescente. Assim, mesmo que Lange não tenha conseguido ver a conclusão desse projeto, achamos seguro afirmar que ele pelo menos concebeu e gestou uma abordagem coerente chamada aqui de Antropofagia Langeana. É nesse contexto que devemos apreender o caráter criativo, inacabado e aberto de seu “último trabalho, o livro de sua vida, como ele costumava chamá-lo”27 27 Felicja Lange para Sraffa, 26 out. 1965. (SRAF/C/162). Disponível em: https://archives.trin.cam.ac.uk/index.php/papers-of-piero-sraffa-1898-1983-economist. Acesso em: 22 jun. 2022. .

O protocolo que conduz à Moderna economia política é relativamente nítido: trata-se de um movimento de identificação de elementos estranhos à origem marxista, assimilação, processamento e expulsão daquela parte que se refere à defesa apologética à ordem capitalista28 28 Um tratamento mais profundo sobre isso será feito em outro espaço, uma vez que o propósito deste trabalho é de apenas apresentar todo o contexto no qual a metodologia de Lange surge. A interpretação aqui exposta é baseada na leitura autônoma dos trabalhos de Oskar Lange desde 2009 e converge com os resultados da pesquisa de Lampa (2014, p. 125), em que argumenta similarmente que Lange usa a teoria econômica em simbiose com a teoria socialista para cortar qualquer ligação entre a teoria econômica neoclássica e sua defesa implícita do capitalismo. . Em outras palavras: a teoria Langeana se expressa em um rito antropofágico que deve lhe fortalecer, não deixando se intimidar pelo caráter imperialista e colonizador da economia burguesa em todas as suas variantes. O sistema de Lange absorve o diferente, o reformula, buscando fazer uma separação difícil. Ele tenta se apropriar do que é útil e expelir aquilo que não convém, promovendo uma evolução da Crítica da Economia Política de Marx conforme a realidade da luta em que se insere.

Essa maneira de proceder tem nítida influência de Rosa Luxemburgo segundo Lampa (2014)LAMPA, R. When science meets revolution: the influence of Rosa Luxemburg on Oskar Lange’s early project (1931-1945). In: BELLOFIORE, R.; KARWOWSKI, W.; TOPOROWSKI, J. The legacy of Rosa Luxemburg, Oskar Lange and Michal Kalecki. v. 1 of Essays in Honour of Tadeusz Kowalik. New York: Palgrave Macmillan, 2014., cujos resultados se basearam em pesquisa inédita sobre os manuscritos de Lange não publicados em Chicago e que comprovam a familiaridade que Lange tinha com o trabalho dela, apesar dessa referência não ser explícita em seus textos. As similaridades existentes entre suas investigações sobre o capitalismo assim como sua crença compartilhada na força autogestionária da classe trabalhadora que já eram evidentes, possuem agora uma ligação muito mais robusta. Com isso, não é impróprio classificar Lange como fiel seguidor de Rosa Luxemburgo, principalmente no que tange o pensamento econômico.

Contudo, o que mais os aproxima não é propriamente o aspecto analítico de suas respectivas obras, mas sim o modo como enxergam a relação entre a economia marxista e a economia burguesa. Além de usar a ciência como instrumento revolucionário no sentido proposto por Rosa Luxemburgo, Lange estava atento às dicas mais específicas deixadas pela eminente líder da Liga Spartakus. Uma delas é a de que não é adequado ignorar a ciência econômica burguesa, uma vez que a doutrina marxista é sua filha que custou a morte da mãe no parto, conforme ela ensina no primeiro capítulo de seu livro Introdução à Economia Política (Luxemburgo, 2014LUXEMBURG, R. Introduction to political economy. In: HUDIS, P. (Ed.). The complete works of Rosa Luxemburg. New York: Verso, 2014. v. I.). Disso se depreende que é fundamental estudar e conhecer em profundidade o pensamento econômico burguês ao invés de tentar reprimir a memória de que ele é um ancestral que continua a oprimir a nova geração. Por isso, não se trata apenas de reconhecer que já tocou o sino fúnebre para a economia da classe capitalista, mas de perceber que o processo que culmina em seu enterro pode ser relativamente longo, visto que a ciência econômica continuou e continua hoje em grande parte alinhada à ideologia capitalista.

Desse modo, a metodologia geral que subjaz ao livro Moderna economia política é a de que se a Economia Política deve ser uma ciência, então todas as correntes de pensamento econômico precisam formar um único sistema. Isso porque tratam de um mesmo objeto, qual seja, as leis ou condutas sociais que regulam a produção e a distribuição dos meios materiais que garantem a reprodução econômica de sociedades humanas. A singularidade do item sob investigação demanda também uma singularidade do aparato teórico para apreendê-lo.

No entanto, apesar da realidade objetiva desse objeto, existem diferentes formas ideológicas em que os economistas o percebem, que são ditadas em última instância pela sua própria posição no modo de produção, e, portanto, na luta de classes. Mas do mesmo modo que diferentes ideologias na superestrutura não coexistem ao longo de toda a História, também não vivem lado a lado teorias econômicas particulares eternamente. Em algum momento alguém vence a luta e hegemoniza, mesmo que temporariamente, a superestrutura. É nesse sentido que os economistas participam da luta em âmbito teórico: buscando subjugar correntes alternativas à sua e tentando ser o mainstream, a corrente principal, o pensamento dominante. Afinal, “as ideias dominantes de um tempo foram sempre apenas as ideias da classe dominante” (Marx; Engels, 2004MARX, K.; ENGELS, F. Manifest der Kommunistischen Partei. Paderborn: Voltmedia, 2004.). Como consequência, o teórico precisa dar racionalidade a todas as correntes de pensamento econômico coexistentes de modo a integrá-las em um único corpo, que possui nítida posição política.

Lange não era adepto de um ecletismo horizontal ou mesmo de uma mera síntese enquanto processo de simples junção como se ele não tivesse lado. Não é também apropriado afirmar que ele fosse defensor de um pluralismo neutro que garantisse a coexistência de variadas vertentes como mundos paralelos que coabitam um espaço tão grande que nunca se chocam. Como sua prática sempre esteve respaldada no movimento de organização da classe trabalhadora de todos os países condicionada à concretude histórica, fiel ao pensamento e ação de Karl Marx e Rosa Luxemburgo, é necessário reconhecer que sua pretensão era subjugar todas as correntes econômicas e conquistar assim a hegemonia. Se essa postura diante do diferente pode ser chamada de totalizante ou até mesmo totalitária, então isso só reforça que sua visão sobre o conflito ideológico em torno da ciência econômica está em total sintonia com a realidade da luta de classes.

Aos economistas que lutam ao lado da classe trabalhadora, fica subentendida a orientação para não se isolar entre os muros de uma escola de pensamento qualquer, reconfortando-se em um dogma cujo destino seria a timidez perante os desafios reais de construção do socialismo e do comunismo. Refutando o adjetivo de “manual” para seu livro, Lange os encorajou a se lançar na luta de modo inteligente, universal e exploratório, sem medo do estranho. Para ele, esta é “a única maneira pela qual se poderá desenvolver o pensamento científico marxista no campo da Economia Política” (Lange, 1963LANGE, O. Introdução à econometria. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura Econômica, 1963., p. 12, tradução nossa).

O conteúdo de Moderna economia política é vasto e muito exigente em termos de apreciação crítica. Atualmente, a comunidade acadêmica considera que o projeto da grande síntese de Lange fracassou, embora ela reconheça que o livro teve repercussão29 29 Em maio de 2004 ocorreu a conferência “O que é Economia Política hoje” para comemorar os 100 anos de nascimento de Oskar Lange e os 50 anos da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Varsóvia. Nessa ocasião, Hockuba e Brzezinski (2004) apresentaram um paper que busca reconstruir a grande síntese de Lange contida em Moderna Economia Política e analisam a repercussão da obra. Eles apontam corretamente que Lange progrediu de um postulado fraco de complementariedade entre as economias Marxista e neoclássica em 1935 para um postulado forte de integração unitária em 1959. Contudo, Hockuba e Brzezinski (2004) e Hockuba e Brzezinski (2005) argumentam que esse movimento de Lange foi infrutífero e defendem a manutenção do postulado de que as teorias são apenas complementares, uma vez que acreditam no pluralismo e negam o monismo teórico em ciência econômica. Na visão aqui defendida, concordamos que a busca por sínteses cada vez mais gerais é uma empreitada difícil, porém necessária, de modo que discordamos da ponderação negativa de Hockuba e Brzezinski sobre o potencial de Moderna Economia Política. Nos distanciamos assim da postura desencorajadora de Lampa (2022) nesse ponto em específico, que enfatiza os enormes riscos envolvidos em se equilibrar numa corda bamba que entrelaça “anti-burocratismo” com “democratização tecnocrata”. Em relação à influência geral de Lange no pensamento econômico, Ratajczak (2009) explica que Lange, assim como Kalecki, continuam sendo os principais nomes de economistas poloneses mundialmente reconhecidos e que a obra Moderna Economia Política foi intensamente discutida e disputada na Polônia quando publicada em 1959. Para Czarny (2014), professor de economia em Varsóvia hoje, o legado do ensino de economia na Polônia entre 1949 e 1989 teria sido inteiramente negativo devido à ideologia comunista, o que está em linha com sua postura política contrária a essa época que ele chama de totalitária. .

Levando em consideração a tese apresentada de que o sistema de Oskar Lange vem ao mundo se alimentando dos elementos hostis à sua volta, concluímos que um julgamento adequado sobre o legado de Lange para a Economia Política não pode ser feito de forma apressada. Além de ser preciso levar em conta todo o contexto geopolítico do século XX para entender seu pensamento econômico, é forçoso reconhecer sua pertinência para o debate sobre o planejamento econômico, que voltou a crescer nos últimos anos em associação com as tecnologias do século XXI, como Inteligência Artificial, Big Data e computação avançada30 30 Para uma pequena seleção de obras em torno do planejamento econômico com base na computação que se reportam, positiva ou negativamente, ao artigo seminal de Lange (1967), The Computer and the Market, ver Hurwicz (1969); Prychitko (1988); Shapiro (1989); Lavoie (1990); Cockshott e Cottrell (1993); Bălţătescu e Prisecaru (2009); Jablonowski (2011); Wang e Li (2017); Bernes (2020) e Nieto (2021). Toda essa literatura enfrenta a questão sobre o paradigma centralização/descentralização no processo de superação do mercado, que continua latente em todas as experiências reais de construção do socialismo. . Porém, se a estratégia de Lange terá condições de conquistar seu objetivo, qual seja, vencer a guerra contra a ciência econômica capitalista, é uma questão em aberto.

  • 1
    A professora Lenina Pomeranz (1986, p. 9)POMERANZ, L. Apresentação. In: LANGE, O. Ensaios sobre planificação econômica. São Paulo: Abril Cultural, 1986., já havia alertado que “todo o aporte metodológico de Oskar Lange, assim como a tentativa de generalização da teoria econômica por ele ensaiada nos últimos anos de sua vida, assenta-se na rica experiência que soube aprender das transformações sociais históricas por ele vividas e que influíram decisivamente na evolução de seu próprio pensamento”. Ao reforçar esse alerta, queremos caracterizar esse assentamento de um modo original, chamando a atenção para o fato de que Lange pode ser um pensador da mutação, e não meramente um pensador mutante.
  • 2
    A etimologia da palavra antropofagia remonta à junção dos termos gregos άνθρωπος (ánthropos = homem) e φάγω (phago = eu como, 1a pessoa do verbo comer). Originalmente utilizada pelos colonizadores europeus para inferiorizar os povos ameríndios, remete à vastidão de significados de um processo social complexo de combate em que se apropria das forças do vencido. Esse significado de antropofagia enquanto uma modalidade de luta foi popularizado no final dos anos 1920 com o Manifesto antropofágico de Oswald de Andrade e a tela Abaporu, do tupi-guarani aba (homem), pora (gente) e ú (comer), de Tarsila do Amaral. A associação entre a antropofagia e a abordagem de Lange que fazemos é analítico-didática: não existem elementos que indiquem ser a própria regra de guerra dos Tupinambá ou o movimento cultural do modernismo em São Paulo uma de suas inspirações filosóficas. O que apontamos com base nessa pesquisa padrão de história do pensamento econômico é que a abordagem de Lange pode ser descrita como uma estratégia antropofágica de combate no campo da teoria econômica. Para uma apresentação do conceito de antropofagia que empregamos para caracterizar a Economia Política de Oskar Lange ver Lima (2017)LIMA, J. C. A translucidez da antropofagia tupinambá. Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 11, n. 1, p. 195-218, 2017.. A utilização do conceito de antropofagia para descrever a abordagem de Lange se justifica também porque este trabalho expressa uma apropriação brasileira deste pensador mundial.
  • 3
    Assim, este trabalho adota a metodologia habitual de pesquisas em história do pensamento econômico, contextualizando histórica e socialmente tanto as ideias do autor sob análise quanto sua atividade prática. Essa observação é pertinente para garantir o devido distanciamento entre a metodologia usada na presente pesquisa historiográfica e a própria metodologia de Oskar Lange. Não é tarefa do presente trabalho defender que a metodologia de Oskar Lange funciona, mas sim que ela pode ser caracterizada como uma abordagem antropofágica na ciência econômica. Para uma defesa da metodologia de Oskar Lange ver Camarinha Lopes (2021)CAMARINHA LOPES, T. Technical or political? The socialist economic calculation debate. Cambridge Journal of Economics, Cambridge, v. 45, n. 4, p. 787-810, 2021. e Camarinha Lopes (2022)CAMARINHA LOPES, T. Law of value and theories of value: symmetrical critique of classical and neoclassical political economy. Leiden: Brill, 2022..
  • 4
    Neste artigo, os trabalhos de Tadeusz Kowalik (1926-2012) e Jan Toporowski (1950-) são referenciados em profusão. Isso ocorre porque eles são as maiores autoridades sobre a biografia de Oskar Lange e porque todas as demais referências sobre a vida e obra de Oskar Lange que têm detalhes adicionais se encaixam sem contradições em seus relatos. Tadeusz Kowalik foi instruído diretamente tanto por Michal Kalecki quanto Oskar Lange e participou ativamente dos debates sobre os processos políticos e econômicos da Polônia após 1989. Jan Toporowski nasceu e fez carreira acadêmica na Inglaterra, tendo realizado estágios de pesquisa na Szkoła Główna Planowania i Statystyki (Escola Central de Planejamento e Estatística) de Varsóvia nos anos 1980. Ele lançou recentemente uma obra sobre a biografia intelectual de Kalecki em dois volumes (Toporowski, 2018TOPOROWSKI, J. Michal Kalecki: an intellectual biography. Palgrave Macmillan, 2018.). Atualmente, de posse de diversos manuscritos e correspondências de Lange, e com auxílio do material em polonês deixado por Tadeusz Kowalik que incluem uma coleção de oito volumes dos trabalhos de Lange, inclusive um volume final com material bibliográfico massivo, ele coordena um projeto para escrever a biografia intelectual de Lange (Soas, 2018. Disponível em: https://www.soas.ac.uk/news/newsitem137086.html). A caracterização da abordagem de Lange como de natureza antropofágica poderá ser rigorosamente criticada nos próximos anos, assim que o trabalho de Toporowski for publicado. Desse modo, o presente artigo pode também ser apreciado como uma preparação para a recepção dessa obra. Agradecemos o professor Toporowski, que foi contactado por nós, respondeu perguntas específicas e encorajou com entusiasmo nossa investigação.
  • 5
    Szymczak (1995)SZYMCZAK, R. Oskar Lange, American Polonia, and the Polish-Soviet Dilemma during World War II: the republic partisan as private emissary. The Polish Review, Warsaw, v. 40, n. 1, p. 3-27, 1995a. elenca esse motivo e faz referência a Sadler (1977)SADLER, C. Pro-Soviet Polish-Americans: Oskar Lange and Russia’s friends in the Polonia, 1941-1945. The Polish Review, Warsaw, v. 22, n. 4, p. 25-39, 1977., porém não foi possível confirmar ser esse o único ou principal motivo que abriu caminho para que Lange se mudasse para os Estados Unidos, primeiro provisoriamente como bolsista de pesquisa em 1934 e depois definitivamente como professor emigrante em 1938.
  • 6
    Segundo Lampa (2011)LAMPA, R. Scientific rigor and social relevance: the two dimensions of Oskar R. Lange’s early economic analysis. (1931-1943). These Abstract. Journal of the History of Economic Thought, Abingdon, v. 33, n. 4, p. 557-559, 2011., que analisou detalhadamente a primeira etapa da carreira acadêmica de Lange na Polônia no segundo capítulo de sua tese, até 1934 não era evidente uma relação mútua entre essas duas esferas. Ou seja, ambas existiam, mas estavam separadas. Por isso, até então Lange era “simultaneamente um economista marginalista e um economista político Marxista”, com leve tendência para este último lado.
  • 7
    Trata-se de um dos capítulos de um dos principais documentos políticos da época na Polônia, intitulado The Economics, Polity, Tactics, Organization of Socialism. Entre os autores estavam: Stefan Arski, Marek Breit, Wiktor Ehrenpreis, Julian Hochfeld, Wladyslaw Malinowski, Jan Topinski (Kowalik, 1964KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. , p. 2).
  • 8
    Pouco se sabe sobre a vida pessoal de Oskar Lange. A maior parte dos relatos documentados tem como fundo sua obra ou sua atuação como pessoa pública. Lange se casou com Irene Oderfeld supostamente no ano de 1932. Da união nasceu Christopher Stephen Lange em 1940 nos Estados Unidos (University of Chicago, 2006UNIVERSITY OF CHICAGO. Guide to the Oskar Lange. Papers 1936-1944. Chicago: University of Chicago Library, 2006. Disponível em: https://www.lib.uchicago.edu/e/scrc/findingaids/view.php?eadid=ICU.SPCL.LANGE. Acesso em: 22 jun. 2022.
    https://www.lib.uchicago.edu/e/scrc/find...
    , p. 2). Devido a uma carta da companheira de Lange que esteve com ele até sua morte, em 2 de outubro de 1965, enviada para Sraffa em 26 de setembro de 1965 quando Lange estava hospitalizado em Londres, sabemos que Lange se casou pelo menos uma segunda vez, com Felicja Lange. Agradecemos a Andres Lazzarini pela indicação sobre a carta que se encontra disponível no acervo online dos manuscritos de Piero Sraffa, na seção de correspondência (SRAF/C/162). Disponível em: https://archives.trin.cam.ac.uk/index.php/papers-of-piero-sraffa-1898-1983-economist. Acesso em: 22 jun. 2022.
  • 9
    Kowalik (1990, p. 8)KOWALIK, T. Lange, Oskar Ryszard (1904-1965). In: DURLAUF, S.; BLUME, L. (Ed.). The New Palgrave. A dictionary of economics. London: The Macmillan Press, 1990. (Versão atualizada e expandida de Kowalik, 1990). aponta que Lange, durante esse período, frequentou também a London School of Economics, em Londres. De acordo com a University of Chicago (2006, p. 2)UNIVERSITY OF CHICAGO. Guide to the Oskar Lange. Papers 1936-1944. Chicago: University of Chicago Library, 2006. Disponível em: https://www.lib.uchicago.edu/e/scrc/findingaids/view.php?eadid=ICU.SPCL.LANGE. Acesso em: 22 jun. 2022.
    https://www.lib.uchicago.edu/e/scrc/find...
    , Lange lecionou, em 1936, na Universidade de Michigan e estudou também na Universidade de Minnesota durante o período da bolsa.
  • 10
    Achávamos originalmente que Lange teria absorvido a teoria de Walras por meio de Schumpeter, porém Lange tinha uma interpretação própria sobre a Escola de Lausanne já consolidada antes de ir para os Estados Unidos. Para detalhes sobre o walrasianismo de Lange, ver Rubin (2016)RUBIN, G. Oskar Lange and the Walrasian interpretation of IS-LM. Journal of the History of Economic Thought, Abingdon, v. 38, n. 3, p. 285-309, 2016. e Desai (2014)DESAI, M. The Walrasian Socialism of Oskar Lange. In: BELLOFIORE, R.; KARWOWSKI, W.; TOPOROWSKI, J. The legacy of Rosa Luxemburg, Oskar Lange and Michal Kalecki. v. 1 of Essays in Honour of Tadeusz Kowalik. New York: Palgrave Macmillan, 2014. p. 154-164., que aborda também a leitura langeana de Pareto. Segundo Toporowski, Lange já tinha sido introduzido à toda tradição do marginalismo durante sua formação na Universidade de Cracóvia, na Polônia, por meio de Adam Krzyzanowski, um dos professores de “mente mais aberta” no departamento.
  • 11
    Para uma análise detalhada da participação de Lange no debate do cálculo econômico socialista, ver Camarinha Lopes (2021)CAMARINHA LOPES, T. Technical or political? The socialist economic calculation debate. Cambridge Journal of Economics, Cambridge, v. 45, n. 4, p. 787-810, 2021..
  • 12
    Existe uma pequena divergência quanto à data exata de entrada na Universidade de Chicago nos relatos de Kowalik. Kowalik (1964)KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. relata que teria sido em 1939. Já Kowalik (1990)KOWALIK, T. Oskar Lange. In: EATWELL, J. et al. (Ed.). The New Palgrave. Problems of the planned economy. London: The Macmillan Press, 1990. 4v. relata que teria sido em 1938. Optou-se pelo ano de 1938 devido a um documento fornecido pela University of Chicago Library.
  • 13
    Keynes chegou a reconhecer que Lange havia entendido bem sua Teoria Geral. Nas palavras de Keynes (1938, p. 321, tradução nossa)KEYNES, J. M. Comments on Mr. Keynes and “Finance” by D. H. Robertson. The Economic Journal, v. 48, n. 190, p. 314-322, 1938., a interpretação de Lange seria “próxima e acuradamente minha linha de pensamento”. Para mais detalhes sobre a relação de Lange com a teoria de Keynes, ver os trabalhos de Toporowski (2012)TOPOROWSKI, J. Lange and Keynes. SOAS Department of Economics Working Paper Series, n. 170. London: The School of Oriental and African Studies, 2012. e Assous e Lampa (2014)ASSOUS, M.; LAMPA, R. Lange’s 1938 model: dynamics and the “Optimum propensity to consume”. The European Journal of the History of Economic Thought, Abingdon, v. 21, n. 5, p. 871-898, 2014..
  • 14
    Com a ocupação do território da Polônia pelo exército nazista em setembro de 1939, os membros do governo refugiaram-se em Londres, de onde continuaram a exercer forte influência sobre os destinos políticos do país ao longo da Segunda Guerra Mundial. Poucos dias depois, em linha com o Pacto Molotov-Ribbentrop de não agressão entre a Alemanha e os países soviéticos, a União Soviética ocupou territórios do leste polonês. Desse modo, o Governo Polonês no Exílio se contrapunha à ocupação tanto da Alemanha de Hitler quanto da União Soviética de Stálin.
  • 15
    Em português, a referência primordial é a apresentação da professora Lenina Pomeranz (1986)POMERANZ, L. Apresentação. In: LANGE, O. Ensaios sobre planificação econômica. São Paulo: Abril Cultural, 1986., seguido de um artigo de celebração do centenário do nascimento de Lange escrito por Luiz Eduardo Simões de Souza (2005)SOUZA, L. E. S. Oskar Lange, a ciência e a planificação econômica. Revista de Economia Política e História Econômica, [s. l.], n. 3, p. 75-88, 2005.. Mas em ambos os casos o enfoque é quase que exclusivamente na teoria de Lange, e não em sua atividade política.
  • 16
    O convite a Oskar Lange transmitido pelo Consulado Soviético tinha aprovação direta de Stalin e foi feito em nome da União dos Poloneses Patriotas Residentes na URSS (ZPP). A intenção da administração soviética era envolver Lange nessa comissão de reconstrução da Polônia e futuramente contar com sua participação no novo governo polonês. Lange respondeu que dava todo apoio à criação dessa comissão (Comissão Nacional Polonesa – PKN), mas que não poderia aceitar o convite para participar dela sem o consenso dos Estados Unidos. Ademais, tal participação seria prematura, pois ele possuía cidadania norte americana e poderia ser mal interpretado pelo público, comprometendo o apoio tanto dos Estados Unidos quanto da Inglaterra a um novo governo polonês. Para mais detalhes, ver Cienciala (1996, p. 98)CIENCIALA, A. M. New light on Oskar Lange as an intermediary between Roosevelt and Stalin in attempts to create a new Polish government. Acta Poloniae Historica, v. 73, p. 89-134, 1996..
  • 17
    Lange reuniu-se com Stalin em 17 de maio de 1944. Para mais detalhes, ver Szymczak (1995)SZYMCZAK, R. Oskar Lange, American Polonia, and the Polish-Soviet Dilemma during World War II: making the case for a “People’s Poland” [part two]. The Polish Review, Warsaw, v. 40, n. 2, p. 131-157, 1995b., Cienciala (1996)CIENCIALA, A. M. New light on Oskar Lange as an intermediary between Roosevelt and Stalin in attempts to create a new Polish government. Acta Poloniae Historica, v. 73, p. 89-134, 1996. e os arquivos desse encontro com Stalin em Lange e Molotov (1944)STALIN, J.; LANGE, O.; MOLOTOV, V. M. (1944). Record of the Conversation of Comrade I. V. Stalin and Comrade V. M. Molotov with Polish Professor Lange. May 17, 1944, History and Public Policy Program Digital Archive, Source: AVPRF, f.6, op. 6, p. 42, d. 546, I. 53 -70. Contributed by Anna Cienciala and translated by Michael Thurman. Disponível em: http://digitalarchive.wilsoncenter.org/document/123131. Acesso em: 3 out. 2023.
    http://digitalarchive.wilsoncenter.org/d...
    . Disponível em: https://digitalarchive.wilsoncenter.org/document/123131. Acesso em: 22 jun. 2022.
  • 18
    Cienciala (1996, p. 122)CIENCIALA, A. M. New light on Oskar Lange as an intermediary between Roosevelt and Stalin in attempts to create a new Polish government. Acta Poloniae Historica, v. 73, p. 89-134, 1996., se indaga antes de sua conclusão se Lange anteviu que o governo polonês poderia vir a ser uma marionete do Kremlin. Creio que essa pergunta é mal posicionada, assim como aquela que questiona se Lange era um agente controlado pela URSS. Como é Lange quem pauta a estratégia junto a Stalin sobre como evitar que se espalhe a aparência de uma Polônia submissa a Moscou, pode-se inferir que ele entendia que na essência a submissão existiria. Além disso, para ele o que interessava no momento era que a União Soviética providenciaria o apoio militar necessário para reverter a ocupação militar do país e garantir sua independência (Lange, Stalin e Molotov (1944)LANGE, O. Price flexibility and employment. Bloomington: The Principia Press, 1944., p. 44). Se isso posteriormente se convertesse em soberania, era outra questão, e que talvez nem fosse tão importante para Lange enquanto internacionalista. De fato, a própria Cienciala (1996, p. 133, tradução nossa)CIENCIALA, A. M. New light on Oskar Lange as an intermediary between Roosevelt and Stalin in attempts to create a new Polish government. Acta Poloniae Historica, v. 73, p. 89-134, 1996., opina ao final de seu estudo que “o professor não era nem um agente do Kremlin nem uma marionete de Stalin”.
  • 19
    No mesmo ano, publica “Marxian economics in the Soviet Union, um comentário sobre o ensino da teoria econômica na União Soviética de então. Apesar de reconhecer os esforços feitos pelos economistas soviéticos para elaborar o planejamento econômico em direção ao socialismo baseada fundamentalmente na teoria de Marx, Lange (1945b)LANGE, O. Marxian economics in the Soviet Union. The American Economic Review, v. 35, n. 1, p. 127-133, 1945b. aponta que sem a incorporação da análise marginalista eles não serão capazes de administrar a economia soviética.
  • 20
    Enquanto representante oficial do novo governo polonês nos Estados Unidos e no Conselho de Segurança da ONU, Oskar Lange teria angariado reputação proeminente em política internacional na avaliação de Kowalik (1964)KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. , defendendo de forma coerente princípios filosóficos, políticos e econômicos para guiar a humanidade em direção à paz. Szymczak (1995b)SZYMCZAK, R. Oskar Lange, American Polonia, and the Polish-Soviet Dilemma during World War II: making the case for a “People’s Poland” [part two]. The Polish Review, Warsaw, v. 40, n. 2, p. 131-157, 1995b., com maior distanciamento histórico, faz uma ponderação muito mais crítica à performance de Lange, que poderia inclusive ser considerada tanto fraca quanto submissa à União Soviética.
  • 21
    Toporowski nos alertou que em 1948 houve uma mudança importante na maneira como se dava a mediação entre o pensamento de Lange e a direção da União Soviética sobre o planejamento econômico. Como Lange havia sido muito crítico sobre a realidade do planejamento soviético, que introduzia distorções monopolísticas sobre o mecanismo de mercado, é necessário investigar em que medida sua resenha servil de Economic problems of the USSR foi escrita sob vigília. Conforme revelado por Lampa (2022)LAMPA, R. Between anti-bureaucratism and technocratic democratisation: was Oskar Lange’s socialist theory tightrope walking? In: TOPOROWSKI, J. (Ed.). Polish Marxism after Luxemburg, research in political economy. Bingley: Emerald Publishing Limited, 2022. v. 37, p. 157-171. Doi: 10.1108/S0161-723020220000037010.
    https://doi.org/10.1108/S0161-7230202200...
    a partir de pesquisa nos arquivos dos manuscritos de Lange em Chicago, Lange classificava o governo soviético como uma “ditadura Bonapartista”. Sobre o processo político polonês no contexto geopolítico dos anos 1950, ver também a entrevista de Leo Huberman com Lange (Huberman; Lange, 1957HUBERMAN, L.; LANGE, O. The Polish October: an interview with Oscar Lange. Monthly Review, v. 8, n. 9, p. 328-333, 1957.).
  • 22
    Segundo Kowalik (1990)KOWALIK, T. Oskar Lange. In: EATWELL, J. et al. (Ed.). The New Palgrave. Problems of the planned economy. London: The Macmillan Press, 1990. 4v., Lange fez um estágio de estudos na London School of Economics em 1929, quando Sraffa já estava em Cambridge. Lange ajudou Sraffa com informações bibliográficas e biográficas acerca da reprodução dos trabalhos de David Ricardo na Polônia (ver The Works and correspondence of David Ricardo, v. 10, disponível em: https://oll.libertyfund.org/titles/ricardo-the-works-and-correspondence-of-david-ricardo-vol-10-biographical-miscellany e posteriormente, segundo Toporowski, demonstrou enorme interesse pelo livro de Sraffa, Produção de Mercadorias por Meio de Mercadorias, publicado em 1960. O conteúdo desse interesse está em polonês no material legado por Kowalik.
  • 23
    Sua contribuição na esfera internacional não foi pontual. Na ONU, entre 1957 e 1959 ocupou o cargo de presidente da Comissão Econômica das Nações Unidas para a Europa e de 1961 a 1962 exerceu atribuições como membro do Comitê de Especialistas das Nações Unidas para o estudo das consequências econômicas e sociais do desarmamento mundial. Prestando contas para o público dessa atividade, escreveu o artigo intitulado Disarmament, Economic Growth and Internacional Cooperation (Kowalik, 1964KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. ). Como registra Kowalik (1964, p. 12)KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964. , Lange viajou nesse período para diversas cidades na condição de professor e representante do Estado polonês, como Londres, Oxford, Cambridge, Paris, Nova Iorque, Chicago, Boston, Moscou, Leningrado, Belgrado, Calcutá, Bagdá, Cairo, México, Rio de Janeiro, Roma, Viena, Haia e Roterdã.
  • 24
    Da relação entre os ex-chanceleres, segundo o acervo do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – FGV (Fundação Getúlio Vargas), consta que Oskar Lange, em 03 de agosto de 1951, se correspondeu, por meio de carta (Praga), com Oswaldo Aranha, onde explica os objetivos da Conferência sobre Economia Internacional, a realizar-se em Moscou, e solicita sugestões sobre questões que pudessem interessar ao Brasil e demais países sul-americanos (Fundação Getúlio Vargas (1951)FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Correspondência política de Oskar Lange para Oswaldo Aranha (03/08/1951). Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, 1951. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo-pessoal/OA/textual/carta-de-oscar-lange-a-oswaldo-aranha-explicando-os-objetivos-da-conferencia-sobre-economia-internacional-a-realizar-se-em-moscou-e-pedindo-sugest. Acesso em: 22 jun. 2022.
    http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo-p...
    ).
  • 25
    Considerando que a Polônia sempre votava junto com a União Soviética nas grandes questões decididas na ONU e que inicialmente a União Soviética (assim como os Estados Unidos) era contrária à criação da Cepal, pode-se conjecturar que Lange participou do movimento dos demais países para reverter essa negativa das duas superpotências. Ver Santa Cruz (1984, p. 161)SANTA CRUZ, H. Cooperar o perecer. El dilema de la comunidad mundial. Tomo I: Los años de creación: 1941-1960. Buenos Aires: Grupo Editor Latinoamericano, 1984..
  • 26
    A versão em inglês saiu em 1963 conforme resenha de Yotopoulos (1964)YOTOPOULOS, P. A. Review of political economy, vol. 1, General Problems. By Oskar Lange. The American Economic Review, [s. l.], v. 54, n. 6, p. 1090-1093, 1964.. O segundo livro (Lange, 1981LANGE, O. Economía política. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 1981. v. II.), composto postumamente a partir de seu manuscrito não finalizado foi publicado em polonês em 1968 e saiu em inglês em 1971. O terceiro livro nunca foi publicado.
  • 27
    Felicja Lange para Sraffa, 26 out. 1965. (SRAF/C/162). Disponível em: https://archives.trin.cam.ac.uk/index.php/papers-of-piero-sraffa-1898-1983-economist. Acesso em: 22 jun. 2022.
  • 28
    Um tratamento mais profundo sobre isso será feito em outro espaço, uma vez que o propósito deste trabalho é de apenas apresentar todo o contexto no qual a metodologia de Lange surge. A interpretação aqui exposta é baseada na leitura autônoma dos trabalhos de Oskar Lange desde 2009 e converge com os resultados da pesquisa de Lampa (2014, p. 125)LAMPA, R. When science meets revolution: the influence of Rosa Luxemburg on Oskar Lange’s early project (1931-1945). In: BELLOFIORE, R.; KARWOWSKI, W.; TOPOROWSKI, J. The legacy of Rosa Luxemburg, Oskar Lange and Michal Kalecki. v. 1 of Essays in Honour of Tadeusz Kowalik. New York: Palgrave Macmillan, 2014., em que argumenta similarmente que Lange usa a teoria econômica em simbiose com a teoria socialista para cortar qualquer ligação entre a teoria econômica neoclássica e sua defesa implícita do capitalismo.
  • 29
    Em maio de 2004 ocorreu a conferência “O que é Economia Política hoje” para comemorar os 100 anos de nascimento de Oskar Lange e os 50 anos da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de Varsóvia. Nessa ocasião, Hockuba e Brzezinski (2004)HOCKUBA, Z.; BRZEZINSKI, M. “Ekonomia Polityczna” Oskara Langego. In: WILKIN, J. (Ed.). Czym jest ekonomia polityczna dzisiaj? Warszawa: Wydział Nauk Ekonomicznych Uniwersytet Warszawski, 2004. p. 33-60. Disponível em: http://coin.wne.uw.edu.pl/mbrzezinski/research/. Acesso em: 22 jun. 2022.
    http://coin.wne.uw.edu.pl/mbrzezinski/re...
    apresentaram um paper que busca reconstruir a grande síntese de Lange contida em Moderna Economia Política e analisam a repercussão da obra. Eles apontam corretamente que Lange progrediu de um postulado fraco de complementariedade entre as economias Marxista e neoclássica em 1935 para um postulado forte de integração unitária em 1959. Contudo, Hockuba e Brzezinski (2004)HOCKUBA, Z.; BRZEZINSKI, M. “Ekonomia Polityczna” Oskara Langego. In: WILKIN, J. (Ed.). Czym jest ekonomia polityczna dzisiaj? Warszawa: Wydział Nauk Ekonomicznych Uniwersytet Warszawski, 2004. p. 33-60. Disponível em: http://coin.wne.uw.edu.pl/mbrzezinski/research/. Acesso em: 22 jun. 2022.
    http://coin.wne.uw.edu.pl/mbrzezinski/re...
    e Hockuba e Brzezinski (2005)HOCKUBA, Z.; BRZEZINSKI, M. Oskara Langego syntezy teorii ekonomicznych. In: SADOWSKI, Z. (ed.). Oskar Lange a współczesnosc. Waszawa, Polskie Towarzytwo Ekonomiczne, 2005. p. 289-312. Disponível em: http://coin.wne.uw.edu.pl/mbrzezinski/research/. Acesso em: 22 jun. 2022.
    http://coin.wne.uw.edu.pl/mbrzezinski/re...
    argumentam que esse movimento de Lange foi infrutífero e defendem a manutenção do postulado de que as teorias são apenas complementares, uma vez que acreditam no pluralismo e negam o monismo teórico em ciência econômica. Na visão aqui defendida, concordamos que a busca por sínteses cada vez mais gerais é uma empreitada difícil, porém necessária, de modo que discordamos da ponderação negativa de Hockuba e Brzezinski sobre o potencial de Moderna Economia Política. Nos distanciamos assim da postura desencorajadora de Lampa (2022)LAMPA, R. Between anti-bureaucratism and technocratic democratisation: was Oskar Lange’s socialist theory tightrope walking? In: TOPOROWSKI, J. (Ed.). Polish Marxism after Luxemburg, research in political economy. Bingley: Emerald Publishing Limited, 2022. v. 37, p. 157-171. Doi: 10.1108/S0161-723020220000037010.
    https://doi.org/10.1108/S0161-7230202200...
    nesse ponto em específico, que enfatiza os enormes riscos envolvidos em se equilibrar numa corda bamba que entrelaça “anti-burocratismo” com “democratização tecnocrata”. Em relação à influência geral de Lange no pensamento econômico, Ratajczak (2009)RATAJCZAK, M. Polish economics and the Polish economy: a study for the twentieth anniversary of transition in Poland. The History of Economic Thought, Abingdon, v. 51, n. 2, 2009. explica que Lange, assim como Kalecki, continuam sendo os principais nomes de economistas poloneses mundialmente reconhecidos e que a obra Moderna Economia Política foi intensamente discutida e disputada na Polônia quando publicada em 1959. Para Czarny (2014)CZARNY, B. On economics in Poland in 1949-1989: introduction. International Journal of Management and Economics, n. 41, p. 92-112, 2014., professor de economia em Varsóvia hoje, o legado do ensino de economia na Polônia entre 1949 e 1989 teria sido inteiramente negativo devido à ideologia comunista, o que está em linha com sua postura política contrária a essa época que ele chama de totalitária.
  • 30
    Para uma pequena seleção de obras em torno do planejamento econômico com base na computação que se reportam, positiva ou negativamente, ao artigo seminal de Lange (1967)LANGE, O. The computer and the market. In: FEINSTEIN, C. H. (Ed.). Socialism, capitalism and economic growth: essays presented to Maurice Dobb. Cambridge: Cambridge University Press, 1967. p. 158-161., The Computer and the Market, ver Hurwicz (1969)HURWICZ, L. On the concept and possibility of informational decentralization. The American Economic Review, [s. l.], v. 59, n. 2, p. 513-524, 1969.; Prychitko (1988)PRYCHITKO, D. L. Marxism and decentralized socialismo. Critical Review, [s. l.], v. 2, n. 4, p. 127-148, 1988.; Shapiro (1989)SHAPIRO, D. Reviving the socialist economic calculation debate: a defense of Hayek against Lange. Social Philosophy and Policy, Cambridge, v. 6, n. 2, p. 139-159, 1989.; Lavoie (1990)LAVOIE, D. Computation, incentives and discovery: the cognitive function of markets in market socialism. The Annals of the American Academy of Political and Social Science, v. 507, n. 1, p. 72-79, 1990.; Cockshott e Cottrell (1993)COCKSHOTT, P.; COTTRELL, A. Towards a new socialism. Nottingham: Spokesman, 1993.; Bălţătescu e Prisecaru (2009)BĂLŢĂTESCU, I.; PRISECARU, P. Computability and economic planning. Kybernetes, v. 38, n. 7-8, p. 1399-1408, 2009.; Jablonowski (2011)JABLONOWSKI, M. Markets on a (computer) chip? New perspectives on economic calculation. Science & Society, v. 75, n. 3, p. 400-418, 2011.; Wang e Li (2017)WANG, B.; LI, X. Big data, platform economy and market competition: a preliminary construction of plan-oriented market economy system in the information era. World Review of Political Economy, [s. l.], v. 8, n. 2, p. 138-161, 2017.; Bernes (2020) e Nieto (2021)NIETO, M. Entrepreneurship and Decentralised Investment in a Planned Economy, Historical Materialism, v. 30, n. 1, p. 133-163, 2021.. Toda essa literatura enfrenta a questão sobre o paradigma centralização/descentralização no processo de superação do mercado, que continua latente em todas as experiências reais de construção do socialismo.
  • JEL: B24, B31, B41.

Referências bibliográficas

  • ASSOUS, M.; LAMPA, R. Lange’s 1938 model: dynamics and the “Optimum propensity to consume”. The European Journal of the History of Economic Thought, Abingdon, v. 21, n. 5, p. 871-898, 2014.
  • BĂLŢĂTESCU, I.; PRISECARU, P. Computability and economic planning. Kybernetes, v. 38, n. 7-8, p. 1399-1408, 2009.
  • CHILOSI, A. The Lange-Breit model, the right to employment and the outside option. In: Lange, Oskar; Wspolczesno, A. 26-27 Sept. 2004, Warsaw. Proceedings […]. Warsaw: Polskic Towarzystwo Ekonomiczne, 2005. Disponível em: https://www.chilosi.it/brei%20lange%20and%20the%20ouside%20option.pdf Acesso em: 22 jun. 2022.
    » https://www.chilosi.it/brei%20lange%20and%20the%20ouside%20option.pdf
  • CZARNY, B. On economics in Poland in 1949-1989: introduction. International Journal of Management and Economics, n. 41, p. 92-112, 2014.
  • CIENCIALA, A. M. New light on Oskar Lange as an intermediary between Roosevelt and Stalin in attempts to create a new Polish government. Acta Poloniae Historica, v. 73, p. 89-134, 1996.
  • BRASIL. Câmara dos Deputados. Problemas econômicos da Polônia Palestra proferida por Oskar Lange no Instituto Superior de Estudos Brasileiros. Brasília, DF: Ministério da Educação e Cultura, 1960. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=69541882F7FBD5B1282B4AE74E2975C1.node2?codteor=1203098&filename=Avulso+-PL+2714/1961. Acesso em: 22 jun. 2022.
    » http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=69541882F7FBD5B1282B4AE74E2975C1.node2?codteor=1203098&filename=Avulso+-PL+2714/1961
  • CAMARINHA LOPES, T. Technical or political? The socialist economic calculation debate. Cambridge Journal of Economics, Cambridge, v. 45, n. 4, p. 787-810, 2021.
  • CAMARINHA LOPES, T. Law of value and theories of value: symmetrical critique of classical and neoclassical political economy. Leiden: Brill, 2022.
  • COCKSHOTT, P.; COTTRELL, A. Towards a new socialism Nottingham: Spokesman, 1993.
  • DESAI, M. The Walrasian Socialism of Oskar Lange. In: BELLOFIORE, R.; KARWOWSKI, W.; TOPOROWSKI, J. The legacy of Rosa Luxemburg, Oskar Lange and Michal Kalecki v. 1 of Essays in Honour of Tadeusz Kowalik. New York: Palgrave Macmillan, 2014. p. 154-164.
  • FISHER, W. D. Oskar Ryszard Lange, 1904-1965. Econometrica, New Haven, v. 34, n. 4, p. 733-738, 1966.
  • FRIEDMAN, M. Lange on price flexibility and employment: a methodological criticism. The American Economic Review, [s. l.], v. 36, n. 4, p. 613-631, 1946.
  • FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Correspondência política de Oskar Lange para Oswaldo Aranha (03/08/1951) Rio de Janeiro: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil, 1951. Disponível em: http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo-pessoal/OA/textual/carta-de-oscar-lange-a-oswaldo-aranha-explicando-os-objetivos-da-conferencia-sobre-economia-internacional-a-realizar-se-em-moscou-e-pedindo-sugest Acesso em: 22 jun. 2022.
    » http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/arquivo-pessoal/OA/textual/carta-de-oscar-lange-a-oswaldo-aranha-explicando-os-objetivos-da-conferencia-sobre-economia-internacional-a-realizar-se-em-moscou-e-pedindo-sugest
  • HICKS, J. R. Mr. Keynes and the “Classics”: a suggested interpretation. Econometrica, New Haven, v. 5, n. 2, p. 147-159, 1937.
  • HOCHFELD, J. Oskar Lange as a theoretician of historical materialism. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in Honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964.
  • HOCKUBA, Z.; BRZEZINSKI, M. “Ekonomia Polityczna” Oskara Langego. In: WILKIN, J. (Ed.). Czym jest ekonomia polityczna dzisiaj? Warszawa: Wydział Nauk Ekonomicznych Uniwersytet Warszawski, 2004. p. 33-60. Disponível em: http://coin.wne.uw.edu.pl/mbrzezinski/research/ Acesso em: 22 jun. 2022.
    » http://coin.wne.uw.edu.pl/mbrzezinski/research/
  • HOCKUBA, Z.; BRZEZINSKI, M. Oskara Langego syntezy teorii ekonomicznych. In: SADOWSKI, Z. (ed.). Oskar Lange a współczesnosc Waszawa, Polskie Towarzytwo Ekonomiczne, 2005. p. 289-312. Disponível em: http://coin.wne.uw.edu.pl/mbrzezinski/research/ Acesso em: 22 jun. 2022.
    » http://coin.wne.uw.edu.pl/mbrzezinski/research/
  • HURWICZ, L. On the concept and possibility of informational decentralization. The American Economic Review, [s. l.], v. 59, n. 2, p. 513-524, 1969.
  • HUBERMAN, L.; LANGE, O. The Polish October: an interview with Oscar Lange. Monthly Review, v. 8, n. 9, p. 328-333, 1957.
  • JABLONOWSKI, M. Markets on a (computer) chip? New perspectives on economic calculation. Science & Society, v. 75, n. 3, p. 400-418, 2011.
  • KALECKI, M. Foreword. In: LANGE, O. Papers in economics and sociology (1930-1960) London: Pergamon Press, 1970.
  • KEYNES, J. M. Comments on Mr. Keynes and “Finance” by D. H. Robertson. The Economic Journal, v. 48, n. 190, p. 314-322, 1938.
  • KOWALIK, T. Biography of Oskar Lange. In: COMITÊ ORGANIZADOR DO 60o ANIVERSÁRIO DE OSKAR LANGE (Ed.). On political economy and econometrics: essays in honour of Oskar Lange. Warszawa: Polish Scientific Publishers Pergamon Press, 1964.
  • KOWALIK, T. Oskar Lange. In: EATWELL, J. et al. (Ed.). The New Palgrave Problems of the planned economy. London: The Macmillan Press, 1990. 4v.
  • KOWALIK, T. Lange, Oskar Ryszard (1904-1965). In: DURLAUF, S.; BLUME, L. (Ed.). The New Palgrave A dictionary of economics. London: The Macmillan Press, 1990. (Versão atualizada e expandida de Kowalik, 1990).
  • LAMPA, R. Scientific rigor and social relevance: the two dimensions of Oskar R. Lange’s early economic analysis. (1931-1943). These Abstract. Journal of the History of Economic Thought, Abingdon, v. 33, n. 4, p. 557-559, 2011.
  • LAMPA, R. When science meets revolution: the influence of Rosa Luxemburg on Oskar Lange’s early project (1931-1945). In: BELLOFIORE, R.; KARWOWSKI, W.; TOPOROWSKI, J. The legacy of Rosa Luxemburg, Oskar Lange and Michal Kalecki v. 1 of Essays in Honour of Tadeusz Kowalik. New York: Palgrave Macmillan, 2014.
  • LAMPA, R. A ‘Walrasian Post-Keynesian’ model? Resolving the paradox of Oskar Lange’s 1938 theory of interest. Cambridge Journal of Economics, Cambridge, v. 38, n. 1, p. 6386, 2014b.
  • LAMPA, R. Between anti-bureaucratism and technocratic democratisation: was Oskar Lange’s socialist theory tightrope walking? In: TOPOROWSKI, J. (Ed.). Polish Marxism after Luxemburg, research in political economy. Bingley: Emerald Publishing Limited, 2022. v. 37, p. 157-171. Doi: 10.1108/S0161-723020220000037010.
    » https://doi.org/10.1108/S0161-723020220000037010
  • LAZZARINI, A.; BRONDINO, G. Sraffa’s visit to China in 1954. Scott Carter Blog, [s. l.], 27 Sept. 2016. Disponível em: https://sraffaarchive.org/f/sraffa%E2%80%99s-visit-to-china-in-1954 Acesso em: 22 jun. 2022.
    » https://sraffaarchive.org/f/sraffa%E2%80%99s-visit-to-china-in-1954
  • LANGE, O. Ludwik Krzywicki – theorist of historical materialism. In: LANGE, O. Papers in economics and sociology (1930-1960) London: Pergamon Press, 1970.
  • LANGE, O.; BREIT, M. [1934]. The way to the socialist planned economy. Trad. Jan Toporowski. History of Economics Review, v. 37, n. 1, p. 51-71, 2003.
  • LANGE, O. Marxian economics and modern economic theory. The Review of Economic Studies, Oxford, v. 2, n. 3, p. 189-201, 1935.
  • LANGE, O. On the economic theory of socialism: part one. The Review of Economic Studies, Oxford, v. 4, n. 1, p. 53-71, 1936.
  • LANGE, O. The place of interest in the theory of production. The Review of Economic Studies, Oxford, v. 3, n. 3, p. 159-192, 1936b.
  • LANGE, O. On the economic theory of socialism: part two. The Review of Economic Studies, Oxford, v. 4, n. 2, p. 123-142, 1937.
  • LANGE, O. The rate of interest and the optimum propensity to consume. Economica. New Series, v. 5, n. 17, p. 12-32, 1938.
  • LANGE, O. The foundations of welfare economics. Econometrica, New Haven, v. 10, n. 3/4, p. 215-228, 1942.
  • LANGE, O. Say’s law: a restatement and criticism. In: LANGE, O. et al. (Ed.). Studies in mathematical economics and econometrics Chicago: [s. n.], 1942b.
  • LANGE, O. The theory of the multiplier. Econometrica, New Haven, v. 11, n. 3/4, p. 227-245, 1943.
  • LANGE, O. Price flexibility and employment Bloomington: The Principia Press, 1944.
  • LANGE, O. The Scope and method of economics. The Review of Economic Studies, Oxford, v. 13, n. 1, p. 19-32, 1945a.
  • LANGE, O. Marxian economics in the Soviet Union. The American Economic Review, v. 35, n. 1, p. 127-133, 1945b.
  • LANGE, O. Moderna economia política Princípios gerais. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1963.
  • LANGE, O. Preface to the Polish edition. In: LANGE, O. Papers in economics and sociology (1930-1960) London: Pergamon Press, 1970.
  • LANGE, O. Introdução à econometria Rio de Janeiro: Fundo de Cultura Econômica, 1963.
  • LANGE, O. Introducción a la economía cibernética Madrid: Siglo Veintiuno, 1969.
  • LANGE, O. The computer and the market. In: FEINSTEIN, C. H. (Ed.). Socialism, capitalism and economic growth: essays presented to Maurice Dobb. Cambridge: Cambridge University Press, 1967. p. 158-161.
  • LANGE, O. Economía política. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 1981. v. II.
  • LANGE, O. Papers in economics and sociology (1930-1960) London: Pergamon Press, 1970.
  • LAVOIE, D. Computation, incentives and discovery: the cognitive function of markets in market socialism. The Annals of the American Academy of Political and Social Science, v. 507, n. 1, p. 72-79, 1990.
  • LIMA, J. C. A translucidez da antropofagia tupinambá. Espaço Ameríndio, Porto Alegre, v. 11, n. 1, p. 195-218, 2017.
  • LUXEMBURG, R. Reform or revolution London: Militant Publications, 1986. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/luxemburg/1900/reform-revolution/index.htm Acesso em: 5 set. 2019.
    » https://www.marxists.org/archive/luxemburg/1900/reform-revolution/index.htm
  • LUXEMBURG, R. The Junius Pamphlet The crisis of German social democracy. Zurich: [s. n.], 1916. Disponível em: https://www.marxists.org/archive/luxemburg/1915/junius/index.htm Acesso em: 22 jun. 2022.
    » https://www.marxists.org/archive/luxemburg/1915/junius/index.htm
  • LUXEMBURG, R. Introduction to political economy. In: HUDIS, P. (Ed.). The complete works of Rosa Luxemburg New York: Verso, 2014. v. I.
  • MARX, K.; ENGELS, F. Manifest der Kommunistischen Partei Paderborn: Voltmedia, 2004.
  • MAZUREK, M. Polish economists in Nehru’s India: making science for the third world in an era of de-stalinization and decolonization. Slavic Review, v. 77, n. 3, p. 588-610, 2018.
  • MISES, L. V. Die Wirtschaftsrechnung im sozialistischen Gemeinwesen. Archiv für Sozialwissenschaften, v. 47. Versão em inglês: Mises, L. von ([1920] 1935). Economic Calculation in the Socialist Commonwealth. In: Hayek, F. A. (1935). London: Collectivist Economic Planning, 1920.
  • NIETO, M. Entrepreneurship and Decentralised Investment in a Planned Economy, Historical Materialism, v. 30, n. 1, p. 133-163, 2021.
  • PARLAMENTARES POLONESES AFIRMAM: Brasil e Polônia juntos pela paz. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, ed. 20545, 19 mar. 1960. Disponível em: http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_07&pagfis=2831&u#. Acesso em: 22 jun. 2022.
    » http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_07&pagfis=2831&u#
  • POMERANZ, L. Apresentação. In: LANGE, O. Ensaios sobre planificação econômica São Paulo: Abril Cultural, 1986.
  • PRYCHITKO, D. L. Marxism and decentralized socialismo. Critical Review, [s. l.], v. 2, n. 4, p. 127-148, 1988.
  • RUBIN, G. Oskar Lange and the Walrasian interpretation of IS-LM. Journal of the History of Economic Thought, Abingdon, v. 38, n. 3, p. 285-309, 2016.
  • RATAJCZAK, M. Polish economics and the Polish economy: a study for the twentieth anniversary of transition in Poland. The History of Economic Thought, Abingdon, v. 51, n. 2, 2009.
  • SADLER, C. Pro-Soviet Polish-Americans: Oskar Lange and Russia’s friends in the Polonia, 1941-1945. The Polish Review, Warsaw, v. 22, n. 4, p. 25-39, 1977.
  • SANTA CRUZ, H. Cooperar o perecer El dilema de la comunidad mundial. Tomo I: Los años de creación: 1941-1960. Buenos Aires: Grupo Editor Latinoamericano, 1984.
  • SHAPIRO, D. Reviving the socialist economic calculation debate: a defense of Hayek against Lange. Social Philosophy and Policy, Cambridge, v. 6, n. 2, p. 139-159, 1989.
  • SOUZA, L. E. S. Oskar Lange, a ciência e a planificação econômica. Revista de Economia Política e História Econômica, [s. l.], n. 3, p. 75-88, 2005.
  • STALIN, J.; LANGE, O.; MOLOTOV, V. M. (1944). Record of the Conversation of Comrade I. V. Stalin and Comrade V. M. Molotov with Polish Professor Lange May 17, 1944, History and Public Policy Program Digital Archive, Source: AVPRF, f.6, op. 6, p. 42, d. 546, I. 53 -70. Contributed by Anna Cienciala and translated by Michael Thurman. Disponível em: http://digitalarchive.wilsoncenter.org/document/123131 Acesso em: 3 out. 2023.
    » http://digitalarchive.wilsoncenter.org/document/123131
  • SZYMCZAK, R. Oskar Lange, American Polonia, and the Polish-Soviet Dilemma during World War II: the republic partisan as private emissary. The Polish Review, Warsaw, v. 40, n. 1, p. 3-27, 1995a.
  • SZYMCZAK, R. Oskar Lange, American Polonia, and the Polish-Soviet Dilemma during World War II: making the case for a “People’s Poland” [part two]. The Polish Review, Warsaw, v. 40, n. 2, p. 131-157, 1995b.
  • TOPOROWSKI, J. Lange and Keynes. SOAS Department of Economics Working Paper Series, n. 170. London: The School of Oriental and African Studies, 2012.
  • TOPOROWSKI, J. Michal Kalecki: an intellectual biography. Palgrave Macmillan, 2018.
  • UNIVERSITY OF CHICAGO. Guide to the Oskar Lange Papers 1936-1944. Chicago: University of Chicago Library, 2006. Disponível em: https://www.lib.uchicago.edu/e/scrc/findingaids/view.php?eadid=ICU.SPCL.LANGE Acesso em: 22 jun. 2022.
    » https://www.lib.uchicago.edu/e/scrc/findingaids/view.php?eadid=ICU.SPCL.LANGE
  • WANG, B.; LI, X. Big data, platform economy and market competition: a preliminary construction of plan-oriented market economy system in the information era. World Review of Political Economy, [s. l.], v. 8, n. 2, p. 138-161, 2017.
  • YOTOPOULOS, P. A. Review of political economy, vol. 1, General Problems. By Oskar Lange. The American Economic Review, [s. l.], v. 54, n. 6, p. 1090-1093, 1964.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    05 Set 2019
  • Aceito
    26 Abr 2023
Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas, Publicações Rua Pitágoras, 353 - CEP 13083-857, Tel.: +55 19 3521-5708 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: publicie@unicamp.br