Beatriz Nascimento e Marlene Cunha estavam lá tentando nos dizer a importância de nossa organização e presença dentro da produção científica, desde o século passado quando organizavam seus corpos negros naquele espaço majoritariamente branco, elitista, que há muito tempo vinha se construindo com o espistemicídio do nosso povo e de nossa identidade.
Quanto sangue foi preciso derramar, quanto foi preciso lutar, quanto aquilombamento foi feito, quantas populações indígenas foram dizimadas, escravizadas para que hoje pudéssemos ser os primeiros de nossas famílias a ter acesso à educação superior, para que pudéssemos ser o primeiro coletivo negro de pós-graduação no Brasil, para estudar e produzir ciência naquele que tem sido considerado o principal programa de antropologia social do Brasil? Tudo isso só foi possível porque muito foi feito antes de nós para que o PPGAS do Museu Nacional pudesse ser o pioneiro na política de ações afirmativas na pós-graduação no Brasil.
Em um país tão desigual, ingressar no ensino superior é a chave de mudança para milhares de pessoas. No Brasil, as ações afirmativas foram criadas para diminuir as desigualdades socioeconômicas relacionadas a determinados grupos, como pessoas negras, indígenas e de baixa renda. O objetivo é democratizar o acesso ao ensino superior e aos cargos públicos. É o início da reparação diante das atrocidades promovidas pela colonização e pelo racismo vigente.
As ações afirmativas diversificam, potencializam, enriquecem e constroem uma universidade mais democrática e menos desigual. O princípio da igualdade perante a lei é a rocha que sustenta as sociedades democráticas e modernas. As ações afirmativas vêm para combater as desigualdades colocadas e promover o que chamamos de reparação histórica.
Quem conhece a história do Brasil, quem gosta do Brasil deveria empenhar-se em defender as ações afirmativas nos quatro cantos deste país. Quem não acha estranho, nem desconfortável entrar nos restaurantes e só ver brancos comendo enquanto negros os servem, ver na direção das empresas apenas brancos, conviver com uma elite tão monocromática deve simplesmente dizer que prefere conservar o Brasil como ele é, com os brancos e negros mantidos assim, nesta imensa distância social, e assumir o seu lugar de racistas e criminosos perante a sociedade. Racismo é crime!
Há dez anos estamos mudando esse cenário, estamos incidindo cada vez mais nos espaços de poder, agora somos nós falando de nós mesmos, produzindo nossas ciências decoloniais e contribuindo para a construção de uma sociedade menos desigual, antirracista e mais democrática. O programa, que é referência em etnologia no mundo, tem intelectuais indígenas produzindo ciência, também organizados em coletivo.
Sabe-se que o Brasil passou por um período de democratização do ensino e de ampliação e defesa da universidade pública, muitos foram os movimentos sociais que se engajaram nessa luta. É necessário reconhecer que a partir dos anos 2000 foram maiores as conquistas em matéria de educação e ações afirmativas com os governos do PT, de 2003 a 2016 com Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Nos governos Lula e Dilma, a educação não era um gasto, mas um investimento: o orçamento do Ministério da Educação (MEC) triplicou. Observamos a expansão das universidades federais já existentes. A rede federal de ensino superior teve, nos governos do PT, a maior expansão de sua história.
Com o ProUni e a ampliação do FIES (Financiamento Estudantil) foi possível o ingresso de milhões de estudantes de baixa renda nas universidades privadas. Foram criadas mais de 400 novas escolas técnicas, parte de uma rede estruturada em torno dos Institutos Federais de Ensino Tecnológico, que chegou a 596 municípios, beneficiando toda a sociedade brasileira.
Porém, talvez o mais importante tenham sido as políticas de ação afirmativa aprovadas nas universidades federais em 2012. Falar da experiência brasileira de políticas de ação afirmativa no acesso ao ensino superior significa falar de uma experiência de sucesso. Existem muitas pesquisas feitas em torno da temática que trazem dados que amparam esta afirmação e queremos exemplificar com a experiência do Coletivo Negro Marlene Cunha. Importante ressaltar que compartilhamos nossa luta também com o coletivo de estudantes indígenas do PPGAS/MN. A escrita desta carta se debruçará nas ações que construímos enquanto coletivo negro e principalmente do futuro e de objetivos da organização de cientistas negros em favor de uma ciência antirracista e aberta. Mas a luta é uma só. Caminhamos lado a lado com os colegas indígenas por uma universidade cada vez mais inclusiva e democrática.
O Coletivo Negro Marlene Cunha é a união dos antropólogos negros pesquisadores do PPGAS/Museu Nacional. Este coletivo se reuniu no ano de 2017, congregando alunos negros ingressantes nos primeiros anos das políticas de ações afirmativas do PPGAS/MN e os candidatos aprovados nesse ano - quando houve um aumento significativo de ingressantes negras e negros.
A presença negra e indígena e a consequente organização das pesquisadoras e dos pesquisadores negros e indígenas são fruto da instituição das políticas de ação afirmativa de caráter étnico-racial no PPGAS/MN, que se formalizaram em uma reunião realizada no dia 8 de novembro de 2012, com o colegiado aprovando a Resolução 6/2012. Assim, a partir da seleção para mestrado e doutorado a ser realizada no ano de 2013 (com início do curso em 2014), o Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional da UFRJ passou a ser o pioneiro na adoção de duas linhas de ação afirmativa: para candidatos indígenas e candidatos negros.
Falar Coletivo é
O diminuto ingresso e a presença de estudantes negras e negros e indígenas no PPGAS/Museu Nacional levou em 2006 a que um grupo de mestrandos e doutorandos do Programa - brancos e negros - apresentassem à coordenação a proposta de uma política de ação afirmativa. Após cinco anos de discussão, em 2012, a instituição das ações afirmativas no PPGAS/MN foi votada e aprovada. Desde 2013 esta política vem sendo aplicada de forma ininterrupta, permitindo o ingresso de ao menos 20% de candidatos negros e indígenas. A existência do Coletivo Negro Marlene Cunha e sua formação, decorridos alguns anos da implementação das ações afirmativas, são tributárias deste esforço de colegas que nos antecederam e propuseram tais políticas ao colegiado do PPGAS/MN. É necessário e justo que reconheçamos este esforço como a ação seminal para a forte presença negra no Programa e todos os desdobramentos que isto tem ocasionado no campo da antropologia brasileira.
E por que um coletivo negro?
À primeira vista, as pessoas podem se perguntar, por que um coletivo negro de pós-graduandos? Para que serve? Por que se deve diferenciar antropólogos e cientistas em geral entre negros e não negros? Quais têm sido as nossas ações e quais resultados esperamos delas?
Este coletivo existe como uma forma de os pesquisadores e as pesquisadoras negras do PPGAS/MN se reunirem e colocarem adiante um projeto de Ciência e de uma Antropologia Antirracista, comprometidos com a democratização do conhecimento. Além disso, ao sermos a primeira geração de estudantes negros e negras que acessam a pós-graduação em grupo, assumimos o compromisso com a comunidade negra e com nossos antepassados traficados e escravizados de democratizar a universidade e continuar a sua luta por emancipação. Esta responsabilidade aumenta de tamanho quando vemos a fragilidade de todas as recentes conquistas em face da força que o ideal escravocrata ainda tem no Brasil. Somos nós por nós a defendermo-nos, a criar espaços seguros, a propor um trabalho científico relevante para a maioria dos brasileiros e a abrir espaço para que outras gerações de pesquisadores negros possam acessar as universidades e os laboratórios nacionais.
Um projeto de antropologia, e por extensão todo o campo científico, antirracista e aberto significa abrir espaço para pesquisadores, cientistas e professores/as negras e negros e fomentar uma ciência que busque respostas para problemas que afetam e façam sentido para a maioria da população brasileira. Isto implica que devem ser estudadas as necessidades e os interesses da população negra, bem como devem ser abandonadas falsas premissas estabelecidas pelo senso comum e pelo racismo científico sobre as populações afrodescendentes. O avanço político e a igualdade racial no Brasil dependem da observação igualitária sobre os negros e suas questões.
Apenas um corpo de cientistas e pesquisadores atentos a estas questões poderá dar conta dessa necessidade. E a organização política dos pesquisadores negros do PPGAS/MN visa suprir essa demanda na luta por corrigir as assimetrias sociais. A assunção da identidade racial e a disposição em lutar contra o racismo têm movido todas as sociedades nas quais a sujeição racial foi instaurada na direção da desigualdade. A consciência negra é o motor que pode levar as ciências brasileira e ocidental a um horizonte de relevância em um mundo de negacionismo e terraplanismo crescentes.
O coletivo serve para criar espaços seguros e aumentar a mobilização acadêmica por uma antropologia e uma ciência antirracistas. A instituição das políticas de ação afirmativa e os avanços dos últimos anos para a população negra não estão garantidos. O Coletivo Negro Marlene Cunha visa, portanto, ao estabelecimento de uma política acadêmica duradoura no sentido tanto de aumentar o impacto da produção científica quanto a sua expansão e democratização. A união e a organização esporádica ou em reação a alguma provocação não poderão dar conta das necessidades dos pesquisadores negros, nem tão pouco dos desafios enfrentados pela população negra em geral.
O que é o Coletivo Negro Marlene Cunha?
Nossa inspiração, Marlene Cunha foi uma antropóloga negra e militante pioneira no movimento negro ao lado de Beatriz Nascimento na Universidade Federal Fluminense - UFF. Ela estudou a gestualidade do candomblé Angola, e permanece sendo uma das poucas mulheres negras a ter trabalhado esta temática.1 1 Sua tese foi publicada em 2022 pela Editora Hucitec com o nome Em busca de um espaço. A linguagem gestual no Candomblé Angola. Na virada dos anos 1970 para 1980 ela liderou o Grupo de Trabalho André Rebouças - GTAR, responsável por demandar pesquisas sobre as condições da população negra, as desigualdades raciais da década de 1980 e pela inclusão da variável cor/raça no Censo de 1980.
Sabendo a importância de Marlene Cunha e que ela também é mãe de um dos membros do coletivo, João Alípio, hoje doutorando do Programa, demos ao Coletivo Negro do Museu Nacional o seu nome para homenageá-la e abraçar o seu legado no GTAR e o de outros militantes universitários e cientistas negros que lutaram em organizações como o Instituto Steve Biko - BA, os universitários reunidos em 1993 no I Seminário Nacional de Universitários Negros e Negras (I SENUN), a Associação Brasileira de Pesquisadores Negros (ABPN), a Educafro, os coletivos e universitários reunidos no I Encontro de Estudantes e Coletivos Negros (EECUN), em 2016 na UFRJ. O Coletivo Negro Marlene Cunha é um resultado prático destes negros e negras que ousaram lutar para vencer o racismo acadêmico e científico brasileiro.
O coletivo é composto por pesquisadores negros de diversos lugares, origens e com interesses em linhas de pesquisa diferentes. Somos formados por uma maioria feminina e viemos de todas as regiões brasileiras e mesmo de outros países da América Latina. Somos de todas as partes do Brasil, do Rio de Janeiro (Zona Sul, Norte, Baixada Fluminense, Niterói, Centro, Região dos Lagos), de Brasília, Ceará, Pernambuco e também do Quilombo da Caatinga Velha, por exemplo. Participamos dos diversos núcleos de pesquisa e laboratórios que compõem o PPGAS/MN, desenvolvendo projetos acerca de temáticas como etnologia, religião, política, campesinato, Estado e poder, gênero e sexualidade, violência etc. Temos ainda uma forte presença queer e trans em nossos quadros e atuação político-acadêmica, generificando a luta antirracista que propomos na universidade. (Figura 1)
De onde falamos?
O Museu Nacional é a mais antiga instituição científica do Brasil, tendo sido criada em 1818 por D. João VI. Atualmente ele está sediado no palácio que abrigou a família real que o fundou, e que foi recebido de presente das mãos de um grande mercador de escravos da virada dos séculos XVIII-XIX.(BRAGA2014BRAGA, N. L. X. S. 2014. “A emigração portuguesa para o Brasil na segunda metade do século XVIII: o estabelecimento do portuense Elias Antonio Lopes no Rio de Janeiro”. Revista Angelus Novus, 6:95-114. Disponível em https://www.revistas.usp.br/ran/article/view/88883
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BRAGA, N. L. X. S. 2014. “A emigração portuguesa para o Brasil na segunda metade do século XVIII: o estabelecimento do portuense Elias Antonio Lopes no Rio de Janeiro”. Revista Angelus Novus, 6:95-114. Disponível em https://www.revistas.usp.br/ran/article/view/88883 e https://www.museunacional.ufrj.br/guiaMN/Guia/ paginas/1/palacio.htm.
Durante a sua história muitas falsas premissas do racismo científico ali grassaram, criando as bases do racismo cotidiano e das políticas de branqueamento do século XX. E por que não devemos esquecer isto? Porque o lugar que foi construído com o suor e o sangue negro agora nos abriga pautando e criando uma nova ciência a partir da experiência do Coletivo Negro Marlene Cunha.
Somos nós que temos feito debates relevantes e os eventos mais concorridos, enchendo o Horto e a Quinta da Boa Vista de jovens estudantes e pesquisadores negros, brancos, indígenas, mas, sobretudo, antirracistas. Assim foi, por exemplo, a aula inaugural com o professor Kabengele Munanga, em abril de 2018, e os Seminários Novembro Negro que temos realizado desde 2017. Nós estamos no Museu Nacional fazendo com que a ciência, a antropologia façam sentido para o máximo de pessoas. Esta é a importância dos nossos corpos dentro dessa instituição, é também um giro histórico, é como rasgar o silêncio com um sussurro, é uma cura.
O que queremos e fazemos enquanto Coletivo Negro Marlene Cunha?
Para alcançarmos o ambicioso objetivo de dissecar o racismo da ciência e da antropologia brasileiras, o Coletivo Negro Marlene Cunha, nesses cinco anos de existência, tem proposto e realizado uma série de ações de impacto reconhecidas por toda a comunidade acadêmica. A primeira delas foi a criação de um curso preparatório para pessoas negras interessadas em participar dos exames de mestrado e de doutorado no PPGAS/MN. Este curso preparatório (Figura 4 e Figura 5) já teve ao todo cinco edições, preparando em torno de 400 pessoas e aprovando cerca de 40 estudantes negras e negros ao mestrado e ao doutorado em Antropologia Social. Este é um número muito acima dos 20% de vagas previstas a mais pela política de ações afirmativas do Programa.
De acordo com o relatório de avaliação das ações afirmativas no PPGAS/MN, realizado por uma Comissão integrada por docentes e alunas negras e indígenas, entre 2013 e 2020, ingressaram 223 estudantes ao todo no Programa. Destes, 77 são optantes (34,5%), sendo 54 negras e negros (24,2%) e 23 indígenas (10,3%); 48 foram aprovados no mestrado e 29 no doutorado; 43 são mulheres e 34 são homens; 49 foram aprovados pelas vagas adicionais destinadas a negras e negros e indígenas (21,9%). Nos anos avaliados, o PPGAS/MN formou 19 mestrandos e sete doutores negros e negras. Em 2021, de acordo com o mesmo relatório, havia 12 mestrandos e mestrandas negros/as e 31 doutorandos e doutorandas negros/as com matrícula ativa no PPGAS/MN. (Figura 6)
Este foi o primeiro curso preparatório para negras e negros candidatos/as à pós-graduação na universidade brasileira e o seu sucesso pode ser medido pelo alastramento desta iniciativa para outros numerosos programas de pós-graduação ao longo do país que hoje têm alguma ação voltada ao ingresso de pessoas pertencentes a grupos minoritários, como negros, indígenas, pessoas com deficiência e pessoas trans. O Coletivo Negro Marlene Cunha criou esta iniciativa, provando ser possível preparar a 1a geração de estudantes negros egressos da universidade de forma massificada, em salas com dezenas de candidatos negros e negras ao mestrado e doutorado. Muitos dos que participaram do nosso preparatório partiram para prestar exames em outros programas de pós-graduação, levando consigo a noção de que é possível ingressar e que, ao fazê-lo, devem se responsabilizar pelo avanço antirracista.
Além da política acadêmica estrita, participando da busca por financiamento e decisão nos colegiados e nos laboratórios, o Coletivo Negro Marlene Cunha também tem atuado promovendo simpósios, oficinas, workshops, aulas inaugurais, entre outros eventos acadêmicos. Esses momentos de troca e divulgação científica visam à circulação de pesquisadores negros e sua produção, bem como o aprimoramento dos mesmos, dos pesquisadores parceiros e toda a sorte de interessados. Desta forma, temos estabelecido uma rede internacional de pesquisadores negros que participam e fortalecem a nossa agenda acadêmica, envolvendo países como EUA, Haiti, Cuba, Peru, Colômbia, Cabo Verde, França, México e Alemanha.
E isso tudo, todas essas ações e eventos só podem ser feitos com organização, e em parceria com os professores e a coordenação do nosso Programa, com respeito pelo trabalho dos funcionários e terceirizados. E assim nós temos feito: sempre em duas frentes. A primeira é a inclusão, porque a ação afirmativa não dá conta do tanto de gente preta que tem vontade de estudar e exercer antropologia e pode contribuir com a ciência brasileira, e também fomentando debates, trazendo novas formas de pensar, ver e discutir a nossa disciplina.
O êxito do nosso trabalho, nestas duas frentes, pode ser atestado rapidamente. O primeiro resultado é a massiva entrada de pesquisadores negros no PPGAS/MN e nos outros programas de pós-graduação que têm seguido a nossa experiência em preparar e defender a permanência do alunado negro. O segundo impacto objetivo se evidencia na propagação do pensamento e na produção científica de pesquisadores negros e nos avanços na política acadêmica mundial representados pela adoção em nível internacional da Moção da 32 a Reunião Brasileira de Antropologia - RBA: Diversificar a (in)formação sobre as antropologias mundiais de pesquisadores estrangeiros e estudantes de Antropologia. Esta moção foi provocada pela criação do Comitê de Antropólogos Negros e Negras, durante a 31a RBA, realizada em 2018 na Universidade de Brasília. A criação deste comitê teve e tem como protagonistas pesquisadoras negras integrantes do Coletivo Negro Marlene Cunha e visou pressionar a Associação Brasileira de Antropologia - ABA em direção a um posicionamento antirracista mais claro e incisivo. (Figura 7)
Para o futuro?
E, então, o que esperamos, queremos, mas principalmente faremos para o futuro? O Coletivo Negro Marlene Cunha, nesses cinco anos de atividade, tem tentado sempre criar parcerias e mostrar que uma ciência antirracista e democrática é algo positivo para os cientistas e a sociedade como um todo. Convidamos e acolhemos a participação daqueles/as que visem se engajar nesse nosso projeto. Todas as pessoas têm a ganhar com a construção de uma antropologia e de uma ciência democrática, popular, antirracista na qual nossos corpos tenham vez e voz, que possamos continuar incomodando para saber que estamos no lugar certo. Que as ementas das disciplinas incluam autores negros e indígenas, que as nossas produções circulem a exemplo do que tem acontecido por todas as universidades brasileiras.
Que possamos encontrar juntos saídas para os desafios que estão colocados para todos os interessados no avanço da ciência e do bem-estar das populações. Que as ações afirmativas são um sucesso, não temos dúvida. Quem ainda tem dúvidas provavelmente padece de desinformação, de conservadorismo ou de um apego a um ideal hierárquico de nação que não raras vezes podemos chamar de racismo. Mas como garantiremos a permanência desses estudantes após o acesso em um cenário de descrédito científico e cortes financeiros? Como fazer para que um amplo contingente de pesquisadores tenha condições de permanecer, ter sucesso e concluir seus estudos? A pandemia ainda está aí e outras poderão vir. Uma das pesquisadoras responsáveis pelo mapeamento genômico do corona vírus foi uma jovem negra, Jaqueline Goes de Jesus, doutora em Patologia Humana e Experimental, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e, atualmente, desenvolve pesquisas em nível de pós-doutorado no Instituto de Medicina Tropical de São Paulo, da Universidade de São Paulo (IMT/USP). No cenário de terra arrasada em que nos encontramos na ciência brasileira, na próxima emergência, isso poderá, lamentavelmente, não se repetir. É o que a sociedade brasileira quer?
Como garantir e lutar por mais bolsas, investimento, num cenário como este? Um cenário de recrudescimento da extrema direita e seus ataques à ciência que tem gerado impactos negativos e o desmonte na educação brasileira. Desde 2016, após o impeachment da presidenta Dilma e nos anos recentes deste nefasto governo, no qual a universidade pública é ofendida como lugar de “balbúrdia” pelo presidente, segundo levantamento do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) de 2021, o investimento público com a educação atingiu o menor patamar desde 2012. O valor autorizado foi de 126,8 bilhões de reais e a execução foi de 118,4 bilhões. Entre 2019 e 2021, os recursos utilizados diminuíram em 8 bilhões de reais.
Ainda faz sentido a distribuição das bolsas de pesquisa por critérios meritocráticos? Como pensar o critério socioeconômico e as ações afirmativas nesse processo? Qual o estatuto que os cientistas e os pesquisadores, negros, indígenas e brancos terão na sociedade brasileira? Aos cientistas serão reservadas apenas a instabilidade laboral e a não formalização que atinge todos os doutorandos e mestrandos brasileiros hoje? Tudo isso é repensar o valor que damos à ciência e qual futuro queremos para nós e as gerações futuras.
Bibliografia
- BRAGA, N. L. X. S. 2014. “A emigração portuguesa para o Brasil na segunda metade do século XVIII: o estabelecimento do portuense Elias Antonio Lopes no Rio de Janeiro”. Revista Angelus Novus, 6:95-114. Disponível em https://www.revistas.usp.br/ran/article/view/88883
» https://www.revistas.usp.br/ran/article/view/88883
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Sua tese foi publicada em 2022 pela Editora Hucitec com o nome Em busca de um espaço. A linguagem gestual no Candomblé Angola.
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BRAGA, N. L. X. S. 2014BRAGA, N. L. X. S. 2014. “A emigração portuguesa para o Brasil na segunda metade do século XVIII: o estabelecimento do portuense Elias Antonio Lopes no Rio de Janeiro”. Revista Angelus Novus, 6:95-114. Disponível em https://www.revistas.usp.br/ran/article/view/88883
https://www.revistas.usp.br/ran/article/... . “A emigração portuguesa para o Brasil na segunda metade do século XVIII: o estabelecimento do portuense Elias Antonio Lopes no Rio de Janeiro”. Revista Angelus Novus, 6:95-114. Disponível em https://www.revistas.usp.br/ran/article/view/88883 e https://www.museunacional.ufrj.br/guiaMN/Guia/ paginas/1/palacio.htm.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
19 Dez 2022 -
Data do Fascículo
2022