Acessibilidade / Reportar erro

Influência do clima sobre o número de internações por nefrolitíase em regiões urbanas no Brasil

Resumo

Introdução:

A prevalência mundial da nefrolitíase situa-se entre 5% e 15%. Sua ocorrência está associada a idade, sexo, raça, hábitos alimentares, localização geográfica, condições climáticas e outros fatores. O objetivo do presente estudo foi determinar a associação entre clima e número de internações por nefrolitíase (IN) em cidades brasileiras localizadas em diferentes regiões climáticas.

Métodos:

Analisamos dados de cidades com climas tropicais e subtropicais. Nossa avaliação considerou os efeitos das temperaturas mensais mais baixas (TMB), sua média (TM) e mais altas (TMA) e da umidade relativa do ar (UR).

Resultados:

Foi identificada associação positiva entre o número de internações por nefrolitíase e temperatura ((TMB vs. IN; R2 = 0,218; P<0,0001) (TM vs. IN; R2 = 0,284; P<0,0001) (TMA vs. IN; R2 = 0,317; P<0,0001)) e associação negativa entre o número de internações por nefrolitíase e umidade relativa do ar (UR vs. IN; R2 = 0,234; P <0,0001). Também foram observadas interações entre TM e UR com relação aos seus efeitos sobre a IN, conforme descrito por um modelo linear (IN = 4,668 + 0,296 x TM - 0,088 x UR). IN foi mais acentuada nas cidades com climas tropicais do que nas cidades com climas subtropicais (82,4 ± 10,0 vs. 28,2 ± 1,6; P<0,00001).

Conclusão:

Existe associação entre IN e variações de temperatura e umidade relativa.

Palavras-chave:
Nefrolitíase; Cálculos Renais; Litíase; Mudança Climática; Clima

Abstract

Introduction:

Nephrolithiasis has a worldwide prevalence of approximately 5 to 15%, and its occurrence is associated with age, sex, race, dietary habits, geographic location, climatic conditions, and other factors. The objective of the present study was to determine the association between climate and the number of hospitalizations for nephrolithiasis (NH) in Brazilian cities located in different climatic regions.

Methods:

We analyzed data from cities with tropical and subtropical climates. The effects of the lowest (LT), mean (MT), and highest (HT) monthly temperatures and relative humidity of the air (RH) were assessed.

Results:

A positive association was found between the number of hospitalizations for nephrolithiasis and temperature ((LT x NH; R2=0.218; P<0.0001) (MT x NH; R2=0.284; P<0.0001) (HT x NH; R2=0.317; P<0.0001)), and a negative association was found between the number of hospitalizations for nephrolithiasis and the relative humidity (RH x NH; R2=0.234; P<0.0001). Interactions were also observed between MT and RH with respect to their effects on the NH, as described by a linear model (NH = 4.688 + 0.296 x MT - 0.088 x RH). The NH was higher in cities with tropical climates than in cities with subtropical climates (82.4 ± 10.0 vs 28.2 ± 1.6; P<0.00001).

Conclusion:

There is an association between the NH and variations in temperature and relative humidity.

Keywords:
Nephrolithiasis; Kidney Calculi; Lithiasis; Climate Change; Climate

Introdução

A nefrolitíase (NL) é uma doença de alta prevalência em todo o mundo, com taxas que variam entre 7,1% para mulheres e 10,6% para homens na América do Norte11 Scales Junior CD, Smith AC, Hanley JM, Saigal CS, Urologic Diseases in America Project. Prevalence of kidney stones in the United States. Eur Urol. 2012 Jul;62(1):160-5.. Dados epidemiológicos de Espanha22 Sanchez-Martin FM, Rodriguez FM, Fernández SE, Tomas JS, Baron FR, Martínez-Rodríguez R, et al. Incidence and prevalence of published studies about urolithiasis in Spain. A review. Actas Urol Esp. 2007;31(5):511-20., Alemanha33 Hesse A, Brandle E, Wilbert D, Kohrmann KU, Alken P. Study on the prevalence and incidence of urolithiasis in Germany comparing the years 1979 vs. 2000. Eur Urol. 2003 Dec;44(6):709-13., Japão44 Yasui T, Iguchi M, Suzuki S, Kohri K. Prevalence and epidemiological characteristics of urolithiasis in Japan: national trends between 1965 and 2005. Urology. 2008 Feb;71(2):209-13. e Itália55 Amato M, Lusini ML, Nelli F. Epidemiology of nephrolithiasis today. Urol Int. 2004;72(Suppl 1):1-5. indicaram taxas de incidência de NL de 114-720 por 100.000 indivíduos e taxas de prevalência de 1,7-14,8%. Aparentemente, as taxas estão em ascensão em quase todos os países66 Romero V, Akpinar H, Assimos DG. Kidney stones: a global picture of prevalence, incidence, and associated risk factors. Rev Urol. 2010;12(2-3):e86-96.,77 Sorokin I, Mamoulakis C, Miyazawa K, Rodgers A, Talati J, Lotan Y. Epidemiology of stone disease across the world. World J Urol. 2017;35(9):1301-20.. Assim como observado em outros países, a prevalência tem se elevado regularmente no Japão44 Yasui T, Iguchi M, Suzuki S, Kohri K. Prevalence and epidemiological characteristics of urolithiasis in Japan: national trends between 1965 and 2005. Urology. 2008 Feb;71(2):209-13., com baixa incidência na infância e na terceira idade e pico de incidência na quarta a sexta décadas de vida88 Saigal CS, Joyce G, Timilsina AR, Urologic Diseases in America Project. Direct and indirect costs of nephrolithiasis in an employed population: opportunity for disease management?. Kidney Int. 2005;68(4):1808-14..

No Brasil, a prevalência pode ser estimada a partir de dados do Sistema Único de Saúde (SUS)99 Mello MF, Marchini GS, Camara C, Danilovic A, Levy R, Eluf-Neto J, et al. A large 15 - year database analysis on the influence of age, gender, race, obesity and income on hospitalization rates due to stone disease. Int Braz J Urol. 2016;42(6):1150-9., que oferece serviços de saúde para os cidadãos do país1010 Porto SM, Ugá MA, Moreira SR. An analysis of use of the health services by financing system: Brazil 1998-2008. Cien Saude Colet. 2011 Sep;16(9):3795-806.. O SUS possui um banco de dados longitudinal de internações hospitalares (Sistema de Informação Hospitalar - SIH/SUS) que contem os registros das altas hospitalares realizadas em todas as cidades e regiões do país1111 Ministry of Health (BR). Hospital information system of public health system of Brazil. Brasília (DF): Ministry of Health; 2012. Available from: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0202
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index...
. Infelizmente, artigos científicos atuais sobre a frequência de episódios de NL no Brasil são escassos1212 Korkes F, Silva JL, Heilberg IP. Costs for in hospital treatment of urinary lithiasis in the Brazilian public health system. Einstein (Sao Paulo). 2011;9(4 Pt 1):518-22.. Além disso, faltam estudos a respeito das relações entre mudanças no clima e internação.

No geral, foi observada uma persistente predominância do sexo masculino na prevalência e incidência de NL1313 Walker V, Stansbridge EM, Griffin DG. Demography and biochemistry of 2800 patients from a renal stones clinic. Ann Clin Biochem. 2013;50(Pt 2):127-39., embora a proporção entre os sexos masculino e feminino tenha caído nas últimas décadas1414 Scales Junior CD, Curtis LH, Norris RD, Springhart WP, Sur RL, Schulman KA, et al. Changing gender prevalence of stone disease. J Urol. 2007;177(3):979-82.. Raça1515 Stamatelou KK, Francis ME, Jones CA, Nyberg LM, Curhan GC. Time trends in reported prevalence of kidney stones in the United States: 1976-1994. Kidney Int. 2003 May;63(5):1817-23., hábitos alimentares1616 Taylor EN, Curhan GC. Fructose consumption and the risk of kidney stones. Kidney Int. 2008 Jan;73(2):207-12.,1717 Taylor EN, Curhan GC. Oxalate intake and the risk for nephrolithiasis. J Am Soc Nephrol. 2007 Jul;18(7):2198-204., genética1818 Oddsson A, Sulem P, Helgason H, Edvardsson VO, Thorleifsson G, Sveinbjörnsson G, et al. Common and rare variants associated with kidney stones and biochemical traits. Nat Commun. 2015 Aug;6:7975., fatores ocupacionais1919 Atan L, Andreoni C, Ortiz V, Silva EK, Pitta R, Atan F, et al. High kidney stone risk in men working in steel industry at hot temperatures. Urology. 2005;65(5):858-61., localização geográfica2020 Soucie JM, Coates RJ, McClellan W, Austin H, Thun M. Relation between geographic variability in kidney stones prevalence and risk factors for stones. Am J Epidemiol. 1996;143(5):487-95. e condições climáticas2121 Eisner BH, Sheth S, Herrick B, Pais Junior VM, Sawyer M, Miller N, et al. The effects of ambient temperature, humidity and season of year on urine composition in patients with nephrolithiasis. BJU Int. 2012 Dec;110(11 Pt C):E1014-7. são considerados fatores de risco para NL. Além das intercorrências clínicas, a NL geralmente está associada a altas taxas de absenteísmo no trabalho, aumento do número de dias de repouso em casa e internação hospitalar prolongada. Os custos dos procedimentos clínicos e cirúrgicos, além do ônus advindo da perda de produtividade no trabalho, são consideráveis1212 Korkes F, Silva JL, Heilberg IP. Costs for in hospital treatment of urinary lithiasis in the Brazilian public health system. Einstein (Sao Paulo). 2011;9(4 Pt 1):518-22.,2222 Lotan Y. Economics and cost of care of stone disease. Adv Chronic Kidney Dis. 2009 Jan;16(1):5-10..

Alguns autores identificaram maior frequência de NL em locais com temperaturas mais elevadas em associação a menor ingestão de água, resultando em urina mais concentrada e promovendo a nucleação dos cálculos renais2020 Soucie JM, Coates RJ, McClellan W, Austin H, Thun M. Relation between geographic variability in kidney stones prevalence and risk factors for stones. Am J Epidemiol. 1996;143(5):487-95.,2323 Brikowski TH, Lotan Y, Pearle MS. Climate-related increase in the prevalence of urolithiasis in the United States. Proc Natl Acad Sci U S A. 2008 Jul;105(28):9841-6.. A estação do ano também já foi associada à incidência e prevalência de NL, com os meses mais quentes do ano relacionados a acentuação do desenvolvimento de NL2424 Al-Hadramy MS. Seasonal variations of urinary stone colic in Arabia. J Pak Med Assoc. 1997 Nov;47(11):281-4.,2525 Chen YY, Roseman JM, Devivo MJ, Huang CT. Geographic variation and environmental risk factors for the incidence of initial kidney stones in patients with spinal cord injury. J Urol. 2000 Jul;164(1):21-6.. Vários artigos descrevem uma associação entre a estação do ano e o nível de oxalato na urina2626 Juuti M, Heinonen OP, Alhava EM. Seasonal variation in urinary excretion of calcium, oxalate, magnesium and phosphate on free and standard mineral diet in men with urolithiasis. Scand J Urol Nephrol. 1981;15(2):137-41., com elevações significativas na excreção urinária de cristais de oxalato e cálcio2727 Robertson WG, Peacock M, Marshall RW, Speed R, Nordin BE. Seasonal variations in the composition of urine in relation to calcium stone-formation. Clin Sci Mol Med. 1975 Dec;49(6):597-602. no verão em comparação com o inverno. Contudo, outros autores não identificaram as mesmas associações2828 Stuart RO, Hill K, Poindexter J, Pak CY. Seasonal variations in urinary risk factors among patients with nephrolithiasis. J Lithotr Stone Dis. 1991 Jan;3(1):18-27.. Não obstante, estudos sobre a variabilidade demográfica e geográfica da incidência de NL revelam taxas mais elevadas de internação em regiões de clima mais quente e taxas mais baixas em regiões mais frias2323 Brikowski TH, Lotan Y, Pearle MS. Climate-related increase in the prevalence of urolithiasis in the United States. Proc Natl Acad Sci U S A. 2008 Jul;105(28):9841-6.,2929 Ross ME, Vicedo-Cabrera AM, Kopp RE, Song L, Goldfarb DS, Pulido J, et al. Assessment of the combination of temperature and relative humidity on kidney stone presentations. Environ Res. 2018 Apr;162:97-105..

O Brasil, um país de proporções continentais, apresenta ampla variação de temperaturas entre suas regiões norte (área tropical) e sul (área subtropical). O objetivo do presente estudo foi avaliar a associação entre clima e número de internações por NL (IN) em cidades brasileiras submetidas a diferentes condições climáticas.

Métodos

O presente estudo de coorte retrospectiva analisou as internações por nefrolitíase (IN) ocorridas no período de 1º de janeiro de 2010 a 31 de dezembro de 2015. Utilizando o banco de dados de domínio público do Ministério da Saúde disponibilizado pelo Departamento de Informática do SUS (DATASUS) no site do Sistema de Informações Hospitalares Descentralizadas (SIHD), selecionamos o software e os arquivos necessários3030 Ministry of Health (BR). Departamento de informática do Sistema Único de Saúde?. Brasília (DF): Ministry of Health; 2008; [cited 2019 oct 28]. Available from: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0901
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index...
. Incluímos cidades com população superior a 300.000 habitantes (hab), selecionadas segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)3131 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estimativas da população. Brasília (DF): IBGE; 2016; [cited 2019 oct 25]. Available from: http://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/populacao/9103-stimativas-de-populacao.html?=&t=downloads
http://www.ibge.gov.br/estatisticas-novo...
, localizadas em regiões de clima tropical e subtropical com registros permanentes no SIHD23030 Ministry of Health (BR). Departamento de informática do Sistema Único de Saúde?. Brasília (DF): Ministry of Health; 2008; [cited 2019 oct 28]. Available from: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0901
http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index...
.

As cidades selecionadas nas regiões tropicais foram Uberlândia (MG) (latitude [La]: -18,9113; longitude [Lo]: -48,2622 18°54′41″ Sul (S), 48°15'44″ Oeste (O), Ribeirão Preto (SP) (La: -21,1767; Lo: -47,8208 21°10′36″ S, 47°49′15″ O) e São José do Rio Preto (SP) (La: -20,8202; Lo: -49,3797 20°49′13″ S, 49°22′47″ O). Para climas subtropicais, selecionamos as cidades de Porto Alegre (RS) (La: -30.0277; Lo: -51.2287 30°1′40″ S, 51°13′43″ O), Caxias do Sul (RS) (La: -29,1678; Lo: -51,1794 29°10′4″ S, 51°10′46″ W) e Pelotas (RS) (La: -31,776; Lo: -52,3594 31°46′34″ S, 52°21′34″ O). As temperaturas mais baixa (TMB), média (TM) e mais alta (TMA) e a umidade relativa (UR) de cada cidade foram registradas mensalmente em graus Celsius e em porcentagens, respectivamente. A TM foi calculada como a média aritmética de TMB e TMA. Os dados de temperatura e umidade relativa foram obtidos do Instituto Nacional de Meteorologia (INMET)3232 Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Portal. Brasília (DF): INMET; 2016; [cited 2019 oct 25]. Available from: http://www.inmet.gov.br/portal/
http://www.inmet.gov.br/portal/...
. As correlações entre IN e temperatura são mostradas na Figura 1, onde o número total de meses calculados foi indicado pelo produto de seis cidades, 12 meses para cada cidade e seis anos (6 cidades X 12 meses X 6 anos = 432 meses).

Figura 1
Associacoes de IN com temperatura mais baixa (TMB), media (TM) e mais alta (TMA) e umidade do ar (UR).

A IN foi calculada em 100.000 hab/mês, a partir dos registros com os seguintes códigos da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde - Décima Revisão (CID-10) versão 20163333 World Health Organization (WHO). International classification of diseases - ICD-10, version: 2016. Genebra: WHO; 2016; [cited 2019 oct 25]. Available from: https://icd.who.int/browse10/2016/en
https://icd.who.int/browse10/2016/en...
: N20 - calculose do rim e do ureter; N21 - calculose do trato urinário inferior; N22 - calculose do trato urinário em doenças classificadas em outra parte; e N23 - cólica nefrética não especificada. Analisamos IN por sexo e nove faixas etárias, que variaram de crianças menores de um ano a adultos acima de 65 anos.

Análise Estatística

Avaliamos a normalidade do conjunto de dados através do teste de Kolmogorov-Smirnov. Todas as variáveis apresentaram distribuição normal. Assim, expressamos os dados como média e desvio padrão. Dois grupos foram comparados com o teste t de Student, enquanto três ou mais grupos foram comparados por análise de variância (ANOVA) e pelo pós-teste de Bonferroni. O coeficiente de Pearson foi calculado para as relações entre duas variáveis contínuas ou ordinais. Regressões lineares univariadas e multivariadas foram utilizadas para quantificar a associação entre IN e dados climáticos. De modo a determinar as interações entre TM, UR e IN, usamos um modelo de regressão linear múltipla, no qual as variáveis do modelo foram previamente testadas e gradualmente somadas à análise global (Stepwise), com IN como variável dependente e TM e UR como variáveis independentes. Valores de p<0,05 (intervalo de confiança de 95% [IC 95%]) foram considerados significativos para todos os cálculos. O software utilizado foi o STATA versão 15 (StataCorp LP, College Station, Texas).

Resultados

Foram registradas 8.119 internações em cidades tropicais e 4.388 em cidades subtropicais (Tabela 1). A IN totalizou 3.921 (48,2%) indivíduos do sexo masculino e 4.198 (51,8%) do sexo feminino nas cidades tropicais (P = 0,045) e 2.268 (52,1%) homens e 2.120 (47,9%) mulheres (P = 0,058) na região subtropical, com razões entre os sexos masculino e feminino de 0,9 e 1,1, respectivamente. Foram observadas 727 reinternações, correspondendo a 27% das internações, apenas na cidade de Uberlândia, enquanto que em outras cidades não foi possível calcular o número de reinternações por NL no período estudado.

Tabela 1
Número de internações em cidades tropicais e subtropicais por sexo, raça e faixa etária.

A Figura 1 mostra os coeficientes positivos significativos para as associações entre IN e TMB, TM e TMA. Foi observado coeficiente negativo significativo para a associação entre IN e UR. A Figura 2 mostra a IN acumulada anual e as temperaturas médias anuais de 2010 a 2015 nas cidades tropicais e subtropicais.

Figura 2
Associacao entre temperatura média e IN de 2010 a 2015 nas regiões tropicais e subtropicais (SP: São Paulo; RS: Rio Grande do Sul)

As interações entre TM, UR e IN foram avaliadas por regressão multivariada, com IN como variável dependente e TM e UR como variáveis independentes, conforme a equação 1:

IN = 4 , 668 + 0 , 296 x TM 0 , 088 x UR ,

onde:

IN é o número de internações por nefrolitíase por 100.000 habitantes/mês;

TM é a média aritmética de TMB e TMA para cada cidade (mensalmente) e

UR é a umidade relativa mensal em cada cidade.

Com base na equação acima, uma elevação de 1ºC na TM na presença de UR constante resulta em 296 novas internações por 100 milhões de pessoas; se desconsiderarmos a UR nos cálculos, o resultado seria 389 novas internações por 100 milhões de pessoas (Figura 3).

Figura 3
Aumentos esperados em IN devido a aumentos na TM global, com e sem controle da UR, para uma população de 100 milhões de habitantes

Discussão

Nosso estudo revelou associações positivas significativas entre IN e TMB, bem como entre TM e TMA, e uma associação negativa significativa entre IN e UR, mostrando que mudança climática pode alterar o número de novas internações e/ou reinternações por NL. A influência do clima na prevalência de NL foi observada nos estudos de Eisner et al.2121 Eisner BH, Sheth S, Herrick B, Pais Junior VM, Sawyer M, Miller N, et al. The effects of ambient temperature, humidity and season of year on urine composition in patients with nephrolithiasis. BJU Int. 2012 Dec;110(11 Pt C):E1014-7. e Ross et al.2929 Ross ME, Vicedo-Cabrera AM, Kopp RE, Song L, Goldfarb DS, Pulido J, et al. Assessment of the combination of temperature and relative humidity on kidney stone presentations. Environ Res. 2018 Apr;162:97-105., que demonstraram maior incidência de cálculos renais no verão do que no inverno. Tais achados são semelhantes aos encontrados em nosso estudo, que demonstrou IN mais alta nas cidades com climas tropicais em relação a cidades com climas subtropicais. As possíveis causas sugeridas pelos autores para o aumento da incidência de NL em pacientes em climas quentes são o aumento dos níveis urinários de cálcio, a supersaturação de oxalato de cálcio e fosfato de cálcio e a diminuição da excreção urinária de sódio2121 Eisner BH, Sheth S, Herrick B, Pais Junior VM, Sawyer M, Miller N, et al. The effects of ambient temperature, humidity and season of year on urine composition in patients with nephrolithiasis. BJU Int. 2012 Dec;110(11 Pt C):E1014-7., que independem da UR e da estação do ano. No Brasil, as variações de temperatura não são tão significativas entre as estações, mas há uma variação evidente entre as regiões tropicais e subtropicais (Figura 2). Projetamos cuidadosamente nossa análise multivariada para incluir covariáveis como temperatura e umidade do ar, de forma a determinar as relações entre essas variáveis e IN. Identificamos que temperatura mais alta apresentou associação significativa com aumento da IN. O aumento da umidade do ar também foi associado a queda da IN. Segundo a Equação 1, um aumento na TM na presença de baixa UR seria o pior cenário para pessoas suscetíveis à formação de cálculos renais. Se extrapolarmos esses resultados para a população brasileira, que de acordo com dados do IBGE é composta por aproximadamente 200 milhões de pessoas (3131 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estimativas da população. Brasília (DF): IBGE; 2016; [cited 2019 oct 25]. Available from: http://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/populacao/9103-stimativas-de-populacao.html?=&t=downloads
http://www.ibge.gov.br/estatisticas-novo...
), haverá aproximadamente 592 novas internações por mês, ou 7.104 novas internações por ano, caso ocorra um aumento de 1ºC na TM mensal (Figura 3). A ocorrência a longo prazo de verões de alta temperatura deve ser o foco do desenvolvimento de campanhas públicas para educar a população sobre a possibilidade de cálculos renais e a necessidade de elevar a ingestão de água e trabalhar em ambientes umidificados. Tais medidas poderiam ser justificadas com o argumento de que o aumento nas internações por litíase renal implicaria em custos adicionais que talvez não estejam previstos nos orçamentos anuais.

Ross et al.2929 Ross ME, Vicedo-Cabrera AM, Kopp RE, Song L, Goldfarb DS, Pulido J, et al. Assessment of the combination of temperature and relative humidity on kidney stone presentations. Environ Res. 2018 Apr;162:97-105. demonstraram que o risco de formação de cálculo renal pode ser avaliado de forma mais precisa quando se considera a combinação entre temperatura e umidade relativa, em vez de se analisar as duas variáveis separadamente. Nossos achados concordam com os do estudo de Ross, pois identificamos que temperatura e UR podem estar associadas simultaneamente a IN, o que foi demonstrado por regressão multivariada (Equação 1), onde TM e UR foram preditores independentes de IN (Figura 3). Em 2007, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas previu um aumento na temperatura média anual do planeta que levará a um aumento no número de dias quentes e noites frias em quase toda a superfície do planeta até o final do século 213434 Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC). Climate Change 2007: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Geneva: IPCC; 2007. Available from: http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/syr/en/contents.html
http://www.ipcc.ch/publications_and_data...
.

A influência do provável aquecimento global sobre a prevalência de NL também foi investigada por Brikowski et al.2323 Brikowski TH, Lotan Y, Pearle MS. Climate-related increase in the prevalence of urolithiasis in the United States. Proc Natl Acad Sci U S A. 2008 Jul;105(28):9841-6.. Os autores associaram a ocorrência de aumento repentino da temperatura a elevação do risco de NL. O estudo em questão utilizou modelos lineares e não lineares para prever o risco de NL em regiões dos Estados Unidos. Por outro lado, nosso estudo utilizou apenas modelos lineares multivariados, o que pode gerar algumas discrepâncias entre os resultados.

Dados conflitantes foram relatados em vários estudos sobre a distribuição de gênero da NL. Na Itália, a proporção entre indivíduos do sexo masculino e feminino foi de 1,255 Amato M, Lusini ML, Nelli F. Epidemiology of nephrolithiasis today. Urol Int. 2004;72(Suppl 1):1-5., enquanto nos EUA a proporção variou de 0,5 a 1,8 em uma única região3535 Michaels EK, Nakagawa Y, Miura N, Pursell S, Ito H. Racial variation in gender frequency of calcium urolithiasis. J Urol. 1994 Dec;152(6 Pt 2):2228-31.. Em nosso estudo, observamos uma proporção de 0,9 nas cidades com clima tropical e 1,1 nas de clima subtropical. O motivo do elevação do número de casos de nefrolitíase em mulheres não é entendido com precisão, mas há quem especule que a elevação possa ser atribuída a mudanças no estilo de vida e nutrição, resultando em aumento do risco de obesidade - um conhecido fator de risco para nefrolitíase - entre as mulheres1414 Scales Junior CD, Curtis LH, Norris RD, Springhart WP, Sur RL, Schulman KA, et al. Changing gender prevalence of stone disease. J Urol. 2007;177(3):979-82.. Entre os adultos, a ocorrência de nefrolitíase por faixa etária segue uma distribuição normal. O primeiro episódio sintomático ocorre tipicamente aos 35 anos de idade nos homens e aos 30 anos nas mulheres88 Saigal CS, Joyce G, Timilsina AR, Urologic Diseases in America Project. Direct and indirect costs of nephrolithiasis in an employed population: opportunity for disease management?. Kidney Int. 2005;68(4):1808-14.. Esse padrão etário é semelhante ao encontrado no presente estudo.

Nosso estudo apresenta algumas limitações, incluindo o fato de não ter sido possível determinar o número de reinternações por NL em todas as cidades pesquisadas. As reinternações foram analisadas em apenas uma cidade com clima tropical (Uberlândia - MG), e os valores encontrados podem ser diferentes dos de outras cidades. Outra limitação foi o uso de modelos estatísticos lineares em nosso estudo, uma vez que modelos não lineares podem ser mais adequados. O presente estudo é retrospectivo e, portanto, está sujeito às deficiências de um delineamento não prospectivo. Utilizamos temperatura média e umidade média em nossa análise; contudo, não dispúnhamos de conhecimento sobre as variações entre os indivíduos em termos de tempo gasto ao ar livre e da exposição a essas variações no dia-a-dia. Além disso, não analisamos a ingestão de alimentos, elemento que teoricamente poderia afetar a IN associado a modificações climáticas. Concluindo, a IN no Brasil parece depender de variações climáticas de acordo com a região em que o paciente vive.

References

  • 1
    Scales Junior CD, Smith AC, Hanley JM, Saigal CS, Urologic Diseases in America Project. Prevalence of kidney stones in the United States. Eur Urol. 2012 Jul;62(1):160-5.
  • 2
    Sanchez-Martin FM, Rodriguez FM, Fernández SE, Tomas JS, Baron FR, Martínez-Rodríguez R, et al. Incidence and prevalence of published studies about urolithiasis in Spain. A review. Actas Urol Esp. 2007;31(5):511-20.
  • 3
    Hesse A, Brandle E, Wilbert D, Kohrmann KU, Alken P. Study on the prevalence and incidence of urolithiasis in Germany comparing the years 1979 vs. 2000. Eur Urol. 2003 Dec;44(6):709-13.
  • 4
    Yasui T, Iguchi M, Suzuki S, Kohri K. Prevalence and epidemiological characteristics of urolithiasis in Japan: national trends between 1965 and 2005. Urology. 2008 Feb;71(2):209-13.
  • 5
    Amato M, Lusini ML, Nelli F. Epidemiology of nephrolithiasis today. Urol Int. 2004;72(Suppl 1):1-5.
  • 6
    Romero V, Akpinar H, Assimos DG. Kidney stones: a global picture of prevalence, incidence, and associated risk factors. Rev Urol. 2010;12(2-3):e86-96.
  • 7
    Sorokin I, Mamoulakis C, Miyazawa K, Rodgers A, Talati J, Lotan Y. Epidemiology of stone disease across the world. World J Urol. 2017;35(9):1301-20.
  • 8
    Saigal CS, Joyce G, Timilsina AR, Urologic Diseases in America Project. Direct and indirect costs of nephrolithiasis in an employed population: opportunity for disease management?. Kidney Int. 2005;68(4):1808-14.
  • 9
    Mello MF, Marchini GS, Camara C, Danilovic A, Levy R, Eluf-Neto J, et al. A large 15 - year database analysis on the influence of age, gender, race, obesity and income on hospitalization rates due to stone disease. Int Braz J Urol. 2016;42(6):1150-9.
  • 10
    Porto SM, Ugá MA, Moreira SR. An analysis of use of the health services by financing system: Brazil 1998-2008. Cien Saude Colet. 2011 Sep;16(9):3795-806.
  • 11
    Ministry of Health (BR). Hospital information system of public health system of Brazil. Brasília (DF): Ministry of Health; 2012. Available from: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0202
    » http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0202
  • 12
    Korkes F, Silva JL, Heilberg IP. Costs for in hospital treatment of urinary lithiasis in the Brazilian public health system. Einstein (Sao Paulo). 2011;9(4 Pt 1):518-22.
  • 13
    Walker V, Stansbridge EM, Griffin DG. Demography and biochemistry of 2800 patients from a renal stones clinic. Ann Clin Biochem. 2013;50(Pt 2):127-39.
  • 14
    Scales Junior CD, Curtis LH, Norris RD, Springhart WP, Sur RL, Schulman KA, et al. Changing gender prevalence of stone disease. J Urol. 2007;177(3):979-82.
  • 15
    Stamatelou KK, Francis ME, Jones CA, Nyberg LM, Curhan GC. Time trends in reported prevalence of kidney stones in the United States: 1976-1994. Kidney Int. 2003 May;63(5):1817-23.
  • 16
    Taylor EN, Curhan GC. Fructose consumption and the risk of kidney stones. Kidney Int. 2008 Jan;73(2):207-12.
  • 17
    Taylor EN, Curhan GC. Oxalate intake and the risk for nephrolithiasis. J Am Soc Nephrol. 2007 Jul;18(7):2198-204.
  • 18
    Oddsson A, Sulem P, Helgason H, Edvardsson VO, Thorleifsson G, Sveinbjörnsson G, et al. Common and rare variants associated with kidney stones and biochemical traits. Nat Commun. 2015 Aug;6:7975.
  • 19
    Atan L, Andreoni C, Ortiz V, Silva EK, Pitta R, Atan F, et al. High kidney stone risk in men working in steel industry at hot temperatures. Urology. 2005;65(5):858-61.
  • 20
    Soucie JM, Coates RJ, McClellan W, Austin H, Thun M. Relation between geographic variability in kidney stones prevalence and risk factors for stones. Am J Epidemiol. 1996;143(5):487-95.
  • 21
    Eisner BH, Sheth S, Herrick B, Pais Junior VM, Sawyer M, Miller N, et al. The effects of ambient temperature, humidity and season of year on urine composition in patients with nephrolithiasis. BJU Int. 2012 Dec;110(11 Pt C):E1014-7.
  • 22
    Lotan Y. Economics and cost of care of stone disease. Adv Chronic Kidney Dis. 2009 Jan;16(1):5-10.
  • 23
    Brikowski TH, Lotan Y, Pearle MS. Climate-related increase in the prevalence of urolithiasis in the United States. Proc Natl Acad Sci U S A. 2008 Jul;105(28):9841-6.
  • 24
    Al-Hadramy MS. Seasonal variations of urinary stone colic in Arabia. J Pak Med Assoc. 1997 Nov;47(11):281-4.
  • 25
    Chen YY, Roseman JM, Devivo MJ, Huang CT. Geographic variation and environmental risk factors for the incidence of initial kidney stones in patients with spinal cord injury. J Urol. 2000 Jul;164(1):21-6.
  • 26
    Juuti M, Heinonen OP, Alhava EM. Seasonal variation in urinary excretion of calcium, oxalate, magnesium and phosphate on free and standard mineral diet in men with urolithiasis. Scand J Urol Nephrol. 1981;15(2):137-41.
  • 27
    Robertson WG, Peacock M, Marshall RW, Speed R, Nordin BE. Seasonal variations in the composition of urine in relation to calcium stone-formation. Clin Sci Mol Med. 1975 Dec;49(6):597-602.
  • 28
    Stuart RO, Hill K, Poindexter J, Pak CY. Seasonal variations in urinary risk factors among patients with nephrolithiasis. J Lithotr Stone Dis. 1991 Jan;3(1):18-27.
  • 29
    Ross ME, Vicedo-Cabrera AM, Kopp RE, Song L, Goldfarb DS, Pulido J, et al. Assessment of the combination of temperature and relative humidity on kidney stone presentations. Environ Res. 2018 Apr;162:97-105.
  • 30
    Ministry of Health (BR). Departamento de informática do Sistema Único de Saúde?. Brasília (DF): Ministry of Health; 2008; [cited 2019 oct 28]. Available from: http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0901
    » http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=0901
  • 31
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estimativas da população. Brasília (DF): IBGE; 2016; [cited 2019 oct 25]. Available from: http://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/populacao/9103-stimativas-de-populacao.html?=&t=downloads
    » http://www.ibge.gov.br/estatisticas-novoportal/sociais/populacao/9103-stimativas-de-populacao.html?=&t=downloads
  • 32
    Instituto Nacional de Meteorologia (INMET). Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Portal. Brasília (DF): INMET; 2016; [cited 2019 oct 25]. Available from: http://www.inmet.gov.br/portal/
    » http://www.inmet.gov.br/portal/
  • 33
    World Health Organization (WHO). International classification of diseases - ICD-10, version: 2016. Genebra: WHO; 2016; [cited 2019 oct 25]. Available from: https://icd.who.int/browse10/2016/en
    » https://icd.who.int/browse10/2016/en
  • 34
    Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC). Climate Change 2007: Synthesis Report. Contribution of Working Groups I, II and III to the Fourth Assessment Report of the Intergovernmental Panel on Climate Change. Geneva: IPCC; 2007. Available from: http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/syr/en/contents.html
    » http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/syr/en/contents.html
  • 35
    Michaels EK, Nakagawa Y, Miura N, Pursell S, Ito H. Racial variation in gender frequency of calcium urolithiasis. J Urol. 1994 Dec;152(6 Pt 2):2228-31.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2020

Histórico

  • Recebido
    16 Ago 2019
  • Aceito
    03 Dez 2019
Sociedade Brasileira de Nefrologia Rua Machado Bittencourt, 205 - 5ºandar - conj. 53 - Vila Clementino - CEP:04044-000 - São Paulo SP, Telefones: (11) 5579-1242/5579-6937, Fax (11) 5573-6000 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: bjnephrology@gmail.com