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Fatores preditivos de fibrilação atrial no pós-operatório de revascularização do miocárdio

RESUMO

Objetivo

Analisar as variáveis demográficas e perioperatórias preditivas de fibrilação atrial pós-operatória em pacientes brasileiros submetidos exclusivamente à cirurgia de revascularização do miocárdio.

Métodos

Trata-se de coorte retrospectiva. A amostra foi constituída de 105 prontuários de pacientes submetidos exclusivamente à revascularização do miocárdio no ano de 2014, selecionados aleatoriamente. Dados demográficos, clínicos (préoperatórios e do pós-operatório imediato) e relacionados ao procedimento cirúrgico foram coletados por meio de consulta ao prontuário. A ocorrência de fibrilação atrial no pós-operatório foi considerada até o terceiro dia após a cirurgia. As variáveis foram analisadas por estatística descritiva e inferencial. Para identificar os fatores preditivos de fibrilação atrial no pós-operatório, utilizou-se um modelo de árvore de decisão com algoritmo Classification and Regression Trees.

Resultados

A incidência de fibrilação atrial pós-operatória foi de 19,0% (n=20). Pacientes com átrio esquerdo >40,5mm e idade >64,5 anos foram aqueles com mais chance de desenvolver a arritmia no pós-operatório.

Conclusão

Tamanho do átrio esquerdo e idade avançada foram fatores preditivos de fibrilação atrial em pacientes submetidos exclusivamente à cirurgia de revascularização do miocárdio.

Fibrilação atrial; Arritmias cardíacas; Revascularização miocárdica; Procedimentos cirúrgicos cardíacos; Enfermagem cardiovascular; Cuidados críticos

ABSTRACT

Objective

To analyze predictive demographic and perioperative variables of postoperative atrial fibrillation in patients who underwent exclusively coronary artery bypass grafting.

Methods

This was a retrospective cohort. We randomly selected 105 medical records of patients who underwent exclusively coronary artery bypass grafting in 2014. Demographic, clinical (preoperative and immediate postoperative) data and related with surgical procedure were collected from medical records. The occurrence of postoperative atrial fibrillation was considered until the third day after the surgery. Variables were analyzed using descriptive and inferential statistics. To identify predictive factors of postoperative atrial fibrillation we used a decision tree model with Classification and Regression Trees algorithm.

Results

Atrial fibrillation incidence was 19.0% (n=20). Patients with left atrial >40.5mm and aged >64.5 years were more likely to develop the arrhythmia during the post-surgical period.

Conclusion

Left atrial diameter and advanced age were predictive factors of atrial fibrillation in patients who underwent exclusively coronary artery bypass grafting.

Atrial fibrillation; Arrhythmias, cardiac; Myocardial revascularization; Cardiac surgical procedures; Cardiovascular nursing; Critical care

INTRODUÇÃO

A fibrilação atrial (FA) é uma arritmia supraventricular caracterizada por atividade atrial caótica e de alta frequência, cujo registro eletrocardiográfico evidencia ondas f na linha de base, que variam em sua forma e amplitude.(11. Sociedade Brasileira de Cardiologia. Diretrizes Brasileiras de Fibrilação Atrial. Arq Bras Cardiol. 2009;92(6 Supl.1):1-39.) É uma das arritmias mais comuns no pós-operatório de cirurgia cardíaca, cujo pico de incidência ocorre até o terceiro dia de pós-operatório.(22. Tineli RA, Rosa e Silva Junior J, Luciano PM, Rodrigues AJ, Vicente WV, Evora PR. Atrial fibrillation and cardiac surgery: a never ending and always controversial history. Bras J Cardiovasc Surg. 2005;20(3):323-31. Portuguese.)

Estudos mostram que a incidência de FA no pós-operatório (FAPO) de cirurgia cardíaca varia de 10 a 60%. A literatura sugere que pacientes submetidos exclusivamente à cirurgia de revascularização do miocárdio (CRM) apresentam menor incidência de FAPO (15 a 40%) comparados àqueles que fazem essa cirurgia combinada à de troca valvar (62%).(33. Yadava M, Hughey AB, Crawford TC. Postoperative atrial fibrillation: incidence, mechanisms, and clinical correlates. Cardiol Clin. 2014;32(4):627-36. Review.) Embora o tipo de cirurgia possa influenciar na ocorrência da FAPO, não se observou diferença na incidência da arritmia em pacientes que realizaram cirurgia com e sem circulação extracorpórea (CEC).(33. Yadava M, Hughey AB, Crawford TC. Postoperative atrial fibrillation: incidence, mechanisms, and clinical correlates. Cardiol Clin. 2014;32(4):627-36. Review.,44. Bohatch Júnior MS, Matkovski PD, Di Giovanni FJ, Fenili R, Varella EL, Dietrich A. Incidence of postoperative atrial fibrillation in patients undergoing on-pump and off-pump coronary artery bypass grafting. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2015;30(3):316-24.)

Até recentemente, a FAPO era reconhecida como uma complicação benigna. Entretanto, uma revisão sistemática com metanálise mostrou que essa arritmia está associada a maiores taxas de mortalidade a curto e longo prazo. Os pacientes que desenvolveram FAPO apresentaram maior prevalência de complicações pós-operatórias, dentre as quais acidente vascular encefálico, pneumonia e insuficiência respiratória, além de maior tempo de hospitalização.(55. Phan K, Ha HS, Phan S, Medi C, Thomas SP, Yan TD. New-onset atrial fibrillation following coronary bypass surgery predicts long-term mortality: a systematic review and meta-analysis. Eur J Cadiothorac Surg. 2015;48(6):817-24. Review.)

O reconhecimento dos fatores associados à arritmia é fundamental para reforçar a vigilância e para monitorar os pacientes em risco, bem como para instituir medidas profiláticas, com vistas a evitar os efeitos deletérios da instalação da FAPO. Modelos de predição têm sido testados para estimar o risco de desenvolvimento de FAPO após cirurgia cardíaca.(66. Borde D, Gandhe U, Hargave N, Pandey K, Mathew M, Joshi S. Prediction of postoperative atrial fibrillation after coronary artery bypass grafting surgery: is CHA2 DS 2VASc score useful? Ann Card Anaesth. 2014;17(3):182-7.

7. Chua SK, Shyu KG, Lu MJ, Lien LM, Lin CH, Chao HH, et al. Clinical utility of CHADS2 and CHA2DS2-VASc scoring systems for predicting postoperative atrial fibrillation after cardiac surgery. J Thorac Cardiovasc Surg. 2013;146(4): 919-26. e1.
-88. Silva RG, Lima GG, Guerra N, Bigolin AV, Petersen LC. Risk index proposal to predict atrial fibrillation after cardiac surgery. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010;25(2):183-9. English, Portuguese.) Vários desses modelos foram propostos com base apenas em dados do pré, intra ou do pós-operatório isoladamente, e utilizaram modelos de predição de acidente vascular encefálico em pacientes com FA para predizer a FAPO ou analisaram pacientes que realizaram cirurgias cardíacas combinadas (revascularização associada à cirurgia valvar).(99. Hashemzadeh K, Dehdilani M, Dehdilani M. Postoperative atrial fibrillation following open cardiac surgery: predisposing factors and complications. J Cardiovasc Thorac Res. 2013;5(3):101-7.

10. Mariscalco G, Engström KG. Postoperative atrial fibrillation is associated with late mortality after coronary surgery, but not after valvular surgery. Ann Thorac Surg. 2009;88(6):1871-6.
-1111. Mariscalco G, Klersy C, Zanobini M, Banach M, Ferrarese S, Borsani P, et al. Atrial fibrillation after isolated coronary surgery affects late survival. Circulation. 2008;118(16):1612-8.) Ademais, os estudos que avaliam fatores preditivos de FAPO em população brasileira são escassos. Nesse contexto, faz-se relevante conhecer a contribuição de variáveis perioperatórias, analisadas conjuntamente, para o desenvolvimento da FAPO em pacientes brasileiros que realizaram CRM exclusiva.

OBJETIVO

Analisar as variáveis demográficas e perioperatórias preditivas de fibrilação atrial no pós-operatório em pacientes brasileiros submetidos exclusivamente à cirurgia de revascularização do miocárdio.

MÉTODOS

Trata-se de uma coorte retrospectiva, realizada em um único centro brasileiro. Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição proponente (protocolo número 995.451, número de CAAE: 42471715.7.0000.5392). Todas as recomendações éticas foram respeitadas pelos pesquisadores. Por se tratar de um estudo retrospectivo, os pesquisadores foram dispensados de aplicar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido aos pacientes cujos prontuários foram consultados.

A amostra foi constituída por 105 prontuários, selecionados aleatoriamente por sorteio. O cálculo amostral foi realizado considerando a prevalência de FAPO na CRM e o número médio de cirurgias realizadas por mês no período analisado. Para serem incluídos no sorteio, os prontuários deveriam pertencer a pacientes brasileiros, com 18 anos ou mais, de ambos os sexos, submetidos exclusivamente à CRM, entre os meses de janeiro a julho de 2014, em um hospital público especializado em cardiologia na cidade de São Paulo (SP). Foram excluídos os prontuários de pacientes com diagnóstico de FA préoperatória.

Para a realização do sorteio, foram obtidas as listas cirúrgicas mensais do período de interesse. Os pacientes com indicação de realização de CRM isolada foram identificados e receberam um código numérico. Fichas contendo os mesmos códigos numéricos foram inseridas em envelope pardo para se proceder ao sorteio. Com a finalidade de se evitarem efeitos da sazonalidade, foram sorteados 15 prontuários em cada mês.

As variáveis préoperatórias analisadas foram: idade, sexo, comorbidades, medicamentos em uso no domicílio, resultados de exames laboratoriais e do ecocardiograma. As variáveis relacionadas ao procedimento cirúrgico foram: tipo de cirurgia (eletiva ou de emergência), utilização de CEC, tempo de cirurgia e quantidade de enxertos. No pós-operatório imediato, foram obtidos os resultados dos exames laboratoriais e uso de fármacos vasoativos. A ocorrência de FAPO foi avaliada desde o pós-operatório imediato até o terceiro dia após a cirurgia, pois esse é o período de maior incidência da arritmia.(22. Tineli RA, Rosa e Silva Junior J, Luciano PM, Rodrigues AJ, Vicente WV, Evora PR. Atrial fibrillation and cardiac surgery: a never ending and always controversial history. Bras J Cardiovasc Surg. 2005;20(3):323-31. Portuguese.) O diagnóstico de FAPO foi considerado quando existisse diagnóstico médico documentado no prontuário por escrito de episódio novo de FA, isto é, ocorrida no pós-operatório, e instituição de medida terapêutica para o tratamento da arritmia.

Estatísticas descritiva e inferencial foram utilizadas para a análise dos dados. Para comparar os grupos com e sem FAPO com relação às variáveis categóricas foram utilizados o teste exato de Fisher e o teste χ2; para comparação das médias, foi utilizado o teste de Mann-Whitney, após teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov.

Para identificar os fatores preditivos de FAPO, utilizou-se um modelo de árvore de decisão com algoritmo Classification and Regression Trees (CART), no qual todas as variáveis perioperatórias foram incluídas. O modelo foi ajustado com todas as variáveis para predizer a FA.

Em cada nó da árvore, as variáveis são inspecionadas, para encontrar os pontos de corte que homogeneízem os grupos do desfecho (FAPO). No caso de valores faltantes na variável de separação, o segundo melhor preditor é utilizado como variável substituta naquele caso. Utilizou-se a validação cruzada, para possibilitar a generalização dos resultados da árvore para a população. Para aumentar a sensibilidade do modelo, utilizou-se custo da classificação errônea de dois para os casos de FA, isto é, para as estimativas da árvore de regressão, foi considerado que seria duas vezes pior classificar um paciente com FAPO como sem FAPO do que o contrário. O parâmetro de complexidade foi utilizado como critério de parada da árvore de decisão. Foram calculados os valores de sensibilidade, especificidade e precisão da árvore. O nível de significância adotado para todos os testes foi de 5%.

RESULTADOS

A incidência de FAPO foi de 19,0% (n=20). A tabela 1 mostra a comparação dos pacientes com e sem FAPO, em relação às variáveis demográficas e clínicas analisadas no préoperatório.

Tabela 1
Características demográficas e clínicas préoperatórias descritas nos prontuários analisados

Os pacientes que desenvolveram FAPO eram mais velhos e tinham menor prevalência de diabetes mellitus. A fração de ejeção do ventrículo esquerdo estava dentro dos limites de normalidade para os pacientes de ambos os grupos, porém o tamanho do átrio esquerdo foi significativamente maior naqueles que desenvolveram a arritmia no pós-operatório.

Estatina foi prescrita para os pacientes sem e com FAPO (81,2% versus 70,0%, respectivamente; p=0,358), além inibidores da enzima de cardioversão da angiotensina (64,7% versus 45,0%; p=0,104) e de antiarrítmicos (65,9 versus 60,0%; p=0,620). Os resultados dos exames laboratoriais préoperatórios não mostraram diferenças entre os pacientes com e sem FAPO (Tabela 2).

Tabela 2
Resultados dos exames laboratoriais préoperatórios descritos nos prontuários analisados

As cirurgias foram, em sua maioria, eletivas (n=95; 90,4%). Não foi observada diferença estatística entre os grupos sem e com FAPO em relação ao tipo de cirurgia (cirurgia eletiva: 92,9% versus 80,0%; p=0,094) e o número médio de enxertos realizados (2,7±0,7 versus 2,5±1,0; p=0,194). Não houve diferença entre os grupos com e sem FAPO na utilização ou não de CEC (60,0% versus 65,8%; p=0,620), tempo de CEC (47,2±41,7 minutos versus 58,6±47,8 minutos; p=0,289), tempo de anóxia (58,8±14,8 minutos versus 65,2±65,2 minutos, p=0,447) e tempo total de cirurgia (416,2±69,2 minutos versus 435,6±92,5 minutos; p=0,543).

No pós-operatório imediato, todos os pacientes estavam em uso de, pelo menos, um fármaco vasoativo, predominantemente a dobutamina, em ambos os grupos. Os resultados dos exames laboratoriais estão descritos na tabela 3.

Tabela 3
Valores mínimos, máximos e médios dos resultados dos exames laboratoriais do pós-operatório imediato

Embora os eletrólitos séricos estivessem dentro dos limites de normalidade, os pacientes que desenvolveram FAPO apresentaram o valor mínimo de cálcio sérico significativamente menor que aqueles que não desenvolveram FAPO.

Todos os pacientes apresentaram balanço hídrico positivo no pós-operatório imediato e não houve diferença entre os grupos no que se referiu a esta variável (2.691,6±724,5mL versus 2.404,2±1.293,9mL para pacientes com e sem FAPO, respectivamente; p=0,328).

A figura 1 mostra as variáveis preditivas de FAPO nesta amostra. Observa-se que o tamanho do átrio esquerdo foi a variável que melhor discriminou os pacientes com e sem FAPO. De acordo com a árvore de decisão, pacientes com átrio esquerdo ≥40,5mm e idade ≥64,5 anos tiveram mais chance de desenvolver a arritmia no pós-operatório. A sensibilidade desse modelo de predição foi de 65% e a especificidade, de 88,2%; os valores preditivo positivo e negativo, respectivamente, foram 56,5% e 91,5%; e a precisão foi de 83,8%.

Figura 1
Fatores preditivos para o desenvolvimento de fibrilação atrial no pós-operatório (FAPO) de cirurgia de revascularização do miocárdio. Nó 1: o tamanho do átrio esquerdo (40,5mm) foi a variável que melhor discriminou os pacientes que desenvolveram FAPO. Nó 2: o diagnóstico de hipertensão arterial discriminou os pacientes com e sem FAPO quando o tamanho do átrio esquerdo foi menor que 40,5mm. Nó 5: a idade discriminou os pacientes que desenvolveram FAPO quando o tamanho do átrio esquerdo foi >40,5mm

DISCUSSÃO

O presente estudo permitiu explorar conjuntamente a contribuição de variáveis perioperatórias na predição de FAPO em pacientes brasileiros submetidos exclusivamente à CRM. Ademais, por serem procedimentos cirúrgicos realizados no último ano, esses resultados levam em conta a utilização de técnicas cirúrgicas atuais, o que poderia influenciar no desfecho de interesse. Embora a amostra analisada seja pequena, os resultados apresentados fornecem subsídios para avançar na proposição de escores que estimam o risco de desenvolver a arritmia.

A incidência de FAPO foi de 19,0% (n=20), o que está de acordo com a literatura.(22. Tineli RA, Rosa e Silva Junior J, Luciano PM, Rodrigues AJ, Vicente WV, Evora PR. Atrial fibrillation and cardiac surgery: a never ending and always controversial history. Bras J Cardiovasc Surg. 2005;20(3):323-31. Portuguese.

3. Yadava M, Hughey AB, Crawford TC. Postoperative atrial fibrillation: incidence, mechanisms, and clinical correlates. Cardiol Clin. 2014;32(4):627-36. Review.
-44. Bohatch Júnior MS, Matkovski PD, Di Giovanni FJ, Fenili R, Varella EL, Dietrich A. Incidence of postoperative atrial fibrillation in patients undergoing on-pump and off-pump coronary artery bypass grafting. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2015;30(3):316-24.,1212. Haghjoo M, Saravi M, Hashemi MJ, Hosseini S, Givtaj N, Ghafarinejad MH, et al. Optimal beta-blocker for prevention of atrial fibrillation after on-pump coronary artery bypass graft surgery: carvedilol versus metoprolol. Heart Rhythm. 2007;4(9):1170-4.) A média de idade dos pacientes que desenvolveram FAPO foi significativamente maior do que a dos pacientes que não apresentaram arritmia. De fato, alterações anatômicas e funcionais relacionadas ao envelhecimento e ao agravamento das condições clínicas podem ter contribuído para esse achado. A idade avançada é um fator que tem sido descrito em diferentes estudos como de risco para o desenvolvimento de FAPO de cirurgias cardíacas.(33. Yadava M, Hughey AB, Crawford TC. Postoperative atrial fibrillation: incidence, mechanisms, and clinical correlates. Cardiol Clin. 2014;32(4):627-36. Review.,88. Silva RG, Lima GG, Guerra N, Bigolin AV, Petersen LC. Risk index proposal to predict atrial fibrillation after cardiac surgery. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010;25(2):183-9. English, Portuguese.,1313. El-Chami MF, Kilgo PD, Elfstrom KM, Halkos M, Thourani V, Lattouf OM, et al. Prediction of new onset atrial fibrillation after cardiac revascularization surgery. Am J Cardiol. 2012;110(5):649-54.,1414. Weidinger F, Schachner T, Bonaros N, Hofauer B, Lehr EJ, Vesely M, et al. Predictors and consequences of postoperative atrial fibrillation following robotic totally endoscopic coronary bypass surgery. Eur J Cardiothorac Surg. 2014;45(2):318-22.)

Estudo com o objetivo de identificar características préoperatórias preditivas de FAPO de CRM identificou que a idade foi o fator preditivo isolado mais importante de FAPO (OR=1,059/ano; intervalo de confiança de 95% − IC95%: 1,055-1,063).(1313. El-Chami MF, Kilgo PD, Elfstrom KM, Halkos M, Thourani V, Lattouf OM, et al. Prediction of new onset atrial fibrillation after cardiac revascularization surgery. Am J Cardiol. 2012;110(5):649-54.) Em outro estudo, que avaliou os fatores que influenciaram na ocorrência de FA após CRM endoscópica, verificou-se que a idade e o peso corporal foram os únicos fatores preditivos.(1414. Weidinger F, Schachner T, Bonaros N, Hofauer B, Lehr EJ, Vesely M, et al. Predictors and consequences of postoperative atrial fibrillation following robotic totally endoscopic coronary bypass surgery. Eur J Cardiothorac Surg. 2014;45(2):318-22.)

Os pacientes que desenvolveram FAPO apresentaram prevalência significativamente menor de diabetes. De acordo com a árvore de decisão, no entanto, o diagnóstico de diabetes não foi uma variável preditiva de FAPO. Embora alguns estudos apontem a influência do diabetes na incidência de FA, os resultados ainda são controversos.(1515. Kinoshita T, Asai T, Suzuki T, Kambara A, Matsubayashi K. Preoperative hemoglobin A1c predicts atrial fibrillation after off-pump coronary bypass surgery. Eur J Cardiothorac Surg. 2012;41(1):102-7.,1616. Schoen T, Pradhan AD, Albert CM, Conen D. Type 2 diabetes mellitus and risk of incident atrial fibrillation in women. J Am Coll Cardiol. 2012;60(15):1421-8.)

Não se observou associação das demais variáveis demográficas e comorbidades com o desenvolvimento de FAPO. Diferentemente, resultados do estudo de Framingham sugerem a associação entre sexo, hipertensão arterial e insuficiência cardíaca com o desenvolvimento de FA em pacientes comunitários.(1717. Schnabel RB, Sullivan LM, Levy D, Pencina MJ, Massaro JM, D’Agostino RB Sr, et al. Development of a risk score for atrial fibrillation (Framingham Heart Study): a community-based cohort study. Lancet. 2009;373(9665):739-45.) Ainda, há evidências de que a raça branca é um fator de risco independente de FAPO na CRM isolada.(1818. Nazeri A, Razavi M, Elayda MA, Lee VV, Massumi A, Wilson JM. Race/ethnicity and the incidence of new-onset atrial fibrillation after isolated coronary artery bypass surgery. Heart Rhythm. 2010;7(10):1458-63.)

Com relação aos dados ecocardiográficos préoperatórios, observou-se que os pacientes que desenvolveram a arritmia após a CRM tinham o átrio esquerdo maior do que aqueles que não desenvolveram FAPO. Ademais, o tamanho do átrio esquerdo foi a variável que melhor discriminou os pacientes que desenvolveram FAPO. Os mecanismos fisiopatológicos da FAPO não estão totalmente esclarecidos. Reconhece-se, no entanto, que fatores estruturais do coração parecem estar relacionados à maior vulnerabilidade para desenvolver a arritmia no pós-operatório, como o aumento do tamanho do átrio.(33. Yadava M, Hughey AB, Crawford TC. Postoperative atrial fibrillation: incidence, mechanisms, and clinical correlates. Cardiol Clin. 2014;32(4):627-36. Review.) A literatura registra que pacientes que desenvolveram FA após CRM tinham maior área atrial comparados aos que não desenvolveram a arritmia.(1919. Opolski MP, Staruch A, Kusmierczyk M, Witkowski A, Kwiecinska S, Kosek M, et al. Computed tomography angiography for prediction of atrial fibrillation after coronary artery bypass grafting: proof of concept. J Cardiol. 2015;65(4):285-92.)

Não se verificou associação das variáveis intraoperatórias com o desenvolvimento de FAPO. Em relação ao tipo de cirurgia, outros autores obtiveram resultados semelhantes aos do presente estudo.(88. Silva RG, Lima GG, Guerra N, Bigolin AV, Petersen LC. Risk index proposal to predict atrial fibrillation after cardiac surgery. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2010;25(2):183-9. English, Portuguese.) Quanto à utilização da CEC, pesquisadores concluíram que a CRM sem CEC não reduziu a incidência de FAPO.(44. Bohatch Júnior MS, Matkovski PD, Di Giovanni FJ, Fenili R, Varella EL, Dietrich A. Incidence of postoperative atrial fibrillation in patients undergoing on-pump and off-pump coronary artery bypass grafting. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2015;30(3):316-24.) Medidas que refletem o tempo intraoperatório de isquemia miocárdica, como o tempo de pinçamento aórtico, têm sido relatadas como fatores de risco de FAPO, embora a literatura ainda seja controversa a esse respeito.(33. Yadava M, Hughey AB, Crawford TC. Postoperative atrial fibrillation: incidence, mechanisms, and clinical correlates. Cardiol Clin. 2014;32(4):627-36. Review.,2020. Baeza VR, Garayar PB, Moran VS, Zalaquett SR, Irarrázaval Ll MJ, Becker RP, et al. [Risk factors for postoperative atrial fibrillation after coronary artery bypass grafting. A prospective analysis]. Rev Med Chil. 2007;135(8):967-74. Spanish.)

Os desequilíbrios eletrolíticos têm sido associados à ocorrência de FAPO na CRM.(33. Yadava M, Hughey AB, Crawford TC. Postoperative atrial fibrillation: incidence, mechanisms, and clinical correlates. Cardiol Clin. 2014;32(4):627-36. Review.) Verificou-se, no presente estudo, que níveis séricos mais baixos de cálcio no pós-operatório imediato se associaram com o desenvolvimento de FA, mas isso não discriminou, no modelo de árvore de decisão, os pacientes com e sem FAPO. De fato, tal resultado deve ser confirmado em estudos futuros, pois evidências sugerem que a sobrecarga de cálcio resultante da reperfusão de áreas isquêmicas é um dos mecanismos arritmogênicos subjacentes às arritmias no pós-operatório de cirurgias cardíacas.(2121. Pivatto Júnior F, Teixeira Filho GF, Sant’anna JR, Py PM, Prates PR, Nesralla IA, et al. Advanced age and incidence of atrial fibrillation in the postoperative period of aortic valve replacement. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2014;29(1):45-50.) Ademais, o uso de bloqueadores de canais de cálcio na profilaxia de FAPO é controverso.(2222. Koniari I, Apostolakis E, Rogkakou C, Baikoussis NG, Dougenis D. Pharmacologic prophylaxis for atrial fibrillation following cardiac surgery: a systematic review. J Cardiothorac Surg. 2010;5:121. Review.,2323. Davis EM, Packard KA, Hilleman DE. Pharmacologic prophylaxis of postoperative atrial fibrillation in patients undergoing cardiac surgery: beyond beta-blockers. Pharmacotherapy. 2010;30(7):749, 274e-318e. Review.)

Ainda que a associação entre proteína C-reativa com o desenvolvimento de FAPO não tenha sido observada no presente estudo, vale destacar que a literatura sugere a participação de um componente inflamatório no desenvolvimento da FAPO na CRM, o que é sustentado por evidências de que o uso de fármacos anti-inflamatórios, incluindo as estatinas, reduzem a incidência dessa arritmia.(33. Yadava M, Hughey AB, Crawford TC. Postoperative atrial fibrillation: incidence, mechanisms, and clinical correlates. Cardiol Clin. 2014;32(4):627-36. Review.)

Este estudo teve limitações. O delineamento retrospectivo, a amostra de conveniência e a coleta de dados realizada em um único centro podem comprometer a generalização dos resultados. A coleta de dados a partir do prontuário pode ter comprometido os resultados, pois a qualidade da documentação dos registros em saúde é afetada por diferentes fatores, incluindo sua completude. Outra limitação que deve ser levada em conta é a definição adotada de FAPO, isto é, o episódio de arritmia documentado em prontuário pelo médico e que necessitou do uso de antiarrítmico; episódios transitórios não foram considerados. A restrição do tempo de observação até o terceiro dia de pós-operatório contribuiu para limitar o número de casos tardios de FAPO, incluindo aqueles que se desenvolvem após a alta hospitalar. Por fim, não se pode descartar o efeito de variáveis confundidoras, as quais não foram avaliadas, como, por exemplo, a técnica cirúrgica empregada, além do tipo e da dose de fármacos vasoativos.

CONCLUSÃO

O aumento do tamanho do átrio esquerdo e a idade avançada foram fatores preditivos de fibrilação atrial no pós-operatório em pacientes submetidos exclusivamente à cirurgia de revascularização do miocárdio.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Oct-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2016
  • Aceito
    20 Maio 2016
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