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"I", "Uuu", "Shhh": gritos, sexos e metamorfoses entre Os Matis (Amazônia Brasileira)

Resumos

Por meio de dados etnográficos provenientes dos Matis, grupo de língua pano, este artigo tematiza a ritualização do antagonismo sexual na Amazônia. Em particular, analisa-se o pequeno repertório de sons ou gritos que homens e mulheres utilizam em certos contextos rituais, argumentando que eles formam um sistema que deve ser interpretado à luz da complementaridade sexual e da transformabilidade generalizada que caracterizam as cosmologias ameríndias. Pretende-se ademais contribuir para o debate, recentemente reavivado, entre americanistas e oceanistas, que têm no complexo das flautas, máscaras e cultos a elas associados um foco privilegiado de interesse.


This article is concerned with the ritualization of sexual antagonism in Amazonia through an analysis of ethnographic data from the Matis, a Panoan-speaking group. More specifically, it analyzes the small repertoire of sounds and shouts which men and women use in certain ritual contexts, arguing that they form a system which should be interpreted in light of the sexual complementarity and generalized transformability which is characteristic of Ame- rindian cosmologies. Finally, it hopes to contribute to the recently revisited debates among Americanists and Ocea-nists, who find in flute complexes, masks and the cults with which they are associated, a common theme.


"I", "Uuu", "Shhh": gritos, sexos e metamorfoses entre os Matis (Amazônia Brasileira)*

Philippe Erikson

O tratamento comparativo de dados etnográficos provenientes das áreas melanésia e amazônica é parte de uma tradição acadêmica tão inveterada quanto prestigiosa. Em diferentes graus, todos os grandes debates teóricos que agitaram o americanismo tropical ao longo do século XX encontraram aí matéria para reflexão, a princípio sob um ângulo puramente difusionista (Métraux 1927; Rivet 1928; Riley et alii 1971), depois, gradualmente, sob uma ótica cada vez mais conceitual, à medida que o comparativismo se libertava de uma concepção literal demais para se interessar pela dimensão nocional dos fenômenos abordados. Dentre os campos explorados por essa via transpacífica, citemos os grandes debates sobre as proteínas (Chagnon 1980), as questões do xamanismo comparado (Descola e Lory 1982) ou, mais recentemente, as temáticas da troca, do dom e da natureza do vínculo social (Hugh-Jones s.d.). É conhecida, além disso, a influência decisiva de idéias de origem melanésia (Barnes 1962) sobre a renovação dos estudos de parentesco sul-americanos. Para se convencer disto basta consultar os textos reunidos por Overing-Kaplan (1977).

Se há um objeto de reflexão em torno do qual amazonistas e oceanistas podem encontrar-se, este é o das flautas, das máscaras e dos cultos a elas associados, com todas as implicações que tais temas podem ter sobre a análise das relações entre os gêneros. Como já salientava Quinn (1977:215): "Um complexo distintivo de costumes, rotulado de 'antagonismo sexual', tem sido há muito reconhecido como típico de duas regiões amplamente separadas do mundo: a Amazônia brasileira e as terras altas da Nova Guiné". Um importante simpósio, "Amazonia and Melanesia: Gender and Anthropological Comparaison", propôs recentemente um balanço provisório da questão (Wenner-Gren Foundation for Anthropological Research 1996). As poucas páginas que se seguem não têm, com certeza, a ambição de revisar todo esse volumoso dossiê, recentemente reaberto, para a área amazônica, por Chaumeil (1997) e Baer (s.d.). De modo mais modesto, proponho-me a trazer à luz alguns materiais etnográficos que podem contribuir para o debate. Tais dados provêm dos Matis, sociedade do oeste amazônico de língua pano, com pouco menos de 250 pessoas, "pacificada" no final dos anos 70, que se dedica à caça e à horticultura e junto à qual desenvolvi pesquisa durante quinze meses, em várias visitas feitas em 1984-86, 1988, 1996 e 1998.

Além de uma reflexão sobre o tema da ritualização do antagonismo sexual, este texto apresenta um estudo do que se poderia chamar de o monossilabismo performático dos Matis. Após uma breve apresentação de seus aerofones, procuro analisar o pequeno repertório de sons, ou antes de gritos ("i", "u" e "sh"), usados pelos Matis em certos contextos rituais, esperando mostrar que formam um sistema. Veremos que tais gritos só podem ser interpretados com eficácia em referência à complementaridade dos sexos e à luz da transformabilidade generalizada que caracteriza as cosmologias e as teorias ontológicas ameríndias. No trajeto, espero que os dados aqui apresentados se mostrem úteis no quadro dos debates mais recentes sobre o animismo e o perspectivismo amazônicos (Arhem 1996; Descola 1992; Lima 1996, Rivière 1994; Viveiros de Castro 1996).

Esboço de uma teoria da organologia matis: trompetes, máscaras e sexos

Se os Matis têm máscaras que são mantidas escondidas das mulheres (pelo menos daquelas que não chegaram à menopausa), eles não possuem nada que possa, propriamente falando, evocar um culto das flautas sagradas, ou antes, para empregar uma linguagem mais concreta tanto do ponto de vista antropológico quanto organológico, os Matis não têm culto centrado em torno de aerofones percebidos como vetores de potências antagônicas a tudo o que toca a feminilidade. Existe, sim, um instrumento, um trompete chamado masën, que está estreitamente associado às máscaras: ele é utilizado, explicitamente, para convidar as máscaras-espíritos para visitar os humanos e outrora se dançava com eles, como outros dançam com suas clarinetas sagradas. Um jovem matis, sem dúvida mais imaginativo que a média, confeccionou um protótipo de masën que resume perfeitamente essa conjunção: ele modelou um instrumento com um nariz, uma boca e uma arcada de sobrancelha que evoca o mais claramente possível as máscaras que representam os espíritos ancestrais mariwin.

Entretanto, diferentemente do que ocorre com as máscaras, esforço algum é feito para dissimular os masën do olhar feminino. Na verdade, as mulheres não apenas podem ver os trompetes, como se relata até mesmo que apenas há alguns anos elas tocavam estes instrumentos, em particular quando os homens em expedição de caça demoravam a voltar. Com isso mostravam para eles seu desejo de comer carne1 1 Reconheço aí um dos ingredientes essenciais do mito xinguano: precisamente porque seus homens demoram demais a voltar da pesca para casa que as mulheres Yamorikuma são levadas a se apoderar das flautas sagradas (Monod-Becquelin 1987; Franchetto 1996). Nesse mito vê-se os homens se transformarem em porcos-do-mato e as mulheres deixarem de respeitar as proibições habituais. No final do mito, elas começam a tocar flautas jakui e a comer carne de mamíferos terrestres. . É preciso, portanto, acrescentar os Matis na lista, relativamente restrita, das etnias amazônicas que sugerem uma exceção à forte proibição pan-americana se-gundo a qual as mulheres não devem tocar aerofones, a não ser para significar o caos (Beaudet 1997:150-154). As mulheres matis teriam até mesmo tido uma versão especificamente feminina do instrumento. Soube disto no dia em que, ao ver um masën com inúmeras protuberâncias (ornamentos em relevo sobre o contorno de sua parte mais abaulada), ouvi de alguém que se tratava de uma tentativa, realizada provavelmente por alguma mulher nostálgica, de reproduzir essa variante hoje fora de uso. Meu informante explicou, então, que os ornamentos que caracterizavam o objeto eram seus shuma, ou seja, seus seios. Intrigado, peguei emprestado esse masën atípico para mostrá-lo a uma sábia da aldeia, que pendeu para uma explicação inversa: as protuberâncias representavam, segundo ela, os shui do instrumento, ou seja, seus pênis!

De um ponto de vista subjetivo, dada sua semelhança com tetas, a forma dos ornamentos parece reforçar mais a primeira do que a segunda interpretação. Assim que fiz tal observação à minha informante, ela interrompeu de pronto o debate dizendo que, de todo modo, se tratava dos chu do objeto, ou seja, dos seus "ornamentos-possessão"2 2 A noção de chu remete a bens preciosos, inclusive os ornamentos corporais, que se considera manter um vínculo bem estreito com seus possuidores. A noção opõe-se à de mishnibo, "as pequenas coisas ", ou seja, as possessões menores. . Talvez ela estivesse tentando me dizer aquilo que como bom etnólogo eu já deveria saber: que, segundo a perspectiva adotada, o simbolismo inerente a um objeto ritual pode flutuar. Nesse caso, fica-se ainda menos surpreso com a pluralidade das interpretações quando se considera o fato de os instrumentos associados aos espíritos ancestrais representarem, no mais das vezes, os poderes sexuais característicos do sexo oposto daquele que os toca. Pênis das mulheres tornados mênstruos dos homens, poder-se-ia dizer para resumir clássicos amazonistas, tais como Murphy e Murphy (1974) e Hugh-Jones (1979). É, portanto, bem lógico que tais instrumentos sejam providos de grande número de seios quando considerados por um homem e de superabundância de atributos viris quando considerados por uma mulher. A única particularidade, no caso matis, é a de encontrar essa construção quiasmática em sincronia, quando, alhures, o controle dos instrumentos "sagrados" é geralmente feito em detrimento do outro sexo, e não em conjunção com ele. O controle simbólico, por intermédio do aerofone, dos poderes genesíacos do sexo oposto apresenta-se, normalmente, na forma de monopólio cuidadosamente conservado e arrancado com muito custo de seus antigos detentores. Vê-se mal, aqui, como o masën poderia representar um instrumento de dominação de um sexo sobre o outro, já que parece que os dois podem (ao menos potencialmente) detê-lo de forma simultânea.

Por mais espantosa que seja, de uma perspectiva comparativa, essa situação de fraca concorrência e de simetria entre os sexos, ela nada tem de surpreendente no contexto da etnografia matis. Isso se deve, por um lado, à natureza epicena de seu ritual ¾ onde meninos e meninas são iniciados simultaneamente de modo idêntico ¾, e, por outro, ao papel particular que desempenha aí o dimorfismo, aparentemente encenado menos pelo que representa em si do que como suporte no qual se encarnariam oposições de natureza essencialmente sociológicas. Os Matis parecem ter neutralizado o antagonismo de gênero para nele reintroduzir o que restava de seu sistema de metades (Erikson 1996).

Embora evoque, em muitos aspectos, o complexo das flautas rituais, o masën matis se distingue, portanto, pela fraca carga de antagonismo sexual de que parece investido. Pode-se, aliás, salientar que em sua própria forma, o masën não exibe muito o aspecto fálico tão freqüentemente salientado pelos "verdadeiros" instrumentos sagrados. Ele é composto, é claro, por um tubo oco de diâmetro razoável, mas este se encaixa em uma caixa de ressonância em forma de cabaça, em argila. Os Matis não fariam, provavelmente, de outra maneira se quisessem ter fabricado um instrumento que evocasse a conjunção dos dois objetos respectivamente emblemáticos das condições masculina e feminina: a zarabatana e a marmita3 3 Se Clastres (1966) tivesse trabalhado com os Matis e não com os Aché (Guayaki), seu famoso artigo "o arco e o cesto" poderia ter por título "a zarabatana e a marmita". O lado "marmita" dos masën não precisa de comentários, pelo simples fato de serem modelados em argila, às vezes, até mesmo por mulheres. Quanto ao paralelo com as zarabatanas, ele é reforçado pela idéia ¾ adiantada por alguns Matis ¾, segundo a qual antes de terem verdadeiras zarabatanas, seus ancestrais utilizavam, à guisa de zarabatanas, pequenos troncos de Cecropia sp.: os mesmos que são utilizados hoje para os tubos de masën. . Além disso, diferentemente das flautas e das clarinetas "fálicas" das etnias vizinhas, os trompetes matis são transversos: são tocados com o instrumento segurado lateralmente, e além do mais em posição sentada. O contraste é total com os mais longos trompetes barasana, que são tocados com movimentos "bruscos", o instrumento mantido diante de si, sacudido em um vaivém dos mais explícitos (Hugh-Jones 1979:137).

O fato de que um instrumento musical manifeste uma certa ambivalência sexual nada tem de extraordinário em um contexto amazônico. Uma iconicidade comparável àquela que emana dos masën existe, por exemplo, nas trombetas kulirrina, dos Wakuenai, constituídas de "tubos de palmeiras masculinas [amarrados em] cavernosos ressonadores em forma de útero, de modo a fazê-los expressar simbolicamente um conceito de ambissexualidade" (Hill s.d.:29). A matraca dos Warao do delta do Orinoco é igualmente descrita como um instrumento que conjuga um eixo fálico e uma cabaça uterina (Wilbert 1985:155). Do mesmo modo, Fausto (1997:288) descreve o bastão de dança waratoa, dos Parakanã, como "simultaneamente pênis e útero". Entretanto, tais instrumentos parecem ser de outra classe que aqueles cuja morfologia sugere mais claramente a associação com a masculinidade, e que constituem a maioria daqueles cuja visão é proibida às mulheres. Vejamos o que diz Hugh-Jones (1979: 160): "os instrumentos He são antes de tudo um símbolo masculino (com limitadas associações femininas) e enquanto tal se opõe à cabaça de cera de abelha, que é um símbolo essencialmente feminino (outra vez, com limitadas associações masculinas)".

Beaudet (1997:48) tem certamente razão em escrever que: "os aerofones aparecem com freqüência ligados, na Amazônia, a uma representação mítica da virilidade e à definição ritual dos sexos". A despeito de sua relação evidente com as mascaradas proibidas às mulheres e não obstante a presença igualmente evidente da questão do gênero nos discursos a eles referentes, os masën matis estão, no entanto, longe de se conformar a esse esquema. Tudo parecia predestiná-los à inserção na categoria "flautas sagradas", mas, de fato, tudo se passa como se eles estivessem paradoxalmente mais próximos da matraca do que do aerofone4 4 É preciso, sem dúvida, aproximar essa feminilização parcial do masën do fato de que a função de indução do ritual constitui antes de tudo apanágio das mulheres, como veremos ao abordar o estudo dos gritos. Ora, o que é tocar masën senão desencadear um ritual? Do ponto de vista da divisão sexual das tarefas rituais, convidar os espíritos parece antes caber às mulheres: são elas que, com a voz, os chamam de modo mais explícito e com mais freqüência (ver infra). Existe, é claro, um canto masculino destinado a chamar os mariwin, mas que só é ouvido raramente e por motivos óbvios: ele só deve ser proferido por alguém que não cace (senão uma cobra poderia picá-lo), ou seja, por alguém cuja virilidade é um pouco atenuada... . Em compensação, um grito monossilábico especificamente masculino, "i", merece ser abordado dessa ótica da expressão ritual do antagonismo entre os sexos. Veremos, com efeito, que esse grito parece explicitamente destinado a afastar as mulheres, em contextos que, na falta de um termo mais adequado, serão qualificados de "místicos". O paralelo com as flautas sagradas é, além disso, reforçado pela existência de um grito simétrico ("uuu") proferido pelas mulheres, que parecem responder aos homens com uma defasagem temporal, exatamente como as mulheres do Xingu retomam em seus cantos, às vezes depois de muitos anos, as melodias outrora tocadas pelas flautas masculinas (Monod-Becquelin 1987).

"I": ou como virar jaguar e afastar as mulheres com uma única sílaba...

Sempre proferido por homens, o "i" matis é empregado toda vez que se trata de assinalar que acabam de sofrer uma transformação temporária (geralmente em jaguar) e que seria, portanto, muito perigoso, e até mesmo mortal, alguém cruzar-lhes o caminho, ou antes, o olhar. Quando os homens matis proferem seu grito, isto indica às mulheres que elas devem fechar-se com as crianças na casa comunal e, de preferência, vedar em seguida todas as entradas. Escondido atrás das paredes, o auditório pode então ouvir, mas não deve de modo algum ver alguma coisa. O paralelo com o que acontece alhures no momento do aparecimento de trompetes, flautas ou clarinetas sagradas é patente: nos dois casos, tem-se um grupo de homens que afirma ter relações co-substanciais com o não-humano, emitindo uma mensagem sonora destinada a um público feminino que deve, sob pena de sanções severas, fechar os olhos. Tem-se, nos dois casos, uma dissociação entre os códigos visual e acústico que vem salientar uma disjunção entre os grupos masculino e feminino, permitindo ao mesmo tempo uma certa forma de comunicação5 5 O procedimento é bastante difundido pelo mundo, provavelmente, dentre outras razões, por causa do forte potencial erótico que dele se pode extrair. Basta, para se convencer disto, ler as páginas consagradas por Malek Chebel (1995) à dialética do véu e do youlement (grito festivo feminino) no universo magrebino. . Nos dois casos, os homens não podem exibir a expressão mais acabada de sua virilidade (lá a manipulação de aerofones, aqui a transformação em felino) a não ser ao abrigo do olhar das mulheres.

Há, entretanto, algumas diferenças notáveis entre os dados matis e aqueles que provêm de sociedades onde a existência de trompetes sagrados se manifesta mais claramente. Tais diferenças resultam, essencialmente, da pouca ênfase dada ao antagonismo sexual em um contexto todavia claramente marcado com o selo do dimorfismo. Os temas, associados, da dominação masculina e da impureza feminina estão aqui ausentes, em total contraste com o que descrevem autores como Gourlay (1975), Godelier (1982) ou Herdt (1982), para a Melanésia, ou autores como Murphy (1959), Gregor (1990) ou Jackson (1992), para a Amazônia. Entre os Matis, as mulheres raramente são excluídas de maneira sistemática em virtude de considerações que repousam puramente sobre a fisiologia. Quando há exclusão, é menos o corpo das mulheres que o princípio de feminilidade que se mantém afastado. Pode-se notar, aliás, que entre os Matis, tanto o grupo "masculino" (aquele em que os homens exclamam "i") quanto o "feminino" (aquele dos enclausurados) podem ser, em certa medida, mistos.

Com efeito, à exceção da caça ritual que precede a cerimônia de imposição de tatuagens (da qual devem participar, imperativamente, todos os meninos após o desmame), a inclusão em um ou outro dos dois grupos não depende mecanicamente do gênero de cada um. Um homem pode ficar na aldeia enquanto os outros se transformam em jaguar, com a condição de permanecer todo o tempo com as mulheres. Do mesmo modo, algumas mulheres podem estar presentes quando os homens gritam "i"; elas devem, então, simplesmente acompanhá-los ao longo de todo o seu périplo, até que voltem ao estado normal, a fim de evitar que seus caminhos ¾ e, portanto, seus olhares ¾ possam cruzar-se. Ao contrário do que se passa com as máscaras, que os homens matis escondem das mulheres e das crianças quando não estão em uso, não há aqui nenhuma "artimanha", no sentido de que se trataria de dissimular um segredo qualquer às mulheres. Todo mundo está persuadido de que quando os homens gritam "i", algo extraordinário se realizou. A proibição visa, antes, proteger uns e outros do que ocultar o que quer que seja. Longe de pesar exclusivamente sobre o sexo feminino, como a ameaça de violação coletiva que se verifica em outros lugares (McCallum 1994), a sanção aqui diz respeito a todas as partes concernidas. Em caso de contravenção, dizem, tanto um homem quanto uma mulher poderiam sofrer as conseqüências nefastas do incidente, cujas modalidades são, aliás, bem frouxas. Afirma-se, simplesmente, que alguém poderia morrer. Aqui, ainda, encontramos um elemento de simetria entre os sexos, relativamente atípico nesses contextos.

É difícil saber se o grito serve para induzir à transmutação, ou se ele se contenta em assinalá-la às mulheres para garantir que elas estejam bem escondidas. Se investigações ulteriores confirmassem que o grito induz à metamorfose, estaríamos diante de um caso bem interessante de ato ritual que seria, a um só tempo, causa imediata e causa última de sua conseqüência: a ocultação das mulheres. "I" seria, com efeito, causa imediata como grito de aviso, mas, simultaneamente, causa última como operador da metamorfose que obriga as mulheres a se esconder. Seja como for, mesmo se fosse confirmado que o grito serve unicamente para prevenir, não ficaríamos menos impressionados com sua extrema sobriedade. Esse simples vocalise constitui o único vestígio visível (ou antes "audível"), a única manifestação concreta de uma operação "mística" das mais intrigantes, ardorosamente debatida em um fórum sul-americanista recente onde as hipóteses perspectivistas de Viveiros de Castro (1996) causaram alvoroço. O que poderia ser imaginado como eminentemente espetacular ¾ homens que se transformam em jaguares ¾ não implica nem tomada de alucinógenos, nem pinturas corporais sofisticadas, nem revestimento com ornamentos marcados pela semântica felina, nem postura, atitude, maneira ou comportamento particularmente evocativos. Um simples monossílabo, reiterado em intervalos regulares durante um tempo relativamente curto (alguns minutos apenas), prosseguindo seu caminho tranqüilamente: a isto se reduzem as metamorfoses matis. "What an anti-climax!" exclamou um diretor de cinema exasperado com o caráter tão pouco fotogênico de uma cena que os Matis só com muito esforço (e a preços altos) o tinham autorizado a filmar...

É, por assim dizer, impossível, para um observador externo, saber o que se deve realmente ouvir quando as pessoas dizem que se transformaram em jaguares. A observação participante, no caso, pouco ajuda. Por mais que se tenha sido "felinizado", o enigma permanece inteiro, e não é de grande consolo saber que várias gerações de etnólogos se perguntaram por que os Bororo são araras (Journet 1997). Entretanto, se falam pouco durante o próprio ritual, os Matis tecem a posteriori alguns comentários que têm seu interesse. Com efeito, eles dizem de bom grado que o grito que acabaram de dar tem um significado bem preciso. Traduzido na linguagem dos humanos "i...i...i..." significaria: "vou comer tripas". Certos informantes precisam até mesmo que a significação literal seria: "Sou um jaguar, vou comer tripas de guariba". Duas explicações suplementares me foram propostas: a de que os jaguares eram, na verdade, consumidores de tripas cruas e a de que eles tinham o hábito de se deliciar com aquelas que os caçadores, após ter esvaziado suas presas para levá-las para casa, abandonavam na floresta. Discurso eminentemente ambíguo, pois dá a entender que os homens se identificam com o jaguar, sem por isso deixar de se distinguir dos felinos. Comer tripas é o que fazem os jaguares e proclamar que se vai fazer o mesmo significa, portanto, imitá-los. (Em matéria de predação esse não é, aliás, o pior exemplo a ser seguido.) Entretanto, sugerir, simultaneamente, que as tripas em questão foram deixadas por caçadores humanos é o mesmo que, não sem uma certa fatuidade antropocêntrica, relegar os animais a uma posição subordinada. Portanto, tudo se passa como se, depois de terem, em um primeiro momento, se apropriado das qualidades felinas desejadas, aqueles se colocassem, em um segundo momento, em posição tão dominante que os jaguares ficariam reduzidos a catar restos!

Ao dizer "i...i...i..." os homens falam "jaguar", claro, mas seu discurso joga evidentemente com ambigüidades, oscilando, constantemente, entre a plena assunção da posição de enunciador (falar como jaguar) e o discurso relatado (fazer os jaguares falarem). Em outras palavras, os atores rituais assimilam-se sem se fundir, absorvem felinidade, mas sem por isso nela se perder. Longe de se metamorfosear de modo total e irreversível, eles só se transformam temporariamente e, por certo, parcialmente. Notemos, aqui, a prudência que se deve ter com esse gênero de dado etnográfico para não se fazer uma interpretação por demais literal do perspectivismo ameríndio. A "transformação" em jaguar é, com certeza, levada muito a sério: receia-se, realmente, o que aconteceria se alguém fosse visto nesse estado. A dimensão metafórica da metamorfose não está, porém, ausente, como mostra a segunda explicação, na qual alguém se projeta para o futuro não como jaguar, e sim como caçador humano cujos produtos derivados atraem os jaguares. Uma diferença parece, assim, claramente estabelecida entre os jaguares reais (de bom grado desvalorizados) e os jaguares-qualidades, tomados como modelos. Os Matis igualam-se aos jaguares para melhor rivalizar com eles naquilo em que são exímios. Não há necessidade alguma, por isso, de renunciar à sua própria identidade. Descola (1986:125) dizia mais ou menos a mesma coisa ao afirmar que o animismo dos Achuar não os impedia, de modo algum, de colocar barreiras bem estanques entre as espécies, fundadas sobre as diferenças de atitude na comunicação.

As circunstâncias nas quais os homens proferem o famoso grito são bem variadas. A situação paradigmática consiste, entretanto, na partida ou retorno de uma expedição destinada a obter o cipó de curare. As mulheres e as crianças tendo sido prevenidas, todos se reúnem na casa comunal. Os homens podem, então, sair um por um, por uma mesma porta, como fumaça que escapasse por um pequeno orifício, me foi dito. Após alguns metros, eles dão seus gritos, "i...i...i...", cada um por si, sem levar em conta as emissões sonoras dos outros que podem ou não se sobrepor às suas. Segue-se uma expedição durante a qual é proibida qualquer ingestão de alimento ou de bebida e depois da qual, tendo escondido os cipós em um canto da floresta ou da roça na periferia da aldeia, se pode, enfim, ir para casa e se alimentar. É nesse momento que os homens avisam seu retorno, reiterando seus gritos, e mais uma vez eles não devem ser vistos de modo algum enquanto dura o trajeto que os leva para casa. Só podem ser vistos sem perigo depois de entrarem na casa comunal, de volta a seu ponto de partida e a seu estado inicial.

Os caçadores passam alguns dias após a caçada cozinhando seu curare em pequenos abrigos afastados da aldeia. Teoricamente, eles devem ficar apartados de suas esposas, o que não é nada surpreendente em um contexto amazônico, onde as mulheres são, com freqüência, excluídas do processo de preparação dos venenos de caça (Lévi-Strauss 1964:280). Scazzocchio (1979) relata que entre os Lamistas, até mesmos as mulheres xamãs se vêem proibidas de preparar o curare, embora se trate de um ingrediente importante de suas práticas xamânicas. Entretanto, entre os Matis, a proibição parece longe de ser considerada de modo tão literal. As infrações à norma de exclusão das mulheres são mesmo bastante freqüentes, pois as esposas não hesitam, se seu caminho as leva naquela direção, em parar no "refúgio" dos caçadores, ou mesmo em ir até lá deliberadamente, se têm, por exemplo, alguma mensagem para transmitir. Os Matis resolvem essa contradição pelo viés de um jargão de caça cujas fórmulas cifradas permitem ocultar a presença das mulheres, designando-as não mais como "chirabo" (mulheres) e sim como "tururu" (anuros), e referindo-se a seus órgãos genitais não mais como "kwè" (sexo feminino) e sim como "sia" (pimenta) etc. Assim, pode-se excluir simbolicamente as mulheres de um processo que lhes é proibido, tolerando, ao mesmo tempo, sua presença física no lugar. Com um pragmatismo notável, os caçadores contentam-se, enquanto dura o cozimento do veneno, em excluir as mulheres de seu vocabulário. Eles as ignoram lexicalmente, continuando a falar com elas.

Em compensação, uma vez terminado o cozimento, na ocasião do pequeno ritual que marca a volta do veneno fresco à aldeia, trata-se de redobrar as precauções. Dá-se um jeito, portanto, para que se enclausu- rem na casa comunal todos aqueles que não participaram do cozimento (ou seja, as mulheres e as crianças, como também, eventualmente, os homens que não teriam tomado parte no trabalho). As condições estão, então, reunidas para proceder ao ritual de fechamento do cozimento, no curso do qual os homens saem de seu abrigo, cada um munido de seu veneno, imitando a agonia de suas futuras presas, se arrastando de modo lamentável pelo chão e gemendo como se uma dor terrível percorresse sua coluna vertebral. Eles se levantam em seguida e exclamam orgulhosamente "i...i...i...". Este grito deve, a um só tempo, significar que eles trocam seu estatuto de presa pelo de predador (depois de ter imitado a caça, eles se apresentam como jaguares) e prevenir os outros, que ficaram na aldeia, de orelha em pé, que eles devem redobrar a prudência e se fechar na casa comunal6 6 Essa análise contradiz, ou antes, corrige, a interpretação dessa etapa do ritual apresentada em Erikson (1996, cap. 11). .

As ocasiões no curso das quais os Matis imitam o jaguar gritando "i" são hoje coletivas e relativamente raras. Dizem, entretanto, que, no passado, os caçadores de mais prestígio, ou, pelo menos, com mais poderes místicos (concretizados em uma substância que os Matis chamam de sho), davam sistematicamente esse grito quando voltavam individualmente da caça. Todos deviam, então, desviar o olhar. Dizem, também ¾ e voltarei a falar disto ¾, que, naquele tempo, as mulheres proferiam outro grito, "u", em resposta ao dos homens. Elas vinham, em seguida, levar a caça para seu lugar, evitando, entretanto, olhar os caçadores no rosto.

Todas as circunstâncias aqui evocadas se davam em um contexto cinegético e implicavam uma transformação do caçador em jaguar, ou, ao menos, uma afinidade cúmplice com o predador. "I" parecia ser, antes de tudo, o grito do jaguar7 7 Patrick Menget (comunicação pessoal), ao escutar a gravação dos gritos masculinos matis, ficou impressionado com sua semelhança objetiva com os rugidos dos verdadeiros jaguares. . Convém, no entanto, notar que o mesmo grito, com as mesmas conseqüências (ocultação das mulheres e risco de morte em caso de olhares cruzados), é proferido também quando os homens se dirigem para a aldeia para ali dançar fantasiados de um animal qualquer. Quando eles vêm, por exemplo, cobertos de lama, imitando a capivara, devem avisar para que ninguém olhe para eles enquanto estão chegando. Qualquer transgressão a esta interdição leva, supostamente, às mesmas conseqüências desastrosas provocadas por um olhar cruzado com um caçador felinizado que volta com sua carga de veneno. Alguém poderia morrer. Por conseguinte, assim que ouvem o grito estridente que anuncia a aproximação iminente daquilo em que os homens se transformaram, as mulheres correm para se refugiar na casa comunal, onde esperam os dançarinos que chegam pouco depois. Começam, então, combates de caráter claramente erótico, que evocam seus equivalentes sharanahua, que tanto deram o que falar (Siskind 1973; Menget 1984). As "capivaras", por exemplo, mexem com as moças, cobrindo-as de lama, encorajadas por mulheres mais velhas, que, pontuando seu discurso com a interjeição monossilábica feminina "u", parecem dirigir a ação por meio de um discurso claramente estereotipado, destinado a "encenar" verbalmente as práticas masculinas, por sua vez mudas (no que concerne à linguagem articulada, pois os homens fantasiados de espíritos ou animais estão sempre resmungando).

"UUU": grito das mulheres e indutor ritual

Esse papel privilegiado das mulheres maduras, ditas macho, merece maior atenção. Com efeito, as mulheres na menopausa são, entre os Matis, as intermediárias privilegiadas entre o mundo dos espíritos e o dos homens, ou, para ser mais preciso, entre o mundo dos Matis que ficaram na aldeia e o dos seres que supostamente os visitam: animais que vêm dançar, espíritos ancestrais mariwin chamados para socializar as crianças, ou, ainda, espíritos associais maru chamados para afastar a chuva. São sempre elas que os convocam, escandindo seu discurso com um "uuuuu" (a nota pode ser mantida por mais de 4 ou 5 segundos). A rarefação contemporânea de certos rituais é, aliás, às vezes, imputada às mulheres, acusadas de negligenciar sua função indutora. Os homens só dançariam pouco porque as mulheres não mais os encorajariam com a voz. Esse papel mediador que as macho ocupam nada tem de surpreendente, dada a "virilização" característica de sua faixa etária, como também a sua inegável proximidade com o mundo do invisível (o termo tsusi remete tanto à idéia de velhice como à de espírito). Mais notável, em compensação, é a relação, a um só tempo de oposição e de complementaridade, que parece unir as duas interjeições monossilábicas, o "u" feminino e o "i" masculino.

No plano semântico, que "uuu" seja o correspondente de "i" deduz-se do fato de ser apresentado como a resposta que as mulheres dirigiam, antigamente, ao grito dos caçadores transformados em jaguares. Vale também lembrar que mesmo que não se apresente como resposta instantânea a um grito masculino, "uuu" antecipa ou acompanha a chegada dos homens "transformados" (em jaguares, em capivaras ou em mariwin), transformações que foram elas próprias, como se sabe, anunciadas pela outra interjeição monossilábica. No plano fonético, pode-se verificar que nossos dois cúmplices se opõem como vogais, respectivamente, anterior alongada e posterior arredondada. Além disso, no que toca à sua realização, pode-se notar que "u" é uma nota prolongada, enquanto "i" evoca, claramente, mais o staccato: o contínuo opõe-se aqui ao descontínuo. Acrescentemos, enfim, que o grito feminino se insere sempre em um discurso de grande densidade semântica, enquanto o "i" é enunciado, em geral, de modo "bem seco". Se o grito masculino não basta a si mesmo, o grito feminino pontua, por seu lado, monólogos cerimoniais, dos quais alguns exemplos estão transcritos no Anexo. Ao laconismo dos homens responde a exuberância vocal das mulheres. Pode-se ver que "uuu" faz claramente eco a "i", os dois gritos mantendo uma relação estreita caracterizada por uma sábia dosagem de simetria e contraponto.

Resta o mais importante, a saber, que as circunstâncias nas quais se proferem as interjeições monossilábicas matis, sejam elas masculinas ou femininas, apresentam todas um perfil similar: o das situações em que os sexos estão necessariamente disjuntos, a exibição sonora de um acompanhando-se da ocultação visual do outro. Como mostra claramente o quadro a seguir, grita-se quase sempre na ausência (real ou fingida) dos representantes do outro sexo. Quando são os homens que gritam, vimos que as mulheres se precipitam para a casa comunal para ali se refugiarem, o que poderia ser assimilado a uma maneira de se mascarar8 8 A aproximação pode parecer ousada. Se considerarmos apenas o aspecto visual, existe, é claro, uma diferença entre dissimular uma coisa para mostrar outra (se esconder atrás de uma máscara para exibir sua metamorfose) e o fato de se cobrir de terra atrás de uma parede, enclausurado em uma casa. Entretanto, como salientou com muita propriedade Pollock (1996), a máscara amazônica não concerne apenas à visão. Ela serve também para travestir a voz, ocultando a origem da fonte sonora. O xamã shipibo, ouvido sem ser visto sob seu mosquiteiro opaco (Levy 1988), ou o xamã marubo, que com sua voz de falsete faz os espíritos falarem fechado na obscuridade total de uma casa comunal hermeticamente selada (observação pessoal), utilizam-se, tanto um como o outro, dessa modalidade bem particular do "mascaramento", aliás bastante conhecida dos africanistas (Jespers 1995). São fatos dessa ordem que me parecem justificar a aproximação entre enclausuramento na casa e dissimulação atrás de uma máscara. . Mas notamos que os homens estão igualmente ocultos (pois mascarados) cada vez que são as mulheres a gritar. Quando estas chamam os mariwin, é, no mais das vezes, na ausência dos homens, ao menos daqueles dentre eles que partiram para se mascarar na floresta. Quando elas gritam para prevenir os caçadores da, por assim dizer, chegada dos animais, seus companheiros estão também ausentes, e por motivos óbvios: são eles que estão fantasiados de capivaras, de porcos-do-mato etc. Enfim, quando as mulheres respondiam aos caçadores antes de ir buscar suas presas, é provável que tal temática da transformação/disjunção fosse igualmente operatória: há metamorfose na medida em que um caçador fortemente carregado de energia mística sho participa, ipso facto, da felinidade (Erikson no prelo); e há disjunção dada a obrigação de evitar o cruzamento dos olhares.

Resta explicar a quarta circunstância na qual as mulheres proferem seu grito: quando chamam um espírito conhecido como maru, a fim de lhe pedir para afastar a chuva. O maru, avatar local da figura pan-amazônica do curupira, é um espírito invisível, desprovido de ânus, que deve encarnar a antítese dos principais valores matis, e é responsável pelos desaparecimentos na floresta. Quando a tempestade ameaça, as mulheres o invocam para que desvie os cúmulos-nimbos de seu caminho, como faz quando induz os humanos a se perderem na floresta. Embora pontuado igualmente por um "uuu" estridente, tal ocorrência difere, aparentemente, das outras, já que ninguém parece fantasiar-se de maru no momento em que se recita a litania. Note-se, entretanto, que, devido à intempérie, os homens se acham, no mais das vezes, fechados (ou ao menos abrigados) na casa comunal, no momento em que uma velha desafia sozinha o mau tempo na esperança de remediá-lo. Note-se também, e sobretudo, que a transformação de homens em maru está longe de se apresentar como uma eventualidade absurda.

Com efeito, embora os maru encarnem o "associal", eles não deixam de ter uma certa utilidade, devido ao próprio benefício que se pode tirar de suas características pouco recomendáveis. Os caçadores, aliás, transformam-se sistematicamente em maru quando caçam com arco e flecha, como se transformam também em jaguares quando caçam com a zarabatana (Erikson no prelo). Nesse sentido, as transformações em maru e em jaguar parecem ter lógicas no mínimo comparáveis, mesmo se uma é mais valorizada do que a outra. Sabendo, além disso, que o maru se apresenta, em muitos aspectos, como o simétrico inverso do mariwin (Erikson 1992) e que ele figura, além disso, entre os seres imitados durante as danças rituais, não é de surpreender vê-lo entre aqueles que as mulheres evocam uivando. Não está ele presente, mesmo que em filigrana, sob todos os discursos ¾ cinegéticos, cosmológicos ou coreográficos ¾ que as interjeições monossilábicas vêm pontuar? Se nada acontece do lado dos homens quando uma mulher idosa se esforça para afastar a chuva, se não há nada para se ver, talvez seja unicamente porque os maru são, por definição, invisíveis. Pode-se, entretanto, postular que uma transformação visual afeta então os homens, mesmo se ela não é encenada, como no momento das mascaradas (mariwin) e das danças (capivara, porco-do-mato), e mesmo se eles não se gabam tanto como quando se transformam em jaguares.

Para fortalecer tal hipótese, pode-se, aliás, salientar que a invocação inversa (apresentada no Anexo), aquela que em vez de afastar a tempestade serve para pedir aos defuntos que façam chover, não é ritmada por "uuu", como se poderia esperar, mas, antes, pela terceira interjeição monossilábica presente no repertório matis: "shhh", chiado contínuo utilizado tanto pelos homens quanto pelas mulheres toda vez que recitam o equivalente local dos anent jivaro (Taylor 1983). Vejamos de que maneira tal anomalia fortalece a associação que tentamos estabelecer entre a metamorfose masculina e o uivo feminino.

As invocações chiadas aparecem em uma grande variedade de contextos: para fazer as plantas crescerem, no momento da podagem, para aliviar as dores de barriga, depois de uma refeição copiosa, ou, ainda, quando se aplica plantas medicinais nos olhos dos cachorros ou quando se chicoteia os bebês com larvas a fim de prevenir a diarréia. No entanto, com exceção, precisamente, daquele dirigido aos defuntos, tais recitativos nunca têm destinatário explícito. Além disso, as invocações com chiados são, em geral, muito curtas e funcionam segundo o princípio da enumeração de atributos que se tenta insuflar por metonímia ao objeto ao qual se dirige, o que não é de modo algum o caso no discurso endereçado aos mortos. O aparecimento de "shhh" na invocação para pedir-se chuva é, portanto, inesperado. Ele se explica, provavelmente, pelo fato de que as mulheres se dirigem nessa ocasião a seus parentes mortos. Pois, se é verdade que os homens se metamorfoseiam, mesmo que virtualmente, naquilo a que se dirige o discurso das velhas, a reticência em uivar nessa circunstância é facilmente compreensível. O recurso ao "shhh", interjeição que se poderia qualificar de neutra, é, provavelmente, um eufemismo. Trata-se, simplesmente, de encontrar um substituto pudico ao "uuu" que o contexto proíbe.

Conclusão

Ao fim desta incursão ao universo dos operadores monossilábicos matis, é forçoso constatar a relativa trivialidade dessa encenação do antagonismo sexual e da fluidez ontológica. Estes temas clássicos no campo amazônico exibem aqui, certamente, uma configuração original, mas a partir de elementos cujas variantes são encontradas de um extremo a outro das terras baixas sul-americanas. A única originalidade, no caso matis, provém, sem dúvida, do caráter atenuado e da economia de meios com que esses temas se desenvolvem. De certo modo, um simples grito basta para produzir o que se poderia chamar de "um efeito flauta sagrada", sem que seja necessário guardar, ciumentamente, um segredo, aterrorizar (ou fingir aterrorizar) as mulheres, fabricar máscaras e instrumentos complexos, preparar rituais sofisticados etc. Um simples monossílabo vale por tudo isso.

De modo similar, ficamos surpresos com o extremo minimalismo que caracteriza a exclusão das mulheres de tudo o que constitui, aos olhos dos Matis, o fundamento último dos poderes viris. O "laxismo" com o qual se tolera a presença de mulheres em praticamente todas as etapas de preparação do curare consiste em uma prova flagrante disso, assim como a existência de uma versão feminina do masën. Pareceria, também, que as máscaras de mariwin são mantidas escondidas das mulheres menos em função de seu sexo do que do vínculo consubstancial que as une às crianças. O fato de as mulheres pontuarem seus apelos aos mariwin com o "uuu" que reservam, de outro modo, para circunstâncias em que seus companheiros sofreram uma metamorfose, não significaria anunciar da forma mais aberta possível que elas são menos estúpidas do que parecem? Na mesma ordem de idéias, pode-se salientar a tolerância ao sangue menstrual de que dão provas os homens matis, bastante excepcional no contexto amazônico. Há, é claro, como em toda parte, uma crença bastante forte na incompatibilidade entre a menstruação e a caça. Mas as mulheres não são por isso submetidas à reclusão periódica e as manchas de sangue que cobrem, às vezes, o chão das casas comuns não parecem inquietar particularmente os homens. Salientemos, por fim, que as mulheres matis chegam até mesmo a, em certa medida, participar fisicamente da metamorfose em jaguar que afeta seus caçadores quando estes empregam a zarabatana. Quando, a exemplo de seus parentes matses (Romanoff 1984), acompanham os homens na caça, elas podem, com efeito, ornar o peito com motivos salpicados, destinados explicitamente a evocar os felinos.

É evidente que os temas do antagonismo sexual e do perigo de poluição inerente à condição feminina só se manifestam, nos Matis, de forma extremamente atenuada. Todos os ingredientes da vulgata americanista, inclusive naquilo que a aproxima dos temas oceanistas, estão aí presentes, mas apenas como que para serem melhor ridicularizados. Longe de enfraquecer a constatação de compatibilidade entre os materiais melanésios e amazônicos colocada na introdução, esse fato, a meu ver, pede antes uma conclusão positiva. Os dados matis parecem, com efeito, fortalecer a hipótese formulada por Fausto (1997:143), segundo a qual o grau de exclusão das mulheres (dos rituais ou das casas dos homens) seria, por assim dizer, proporcional ao grau de sedentarismo de uma dada população.

Os Matis não foram certamente, como os Parakanã estudados por Fausto, cindidos em dois grupos, dos quais um teria intensificado seu grau de sedentariedade enquanto o outro optava por uma estratégia de maior mobilidade (até renunciar à agricultura); o primeiro vendo se exacerbar a tensão entre os sexos, o segundo experimentando, ao contrário, um aumento das taxas de participação das mulheres na vida política e cerimonial. Os Matis cabem, entretanto, no esquema proposto por Fausto, na medida em que seu igualitarismo sexual parece acompanhar-se de uma reação diante da pressão da frente pioneira que consistiu, precisamente, em uma estratégia de mobilidade. Antes do contato, os Matis dispersavam suas roças em vários pontos do território e passavam um tempo enorme em expedições diversas. Ora, parece evidente que esse modo de vida, que valeu a seus ancestrais mayoruna a designação de "gitanos de la selva" (ciganos da floresta)9 9 O nomadismo constante dos Barbudos e dos Mayoruna, que são os ancestrais dos Matis, dos Matses e dos Korubo contemporâneos (entre outros), é um leitmotiv das crônicas jesuítas e franciscanas do século XVI ao XIX. (Sobre a etnohistória mayoruna, pode-se consultar Erikson 1994:31-47.) Assinalemos, aliás, que a hipótese de um declínio da participação das mulheres nas atividades "masculinas", à medida que uma sociedade perde mobilidade, é fortalecida pelo exemplo dos Cashinahua do Peru. Barbara Keifenheim (comunicação pessoal) assinala, com efeito, que foi precisamente desde que foram sedentarizadas sob a influência missionária nos anos 50 que as mulheres desse grupo deixaram de tomar a ayahuasca, estando tal prática intimamente ligada, no plano simbólico, aos deslocamentos na floresta. , traduz uma atitude sob muitos aspectos simétrica e inversa àquela dos povos hipersedentários do Alto-Xingu e do noroeste amazônico, conhecidos por sua estrita obediência ao princípio de exclusão das mulheres.

Seria sem dúvida contraproducente levar muito a sério tal oposição entre "insulares misóginos" e "itinerantes feministas". Quando se trata de analisar os rituais de antagonismo sexual, essa ótica tem entretanto o mérito de incitar a privilegiar os fatores políticos e históricos, e não a recorrer a explicações baseadas em algum improvável ethos eterno dos povos em questão. Mais do que à criação de tipologias sociais, tais dados convidam antes ao inventário das circunstâncias contingentes que permitem ou não a atualização de um culto das flautas potencialmente onipresente em todo o campo ameríndio. Se o procedimento se mostrasse frutuoso para a área amazônica, só restaria aos oceanistas testá-lo na área melanésia. Talvez se pudesse, assim, equilibrar um pouco, no que toca à antropologia, o balanço das contas das trocas transpacíficas.

Recebido em 9 de dezembro de 1999

Tradução: Eloísa Araújo

Philippe Erikson é mestre de conferências na Universidade de Paris X-Nanterre e membro do Laboratório de Etnologia e de Sociologia Comparativa (UMR 7535). Trabalha com os Matis desde 1985 e com os Chacobo da Amazônia boliviana desde 1991. Sua obra mais recente, editada em colaboração com A. Monod Becquelin, é Les Rituels du Dialogue: Promenades Etnolinguistiques en Terres Amérindiennes (Nanterre: Société d'Ethnologie). E-mail: <erikson@u-paris10.fr>

Notas

* Uma versão preliminar deste texto foi apresentada na Université Libre de Bruxelles, em outubro de 1999, por ocasião de um seminário amazonista organizada por Anne-Marie Losonczy no âmbito do convênio CNRS/FNRS. Ficam aqui meus agradecimentos a ela, assim como a Patrick Menget, Aurore Monod-Becquelin, Jean-Michel Beaudet, Carlos Fausto e ao parecerista anônimo da revista Mana, que leram e comentaram versões anteriores deste artigo. Versão francesa do mesmo aparecerá em uma obra em homenagem póstuma a Henri Lavondès, a ser publicada pela Société d'Ethnologie de Nanterre, sob a direção de Alain Babadzan.

Resumo

Por meio de dados etnográficos provenientes dos Matis, grupo de língua pano, este artigo tematiza a ritualização do antagonismo sexual na Amazônia. Em particular, analisa-se o pequeno repertório de sons ou gritos que homens e mulheres utilizam em certos contextos rituais, argumentando que eles formam um sistema que deve ser interpretado à luz da complementaridade sexual e da transformabilidade generalizada que caracterizam as cosmologias ameríndias. Pretende-se ademais contribuir para o debate, recentemente reavivado, entre americanistas e oceanistas, que têm no complexo das flautas, máscaras e cultos a elas associados um foco privilegiado de interesse.

Abstract

This article is concerned with the ritualization of sexual antagonism in Amazonia through an analysis of ethnographic data from the Matis, a Panoan-speaking group. More specifically, it analyzes the small repertoire of sounds and shouts which men and women use in certain ritual contexts, arguing that they form a system which should be interpreted in light of the sexual complementarity and generalized transformability which is characteristic of Ame- rindian cosmologies. Finally, it hopes to contribute to the recently revisited debates among Americanists and Ocea-nists, who find in flute complexes, masks and the cults with which they are associated, a common theme.

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  • 1
    Reconheço aí um dos ingredientes essenciais do mito xinguano: precisamente porque seus homens demoram demais a voltar da pesca para casa que as mulheres Yamorikuma são levadas a se apoderar das flautas sagradas (Monod-Becquelin 1987; Franchetto 1996). Nesse mito vê-se os homens se transformarem em porcos-do-mato e as mulheres deixarem de respeitar as proibições habituais. No final do mito, elas começam a tocar flautas
    jakui e a comer carne de mamíferos terrestres.
  • 2
    A noção de
    chu remete a bens preciosos, inclusive os ornamentos corporais, que se considera manter um vínculo bem estreito com seus possuidores. A noção opõe-se à de
    mishnibo, "as pequenas coisas ", ou seja, as possessões menores.
  • 3
    Se Clastres (1966) tivesse trabalhado com os Matis e não com os Aché (Guayaki), seu famoso artigo "o arco e o cesto" poderia ter por título "a zarabatana e a marmita". O lado "marmita" dos
    masën não precisa de comentários, pelo simples fato de serem modelados em argila, às vezes, até mesmo por mulheres. Quanto ao paralelo com as zarabatanas, ele é reforçado pela idéia ¾ adiantada por alguns Matis ¾, segundo a qual antes de terem verdadeiras zarabatanas, seus ancestrais utilizavam, à guisa de zarabatanas, pequenos troncos de
    Cecropia sp.: os mesmos que são utilizados hoje para os tubos de
    masën.
  • 4
    É preciso, sem dúvida, aproximar essa feminilização parcial do
    masën do fato de que a função de indução do ritual constitui antes de tudo apanágio das mulheres, como veremos ao abordar o estudo dos gritos. Ora, o que é tocar
    masën senão desencadear um ritual? Do ponto de vista da divisão sexual das tarefas rituais, convidar os espíritos parece antes caber às mulheres: são elas que, com a voz, os chamam de modo mais explícito e com mais freqüência (ver infra). Existe, é claro, um canto masculino destinado a chamar os
    mariwin, mas que só é ouvido raramente e por motivos óbvios: ele só deve ser proferido por alguém que não cace (senão uma cobra poderia picá-lo), ou seja, por alguém cuja virilidade é um pouco atenuada...
  • 5
    O procedimento é bastante difundido pelo mundo, provavelmente, dentre outras razões, por causa do forte potencial erótico que dele se pode extrair. Basta, para se convencer disto, ler as páginas consagradas por Malek Chebel (1995) à dialética do véu e do
    youlement (grito festivo feminino) no universo magrebino.
  • 6
    Essa análise contradiz, ou antes, corrige, a interpretação dessa etapa do ritual apresentada em Erikson (1996, cap. 11).
  • 7
    Patrick Menget (comunicação pessoal), ao escutar a gravação dos gritos masculinos matis, ficou impressionado com sua semelhança objetiva com os rugidos dos verdadeiros jaguares.
  • 8
    A aproximação pode parecer ousada. Se considerarmos apenas o aspecto visual, existe, é claro, uma diferença entre dissimular uma coisa para mostrar outra (se esconder atrás de uma máscara para exibir sua metamorfose) e o fato de se cobrir de terra atrás de uma parede, enclausurado em uma casa. Entretanto, como salientou com muita propriedade Pollock (1996), a máscara amazônica não concerne apenas à visão. Ela serve também para travestir a voz, ocultando a origem da fonte sonora. O xamã shipibo, ouvido sem ser visto sob seu mosquiteiro opaco (Levy 1988), ou o xamã marubo, que com sua voz de falsete faz os espíritos falarem fechado na obscuridade total de uma casa comunal hermeticamente selada (observação pessoal), utilizam-se, tanto um como o outro, dessa modalidade bem particular do "mascaramento", aliás bastante conhecida dos africanistas (Jespers 1995). São fatos dessa ordem que me parecem justificar a aproximação entre enclausuramento na casa e dissimulação atrás de uma máscara.
  • 9
    O nomadismo constante dos Barbudos e dos Mayoruna, que são os ancestrais dos Matis, dos Matses e dos Korubo contemporâneos (entre outros), é um
    leitmotiv das crônicas jesuítas e franciscanas do século XVI ao XIX. (Sobre a etnohistória mayoruna, pode-se consultar Erikson 1994:31-47.) Assinalemos, aliás, que a hipótese de um declínio da participação das mulheres nas atividades "masculinas", à medida que uma sociedade perde mobilidade, é fortalecida pelo exemplo dos Cashinahua do Peru. Barbara Keifenheim (comunicação pessoal) assinala, com efeito, que foi precisamente desde que foram sedentarizadas sob a influência missionária nos anos 50 que as mulheres desse grupo deixaram de tomar a ayahuasca, estando tal prática intimamente ligada, no plano simbólico, aos deslocamentos na floresta.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      27 Nov 2000
    • Data do Fascículo
      Out 2000

    Histórico

    • Recebido
      09 Dez 1999
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