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MACHADO BLACK AND BLUR: A RACIALIZAÇÃO DO AUTOR

MACHADO BLACK AND BLUR: THE AUTHOR’S RACIALIZATION

Resumo:

Atentando para a construção das imagens do autor ao longo do tempo, proponho a inadequação dos procedimentos que pretendem resgatar o “verdadeiro Machado de Assis”. Por meio da discussão de certos passos da fortuna crítica passada e atual, de fotografias, anúncios e de um filme recente, sugiro o alinhamento da perspectiva machadiana às propostas de Fred Moten sobre a natureza oscilante da luta negra, e de Eduardo de Assis Duarte sobre o tratamento indireto da história por Machado.

Palavras-chave:
Machado de Assis; luta negra; memória e imagem; Fred Moten; Eduardo de Assis Duarte

Abstract:

Paying attention to the construction of the images of the author over time, I propose the inadequacy of the procedures that intend to rescue the “real Machado de Assis’. By discussing certain strides in the criticism, photographs, posts, and a recent film, I connect the Machadian perspective with Fred Moten’s propositions on the oscillating nature of the Black struggle, and Eduardo de Assis Duarte’s propositions on Machado’s indirect treatment of history.

Keywords:
Machado de Assis ; Black struggle ; memory and image ; Fred Moten ; Eduardo de Assis Duarte

“Machado de Assis é um gênio!” Quem nunca ouviu tal frase? 1 1 Este texto é parte de uma reflexão maior sobre a visão política do “último Machado de Assis”, autor de Esaú e Jacó (1904) e de Memorial de Aires (1908). No momento, preparo um livro em que tento compreender como o ceticismo – que quase nunca se confunde com niilismo – do narrador machadiano ganha densidade graças ao exercício de afastamento da voz narrativa, que por sua vez parece querer se desfazer de qualquer compromisso com o presente e o futuro. As consequências políticas desse afastamento foram se tornando mais evidentes para mim à medida que eu aprofundava a relação enviesada, nunca de todo clara, do autor e do narrador com a realidade de seu tempo. Para tanto, foi necessário voltar ao Machado cronista de 1888 e 1889, tempo diegético da narrativa dos seus dois últimos livros, compostos quando a República já ia adiantada em seu processo modernizador violento e excludente.

No Dicionário Houaiss, além das acepções correntes (“aptidão”, “capacidade intelectual”), gênio é também o “espírito que, segundo os antigos, regia o destino de um indivíduo, de um lugar etc., ou que se supunha dominar um elemento da natureza, ou inspirar as artes, as paixões, os vícios etc.”

O vocábulo francês “ génie” fazia igualmente parte do universo de Machado de Assis, profundo conhecedor de Chateaubriand, autor das Memórias de além-túmulo e do Gênio do Cristianismo. No idioma que o autor das Memórias póstumas de Brás Cubas tanto admirava, a palavra, assim como no português, possui ligação ainda muito fresca com a noção latina de genius, que por sua vez significa tanto um “deus que vela sobre cada indivíduo” como o “talento, um dom natural”. As definições abrem o verbete “ génie” do Dictionnaire de l'Académie Française atualmente disponível on-line, e que aqui traduzo ao português.

Jogado entre línguas e paixões literárias, o gênio brasileiro se confunde ainda com outro “gênio”. Penso no “gênio latino” – le génie latin – com que Anatole France se referiu ao grande galho da literatura romana, num discurso proferido durante a “festa da intelectualidade brasileira”, celebrada na Sorbonne em 1909, com a presença de Oliveira Lima e o nome de Machado de Assis sendo elevado aos píncaros da glória, naquela que seria uma das grandes homenagens post mortem ao autor ( FRANCE, 1909FRANCE, Anatole. Le génie latin: allocution prononcée à la Sorbonne, le 3 avril 1909, à la fête de l'intellectualité brésilienne. Paris: Éditions d'Art; Édouard Pelletan, 1909.).

Figura 1
Anatole France, fotografia de Wilhelm Benque, sem data. Biblioteca Pública de Nova York, Tucker Collection. Wikimedia Commons.

A imagem do jovem Anatole France permite compreender certa estética da fotografia do escritor genial. Nos longínquos trópicos, Machado também teria sua imagem flagrada pela câmera. O quanto o autor de Quincas Borba queria ou não se parecer a alguém como Anatole France é matéria controversa, e é com ela que inicio, embora antes seja necessário entender o que tais imagens escondem, mais que aquilo que seriam capazes de revelar.

Mas, antes ainda, acabemos com essa história de gênio. Para Anatole France, o gênio latino era a consagração do espírito greco-romano. Ou seja, tal noção era impensável sem a dinâmica imperialista que reafirma o poder da progênie latina, como se as línguas românicas – entre as quais se inclui a “última flor do Lácio”, para lembrar Olavo Bilac – fossem o grande instrumento de uma conquista espiritual feita, inequivocamente, a partir da Europa. Nos termos de hoje, e para colocar uma dose generosa de pimenta nessa história de línguas nobres e seus galhos, falamos de uma Europa que se imagina branca, majoritariamente masculina e, é claro, incontestavelmente genial.

Mas o que acontece quando essa Europa supostamente branca se cruza com o mundo negro?

É evidente que jamais houve um mundo “latino” inteiramente branco. A questão negra acompanha o imaginário mediterrâneo desde a Antiguidade. Contudo, a escravidão moderna tornaria a presença dos corpos negros um tema incontornável. Desde o imaginário antigo, passando pela literatura “científica” dos séculos XIX e XX, a presença negra é um ponto cego no discurso sobre a genialidade branca.

O racismo científico, que ganha plena vigência na passagem do século XIX para o XX, é o extremo da fantasia de pureza daquele gênio, que por sua vez não admite sequer a possibilidade de que o corpo negro participe de algo tão elevado quanto a literatura. A não ser que o negro, é claro, seja objeto de estudo ou admiração. As relações de saber, afinal, são também relações de poder, e a negação do negro como capaz de sustentar “a construção de um processo civilizatório” delega-lhe “uma última contribuição a ser dada, antes de sua desejável e inevitável extinção, que é a de objeto de conhecimento” ( CARNEIRO, 2023CARNEIRO, Sueli. Dispositivo de racialidade: a construção do outro como não ser como fundamento do ser. São Paulo: Zahar, 2023. E-book., [ s. p.]).

Seria demasiado simples dizer que Machado de Assis era um escritor negro. Que hoje possamos reconhecê-lo como tal, parece evidente. Mas Machado se viu ensanduichado entre suas raízes africanas – ou afro-brasileiras – e um ideal europeu que ele compartilhava com os escritores de seu tempo, dentro e fora do Brasil. É plausível que estejamos, aqui, no centro da velha noção de uma “dupla consciência”, como formulada pelo sociólogo norte-americano W. E. B. Du Bois.

Figura 2
W. E. B. Du Bois, fotografia de C. M. Battey, 1918. Biblioteca do Congresso, Photographs Division. Wikimedia Commons.

Quando contrastada com o retrato de Anatole France, a fotografia de Du Bois, datada de dez anos após a morte de Machado, pode sugerir uma gramática comum em que se ressalta a personalidade do grande autor, impoluto, sereno e de contornos bem definidos. Mas os olhos se impõem. Enquanto Anatole France olha para um infinito fingido, Du Bois fixa o olhar na câmera, numa postura pouco distanciada. O olhar expressivo, que nada tem de altaneiro, dá o que pensar.

A “dupla consciência” aparece na mesma obra em que a “linha de cor” fora considerada o grande problema do século XX ( DU BOIS, 2018DU BOIS, W. E. B. The Souls of Black Folk: Essays and Sketches. Amherst: University of Massachusetts Press, 2018.). Ainda que Machado jamais tenha lido Du Bois, tais paralelos são interessantes exatamente porque o problema da linha de cor, seja ela associada ao sangue ou à percepção da cor da pele, atravessa as Américas e se reflete na maneira como eram representados intelectuais e escritores.

Nos termos de Du Bois, tratava-se de duas almas irreconciliáveis. Como ser ao mesmo tempo negro e americano era a pergunta aguda que ele propunha e que continua a soar até hoje, como se tem visto abundantemente nos Estados Unidos. A mesma questão ressoa, com muitos ecos, no reconhecimento da negritude de Machado de Assis, no Brasil contemporâneo. Como ser negro e brasileiro, ou como ser negro e escritor num país ainda tão marcado pelas heranças da escravidão, são perguntas muito atuais.

Tais questões são elaboradas hoje, em especial pelas vozes de intelectuais negras e negros, com um grau de explicitação que não era moeda corrente no tempo de Machado de Assis. É verdade que Machado viveu o pêndulo entre os ideais geniais – ou os gênios ideais – de uma Europa majoritariamente branca e a realidade atroz, nada ideal, de um país escravista. Não é menos verdade que, abolida a escravidão, a República não soube acolher, no corpo místico da nação, o ex-escravizado e seus descendentes. Machado de Assis é testemunha desse dilema.

Por meio de seu “estilo tardio”, o autor de Memorial de Aires e de Esaú e Jacó elaborou ficcionalmente suas dúvidas sobre o pós-abolição. Contudo, diferentemente de um Lima Barreto, Machado de Assis – que na visão do autor de Triste fim de Policarpo Quaresma era um “homem de sala, amoroso das coisas delicadas, sem uma grande, larga e ativa visão da humanidade e da Arte” ( SCHWARCZ, 2014, p. 40SCHWARCZ, Lilia Moritz. Lima Barreto leitor de Machado de Assis: leitor de si próprio. Machado de Assis em Linha – Revista Eletrônica de Estudos Machadianos, v. 7, n. 14, p. 22-60, 2014.) – não morre torturado pela condição miserável de um corpo sobre o qual recaíam todas as suspeitas do mundo. A epilepsia, que tantos embaraços causou a Machado, nunca foi completamente associada à sua negritude. Já no caso de Lima, falecido pouco mais de uma década depois de Machado, a desconfiança sobre o próprio corpo seria sua sina.

Machado tinha uma forma diferente de enfrentar a questão racial. Pouco se pode flagrar, nele mesmo, do “massacre emocional, do vilipêndio social, da exploração sem limites” que dá tom à “dinâmica da patologização-medicalização-criminalização do comportamento negro”, a qual termina por violentar “todo o tecido social” ( AZEVEDO, 2021, p. 27–28AZEVEDO, Luiz Mauricio. Estética e raça: ensaios sobre a literatura negra. Porto Alegre: Editora Sulina, 2021.). Se havia uma agonia em Machado, ela terá sido sublimada numa dança para lá de complexa com sua própria pertença afro-brasileira.

Num estudo mais amplo, outras aproximações se imporiam, apontando para figuras públicas como José do Patrocínio ou Luiz Gama, que de forma mais ostensiva elaborariam, em seus textos, a crítica de uma sociedade na qual

eram práticas comuns a observância da aparência das pessoas e a especulação acerca das proximidades disso com o lugar de escravizado e, de quebra, incivilizado. Num cenário em que aumentava o número de pretos e pardos livres e libertos, os significados atribuídos aos traços físicos dos indivíduos tinham tanta importância que uma saída emergencial seria tentar dissimular o óbvio, ou pelo menos agir como que suavizando a importância dos significados atribuídos à cor de pele e a outros traços fenotípicos

( PINTO, 2018, p. 148PINTO, Ana Flávia Magalhães. Escritos de liberdade: literatos negros, racismo e cidadania no Brasil oitocentista. Campinas: Editora da Unicamp, 2018.).

Em meio ao balanço complexo entre revelação e ocultação, as investigações mais sérias sobre sua biografia sugerem que Machado não foi um milagre. Para firmar-se e galgar a posição de escritor genial, ele utilizou todos os instrumentos que tinha à mão: talento, apadrinhamento, faro para uma polêmica comedida, desejo de aprender e de seguir modelos. São todos instrumentos legítimos. Mas não há aí, propriamente, um milagre; quando muito, trata-se de uma combinação inaudita de fatores. Em outros termos, nada há de heroico na trajetória machadiana, ao menos não no seu sentido épico.

O gosto de Machado de Assis – seu gênio, seu demônio interior – faz crer que, para entender a forma como as pessoas se movem no mundo, convém que nos afastemos do discurso heroico, mergulhando no cotidiano miúdo de indivíduos de carne e osso. Trata-se de olhar para cada um através de suas manias, obsessões, teimosias e fraquezas – caraterísticas que não são da ordem do heroico, independentemente da condição mais ou menos subalterna do indivíduo retratado. Como as pessoas navegam a vida longe da épica é, segundo me parece, a pergunta que permite compreender a complexidade das trajetórias sociais, especialmente o destino de alguém que se furtou a qualquer gesto definitivo, como é o caso de Machado de Assis. 2 2 Valho-me aqui da noção da política “não épica”, de acordo com o que formulou Arcadio Díaz-Quiñones ( DÍAZ-QUIÑONES, 2016, p. 37–107).

Para evitar um discurso heroico e mesmo essencialista, convém lembrar que Machado não nasceu Machado, e a própria constituição do “escritor negro” jamais se completou totalmente durante sua vida. Se ele carrega o dilema de Du Bois – a dupla consciência –, a resolução do conflito (parecer ou não parecer negro) não era uma tarefa que ele pudesse resolver em plena luz do dia.

Mais que buscar algo inequívoco, convém entender como Machado foi percebido como escritor negro ao longo do tempo. Ou seja, cabe perguntar que bases o próprio escritor plantou para que hoje possamos dizer, com o devido orgulho, que o maior escritor no panteão da literatura brasileira é negro. Tal afirmação, por óbvio, muda de sentido a depender de quem a profere. Se de fato Machado de Assis vai se transformando num escritor negro, isso acontece por meio de muitas perspectivas, e a emergência de uma fortuna crítica produzida por um conjunto de pensadores e pensadoras negros é central, no caso.

Talvez tenhamos chegado a um ponto em que a negritude de Machado não é mais um tópico de contenda. É difícil imaginar alguém que, seriamente, questione sua condição negra. O Machado negro literalmente já andou tentando “entrar” na Academia Brasileira de Letras, com a célebre fotografia retrabalhada de seu rosto sendo recebida por aquela que muitos chamam de “casa de Machado de Assis” ( PRESIDENTE…, 2019PRESIDENTE da ABL, Marco Lucchesi, recebe foto de Machado de Assis negro. Academia Brasileira de Letras, 2019. Disponível em: https://www.academia.org.br/noticias/presidente-da-abl-marco-lucchesi-recebe-foto-de-machado-de-assis-negro. Acesso em: 24 abr. 2023.
https://www.academia.org.br/noticias/pre...
; SIMS, 2019SIMS, Shannon. In Brazil, a New Rendering of a Literary Giant Makes Waves. The New York Times, 14 jun. 2019. Disponível em: https://www.nytimes.com/2019/06/14/books/brazil-machado-de-assis.html. Acesso em: 20 maio 2023.
https://www.nytimes.com/2019/06/14/books...
). É verdade que a recepção não chegou a balançar a iconografia clássica de Machado, que parece seguir firme por lá ( PEREIRA, 2019PEREIRA, Merval. O negro na ABL. O Globo, 07 jul. 2019. Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pereira/post/o-negro-na-abl.html. Acesso em: 24 abr. 2023.
https://blogs.oglobo.globo.com/merval-pe...
).

Fora do Brasil, tampouco existe hoje um questionamento sério de sua pertença racial. Ao contrário, Machado se torna ainda mais interessante porque é um escritor negro. A recente edição das Memórias póstumas de Brás Cubas, na coleção Penguin Classics, traz na contracapa: “ The mixed-race grandson of slaves, Machado de Assis is not only Brazil’s most celebrated writer but also a writer of world stature” ( MACHADO DE ASSIS, 2020MACHADO DE ASSIS, Joaquim Maria. The Posthumous Memoirs of Brás Cubas. Tradução de Flora Thomson-DeVeaux. Nova York: Penguin Books, 2020.).

No entanto, essa face é cambiante, porque entre nós e ela existem a política e a história. Não houve um único Machado ao longo do tempo, o que nos leva a inquirir a verdadeira face de Machado de Assis. Qual é sua cara: proteica ou fixa? O que acarreta o gesto de fixar seu rosto? O que se ganha e o que se perde com tal gesto? E o que a própria ideia de fixar a imagem de Machado de Assis pode revelar, nos dias de hoje?

* * *

Machado de Assis nasceu na Quinta do Livramento em 21 de junho de 1839. O local onde ficava a chácara em que ele nasceu é às vezes chamado de “favela”, como se a trajetória do jovem escritor precisasse desse selo para afirmar seu caráter excepcional. Porém, muito antes que um jornalista associasse as “casinhas cobertas de telha de zinco” ao “Alto da Favela” – numa referência aos soldados que, regressando da Guerra de Canudos, se instalaram ali ao lado, no morro da Providência –, a região havia tido uma história bastante rica, em mais de um sentido. Os ares senhoriais que o lugar possuía quando Machado nasceu seriam paulatinamente substituídos por características urbanas, e a zona seria pouco a pouco habitada por uma mescla de escravizados, libertos, imigrantes, migrantes (sobretudo nordestinos) e trabalhadores pobres, pretos e pardos, até que finalmente chegasse a ganhar a alcunha de favela, já no século XX ( PEREIRA, 2023PEREIRA, Leonardo Affonso de Miranda. Da Providência à favela: os trabalhadores e a ocupação de um morro da região portuária do Rio de Janeiro (1856-1901). Revista de História, n. 182, p. 1-28, 2023.).

Fiquemos com o tempo em que nasceu Machado de Assis, numa das plácidas chácaras que então ocupavam o morro. De sua mãe, sabe-se que era dos Açores, enquanto o pai, pintor de paredes e dourador, era filho de pretos forros. Ou seja, Machado é neto de escravizados, africanos ou afrodescendentes. Pouco se sabe de sua infância, mas o certo é que ele nasceu no seio de uma família pobre que vivia à sombra de uma família de posses. É egresso, portanto, daquele universo dos agregados que brilharia em algumas de suas páginas mais conhecidas. Trata-se também do mundo dos “homens livres na ordem escravocrata”, para lembrar o título certeiro de Maria Sylvia de Carvalho Franco ( FRANCO, 1997FRANCO, Maria Sylvia de Carvalho. Homens livres na ordem escravocrata. São Paulo: Editora Unesp, 1997.).

O próprio nome de Machado de Assis – Joaquim Maria – resulta da junção dos nomes do padrinho, camarista no Paço Imperial, e da madrinha, viúva de um ministro do Império e matriarca que reinou sobre a chácara do Livramento até 1845, quando uma epidemia de sarampo – a mesma que matou a única irmã de Machado, ainda criança – lhe tiraria também a vida. A mãe de Machado, costureira, morreria quatro anos depois, com tuberculose, deixando o filho aos cuidados do pai, que se casaria novamente ( MAGALHÃES JÚNIOR, 1981MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Vida e obra de Machado de Assis. Rio de Janeiro; Brasília: Civilização Brasileira; INL, 1981. 4 v.).

Tampouco se sabe muito sobre o período que antecede a entrada de Machado no mundo das Letras, primeiro em jornais da Corte, já na década de 1850, ainda adolescente, e quase ao mesmo tempo como tipógrafo, atividade em que se iniciou, aparentemente, apadrinhado por Manuel Antônio de Almeida. Aos poucos, entrariam em sua convivência personalidades como Salvador de Mendonça, Joaquim Manuel de Macedo, Gonçalves de Magalhães e outros.

Em suma, Machado foi protegido ou apadrinhado por pessoas importantes. O círculo em que ensaiaria suas primeiras atividades como escritor conecta-se ao lugar onde se iniciara como revisor de provas: a Tipografia Dois de Dezembro, do editor negro e protegido de Dom Pedro II, Francisco de Paula Brito, onde também se estabeleceria, ainda na primeira metade da década de 1850, a “Sociedade Petalógica”.

Note-se a cascata de proteções com que lidamos, quando se fala de Machado. Foi especialmente na oficina de Paula Brito, ou a partir dela, que ele descobriria os caminhos para expandir sua rede de interlocuções, tornando-se progressivamente conhecido por seu talento e pela capacidade de habitar, digamos assim, dois mundos: aquele de que provinha, existente à sombra da gente de posses, e aquele em que construía paulatinamente seu capital cultural e social. 3 3 O cruzamento entre Bourdieu e Machado foi proposto por Beyer (2014).

No plano das imagens, é importante lembrar o salto entre o morro do Livramento, que aqui vemos numa foto de Augusto Malta (de data imprecisa, a foto é posterior ao tempo em que Machado ali viveu) e o chalé da rua Cosme Velho, para onde Machado e a esposa Carolina mudariam em 1884 e onde ele permaneceria até a morte.

Figura 3
Morro do Livramento, fotografia de Augusto Malta, data indeterminada. Brasiliana Fotográfica 4 4 Disponível em: https://brasilianafotografica.bn.gov.br/brasiliana/handle/20.500.12156.1/3148. Acesso em: 24 abr. 2023. ; Casa da rua Cosme Velho, fotografia Academia Brasileira de Letras ( GUIMARÃES; SACCHETTA, 2008, p. 30GUIMARÃES, Hélio de Seixas; SACCHETTA, Vladimir (Orgs.). Cadernos de literatura brasileira: Machado de Assis. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2008.).

É tentador imaginar um Machado de Assis vencedor, espécie de self-made man que subiu com galhardia a escada social, abrindo portas inacessíveis para as pessoas de sua condição. Mas vale a pena perguntar pelo que existe entre um ponto e outro dessa trajetória, não nos termos de uma perspectiva exclusivamente sociológica, e sim quanto à sua “consagração crítica”, pensada a partir de leituras sucessivas de sua obra e de sua biografia. Em outras palavras, convém pensar no movimento das “figuras machadianas” que vão se formando ao longo do tempo. Para tanto, é preciso observar não apenas o arco temporal em que viveu Machado, mas também as interpretações de sua obra e de sua persona ao longo do século XX, e até hoje ( GUIMARÃES, 2017______. Machado de Assis, o escritor que nos lê: as figuras machadianas através da crítica e das polêmicas. São Paulo: Editora Unesp, 2017.).

Em suma, mais que um acerto de contas com o que teria sido a face “verdadeira” de Machado, convém compreender que se trata da mais complexa das negociações com uma história em que segregação e inclusão podem caminhar juntas, como aliás acontece tão frequentemente no Brasil.

Se a condição negra é questão altamente contenciosa nos estudos sobre Machado, insisto que hoje raramente se nega, ao menos seriamente, sua negritude ( MEIRELES, 2019MEIRELES, Maurício. Militantes do país reivindicam identidade negra de Machado de Assis. Folha de S. Paulo, 20 jun. 2019. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2019/06/militantes-do-pais-reivindicam-identidade-negra-de-machado-de-assis.shtml. Acesso em: 24 abr. 2023.
https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/...
). Ainda assim, cabe entender como essa negritude foi trabalhada pelo próprio Machado, e como ela aparece nas interpretações críticas ao longo do tempo. Aqui, queiramos ou não, escritor e obra se confundem.

Machado nunca foi estridente em suas colocações, nem mesmo como cronista. Geralmente a crônica é um espaço privilegiado de acesso às opiniões do autor, mas no caso do “narrador-cronista” Machado de Assis a voz narrativa é intensamente trabalhada, mergulhada que está na “ambiguidade entre a forma de expressão da linguagem escrita ou falada e o sentido de 'conversa informal' que tal substantivo carrega” ( GRANJA, 2018GRANJA, Lúcia. Machado de Assis – antes do livro, o jornal: suporte, mídia e ficção. São Paulo: Editora Unesp, 2018. E-book., [ s. p.]).

Ou seja, ali onde esperaríamos enxergar o autor, muitas vezes o que vemos é um deslizamento e um ocultamento de seus objetivos: tudo é escorregadio, algumas vezes ambíguo, outras vezes apenas alusivo. Trata-se da “estratégia de caramujo” com que Eduardo de Assis Duarte fixou sua atitude, como se verá logo mais ( DUARTE, 2020DUARTE, Eduardo de Assis. A poética da dissimulação. In: ______. Machado de Assis afrodescendente. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Malê, 2020. p. 259-338.).

Raríssimas são as ocasiões em que percebemos os caninos de Machado. Se eles existem, temos que procurá-los muito bem, porque estão quase sempre escondidos.

Figura 4
Antonio Ferreira Luz. Missa campal celebrada em ação de Graças pela Abolição da escravatura no Brasil. 17 de maio de 1888. Instituto Moreira Salles. Brasiliana Fotográfica.

A propósito de um Machado que se esconde, é interessante lembrar a “descoberta”, há alguns anos, de Machado de Assis na foto acima, em que o escritor supostamente aparece ao lado da Princesa Isabel, de José do Patrocínio e outras celebridades, na missa rezada poucos dias após a Abolição diante do Palácio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, então capital do Império ( BEZERRA et al., [ s.d.] BEZERRA, Elvia; MUNIZ, Luciana; WANDERLEY, Andrea C. T. Missa campal de 17 de maio de 1888. Brasiliana Fotográfica. Disponível em: https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?page_id=736. Acesso em: 30 abr. 2023.
https://brasilianafotografica.bn.gov.br/...
).

Talvez o lado mais interessante do que se discutiu recentemente na imprensa, e mesmo entre especialistas, não seja tanto a recuperação arquivística, ou mesmo a técnica utilizada para flagrar o rosto daquele que é, presumivelmente, Machado de Assis.

Figura 5
Antonio Ferreira Luz. Detalhe ampliado.

A surpresa vem sobretudo da própria presença de Machado naquele evento. A questão, em poucas palavras, é que o escritor era muito discreto; daí o estranhamento diante de sua possível aparição na foto.

Lembremos que, em crônica – e de forma figurada no romance –, Machado sugere ter subido numa carruagem aberta e ter participado da alegria que tomou conta das ruas do Rio de Janeiro em seguida à Abolição. Mas mesmo esse gesto fica um pouco no ar e não chega a fixar-se como um feito heroico; diferentemente, é como se houvesse um ligeiro incômodo em se mostrar publicamente.

Uma aguda investigação dessa relutância, ou dessa geral timidez dos gestos de Machado de Assis, é o recente Machado, de Silviano Santiago, que se autointitula romance, embora seja de fato uma biografia romanceada e contenha lances de grande acuidade crítica ( SANTIAGO, 2016SANTIAGO, Silviano. Machado: romance. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.).

No retrato que Santiago traça de Machado de Assis, a raça, seguindo as correntes de pensamento que imperavam ao final de sua vida, mistura-se à questão de sua enfermidade. O tema é amplamente desenvolvido no “romance”, como aliás tinha sido central no belo – e problemático – estudo biográfico de Lúcia Miguel Pereira, de 1936 ( PEREIRA, 1946PEREIRA, Lúcia Miguel. Machado de Assis: estudo crítico e biográfico. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1946.). Além de gago, Machado era epilético e sentia grande embaraço com as marcas corporais de sua doença. Aqui, uma vez mais, fica evidente o contraste com Lima Barreto, que anos depois usaria sua doença mental como material literário, expondo-a e expondo-se ( LIMA BARRETO, 2010LIMA BARRETO, Afonso Henriques de. Diário do Hospício e O Cemitério dos Vivos. Organização de Augusto Massi e Murilo Marcondes de Moura. São Paulo: Cosac Naify, 2010.). No polo oposto, o que Machado mostra, mostra sempre a meias.

Talvez se possa dizer que, paradoxalmente, Machado revela exatamente aquilo que esconde. E as fotografias desempenham papel fundamental nesse caso. Afinal, não há como falar de fotografia sem lembrar aquilo que se esconde e aquilo que se mostra. Há sempre mais de um sentido empenhado na revelação de uma fotografia.

Um dos primeiros momentos em que a questão racial emerge com força na fortuna crítica machadiana é na terrível crítica de Sílvio Romero. As primeiras estocadas datam de 1882 e se tornam definitivas naquele que já foi considerado o maior “erro” da história da crítica literária no Brasil, que seria o livro de Sílvio Romero sobre Machado de Assis, de 1897. O estilo de Machado seria pouco original, segundo Romero, por conta de sua “índole psicológica indecisa” ( ROMERO, 1992, p. 122ROMERO, Sílvio. Machado de Assis: estudo comparativo de literatura brasileira. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.). Na onda do pensamento racista da Escola do Recife, o juízo psicológico desemboca na crítica à incapacidade de Machado de assumir sua condição de “mestiço”. A “raça latina”, segundo as teorias de Taine esposadas por Sílvio Romero, não seria compatível com o humor fino que o escritor afetava ( ROMERO, 1992, p. 161ROMERO, Sílvio. Machado de Assis: estudo comparativo de literatura brasileira. Campinas: Editora da Unicamp, 1992.).

Em suma, para Sílvio Romero, Machado de Assis seria um escritor fora de lugar por não se dobrar à determinação do meio. Seu problema seria não encarnar a formação nacional mestiça, tema que regressaria quase quarenta anos depois, em outra chave, na crítica ambivalente de Mário de Andrade, feita em meio às comemorações do centenário de nascimento de Machado ( MEIRA MONTEIRO, 2021MEIRA MONTEIRO, Pedro. Uma flor desajeitada no jardim modernista: Machado de Assis e o bovarismo a partir de Raízes do Brasil. In: ______. A queda do aventureiro: aventura, cordialidade e os novos tempos em Raízes do Brasil. Belo Horizonte: Relicário, 2021. p. 217-233.).

A questão da raça – ou talvez já pudéssemos dizer a questão do racismo – é algo que vai e volta. Quem quer que estude Machado de Assis vai imediatamente lembrar da famosa reação de Joaquim Nabuco, quando, em 1908, logo após seu falecimento, José Veríssimo identificaria o grande escritor como “mulato”. Diante da escandalosa afirmação, o autor do Abolicionismo retruca ao amigo, em carta: “o Machado para mim era branco” ( SILVA, 2014, p. 230SILVA, Terezinha V. Zimbrão da. Machado de Assis e o mulato de “alma grega”. Machado de Assis em linha – Revista Eletrônica de Estudos Machadianos, v. 7, n. 14, p. 229-239, 2014.).

Não à toa, é no momento da monumentalização de Machado, no centenário de seu nascimento – comemorado em pleno Estado Novo, em 1939 –, que se coloca mais agudamente a questão da procedência do escritor ( GUIMARÃES, 2017______. Machado de Assis, o escritor que nos lê: as figuras machadianas através da crítica e das polêmicas. São Paulo: Editora Unesp, 2017.). Destaco, a propósito, a aparição da efígie de Machado num número da revista infantil O tico-tico de 1939, na qual o centenário do escritor era um dos principais temas:

Figura 6
Hemeroteca Digital, Fundação Biblioteca Nacional.

No tom entre bege e rosáceo da pele, típica dos quadrinhos em cor, vemos um escritor branco sendo reverenciado por duas crianças uniformizadas e brancas. A educação cívica era um dos eixos de formação da família brasileira no quadro ideológico estadonovista. Estamos próximos aqui daquele “gênio latino” com que iniciei este texto. Nada de divisão interna, de dupla consciência, e nem mesmo sombra da questão racial. O problema se torna ainda mais interessante se pensarmos que foi durante o Estado Novo que se consagraram alguns dos mais insistentes mitos sobre a formação social brasileira mestiça: carnaval, samba, futebol ( SCHWARCZ; STARLING, 2015, p. 351–385______; STARLING; Heloisa. Brasil: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.).

Contudo, a questão racial nunca foi totalmente eludida nas interpretações de Machado de Assis. Afinal, a obra machadiana oferece um luxuoso painel das relações sociais no Segundo Reinado e nas primeiras décadas da República. Um dos grandes eixos que a atravessa é a escravidão.

Em sobrevoo rápido, lembremos que o propalado “realismo” de Machado de Assis é incompreensível sem as relações estabelecidas no seio da sociedade escravista fluminense. Mesmo quando ela não está no centro do palco, é impossível entender o xadrez social sem a presença da escravidão. Basta pensar na matriz crítica de Roberto Schwarz para entender que a “sorte dos pobres” e os “ricos entre si” são figurações de uma sociedade escravista ( SCHWARZ, 1990, p. 81–142SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades, 1990.). A “comédia ideológica” do liberalismo brasileiro encontra uma perspectiva privilegiada pelas lentes de Schwarz, que experimentam o foco em torno da pedra fundamental da modernidade brasileira, que é a exploração do corpo negro.

Entre outros, destaca-se o trabalho de Sidney Chalhoub sobre o Machado de Assis “historiador”, o qual, como funcionário público e avaliador de processos em que a Lei do Ventre Livre seria aplicável, debruçou-se sobre conjunturas políticas complexas para ampliar a margem de direitos dos escravizados no mundo regido pelos senhores ( CHALHOUB, 2003CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis, historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.). Ou, então, penso no mergulho na realidade da escravidão pelo negaceio, no estudo minucioso dos impulsos criativos musicais que José Miguel Wisnik faz de um par de contos, em Machado maxixe ( WISNIK, 2008WISNIK, José Miguel. Machado maxixe: o caso Pestana. São Paulo: Publifolha, 2008.).

Por fim, ressalto uma vez mais o fundamental gesto crítico de Eduardo de Assis Duarte. Ao posfaciar uma coletânea de textos de Machado em 2007, ele destacou sua afrodescendência, lembrando, justamente, aquela crônica em que o narrador diz ter saído às ruas logo após a Abolição, em carruagem aberta, para respirar a “felicidade” e o “delírio” coletivos. No entanto, ele o fez como “o mais encolhido dos caramujos” ( DUARTE, 2020, p. 331DUARTE, Eduardo de Assis. A poética da dissimulação. In: ______. Machado de Assis afrodescendente. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Malê, 2020. p. 259-338.). Daí a escrita de caramujo que Duarte postula para esse escritor que, ao esconder – ou melhor, ao esconder-se –, é capaz de revelar como ninguém.

* * *

Pensemos agora no movimento mais ou menos recente em torno dos retratos de Machado, cujos traços negros foram apagados pela estética embranquecedora que vem do século XIX e adentra o século XX.

Um dos retratos mais conhecidos data de 1893, e aqui o vemos na reprodução que aparece num livro do Instituto Moreira Salles ( GUIMARÃES; SACCHETTA, 2008, p. 106GUIMARÃES, Hélio de Seixas; SACCHETTA, Vladimir (Orgs.). Cadernos de literatura brasileira: Machado de Assis. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2008.):

Figura 7
Fototipia, O Álbum, 1893. Biblioteca Guita e José Mindlin.

Ou então o retrato fotográfico que serviria de base para um desenho de Henrique Bernardelli, de 1904, um ano antes que o grande mestre da Escola Nacional de Belas Artes pintasse um retrato a óleo do escritor:

Figura 8
Fotografia de autor não identificado, que serviria de base para desenho de Henrique Bernardelli, de 1904. Arquivo Nacional.

Saber de onde as imagens foram retiradas é fundamental porque há a questão do quanto se escurece ou se clareia uma foto quando ela é reproduzida, seja num livro ou na internet. Há muita elaboração sobre as fotos antigas, de modo que, no limite, é praticamente impossível dizer o que seria uma foto “original”.

Por fim, as mesmas imagens, patrocinadas pela Faculdade Zumbi dos Palmares, de São Paulo, a partir de uma campanha de 2019 ( GUEDES, 2019GUEDES, Diogo. Imagens revelam Machado de Assis para além do embranquecimento. Jornal do Commercio, 19 maio 2019. Disponível em: https://jc.ne10.uol.com.br/canal/cultura/literatura/noticia/2019/05/19/imagens-revelam-machado-de-assis-para-alem-do-embranquecimento-378943.php. Acesso em: 20 maio 2023.
https://jc.ne10.uol.com.br/canal/cultura...
):

Figura 9
Campanha “Machado de Assis Real”, Universidade Zumbi dos Palmares. Reprodução on-line.

Como complemento, penso no vídeo da campanha publicitária patrocinada pela mesma Faculdade, que é narrado em inglês e se intitula The Real Machado de Assis, e pode também ser visto on-line ( THE REAL…, 2019 THE REAL Machado de Assis, 2019. Disponível em: https://vimeo.com/336389513. Acesso em: 23 mar. 2023.
https://vimeo.com/336389513...
).

O tom de anúncio de blockbuster do filme patrocinado pela Faculdade Zumbi dos Palmares não deve nos enganar. Muito além do plano publicitário, há um movimento que sustenta e explica uma iniciativa como essa. Ou seja, a despeito de seu tom publicitário, o vídeo encontra em cheio o clamor, justo e urgente, pela revisão de uma história embranquecida e embranquecedora.

O filme foi produzido por Marcelo Bruzzesi, então diretor criativo de uma agência de publicidade internacional com escritório em São Paulo. Ele foi também responsável por alguns dos anúncios “inclusivos” do Banco Itaú, que circularam no Brasil nos últimos anos, e foi ainda criador da campanha “Vem pra rua” da Fiat, que se converteu em slogan político em 2013 ( BETC HAVAS…, 2022BETC HAVAS anuncia chegada de Marcelo Bruzzesi. ABC da Comunicação, 2022. Disponível em: https://www.abcdacomunicacao.com.br/betc-havas-anuncia-chegada-de-marcelo-bruzzesi/. Acesso em: 23 mar. 2023.
https://www.abcdacomunicacao.com.br/betc...
).

Por um lado, o filme publicitário de Bruzzesi não deixa de ser uma resposta tardia à polêmica sobre outra propaganda, dessa vez um comercial televisivo de 2011, da Caixa Econômica Federal, em que um Machado de Assis inteiramente branco realiza um depósito. Dada a grita geral, posteriormente a Caixa Econômica encomendou um novo comercial, com um ator negro ( CAIXA…, 2012CAIXA põe Machado de Assis negro em novo filme. Exame, 10 ago. 2012. Disponível em: https://exame.com/marketing/caixa-poe-machado-de-assis-negro-em-novo-filme/. Acesso em: 20 maio 2023.
https://exame.com/marketing/caixa-poe-ma...
).

Por outro lado, do ponto de vista crítico, o filme de Bruzzesi é no mínimo paradoxal, porque é bem pouco machadiano. Afinal, ele se guia por uma estética assertiva e calcada na ideia da infalibilidade da ciência – infalibilidade sugerida quando o rosto de Machado, nas fotos, é varrido por um gradeamento de linhas, segundo um tópico clássico do cinema de ficção científica, e vai assim ganhando suas feições “reais”.

Trata-se ainda, segundo o que se escuta da voz em off, de uma “errata histórica”. Ironicamente, a palavra errata tem presença central na obra e na crítica machadianas.

Figura 10
The Real Machado de Assis, 2019. Vimeo, reprodução on-line.

A lição do filme – e do sentimento que ele dispara – é a importância da afirmação vigorosa de um ponto, sempre que uma causa política está em jogo. Entretanto, o que fazer dessa asserção vigorosa quando se trata de um autor tão pouco afeito às afirmações peremptórias?

Pode-se responder com uma expressão da crítica pós-colonial que se encaixa bem ao Black Turn dos estudos machadianos: “essencialismo estratégico” ( GROSS, 1985GROSS, Elizabeth. Criticism, Feminism and the Institution: An Interview with Gayatri Chakravorty Spivak. Thesis Eleven, v. 10-11, n. 1, p. 175-187, 1985.). Muito esquematicamente, haveria um momento em que poderíamos nos perdoar por sermos essencialistas. No balanço complexo entre universalismo e essencialismo, continuidade e diferença, pode-se tomar uma posição vigorosa de afirmação essencial, como se usássemos uma arma política instantânea que pode logo mais desfazer-se.

Contudo, a literatura não é matéria apenas momentânea, o que aprofunda ainda mais o problema. Quando se trata de um filme publicitário como The Real Machado de Assis, a questão propriamente machadiana nos convida a pensar em pelo menos três planos.

Num primeiro plano, a estratégia narrativa utilizada pela publicidade em questão é o contrário daquela estratégia do “caramujo” – para lembrar a expressão machadiana resgatada por Duarte. O discurso empregado é explícito e hiperbólico, montado sobre um ponto fixo e inabalável, sem deixar qualquer espaço para hesitação ou revisão.

Num segundo plano, o filme produzido como matéria publicitária apaga toda a história da construção de um Machado negro. O narrador diz que agora se descobriu o Machado negro, o que nem de longe é verdade. O enegrecimento de Machado de Assis é algo que vem se desenvolvendo, de forma complexa, em idas e vindas, ao longo de mais de um século. Para fazer justiça a tal história, convém lembrar mais uma vez que, embora o Machado negro seja uma construção de muito tempo, ela é impensável sem a participação mais recente de intelectuais negros, negras e negres, que hoje podem compreender a “falta de marcas explícitas” em seu texto como parte fundamental de sua “delicada” e “negociada” posição como “a de um intelectual mestiço que escrevia a melhor literatura do momento” ( DUTRA, 2020, p. 132DUTRA, Paulo. O “Recitatif” de Machado de Assis: para uma leitura negra de “Missa do Galo” e “Teoria do medalhão”. Latin American Research Review, v. 55, n. 1, p. 122-134, 2020.).

Num terceiro plano, se tomarmos o filme pelo seu valor de face, a fotografia, como arte, sai muito empobrecida da propaganda, porque tampouco é vista como um processo movido pela chama da interpretação. Se de fato tivéssemos chegado ao “verdadeiro Machado”, a fotografia teria se tornado apenas um meio transparente a nos separar de um objeto. Contudo, a fotografia é uma intervenção historicamente condicionada, abrindo-se a inúmeras possibilidades de manipulação – palavra que não precisa ser tomada em seu sentido negativo.

Só uma visão extremamente empobrecida pode supor que, em se tratando da fixação da luz, teríamos um processo de mão única em que uma “realidade” prévia ao ato de captação se imporia como a “verdadeira” realidade (mantenha-se o aspecto pleonástico da expressão, no caso: a verdadeira realidade). Seria muito mais produtivo e exato penetrar nas imagens para explorar a “minuciosidade dos pormenores suspensos na emulsão aparentemente transparente”, para jogar com as palavras de um crítico da fotografia ( TAGG, 2013, p. 382TAGG, John. O “Curso” da Fotografia. In: TRACHTENBERG, Alan. Ensaios sobre fotografia de Niépce a Krauss. Tradução de Luís Leitão. Lisboa: Orfeu Negro, 2013. p. 355-385.).

A imagem a que se chega, portanto, é resultado de um processo político de debate, perspectivação e projeção de valores e modelos – como aliás se viu aqui, quando partimos de um retrato fotográfico de Anatole France, passamos pelo retrato de Du Bois e chegamos às fotografias de Machado de Assis.

A gama de possibilidades em torno da construção da imagem de Machado é potencialmente infinita. Particularmente provocativa e feliz é a transformação deliberada do escritor num “preto velho”, em recente veiculação da programação da FLUP – Festa Literária das Periferias – no dia 13 de maio de 2023, quando se reuniram, em torno do morro do Livramento, artistas e grupos como Gilberto Gil, Haroldo Costa, o Slam das Minas, Eliana Alves Cruz e outros ( CASTRO, 2023CASTRO, Mayra. Com Gilberto Gil, blocos e roda de samba, Flup homenageia Machado de Assis e Lima Barreto. O Globo, 13 maio 2023. Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/livros/noticia/2023/05/com-gilberto-gil-blocos-e-roda-de-samba-flup-homenageia-machado-de-assis-e-lima-barreto.ghtml. Acesso em: 21 maio 2023.
https://oglobo.globo.com/cultura/livros/...
). Nesse meio, Machado desponta como o contrário do “intelectual hermético da Zona Sul”:

Figura 11
Página FLUP – Festa Literária das Periferias. Reprodução on-line.

A aproximação entre Machado de Assis e a “gira” no morro da Providência, conclamando as crianças e ao mesmo tempo conectando o primeiro “membro negro” da Academia Brasileira de Letras ao “nosso outro preto velho” e acadêmico, Gilberto Gil, é mais que um simples golpe de publicidade.

Aqui, diferentemente da publicidade veiculada em The Real Machado de Assis (filme produzido por um publicitário branco, a propósito), trata-se de um movimento que se assume como gesto político, sem que a reclamação da identidade negra do autor, nascido na ladeira do Livramento, se resuma ao gesto reparador que traria como resultado a descoberta de uma verdade absoluta, encoberta por mais de um século de branqueamento.

Não se pode negar a importância do debate gerado em torno do escurecimento da imagem de Machado. Ao mesmo tempo, o gesto irônico e brincalhão que o transforma num “preto velho”, ou mesmo num “Machado pagodeiro” ( OLIVEIRA, 2023OLIVEIRA, Acauam. O afeto rigoroso de seu Zé Miguel pelintra. Apresentação oral em “Assim sem receita: José Miguel Wisnik”. Rio de Janeiro, colóquio UERJ, 2023.), portador de uma sabedoria ancestral historicamente perseguida ou sublimada, é bem mais rico que a simples afirmação de uma “verdade”. Tal afirmação se furta ao fato de que a própria verdade é matéria de debate e luta política, sem que haja um “final” nessa história de clareamento e escurecimento sucessivos.

Insista-se que a história do embate entre o enegrecimento e o embranquecimento não se resume ao presente, embora o debate se aqueça em tempos de discussão sobre o racismo estrutural que, de forma perversa, naturaliza e eterniza os lugares de privilégio.

Em vez de um alvo certeiro, a proposição machadiana aprofunda uma sensação de embaralhamento, como se a própria posição “negra” paradoxalmente dependesse, para sua afirmação, de uma “oscilação” fundamental. Penso aqui no gesto que Fred Moten ressalta na análise de C. R. L. James quando este atribui a derrota de Toussaint L'Ouverture à derrota da própria Ilustração. Ao associar-se ao gesto revolucionário francês, o líder da revolução haitiana teria selado uma contradição básica, entre a “liberdade”, pensada em termos abstratos e universais, completamente desencarnada, e a “independência” que seria comunicada aos escravizados sem qualquer auxílio da letra morta, impondo-se aos corpos pela voz. É como se a regressão à matéria condicionasse um salto à frente, ou àquilo que Moten reconhece como um princípio musical e rítmico na luta política que, recusando-se à marcha unívoca, vive das – e nas – oscilações ( MOTEN, 2017, p. 1–13MOTEN, Fred. Black and Blur. Durham, NC: Duke University Press, 2017.).

Não se trata de, mecanicamente, posicionar-se entre o ato individual e heroico, de um lado, e o imperioso movimento coletivo, de outro. Diferentemente, convém reconhecer o jogo político na oscilação entre ideais abstratos, que nada trazem, e feitos concretos, que propulsionam o sujeito e o libertam das amarras da abstração, revelando-lhe a perfídia de toda e qualquer luta por ideais desencarnados.

A luta política, em suma, se daria num vaivém capaz de explicitar que a liberdade reverenciada pelo saber letrado é quase sempre uma falácia a que se pode resistir. Haveria que se proteger da “altissonância dos sermões” e do “arroubo panfletário”, resistindo “às exigências do discurso ideológico”. Trata-se daquilo, em suma, que Eduardo de Assis Duarte nota e anota nos romances machadianos:

[...] o tratamento enviesado, indireto; os negaceios verbais e as alfinetadas ligeiras, mas cortantes; o discurso irônico substituindo a fala explícita ou peremptória; o enfoque universalizante de questões nacionais; a paródia de mitos e narrativas fundadoras de hegemonias; a sátira dos detentores do poder; tudo isso vazado numa linguagem marcada por múltiplos disfarces

( DUARTE, 2020, p. 325DUARTE, Eduardo de Assis. A poética da dissimulação. In: ______. Machado de Assis afrodescendente. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Malê, 2020. p. 259-338.).

Uma política do disfarce convida a pensar num horizonte sempre borrado – Black and Blur – ou talvez num futuro que resiste à sua própria efetivação, como se a realização mais plena se desse não no atravessamento da fronteira, mas na fronteira mesma.

Não estaremos distantes, nesse caso, daquilo que Achille Mbembe propõe sobre o “devir-negro”. 5 5 Um dos pareceres por que passou o presente artigo ressalta que houve pouco debate sobre a utilização do termo “negro” na tradução de Mbembe ao português, o que ensejaria uma reflexão aprofundada sobre o peso histórico do emprego da palavra no Brasil desde o século XIX. Estou plenamente de acordo, e noto que o termo foi utilizado neste meu texto em referência a momentos e sujeitos históricos muito diferentes, de modo que a positividade ou a negatividade que lhe são emprestadas dependem dos contextos de enunciação da palavra. Resta lembrar que a sinonímia de “negro” e “raça” revela justamente o peso do colonialismo na linguagem, contra o qual se erguem, crítica e politicamente, a subjetivação e a afirmação das condições de resistência das pessoas colonizadas. A descolonização das “mentes e imaginações”, como sugeria Malcolm X, se expande quando estruturas de dominação são destrinchadas, naquele movimento que bell hooks identifica à produção de “hábitos novos e alternativos de ser” a partir “desse espaço marginal de diferença definido internamente” ( KILOMBA, 2019, p. 69). Lida em outro contexto, sua pergunta parece dizer tudo sobre Machado de Assis:

será acaso necessário esquecer o negro ou, pelo contrário, salvaguardar sua força em relação ao que é falso, seu caráter luminoso, fluido e cristalino – esse estranho sujeito escorregadio, serial e plástico, constantemente mascarado, firmemente situado em ambos os lados do espelho, ao longo de uma fronteira que ele não para de ladear?

( MBEMBE, 2018MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. Tradução de Sebastião Nascimento. São Paulo: n-1 edições, 2018. E-book., [ s. p.])

Referências

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  • WISNIK, José Miguel. Machado maxixe: o caso Pestana. São Paulo: Publifolha, 2008.
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    Este texto é parte de uma reflexão maior sobre a visão política do “último Machado de Assis”, autor de Esaú e Jacó (1904) e de Memorial de Aires (1908). No momento, preparo um livro em que tento compreender como o ceticismo – que quase nunca se confunde com niilismo – do narrador machadiano ganha densidade graças ao exercício de afastamento da voz narrativa, que por sua vez parece querer se desfazer de qualquer compromisso com o presente e o futuro. As consequências políticas desse afastamento foram se tornando mais evidentes para mim à medida que eu aprofundava a relação enviesada, nunca de todo clara, do autor e do narrador com a realidade de seu tempo. Para tanto, foi necessário voltar ao Machado cronista de 1888 e 1889, tempo diegético da narrativa dos seus dois últimos livros, compostos quando a República já ia adiantada em seu processo modernizador violento e excludente.
  • 2
    Valho-me aqui da noção da política “não épica”, de acordo com o que formulou Arcadio Díaz-Quiñones ( DÍAZ-QUIÑONES, 2016, p. 37–107DÍAZ-QUIÑONES, Arcadio. Memória rota: ensaios de cultura e política. Organização e tradução de Pedro Meira Monteiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.).
  • 3
    O cruzamento entre Bourdieu e Machado foi proposto por Beyer (2014)BEYER, Bethany. Experience at home and innocence abroad: social and cultural capital in Machado de Assis's Esaú e Jacó and Henry James's The Ambassadors. Machado de Assis em Linha – Revista Eletrônica de Estudos Machadianos, v. 7, n. 13, p. 78-99, 2014..
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  • 5
    Um dos pareceres por que passou o presente artigo ressalta que houve pouco debate sobre a utilização do termo “negro” na tradução de Mbembe ao português, o que ensejaria uma reflexão aprofundada sobre o peso histórico do emprego da palavra no Brasil desde o século XIX. Estou plenamente de acordo, e noto que o termo foi utilizado neste meu texto em referência a momentos e sujeitos históricos muito diferentes, de modo que a positividade ou a negatividade que lhe são emprestadas dependem dos contextos de enunciação da palavra. Resta lembrar que a sinonímia de “negro” e “raça” revela justamente o peso do colonialismo na linguagem, contra o qual se erguem, crítica e politicamente, a subjetivação e a afirmação das condições de resistência das pessoas colonizadas. A descolonização das “mentes e imaginações”, como sugeria Malcolm X, se expande quando estruturas de dominação são destrinchadas, naquele movimento que bell hooks identifica à produção de “hábitos novos e alternativos de ser” a partir “desse espaço marginal de diferença definido internamente” ( KILOMBA, 2019, p. 69KILOMBA, Grada. Memórias da plantação: episódios de racismo cotidiano. Tradução de Jess Oliveira. Rio de Janeiro: Cobogó, 2019.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    26 Jul 2023
  • Aceito
    11 Out 2023
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