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A padroeira da revolução: Aparecida e o Golpe Civil-Militar de 1964

The female patron saint of the revolution: Aparecida and the 1964 Civilian-Military Coup

La patrona de la revolución: Aparecida y el Golpe Cívico-Militar de 1964

Resumo

Este artigo tem como objetivo discutir o uso da figura de Nossa Senhora Aparecida no contexto do Golpe de 1964 e nas Marchas da Família com Deus pela Liberdade. A partir das manifestações públicas do clero do Santuário Nacional de Aparecida, busca-se compreender de que forma os símbolos e os sentimentos religiosos foram mobilizados pelos grupos políticos em confronto no contexto de crise que levou ao Golpe de 1964, e, ao mesmo tempo, discutir o papel da Igreja Católica no golpe e nas marchas que legitimaram a derrubada de João Goulart.

Palavras-chave:
Aparecida; Golpe; Ditadura; Igreja Católica; Marcha da Família com Deus pela Liberdade

Abstract

This article aims to discuss the use of the figure of Our Lady of Aparecida in the context of the 1964 Coup and the Family Marches with God for Freedom. Based on the public manifestations of the clergy of the National Shrine of Aparecida, it seeks to understand how opposing political groups mobilized religious symbols and feelings in the context of the crisis that led to the 1964 Coup and, at the same time, to discuss the role of the Catholic Church in the coup and in the marches that legitimized the overthrow of João Goulart.

Keywords:
Aparecida; Coup d’etat; Dictatorship; Catholic Church; Family March with God for Freedom

Resumen

Este artículo tuvo por objetivo discutir la utilización de la figura de Nuestra Señora de Aparecida en el contexto del Golpe de 1964 y de las Marchas de la Familia con Dios por la Libertad. A partir de las manifestaciones públicas del clero del Santuario Nacional de Aparecida, se pretende comprender cómo los símbolos y sentimientos religiosos fueron movilizados por los grupos políticos enfrentados en el contexto de la crisis que llevó al Golpe de 1964 y, al mismo tiempo, discutir el papel de la Iglesia Católica en el golpe y en las marchas que legitimaron el derrocamiento de João Goulart.

Palabras clave:
Aparecida; Golpe; Dictadura; Iglesia Católica; Marcha de la Familia con Dios por la Libertad

Introdução

Em março de 1964 aproximava-se a hora do tão aventado desfecho para os grupos políticos que passaram os últimos meses armando-se em linhas de ataque e defesa da ordem constituída e da legalidade no Brasil. De um lado, as esquerdas, imaginando-se vitoriosas antes mesmo da batalha final, pressionavam pelo fim da “política de conciliação” de Jango e pelo aprofundamento das reformas, “na lei ou na marra” (Ferreira, 2006FERREIRA, Jorge. Sociedade e esquerdas no Brasil: da legalidade democrática às reformas de base (1961-1964). In: MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes (org.). Democracia e ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: Eduerj, 2006. p. 89-108.: 97). Em oposição, as direitas, amedrontadas, mas decididas a “defender a ordem legal”, buscavam maneiras de “salvar a República”. Fez-se o impasse e o resultado do embate é amplamente conhecido. Em 31 de março de 1964, veio o golpe que encerrou a experiência democrática iniciada em 1945.

O movimento civil-militar que derrubou o presidente João Goulart, além do apoio do governo norte-americano (Fico, 2008FICO, Carlos. O grande irmão: da operação Brother Sam aos anos de chumbo: o governo dos Estados Unidos e a Ditadura Militar Brasileira. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008. ), reuniu diferentes grupos sociais, entre empresários, grande parte da imprensa e das classes médias, lideranças eclesiásticas e militares. Era, portanto, uma aliança heterogênea, que, unida ao redor de valores comuns, empreendeu o golpe nas trincheiras de defesa da democracia, da família e da Constituição (Cordeiro, 2009CORDEIRO, Janaina Martins. Direitas em movimento: a Campanha da Mulher pela Democracia e a Ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. ; Ferreira, 2006FERREIRA, Jorge. Sociedade e esquerdas no Brasil: da legalidade democrática às reformas de base (1961-1964). In: MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes (org.). Democracia e ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: Eduerj, 2006. p. 89-108. ; Reis, 2014REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil: do Golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. ). É bem verdade que a maioria não desejava uma longa ditadura, mas naquele momento todos concordavam que era preciso uma intervenção salvadora que livrasse o país “do comunismo, da subversão e da corrupção” (Reis, 2014REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil: do Golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.: 44).

Segundo Daniel Aarão Reis ( 2014REIS, Daniel Aarão. Ditadura e democracia no Brasil: do Golpe de 1964 à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Zahar, 2014.: 47), um grande medo unia os segmentos sociais que apoiaram o Golpe: um “processo de redistribuição de renda e de poder que pudesse sair do controle e levar o país à desordem e ao caos, ameaçando instituições e valores”. Embora fosse um contexto de estabelecimento de novos espaços de debate, difusão de conhecimentos, expressões artísticas, movimentos de alfabetização e conscientização político-social e acesso aos bens culturais (Ridenti, 2008RIDENTI, Marcelo. Canetas e fuzis: intelectuais e artistas brasileiros nos anos 1960/70. In: REIS, Daniel Aarão; ROLLAND, Denis (org.). Modernidades alternativas. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008. p. 25-38.: 25), não se deve esquecer que “as forças da tradição não deixaram de atuar com expressiva força no país, reforçando mitos ou crenças de um país católico, conciliador, afeito aos costumes, à moralidade, à hierarquia e à ordem social” (Zanotto, 2020ZANOTTO, Gizele. Vozes dissonantes no catolicismo em tempos de ditadura (1964-1985). In: GONÇALVES, Leandro Pereira; REZOLA, Maria Inácia (org.). Igrejas e ditaduras no mundo lusófono. Recife: EDUPE, 2020. p. 95-132.: 98).

Além de um medo real , muitos se reconheciam como instrumentos da providência divina e acreditavam que a vitória do golpe só tinha sido possível porque Deus estava com eles, sob as bênçãos de Nossa Senhora. Na perspectiva da direita católica, a revolução também foi feita contra os católicos de esquerda, que queriam reformar as Sagradas Escrituras, o ensino dos papas, a doutrina social da Igreja e até o próprio Deus, como denunciou uma matéria publicada por um jornal católico mineiro após o golpe (O Lampadário, 1964aO LAMPADÁRIO. Juiz de Fora, 26 abr. 1964a.: 3).

Portanto, a religião ocupou um papel significativo no discurso legitimador do golpe. Daí a importância de compreender de que forma os universos da luta política e os sentidos próprios da religião se misturaram em 1964 a ponto de os vencedores afirmarem que “foi Deus que ganhou a revolução” (O Lampadário, 1964aO LAMPADÁRIO. Juiz de Fora, 26 abr. 1964a. ). Do mesmo modo, é importante observar como a figura de Nossa Senhora, em particular, foi mobilizada pelos grupos conservadores. De acordo com Rodrigo Patto Sá Motta ( 2020MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). 2. ed. Niterói, RJ: Eduff, 2020.: 218), Nossa Senhora de Fátima e o rosário animaram a fé dos crentes e ocuparam posição destacada no imaginário anticomunista católico dos anos 1960. 1 1 A rigor, a Virgem de Fátima foi uma das figuras mais evocadas nas campanhas anticomunistas da Igreja Católica ao longo do século XX, sobretudo nos anos 1960. A devoção a Virgem, que teria aparecido para três pastorinhos na Cova da Iria, em 1917 — ano da Revolução Russa —, mobilizou diversos setores católicos, em Portugal e no mundo inteiro, a empunhar o rosário contra o crescimento das forças ateístas. Nas palavras de Rodrigo Patto Sá Motta ( 2020: 124-125), “a aparição da Virgem às três crianças portuguesas significava uma demonstração aos homens, uma chamada para que recobrassem a fé e o ‘caminho reto’ indicado pela Igreja”. Nesse sentido, se em Portugal a figura de Nossa Senhora de Fátima emitiu sinais contra as políticas nacionais e internacionais da Primeira República, agravando as relações as tensões entre Estado e Igreja, no Brasil a imagem da Virgem serviu como símbolo da luta contra o comunismo, que queria aniquilar a Igreja Católica (Pereira, 2000: 44). Nas Marchas da Família com Deus pela Liberdade de Belo Horizonte, por exemplo, Fátima apareceu como um grande ícone cristão contra o comunismo entre os cartazes dos manifestantes. No entanto, em outros locais, foi justamente a imagem de Nossa Senhora Aparecida que assumiu de forma mais apropriada a identidade nacional evocada nas marchas, sendo proclamada a verdadeira padroeira da revolução .

Assim, a mobilização da figura de Nossa Senhora Aparecida pelas direitas em 1964 conforma interessante aspecto que nos permite refletir não só sobre a posição da Igreja Católica em relação ao golpe, mas também sobre determinados valores compartilhados por amplos segmentos sociais nos momentos iniciais de instauração da ditadura. Por isso, neste artigo buscarei analisar como a imagem de Nossa Senhora Aparecida, um dos maiores símbolos nacionais e da devoção popular brasileira, foi apropriada pelos grupos conservadores às vésperas do Golpe de 1964. Ao mesmo tempo, com base nas manifestações públicas dos padres redentoristas, responsáveis pela administração da Basílica de Aparecida, no interior de São Paulo, discutirei o papel do Santuário Nacional no Golpe e nas Marchas da Família com Deus pela Liberdade, que respaldaram a intervenção civil-militar.

Padroeira das reformas?

Em 13 de março de 1964, Jango decidiu se aproximar das esquerdas ao convocar aquele que seria o primeiro e único comício das reformas na Central do Brasil. Ao lado de Leonel Brizola e Miguel Arraes, e falando improvisadamente para um público de aproximadamente 350 mil pessoas, o presidente anunciou a assinatura de vários decretos, dentre eles o da Superintendência da Reforma Agrária (Supra), que previa a desapropriação de terras ao longo dos eixos rodoferroviários em benefício da reforma agrária. A medida empolgou as esquerdas, pois aquele parecia ser o fim da “política de conciliação”. Por outro lado, para as direitas, o comício fez soar o alerta de que um golpe estava sendo tramado pelo presidente, unido às forças de esquerda.

No entanto, os decretos não foram os únicos pontos que alarmaram as direitas. Vale lembrar que a religião não foi preterida no comício da Central. Em seu discurso, Jango dizia ter o “inolvidável papa João XXIII” ao seu lado. Ao denunciar “a indústria do anticomunismo”, o presidente asseverou que os rosários da fé não poderiam ser levantados contra o povo, que acreditava em uma justiça social mais humana e na dignidade das suas esperanças (Fico, 2014aFICO, Carlos. Além do Golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2014a.: 286). Assim, para defender as reformas de base, Jango fez referência a duas grandes representações do catolicismo: o papado e o rosário. Porém, curiosamente, apenas a menção ao rosário incomodou as direitas. Em São Paulo, mulheres católicas da União Cívica Feminina (UCF) que rezavam o terço na praça da Sé ficaram sobressaltadas: como o presidente poderia se referir ao rosário daquela maneira? Como o terço, ícone da devoção popular, poderia ser levantado contra o seu próprio povo? Como o rosário de Nossa Senhora, Mãe de todos os brasileiros, poderia servir como um obstáculo para os seus próprios filhos?

Nenhuma das mulheres questionou a menção de Jango ao papa, pois, ainda que reconhecessem que o magistério pontifício era um símbolo de autoridade e legitimidade para a Igreja Católica, os grupos femininos e, em geral, todos os setores das direitas organizadas, nutriam certa desconfiança em relação às encíclicas sociais de João XXIII e seus apelos ao diálogo, inclusive com comunistas. Como observado por Wellington Teodoro da Silva ( 2018SILVA, Wellington Teodoro da. Catolicismo e Golpe de 1964. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2018.: 46), desde a convocação do Concílio Vaticano II, em 1961, grupos conservadores haviam se afastado do papa e chegaram a aventar a possibilidade de Moscou ter conseguido infiltrar agentes no Vaticano durante o conclave que elegeu João XXIII. Embora a referência de Jango ao papa não tenha mobilizado as direitas, o aceno ao catolicismo progressista reforçou a sua relação com as esquerdas e os estudantes, principalmente a Ação Católica e União Nacional dos Estudantes (UNE), que admiravam João XXIII, costumavam discutir suas encíclicas e chegaram a propor o nome do pontífice ao Prêmio Nobel da Paz em 1963. Assim, naquele momento operou-se um movimento interessante: enquanto as esquerdas buscaram legitimidade no magistério papal — mais distante da maior parte dos leigos —, as direitas apelaram para a devoção popular, mais próxima do cotidiano da maioria dos católicos.

Grupos femininos, com o apoio do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPÊS), articularam-se com setores eclesiásticos, udenistas e várias entidades cívicas para oferecer uma resposta à suposta ofensa de Jango com um movimento de desagravo ao rosário, que teve início em São Paulo, mas logo ganhou força em grande parte do país. Aos poucos, e ao sabor do medo de que Goulart planejava romper a legalidade constitucional para levar adiante o seu programa reformista, o movimento de desagravo ganhou contornos mais amplos. A palavra “rosário” foi retirada do nome do ato para garantir a presença de grupos diversos. Dessa forma, mesmo os não católicos, que poderiam não ver Nossa Senhora como mãe, sentiram-se filhos da mesma pátria, supostamente ameaçada pelo comunismo. Era chegada a hora de dizer que “basta, senhor presidente!”, e clamar para que “as Forças Armadas realizassem uma intervenção ‘moralizadora’ das instituições” (Presot, 2010PRESOT, Aline. Celebrando a “revolução”: as Marchas da Família com Deus pela Liberdade e o Golpe de 1964. In: ROLLEMBERG, Denise; QUADRAT, Samantha Viz (org.). A construção social dos regimes autoritários: legitimidade, consenso e consentimento no século XX: Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 71-96.: 74). Nasciam as Marchas da Família com Deus pela Liberdade.

Em 19 de março, dedicado a São José, padroeiro da família e da Igreja Universal, cerca de 500 mil pessoas tomaram as ruas do centro de São Paulo para defender o rosário, os valores da família e pedir a saída de João Goulart da presidência. Em ritmo de passeata — e de procissão —, mulheres rezavam seus terços enquanto outros manifestantes levavam faixas e cartazes com palavras de ordem contra Jango e mensagens anticomunistas, como “verde e amarelo, sem foice e sem martelo” (O Jornal, 1964aO JORNAL. Rio de Janeiro, 18 mar. 1964a. ). Junto aos devotos militantes, muitos políticos de direita, como Carlos Lacerda e Adhemar de Barros, engrossaram o coro “tá chegando a hora de Jango ir embora”, cantado pela multidão (Presot, 2010PRESOT, Aline. Celebrando a “revolução”: as Marchas da Família com Deus pela Liberdade e o Golpe de 1964. In: ROLLEMBERG, Denise; QUADRAT, Samantha Viz (org.). A construção social dos regimes autoritários: legitimidade, consenso e consentimento no século XX: Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 71-96.: 77). Dias depois, a cidade de Santos também levaria uma marcha para as ruas em nome de Deus, da Pátria e da Família.

De acordo com Janaina Cordeiro ( 2021CORDEIRO, Janaina Martins. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade em São Paulo: direitas, participação política e golpe no Brasil, 1964. In: ROLLEMBERG, Denise; CORDEIRO, Janaina Martins (org.). Por uma revisão crítica: ditadura e sociedade no Brasil. Salvador: Sagga, 2021. p. 221-236.: 223), a Marcha de São Paulo e de Santos foram expressão “de um consenso defensivo em torno do qual as direitas já vinham se organizando desde a posse de Goulart e, em especial, a partir da gradual radicalização do governo em meados de 1963”. Portanto, ao menos no plano retórico, diferentemente das outras crises que assolaram a República em 1954, 1955 e 1961, as direitas, em marcha, defenderam a ordem democrática e a legalidade constitucional em 1964 (Ferreira, 2006FERREIRA, Jorge. Sociedade e esquerdas no Brasil: da legalidade democrática às reformas de base (1961-1964). In: MARTINHO, Francisco Carlos Palomanes (org.). Democracia e ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: Eduerj, 2006. p. 89-108.: 108). Contudo, é preciso considerar que, tal como demonstrado por Rodrigo Patto Sá Motta ( 2020MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). 2. ed. Niterói, RJ: Eduff, 2020.: 66-67), a utilização do argumento democrático pelas direitas não significava afirmar a participação popular em contraposição ao autoritarismo comunista, mas opor a ordem à chamada “ameaça revolucionária”, que por sua vez destruiria as instituições-base do mundo ocidental: Deus, Pátria e Família.

De todo modo, as direitas consideraram as marchas um sucesso. Acreditavam que haviam vencido o embate simbólico com as esquerdas pelas ruas e pelo catolicismo. Afinal, a rigor, os grupos conservadores levaram mais pessoas para as ruas do que o Comício da Central. Para os organizadores das marchas, a defesa do rosário havia sido capaz de empolgar muito mais a população do que as referências ao papa João XXIII e à doutrina social da Igreja. De fato, embora a Marcha de São Paulo não tenha sido endossada pelo arcebispo d. Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta — apoiador da reforma agrária e próximo de Jango (Mathias, 2023MATHIAS, Mathews Nunes. Nossa Senhora da ditadura: o Santuário Nacional de Aparecida e o Regime Militar (1963-1972). 2023. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, 2023.: 70-89) —, não foram poucos os símbolos religiosos acionados pelas pessoas que marcharam contra Goulart em março de 1964. Da mesma forma, não se pode esquecer da participação ativa de padres e freiras nas marchas.

Renato Cancian ( 2016CANCIAN, Renato. Conflito Igreja-Estado no período da Ditadura Militar: revisitando aspectos teóricos das abordagens institucionais. Revista Angelus Novus, São Paulo, ano 7, n. 11, p. 99-120, 2016.: 109) destaca que “foram poucos, com fraca ou nenhuma influência institucional, os membros do clero, sobretudo pertencentes à hierarquia, que apoiaram enfaticamente as marchas”. Porém é preciso ir além do apoio ativo e considerar os clérigos que silenciaram ou foram indiferentes àquelas manifestações. É bem verdade que parte da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) defendia as reformas sociais propostas por Jango (Krischke, 2012KRISCHKE, Paulo. A CNBB e o Golpe Militar de 1964. Santa Catarina: Letras Contemporâneas, 2012. ), mas não a ponto de organizar um movimento de apoio ao presidente, considerando-se inclusive que sobre o episcopado pairavam muitas dúvidas sobre as intenções políticas de Goulart e o desfecho da crise. Na verdade, às vésperas do golpe, o sentimento de temor diante do avanço do comunismo estava disseminado em diversos setores da sociedade, inclusive entre os bispos.

De todo modo, apesar da forte onda anticomunista expressa nas ruas de São Paulo, as marchas mereceram o desprezo das esquerdas (Ferreira, 2011FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.: 438). Em primeiro lugar, simplesmente por lembrarem uma grande procissão católica. Em segundo, por serem consideradas manifestações de classe média, sem “o suor do salário-mínimo” (Castro, 1984CASTRO, Marcos de. 64: conflito Igreja × Estado. Petrópolis, RJ: Vozes, 1984.: 80). Aliás, até hoje, para determinado imaginário de esquerda e para a memória sacralizada por setores progressistas da Igreja Católica, as Marchas da Família com Deus pela Liberdade representam o ápice da organização das direitas na luta a favor da intervenção militar, mas quase sempre são lembradas com tons maniqueístas ou condenatórios. Ignorando a força do pensamento conservador brasileiro, que nos anos 1960 se identificava com a cultura política udenista, é muito comum que as marchas sejam vistas como manifestações de donas de casa manipuladas pelo clero, pelos maridos e pelos militares, que se apropriaram do rosário para defender a família, a religião e a Pátria. Porém, como argumenta Janaina Cordeiro ( 2021CORDEIRO, Janaina Martins. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade em São Paulo: direitas, participação política e golpe no Brasil, 1964. In: ROLLEMBERG, Denise; CORDEIRO, Janaina Martins (org.). Por uma revisão crítica: ditadura e sociedade no Brasil. Salvador: Sagga, 2021. p. 221-236.: 222), as marchas também expressaram “anseios e receios cotidianos” e indicaram “os limites que a proposta reformista de Goulart” encontrou não só entre as elites, mas entre segmentos mais amplos da sociedade. No mesmo sentido, a forma como a figura de Nossa Senhora e o rosário foram mobilizados nas marchas também pode apontar as resistências ao modo como determinados setores da Igreja e as esquerdas católicas se posicionavam diante da crise política, acionando as determinações do Concílio Vaticano II e as encíclicas Mater et Magistra e Pacem in Terris , do papa João XXIII, para defender as reformas de base (Silva, 2010SILVA, Wellington Teodoro da. Diálogo por cima dos muros: as encíclicas de João XXIII e o desenvolvimentismo católico brasileiro. Revista Brasileira de História das Religiões, Maringá, PR, v. 3, n. 8, 2010. ).

Após a marcha de São Paulo, Neusa Goulart Brizola pensou em convocar uma manifestação de mulheres com a Liga Feminina da Guanabara e o Movimento Nacionalista Feminino, em resposta às manifestações de direita que pediam a deposição de Jango (Ferreira, 2011FERREIRA, Jorge. João Goulart: uma biografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.: 438). Francisco Julião também planejou uma espécie de “Marchas das Ligas Camponesas”, buscando mobilizar os sentidos da devoção ao Padre Cícero (Silva, 2018SILVA, Wellington Teodoro da. Catolicismo e Golpe de 1964. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2018.: 49). A Ação Católica de São Paulo e de Belo Horizonte também divulgaram manifestos, com a anuência dos respectivos arcebispos, contra “o uso político dos sentimentos religiosos do povo”. Nenhuma das iniciativas se concretizou ou fez frente às Marchas da Família com Deus pela Liberdade em São Paulo. Era tarde demais para que as esquerdas compreendessem o valor político da ocupação religiosa do espaço público naquele momento.

Por Aparecida, marchamos

Apesar do desprezo das esquerdas, o fato é que o espírito das marchas se interiorizou. Em Aparecida, do alto dos púlpitos, há muito tempo os padres redentoristas, responsáveis pela administração do Santuário Nacional, denunciavam o comunismo 2 2 As posições anticomunistas do clero de Aparecida remontam a 1945, quando o então arcebispo de São Paulo, d. Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, organizou uma noite de vigília e de preces, com grupos operários, contra o retorno do Partido Comunista Brasileiro (PCB) à legalidade e requisitou que a imagem de Aparecida fosse levada até o centro de São Paulo para o evento, que ficou conhecido como Noite de Nossa Senhora (Mathias, 2023: 76). a que “o governo João Goulart estava levando o Brasil” (Alvarez, 2017ALVAREZ, Rodrigo. Aparecida: a biografia da santa que perdeu a cabeça, ficou negra, foi roubada, cobiçada pelos políticos e conquistou o Brasil. 2. ed. São Paulo: Globo, 2017.: 210). Em agosto de 1963, dias antes de um jogo decisivo entre Santos e Corinthians, o jornal Última Hora, ligado ao trabalhismo e à agenda reformista de Jango, publicou uma charge em que a imagem de Nossa Senhora Aparecida, com feições negras, abençoava ambas as equipes, com um ponto de interrogação sobre a cabeça (Última Hora, 1963ÚLTIMA HORA. São Paulo, 27 ago. 1963. ). A ousadia do jornal, ao se valer da imagem para fazer uma ironia com os pedidos de intercessão feitos pelos jogadores que estiveram em Aparecida antes do jogo, não foi bem compreendida por grande parte da população, que, inflamada pelos protestos dos padres da Rádio Aparecida, foram às ruas do Vale do Paraíba para se manifestar contra o jornal, identificando-o como de esquerda e acusando-o de ser dominado por “forças ateístas e sem Deus” (Última Hora, 1963ÚLTIMA HORA. São Paulo, 27 ago. 1963. ). Naquela ocasião, protestos contra o jornal foram convocados em todo o país, e vários políticos de direita tomaram parte nas manifestações, que se uniram aos protestos contra a visita do presidente da Iugoslávia, Josip Bros Tito, a convite de Jango, em setembro de 1963 (Mathias, 2023MATHIAS, Mathews Nunes. Nossa Senhora da ditadura: o Santuário Nacional de Aparecida e o Regime Militar (1963-1972). 2023. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, 2023.: 34-47).

Depois do episódio da charge sacrílega em 1963, a cidade de Aparecida e os redentoristas estavam dispostos a combater o comunismo ateu novamente. As ondas da Rádio Aparecida espalharam a indignação contra o discurso de Jango no comício da Central por todo o Vale do Paraíba, e uniram grupos marianos contra os ataques à Constituição e a “fina flor da canalha esquerdista” que havia se reunido com o presidente no Rio de Janeiro (Alvarez, 2017ALVAREZ, Rodrigo. Aparecida: a biografia da santa que perdeu a cabeça, ficou negra, foi roubada, cobiçada pelos políticos e conquistou o Brasil. 2. ed. São Paulo: Globo, 2017.: 210). Depois da marcha de São Paulo, os padres redentoristas passaram a incentivar a participação dos aparecidenses nas Marchas da Família com Deus pela Liberdade e a organizar vigílias, com rezas do terço, para espantar o perigo vermelho .

No dia 29 de março de 1964, domingo de Páscoa, o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, foi recebido com toda pompa e circunstância pelo padre Pedro Fré na Basílica de Aparecida. Acompanhado da esposa, dona Sylvia Mazzilli, se juntou aos acólitos na procissão de entrada e ao pequeno número de fiéis que acordaram cedo para a missa da aurora. Ao final da celebração, o padre apresentou aos devotos o “homem importante” que visitava a basílica e ofereceu o microfone ao deputado para que ele dissesse algumas palavras. Mazzilli anunciou a boa nova em alto e bom som: Jango estava com os dias contados na presidência. Não entrou em detalhes, mas pediu para que os fiéis rezassem uma Ave-Maria com ele e rogassem que a padroeira do Brasil protegesse o país. Horas depois, os redentoristas revelaram-se profetas dos novos tempos e escreveram em seus diários: “a revolução vem aí!” (Alvarez, 2017ALVAREZ, Rodrigo. Aparecida: a biografia da santa que perdeu a cabeça, ficou negra, foi roubada, cobiçada pelos políticos e conquistou o Brasil. 2. ed. São Paulo: Globo, 2017.: 210).

No dia seguinte, Jango selou o seu destino ao comparecer à festa da posse da nova diretoria da Associação dos Sargentos, no Automóvel Clube do Rio de Janeiro. Ladeado por ministros do governo e pelo cabo Anselmo, além de fuzileiros navais envolvidos na revolta dos marinheiros — que reivindicaram o reconhecimento de sua associação, a melhoria da alimentação a bordo dos navios e dos quartéis e a reformulação do regulamento disciplinar da Marinha —, o presidente fez o seu último discurso para uma plateia de 2 mil pessoas. Mais uma vez, Jango tentou medir forças com as direitas em torno do catolicismo ao recorrer às encíclicas de João XXIII e aos discursos de d. Hélder Câmara para defender as reformas de base. O presidente e a maior parte das esquerdas mantinham a crença de que os brasileiros que haviam aderido às Marchas da Família eram manipulados e explorados pelos “políticos que mais pregaram ódio” e pela propaganda do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) (Fico, 2014aFICO, Carlos. Além do Golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e a Ditadura Militar. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 2014a.: 319). Para os reformistas, era inconcebível que Nossa Senhora se tornasse aquilo que se tornou horas depois do discurso de Jango: a padroeira da revolução .

Muito antes do golpe, o general Olympio Mourão Filho ( 1978MOURÃO FILHO, Olympio. Memórias: a verdade de um revolucionário. Porto Alegre: L&PM, 1978. ) costumava passar pelo Santuário Nacional de Aparecida para pedir à santa que o iluminasse na missão de “salvar a Pátria”, sob a liderança de “um Chefe graduado com 4 estrelas”. Em 1962, o futuro golpista escreveu em seu diário:

Quando eu ainda estava no Comando da 2ª RM, numa viagem de automóvel de São Paulo para o Rio, passando por Aparecida do Norte, fiz uma prece ardente à padroeira do Brasil, rogando-lhe fervorosamente que me desse forças para conseguir ser ouvido e entendido pelos Generais. Eles eram os únicos que poderiam tomar uma atitude decisiva, eu me julgava pouco graduado, tão desvalido e sem prestígio no Exército, que me pareciam intransponíveis os obstáculos à execução de tão grandiosa missão. Que Nossa Senhora Aparecida inspirasse um general do Exército, prestigioso, comandante ou não de tropas. Muitas vezes durante a rápida oração, eu me lembrara do general Arthur da Costa e Silva

(Mourão Filho, 1978MOURÃO FILHO, Olympio. Memórias: a verdade de um revolucionário. Porto Alegre: L&PM, 1978.: 233).

A santa só atenderia às suas preces dois anos depois. Às 4 horas do dia 31 de março de 1964, quando as tropas de Mourão Filho partiram de Juiz de Fora em direção ao Rio de Janeiro, os mineiros entraram em “vigília democrática”. Católicos foram conclamados pelo arcebispo de Juiz de Fora, d. Geraldo Maria de Morais Penido, a permanecerem “fiéis na confiança em Deus, na proteção de Nossa Senhora Aparecida, no amor da pátria e na defesa das instituições” (Silva, 2018SILVA, Wellington Teodoro da. Catolicismo e Golpe de 1964. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2018.: 276). Naquele momento decisivo, o medo do comunismo somava-se ao temor pela iminência de uma guerra civil. Todos os conspiradores esperavam grande resistência da parte de Jango (Fico, 2014bFICO, Carlos. O Golpe de 1964: momentos decisivos. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014b.: 74). Por isso, na maior parte das igrejas e capelas de Minas Gerais, fiéis rezaram o rosário para que “o Brasil fosse reconduzido à tranquilidade sem derramamento de sangue” (O Lampadário, 1964bO LAMPADÁRIO. Juiz de Fora, 31 mar. 1964b.: 1).

De fato, quase não houve resistência ao movimento iniciado por Mourão. Suas tropas não precisaram disparar um único tiro. A guerra civil, temida pelas direitas e pelas esquerdas, não aconteceu e o governo João Goulart caiu como um castelo de cartas. Isso não quer dizer que a estranha derrota 3 3 A expressão “estranha derrota” foi empregada por Marc Bloch ( 2011 ) ao referir-se à queda desmoralizante da França diante da invasão nazista em maio de 1940. das esquerdas em 1964 foi incruenta. A rigor, poucos atos de violência foram verificados, mas, para mencionar apenas em um exemplo, os estudantes Jonas José de Albuquerque Barros e Ivan Rocha Aguiar resistiram à prisão do governador Miguel Arraes e foram brutalmente assassinados pela repressão policial em Pernambuco ainda no dia 1º de abril de 1964 (Fico, 2014bFICO, Carlos. O Golpe de 1964: momentos decisivos. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2014b.: 59). Além disso, as inúmeras ações arbitrárias, como prisões sem mandato e interrogatórios coercitivos, ocorreram logo após o golpe, inaugurando uma onda autoritária de violência política que não deve ser perdoada e ignorada.

Ainda assim, entre as direitas prevaleceu o mito da “vitória sem sangue”. Para muitos, assim como a abolição da escravidão havia sido feita em paz e por obra de caridade da princesa Isabel, o golpe milagrosamente teria vencido o comunismo sem derramamento de sangue (Silva, 2018SILVA, Wellington Teodoro da. Catolicismo e Golpe de 1964. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2018.: 273). O milagre logo foi atribuído a Nossa Senhora, que teria atendido ao chamado da arma pacífica do rosário e salvado o Brasil. Para políticos de direita com forte atuação nos movimentos de desestabilização do governo João Goulart, como Carlos Lacerda e Adhemar de Barros, Deus e Nossa Senhora Aparecida não haviam perdido a “carteira de cidadania brasileira” para o comunismo (O Lampadário, 1964aO LAMPADÁRIO. Juiz de Fora, 26 abr. 1964a.: 2). Em memória da famosa Cruzada do Rosário em Família, liderada pelo padre irlandês Patrick Peyton, 4 4 A Cruzada do Rosário em Família foi um movimento católico criado pelo padre irlandês Patrick Peyton na década de 1940, com o objetivo de difundir a reza do terço e combater o comunismo com orações em família. No Brasil, as cruzadas aconteceram entre 1961 e 1964 e arrastaram milhões de devotos por várias cidades do país, com o lema “a família que reza unida, permanece unida” (Guisolphi, 2018 ). católicos conservadores celebraram a vitória da “Augusta Rainha que, pela mediação junto a Deus, esmagou a cabeça da serpente”, esta representando o comunismo (Silva, 2018SILVA, Wellington Teodoro da. Catolicismo e Golpe de 1964. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2018.: 272). Ninguém deveria duvidar que a

arma da revolução vitoriosa foi o Terço da Mãe de Deus e dos homens, arma silenciosa e pacífica, que destroça os inimigos da civilização cristã, ainda que o ex-presidente da República tenha dito que o terço rezado pelas mulheres brasileiras não impediria as suas reformas de base (comunistas)!

(O Lampadário, 1964aO LAMPADÁRIO. Juiz de Fora, 26 abr. 1964a. apud Silva, 2018SILVA, Wellington Teodoro da. Catolicismo e Golpe de 1964. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2018.: 272)

Por isso, quando as tropas de Mourão, regressando do Rio de Janeiro, chegaram a Juiz de Fora, a maior parte da população, que tinha visto com muita apreensão os soldados descerem a serra, saudou o retorno dos militares com ação de graças a Nossa Senhora Aparecida. Naquele momento a padroeira foi alçada ao cargo de generalíssima do Exército Brasileiro por ter comandado a vitória (Semana Religiosa, 1964bSEMANA RELIGIOSA. Belo Horizonte, 17 maio 1964b.: 1).

A partir de abril de 1964, acreditando respirar “o oxigênio da liberdade democrática”, milhares de pessoas marcharam por várias cidades do país não mais para clamar pela salvação do Brasil, mas para celebrar a vitória da revolução redentora (Cordeiro; 2021CORDEIRO, Janaina Martins. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade em São Paulo: direitas, participação política e golpe no Brasil, 1964. In: ROLLEMBERG, Denise; CORDEIRO, Janaina Martins (org.). Por uma revisão crítica: ditadura e sociedade no Brasil. Salvador: Sagga, 2021. p. 221-236. ; Presot, 2010PRESOT, Aline. Celebrando a “revolução”: as Marchas da Família com Deus pela Liberdade e o Golpe de 1964. In: ROLLEMBERG, Denise; QUADRAT, Samantha Viz (org.). A construção social dos regimes autoritários: legitimidade, consenso e consentimento no século XX: Brasil e América Latina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. p. 71-96. ). Em 2 de abril, Nossa Senhora Aparecida abençoou a chamada Marcha da Vitória, que levou quase 1 milhão de pessoas às ruas do centro do Rio de Janeiro. Assim como em Juiz de Fora, Aparecida foi louvada por seu milagre — a revolução incruenta — no Rio de Janeiro. Assim que a imagem da padroeira do Brasil foi projetada no palanque, onde estavam representantes de várias religiões, como a umbanda, o cristianismo ortodoxo e o protestantismo, o povo aplaudiu gritando: “Brasil! Brasil! Brasil!” (Correio da Manhã, 1964aCORREIO DA MANHÃ. Rio de Janeiro, 3 abr. 1964a.: 1). Naquele momento, ao olhar para Aparecida, os manifestantes viam não só a imagem da Virgem Maria, que mobilizava a fé de milhões de brasileiros há séculos, mas a imagem da Mãe Pátria, que em certa medida podia ser acolhida inclusive por grupos não católicos. Na Tijuca, Zona Norte do Rio de Janeiro, ainda naquele abril de vivas à revolução , fiéis causaram congestionamentos ao realizarem uma procissão com a imagem de Aparecida à frente da multidão (Correio da Manhã, 1964cCORREIO DA MANHÃ. Rio de Janeiro, 22 abr. 1964c.: 3).

Nos meses que sucederam o golpe, várias romarias foram organizadas para a Basílica de Aparecida como forma de ação de graças pelo afastamento do comunismo das terras brasileiras. Uma delas foi convocada pelo arcebispo do Rio de Janeiro, d. Jaime Câmara. Visto que a Marcha da Vitória havia sido um sucesso de público, o cardeal considerou que era preciso ir mais longe e agradecer à santa pessoalmente, em seu maior templo, no interior de São Paulo. Por isso organizou uma peregrinação de diocesanos cariocas até o Santuário Nacional, a fim de que todos, juntos, pudessem “manifestar o mais sincero reconhecimento pela graça que a proteção da Padroeira do Brasil havia outorgado maternalmente ao brasileiro” ao livrá-lo do “perigo vermelho” (Correio da Manhã, 1964bCORREIO DA MANHÃ. Rio de Janeiro, 19 abr. 1964b.: 15). A iniciativa de d. Jaime também foi seguida pelos devotos de Capivari, que encontraram os cariocas na rodovia Presidente Dutra e seguiram com eles para Aparecida (O Estado de S. Paulo, 1964O ESTADO DE S. PAULO. São Paulo, 16 abr. 1964. ).

Em Niterói, no dia 15 de maio, a avenida Amaral Peixoto foi ornamentada com faixas verdes e amarelas para receber o arcebispo da cidade, d. Antônio Morais Júnior, e os “heróis da revolução”, generais Mourão Filho, Carlos Luís Guedes, Antônio Carlos Muricy e Manuel Lisboa. A organização da marcha, a cargo de Maria José de Sousa Cid, uma das coordenadoras da Campanha da Mulher pela Democracia (Camde), 5 5 Sobre a atuação da Camde no contexto do golpe, ver Cordeiro ( 2009 ). contou com a participação de 200 mil pessoas, reunindo fiéis de Niterói, Nova Friburgo, Maricá, Itaboraí, São Gonçalo, Petrópolis e alguns municípios da Baixada Fluminense. Na Praça da República, ponto de encerramento da procissão, um grande painel com um mapa do Brasil, um retrato do marechal Castello Branco e uma imagem enorme de Nossa Senhora Aparecida foi colocado sobre um palco, onde discursou o governador do estado, general Paulo Francisco Torres, recém-empossado no cargo após a cassação de Badger da Silveira (Jornal do Brasil, 1964JORNAL DO BRASIL. Rio de Janeiro, 13 maio 1964.: 3). O cenário montado, em que a imagem da padroeira do Brasil figurava ao lado do primeiro presidente militar, sintetizava os sentidos que o catolicismo mobilizou entre as direitas nas marchas: Aparecida, a Rainha do Brasil, abençoava a revolução e o novo país que os militares queriam construir.

Em 13 de maio, dia de Nossa Senhora de Fátima, santa muito evocada nas lutas contra o comunismo desde o início do século XX, fez-se a festa revolucionária na cidade de Aparecida. Apesar do mau tempo, cerca de 10 mil pessoas se reuniram, por volta das 15 horas, na esplanada da nova Basílica, a fim de iniciarem mais uma Marcha da Família com Deus pela Liberdade rumo à Basílica Velha. Na praça Nossa Senhora Aparecida, a multidão foi recebida por um grande arco do triunfo, encimado por bandeiras de todos os estados do Brasil, simbolizando a vitória da democracia sobre o comunismo. Conforme as recomendações da comissão organizadora da Marcha de Aparecida, o comércio local manteve suas portas fechadas durante todo o dia para que os trabalhadores marchassem até a Basílica Velha ao toque dos bumbos da banda do 5º Batalhão de Polícia de Taubaté (O Jornal, 1964bO JORNAL. Rio de Janeiro, 14 maio 1964b. ).

Da Marcha de Aparecida participaram estudantes, trabalhadores, militares e representantes de todos os bairros e outros municípios do Vale do Paraíba, portando faixas e cartazes com imagens da padroeira e dizeres que agradeciam à santa por seu milagre . O número de romeiros empolgou os padres redentoristas, que se orgulhavam de ter profetizado a vitória da revolução após a visita de Mazzilli ao Santuário. O entusiasmo foi tanto que os religiosos tentaram garantir a participação de ninguém menos do que o artífice da “intervenção salvadora”, o marechal Castello Branco. Em abril, o vigário da Basílica, padre Fré, chegou a ir até Ouro Preto convidar o presidente pessoalmente para prestigiar a marcha da padroeira da revolução em Aparecida. Recém-empossado e fortemente cercado por seguranças, Castello estava assumindo seu primeiro compromisso público como presidente da República nos festejos da Semana de Tiradentes, na companhia de Magalhães Pinto. O padre Fré acabou não conseguindo ter um encontro formal com o presidente, mas pediu ao general Mourão Filho, presente na comitiva do marechal, que entregasse o convite a Castello em nome de toda a comunidade de Aparecida (Alvarez, 2017ALVAREZ, Rodrigo. Aparecida: a biografia da santa que perdeu a cabeça, ficou negra, foi roubada, cobiçada pelos políticos e conquistou o Brasil. 2. ed. São Paulo: Globo, 2017.: 213).

Castello recebeu o recado de Mourão com muita honra, mas lamentou estar muito ocupado com o novo governo. Por essa razão, enviou um telegrama ao padre, declinando solenemente do convite: “Agradeço a V. Revma. Pelo convite para assistir à missa de ação de graças pela vitória democrática e comunico-lhe impossibilidade de comparecimento” (Alvarez, 2017ALVAREZ, Rodrigo. Aparecida: a biografia da santa que perdeu a cabeça, ficou negra, foi roubada, cobiçada pelos políticos e conquistou o Brasil. 2. ed. São Paulo: Globo, 2017.: 213). O presidente realmente não foi ao Santuário, mas mandou duas sobrinhas, que o representaram. As Filhas de Maria de Fátima, que haviam preparado uma placa de prata com os dizeres “O terço nos deu a vitória. Que ele nos dê a paz para um Brasil maior” para entregar ao presidente, ficaram um pouco desapontadas (Semana Religiosa, 1964aSEMANA RELIGIOSA. Belo Horizonte, 10 maio 1964a.: 1). Porém, apesar da ausência de Castello, não faltaram autoridades na missa celebrada pelo bispo auxiliar de Aparecida, d. Antônio Macedo.

O prefeito da cidade, Aristeu Vieira Vilela, que fez questão de abrir crédito especial no valor de 150 mil cruzeiros para as despesas com a Marcha (Aparecida, 1964APARECIDA. Lei nº 1.025, de 19 de maio de 1964. Abre crédito especial na importância de Cr$ 150.000,00 — cento e cinquenta mil cruzeiros — para despesas com a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Aparecida, SP: Prefeitura Municipal, 1964. ), uniu-se ao presidente da Câmara Municipal de Aparecida, Pedro Goussain, e ao coronel Rufino Freire, comandante do 5º BP de Taubaté, que representava o governador do Estado, Adhemar de Barros. O general de brigada, Álvaro Tavares do Carmo, da Infantaria Divisionária do quartel general de Caçapava, representou o general Amaury Kruel, comandante do II Exército. O deputado Broca Filho, na ausência de Ranieri Mazzilli, representou a Câmara Federal. Durante a missa, romeiros e autoridades entoaram cânticos de louvor a Nossa Senhora Aparecida, “grande mediadora diante de Deus para as questões brasileiras” (Silva, 2018SILVA, Wellington Teodoro da. Catolicismo e Golpe de 1964. Belo Horizonte: Editora PUC Minas, 2018.: 272), e vigilante no aprofundamento da operação-limpeza a ser promovida pelos militares.

Assim, a Marcha de Aparecida coroou a padroeira do Brasil como a autêntica padroeira da revolução , e sintetizou o encontro entre pátria e religião que a ditadura foi capaz de propiciar sob os aplausos e louvores de muitos devotos patriotas. Nesse sentido, no contexto do Golpe de 1964, a figura de Nossa Senhora Aparecida foi uma das expressões da união de valores comuns não só entre parte da Igreja e os militares, mas também entre a ditadura em seus momentos iniciais de instauração e a sociedade. Um encontro que se deu nas ruas, em verde, amarelo e o azul do manto da Mãe Aparecida, transfigurada em Mãe Pátria.

Considerações finais

A análise da apropriação da imagem de Nossa Senhora Aparecida pelas direitas no contexto do Golpe de 1964 demonstra não apenas a força da religião no discurso legitimador do rompimento institucional, mas também — ainda que não somente — os limites que o reformismo de Jango encontrava entre as elites políticas e eclesiásticas. Entre os 10 mil devotos que estiveram em Aparecida em maio de 1964 para celebrar a vitória do golpe, é difícil ver uma grande massa “sem vontades, sem certezas” e manipulada (Cordeiro, 2021CORDEIRO, Janaina Martins. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade em São Paulo: direitas, participação política e golpe no Brasil, 1964. In: ROLLEMBERG, Denise; CORDEIRO, Janaina Martins (org.). Por uma revisão crítica: ditadura e sociedade no Brasil. Salvador: Sagga, 2021. p. 221-236.: 222). Afinal, os referenciais simbólicos que eram associados à padroeira do Brasil, como o civismo, o patriotismo, a fraternidade e a união de todos os brasileiros independentemente de cor, credo e gênero, estavam longe de serem compartilhados apenas pelas elites.

Como lembra Solange de Deus Simões ( 1985SIMÕES, Solange de Deus. Deus, pátria e família: as mulheres no Golpe de 1964. Petrópolis, RJ: Vozes, 1985.: 106), os organizadores das marchas buscaram fortalecer ainda mais o apelo ideológico, na medida em que recorriam aos valores morais e religiosos internalizados na população. Isso não quer dizer que a Marcha de Aparecida e outras tantas que se seguiram ao Golpe de 1964 tenham tido um cunho popular; também não se subestima o trabalho de organização e propaganda das passeatas por associações civis e eclesiásticas, mas se quer destacar o quanto a figura de Nossa Senhora Aparecida mobilizava amplos setores da sociedade a partir de sentimentos patrióticos e religiosos.

É certo que Nossa Senhora Aparecida não foi mobilizada apenas pelas direitas. O presidente João Goulart também buscou abrigo nos mantos da padroeira, ao colocar aos pés da sua imagem o pedido das reformas de base, inspiradas nas encíclicas de João XXIII. Porém, de modo geral, as esquerdas desprezaram a capacidade de mobilização que a figura de Aparecida poderia ter entre a população. Apostando na autoridade papal e nas encíclicas de João XXIII, Jango e os reformistas acusaram os grupos conservadores de manipularem a fé dos católicos, pois acreditavam que o verdadeiro catolicismo deveria estar com as reformas. Quando as direitas ocuparam as ruas com terços nas mãos e clamando por uma intervenção divina e militar, os grupos reformistas enxergaram um movimento de classe média e de donas de casa ludibriadas por seus maridos e por padres conservadores. Aquela não poderia ser a verdadeira Igreja. Aquele não poderia ser o verdadeiro povo. Assim, em 1964, enquanto as esquerdas ficaram apegadas ao peso da palavra do papa, as direitas se mobilizaram a partir do rosário e da figura de Nossa Senhora, símbolos da religiosidade popular, que foram capazes de reunir milhares de pessoas em marchas em defesa de Deus, da Pátria e da família.

Por fim, a atuação dos padres redentoristas a favor do golpe e a sua participação ativa na Marcha de Aparecida sinalizaram uma aproximação entre o Santuário Nacional e os militares, que não se encerrou em 1964. Pelo contrário, a memória de Nossa Senhora Aparecida como padroeira da revolução justificou o pedido do presidente Castello Branco para que a imagem da santa deixasse o Santuário em 1965 e fizesse a maior peregrinação da sua história, visitando vários estados do país em nome do combate ao comunismo e em celebração pela vitória do golpe. Em 1967, nas festividades do Jubileu de 250 anos de Aparecida, os padres redentoristas, sem nenhum constrangimento, receberam o presidente Costa e Silva como convidado de honra do Santuário. Em 1971, no auge do milagre e da repressão, o governo Médici construiu a famosa Passarela da Fé, que liga a Basílica Velha à Basílica Nova. Portanto, a atuação dos padres redentoristas e a própria identificação dos militares com a figura da padroeira do Brasil talvez tenha sido a maior expressão da boa convivência da ditadura com uma parte da Igreja durante os primeiros anos do regime (Mathias, 2023MATHIAS, Mathews Nunes. Nossa Senhora da ditadura: o Santuário Nacional de Aparecida e o Regime Militar (1963-1972). 2023. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, 2023. ). Mais que isso, o uso da imagem de Aparecida representou a capacidade da ditadura de suscitar apoios e alcançar legitimidade por meio de referências e valores compartilhados por parcelas significativas da sociedade. Um desses valores era precisamente a devoção a Nossa Senhora Aparecida, venerada como padroeira há séculos, figura invocada na Colônia, no Império e na República, nas democracias e nas ditaduras.

Apesar de todas essas evidências, que indicam uma arquitetura complexa de relações com a ditadura, o Santuário Nacional ainda veste um denso véu de silêncio sobre o regime militar. Na esteira do mito da resistência, construído pela Igreja Católica ao longo dos anos 1970 e diante das posições progressistas adotadas no presente, sobretudo por parte dos dois últimos arcebispos de Aparecida, d. Raymundo Damasceno e d. Orlando Brandes, o Santuário tem silenciado sobre os seus laços com o poder autoritário no passado. Entretanto, reconhecer que Nossa Senhora Aparecida foi vestida com o manto de padroeira da revolução em 1964 não mancha os bordados democráticos que hoje estão presentes na maior parte das suas invocações, mas serve como um convite à reflexão sobre as bases sociais e históricas do autoritarismo no Brasil.

Referências

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Notas

  • 1
    A rigor, a Virgem de Fátima foi uma das figuras mais evocadas nas campanhas anticomunistas da Igreja Católica ao longo do século XX, sobretudo nos anos 1960. A devoção a Virgem, que teria aparecido para três pastorinhos na Cova da Iria, em 1917 — ano da Revolução Russa —, mobilizou diversos setores católicos, em Portugal e no mundo inteiro, a empunhar o rosário contra o crescimento das forças ateístas. Nas palavras de Rodrigo Patto Sá Motta ( 2020MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o perigo vermelho: o anticomunismo no Brasil (1917-1964). 2. ed. Niterói, RJ: Eduff, 2020.: 124-125), “a aparição da Virgem às três crianças portuguesas significava uma demonstração aos homens, uma chamada para que recobrassem a fé e o ‘caminho reto’ indicado pela Igreja”. Nesse sentido, se em Portugal a figura de Nossa Senhora de Fátima emitiu sinais contra as políticas nacionais e internacionais da Primeira República, agravando as relações as tensões entre Estado e Igreja, no Brasil a imagem da Virgem serviu como símbolo da luta contra o comunismo, que queria aniquilar a Igreja Católica (Pereira, 2000PEREIRA, Carlos Santos. Fátima na cruzada do século. História, Lisboa, n. 29, p. 38-46, 2000.: 44).
  • 2
    As posições anticomunistas do clero de Aparecida remontam a 1945, quando o então arcebispo de São Paulo, d. Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, organizou uma noite de vigília e de preces, com grupos operários, contra o retorno do Partido Comunista Brasileiro (PCB) à legalidade e requisitou que a imagem de Aparecida fosse levada até o centro de São Paulo para o evento, que ficou conhecido como Noite de Nossa Senhora (Mathias, 2023MATHIAS, Mathews Nunes. Nossa Senhora da ditadura: o Santuário Nacional de Aparecida e o Regime Militar (1963-1972). 2023. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, RJ, 2023.: 76).
  • 3
    A expressão “estranha derrota” foi empregada por Marc Bloch ( 2011BLOCH, Marc. A estranha derrota. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. ) ao referir-se à queda desmoralizante da França diante da invasão nazista em maio de 1940.
  • 4
    A Cruzada do Rosário em Família foi um movimento católico criado pelo padre irlandês Patrick Peyton na década de 1940, com o objetivo de difundir a reza do terço e combater o comunismo com orações em família. No Brasil, as cruzadas aconteceram entre 1961 e 1964 e arrastaram milhões de devotos por várias cidades do país, com o lema “a família que reza unida, permanece unida” (Guisolphi, 2018GUISOLPHI, Anderson José. Na mira contra as esquerdas: o catolicismo anticomunista nas Cruzadas do Rosário em Família na América Latina na década de 1960. Sæculum, João Pessoa, n. 39, p. 119-132, 2018. ).
  • 5
    Sobre a atuação da Camde no contexto do golpe, ver Cordeiro ( 2009CORDEIRO, Janaina Martins. Direitas em movimento: a Campanha da Mulher pela Democracia e a Ditadura no Brasil. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2009. ).
  • Fonte de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • Contribuição dos autores: Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    22 Dez 2023
  • Aceito
    07 Mar 2024
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