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Instituto Fernandes Figueira: um século dedicado a mães, crianças e adolescentes

No início do século XX, a mortalidade infantil, o abandono de crianças por famílias empobrecidas e a exploração do trabalho de crianças eram vistos como um sério problema que afastava o país de seus desígnios de desenvolvimento. Médicos, legisladores e juristas se empenharam para incluir “os problemas da infância” na agenda política. Dentre eles, destacou-se o pediatra Antônio Fernandes Figueira, pelas iniciativas para a criação de instituições e políticas públicas destinadas à infância e à maternidade.

Importante personagem da pediatria brasileira, Fernandes Figueira apostava na higiene preventiva da infância, na educação científica das mães, na maior atenção possível ao aleitamento, enfim, no cuidado integrado de mães e suas crias ( Sanglard, 2014SANGLARD, Gisele. Fernandes Figueira: ciência e infância, Rio de Janeiro, 1900-1928. Intellèctus, ano 13, v.2, p.79-102, 2014. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/intellectus/article/view/17343/12817 . Acesso em: 11 out. 2023.
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). A partir da Inspetoria de Higiene Infantil, criada com a reforma da saúde pública entre 1920 e 1923, Fernandes Figueira comandou a instalação de postos de higiene infantil em vários bairros do então Distrito Federal e pôs de pé o Hospital Abrigo Arthur Bernardes entre 1924 e 1926.

Inaugurado, em abril de 1926, com pompa e circunstância e caracterizado pela imprensa como um avanço na assistência por aproximar no cuidado mães e suas crianças, o hospital não prosperou. Em 1928, com a morte de Fernandes Figueira, entrou em crise e foi desativado em 1935. Somente no final da década de 1930, no âmbito da ditadura varguista, e do fortalecimento das concepções eugênicas sobre a infância, foi reaberto e, em 1940, integrado ao recém-criado Departamento Nacional da Criança (DNC), do então Ministério da Educação e Saúde. Como instituição central do DNC, o hospital ampliou sua missão, passando a ter como incumbência a realização de estudos e pesquisas sobre problemas relativos à maternidade e à saúde da criança. Em 1946, foi rebatizado como Instituto Fernandes Figueira (IFF) ( Ribeiro, 2020RIBEIRO, Lidiane Monteiro. Da educação sanitária à proteção social: planos, disputas e ações da política de assistência materno infantil no Brasil, 1934-1945. Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) - Fundação Oswaldo Cruz/Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2020. ).

Na década de 1950, o IFF viveria sua época de ouro. Na qualidade de pujante centro de pediatria, passou a ser o celeiro de consagrados pediatras do período. Em suas instalações, por muito tempo, funcionaria a Sociedade Brasileira de Pediatria. Além disso, o instituto produziu iniciativas vanguardistas, como a criação do primeiro banco de sangue brasileiro, do primeiro banco de leite humano e do segundo curso de residência médica direcionado à pediatria.

Em 1970, o governo federal criou a Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz), a partir da incorporação de vários institutos biomédicos. O IFF foi um deles. Sua vinculação à nova fundação se deu como unidade direcionada à saúde da criança e da mulher, e gerou profundas transformações institucionais. Como unidade da Fiocruz, era necessário investir na pesquisa, qualificar a assistência e reforçar as atividades de ensino.

Uma das respostas às novas demandas foi a forte promoção dos cuidados neonatais. O desenvolvimento da neonatologia ocorreu em paralelo aos avanços da pediatria e da cirurgia pediátrica, que se retroalimentaram, permitindo a transformação do instituto em referência nessas áreas e o fortalecimento de outras, como a genética e os estudos e as práticas assistenciais relacionadas a doenças raras.

Na década seguinte, o instituto reformulou uma de suas áreas de atuação de grande impacto social: o Banco de Leite Humano. Anteriormente considerado espaço de processamento e distribuição de leite humano, o banco se transformou em unidade a serviço da amamentação, centrado nos cuidados com as mães e nas ações de educação em saúde para o aleitamento. O grande desenvolvimento do Banco de Leite Humano o converteu em instituição-modelo e polo de difusão de conhecimentos e práticas sobre aleitamento.

Em 1988, quando o país vivia a reforma sanitária que criou o SUS, o IFF inaugurou seu primeiro curso de mestrado. Em 1995, surgiria o doutorado. Os programas de pós-graduação, juntamente com os cursos de residência que foram se ampliando, transformaram o perfil do instituto, capacitando sua força de trabalho e potencializando a pesquisa.

No século XXI, o processo de ampliação de objetos de estudos e iniciativas do instituto passou a se relacionar cada vez mais com as demandas do SUS. A partir de 2003, quando o Ministério da Saúde criou a Política Nacional de Humanização, o instituto começou a investir em diferentes ações de humanização da assistência, em especial em projeto visando à desospitalização de crianças com problemas crônicos complexos e na atenção humanizada aos recém-nascidos e às crianças com doenças crônicas.

No âmbito do enfrentamento de questões epidemiológicas em nível local e nacional, o instituto destacou-se na atuação durante a epidemia de zika vírus, ocorrida em 2015 e 2016. Nos primeiros momentos da epidemia no país, foi difícil produzir a prova científica da relação entre o zika vírus e a microcefalia. A relação causal foi ratificada por um estudo do IFF, que consolidou a noção de que o zika vírus estava ligado a malformações fetais. Os estudos sobre zika realizados na instituição, além de sua importância científica, impactaram políticas públicas e foram de imensa relevância social, ajudando mães de crianças com problemas neurológicos a lutar pelos seus direitos.

Hoje denominado Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira, o IFF é uma unidade técnico-científica da Fiocruz dedicada a assistência, ensino, pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Dentre suas atividades de âmbito nacional, destacam-se as coordenações da Rede Nacional de Bancos de Leite Humano e da Rede Brasileira de Pesquisas Neonatais. No campo da formação de recursos humanos conta com residências multiprofissionais e em diversas áreas da medicina e da enfermagem. Além disso, abriga cursos de mestrado e doutorado em saúde da criança e da mulher e em pesquisa aplicada, e ainda um mestrado profissional em saúde da criança e da mulher. Seus programas de pós-graduação vêm aprimorando continuamente sua atuação.

Em 2024, o IFF comemora seu centenário. Com metade de sua existência funcionando como unidade da Fiocruz, aderiu à missão da instituição a que se vinculou para produzir conhecimento e tecnologia para o SUS. De forma sinérgica, o IFF ampliou os caminhos institucionais da Fiocruz para o campo da assistência à saúde da mulher, da criança e do adolescente e teve seus campos do ensino e da pesquisa reforçados.

No seu centenário, o IFF busca pensar seus caminhos para responder aos desafios apresentados pela conjuntura contemporânea. Nesse processo, a iniciativa de olhar para o passado do instituto, com o objetivo de trilhar os melhores passos rumo ao futuro, mostra-se atraente. Para tanto, no âmbito do projeto de produção de conhecimentos históricos e fontes sobre a história do IFF, apresentamos aos leitores duas entrevistas com atores-chave que vêm dando vida à história do instituto, nos campos da educação e da neonatologia, e dois artigos sobre a história do instituto e de grupos de profissionais que dele fizeram parte.

REFERENCES

  • RIBEIRO, Lidiane Monteiro. Da educação sanitária à proteção social: planos, disputas e ações da política de assistência materno infantil no Brasil, 1934-1945. Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) - Fundação Oswaldo Cruz/Casa de Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2020.
  • SANGLARD, Gisele. Fernandes Figueira: ciência e infância, Rio de Janeiro, 1900-1928. Intellèctus, ano 13, v.2, p.79-102, 2014. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/intellectus/article/view/17343/12817 . Acesso em: 11 out. 2023.
    » https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/intellectus/article/view/17343/12817

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024
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