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A PERSPECTIVA TEÓRICA BOURDIEUSIANA NA ANÁLISE DO COMITÊ PARALÍMPICO BRASILEIRO NO INTERIOR DO ESPORTE PARALÍMPICO DO BRASIL

LA PERSPECTIVA TEÓRICA BORDIEUSIANA EN EL ANÁLISIS DEL COMITÉ PARALÍMPICO BRASILEÑO DENTRO DEL DEPORTE PARALÍMPICO EN BRASIL

Resumo

Utilizando como referencial teórico as Categorias de Campo, Capital e Habitus, o artigo tem como objetivo analisar se a institucionalização do Comitê Paralímpico Brasileiro foi determinante para o desenvolvimento esportivo paralímpico do Brasil. O estudo se configura como uma pesquisa qualitativa, tendo sua coleta de dados realizada a partir de entrevistas semiestruturadas com seis sujeitos (três atletas paralímpicos e três dirigentes esportivos paralímpicos). A institucionalização do Comitê Paralímpico Brasileiro foi fator fundamental para o desenvolvimento esportivo paralímpico do Brasil, dado que essa Entidade esportiva se tornou o coordenador central que sistematizou e efetuou um planejamento estratégico de caráter profissional, ancorado em três eixos (Governamental – Diretiva – Esportiva) que tiveram como princípios fundamentais o foco em práticas Organizacionais/Administrativas – Financeiras – Em Infraestrutura – Técnicas/Físicas/Esportivas. Essa sistematização estrutural fomentou a implementação de projetos e programas de prática esportiva paralímpica com o objetivo principal de formar e desenvolver atletas paralímpicos de rendimento.

Palavras-chave
Comitê Paralímpico Brasileiro; Campo; Capital; Habitus

Resumen

Utilizando las Categorías Campo, Capital y Habitus como marco teórico, el artículo tiene como objetivo analizar si la institucionalización del Comité Paralímpico Brasileño fue decisiva para el desarrollo del deporte paralímpico en Brasil. El estudio se configura como una investigación cualitativa, con su recolección de datos realizada a partir de entrevistas semiestructuradas con seis sujetos (tres atletas paralímpicos y tres líderes deportivos paralímpicos). La institucionalización del Comité Paralímpico Brasileño fue un factor fundamental para el desarrollo del deporte paralímpico en Brasil, dado que esta Entidad deportiva se convirtió en el coordinador central que sistematizaba y realizaba una planificación estratégica de carácter profesional, anclada en tres ejes (Gobernativa – Directiva – Deportiva) que tuvo como principios fundamentales, el enfoque en las prácticas Organizativas/Administrativas – Financieras – En Infraestructura – Técnicas/Físicas/Deportivas. Esta sistematización estructural impulsó la implementación de proyectos y programas para el deporte paralímpico con el objetivo principal de formar y desarrollar atletas paralímpicos de alto rendimiento.

Palabras clave
Comité Paralímpico Brasileño; Campo; Capital; Habitus

Abstract

Using the Field, Capital, and Habitus Categories as a theoretical framework, the article aims to analyze whether the institutionalization of the Brazilian Paralympic Committee was decisive for the development of Paralympic sports in Brazil. The study is configured as qualitative research, with its data collection conducted from semi-structured interviews with six subjects (three Paralympic athletes and three Paralympic sports managers). The institutionalization of the Brazilian Paralympic Committee was a fundamental factor for the development of Paralympic sports in Brazil, given that this sports entity became the central coordinator that systematize and carried out strategic planning of a professional nature, anchored in three axes (Governmental; Management; Sports) that had as fundamental principles the focus on Organizational/Administrative; Financial; Infrastructure; Technical/Physical/Sports practices. This structural systematization encouraged the implementation of projects and programs for Paralympic sports with the main objective of training and developing high-performance Paralympic athletes.

Keywords
Brazilian Paralympic Committee; Field; Capital; Habitus

1 INTRODUÇÃO1 1 Este artigo é desdobramento de tese de doutorado. VALERIO, Danilo Lutiano. A institucionalização do Comitê Paralímpico Brasileiro e o Campo Esportivo Paralímpico do Brasil: uma análise a partir das categorias de Campo, Capital e Habitus. 2022. 270 p. Tese (Doutorado em Educação Física) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação Física, Campinas, SP. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12733/6493. Acesso em: 15 jan. 2024.

O Esporte Paralímpico do Brasil (EPB) nas últimas 3 décadas vem conquistando posições de destaque no cenário paralímpico internacional. Observa-se um processo de evolução dos atletas brasileiros durante a principal competição do Esporte Paralímpico mundial, os Jogos Paralímpicos de Verão (CPB, 2023CPB - COMITÊ PARALÍMPICO BRASILEIRO. Gestão de Recursos: Tabelas. São Paulo, 2023. Disponível em: https://gestaorecursos.cpb.org.br/tabelas.php. Acesso em: 27 nov. 2023.
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).

Em 1992, nas Paralimpíadas de Barcelona, a delegação brasileira terminou com a trigésima segunda colocação no quadro geral de medalhas, já nos Jogos de Tóquio 20202 2 A edição dos Jogos Paralímpicos de Verão de Tóquio 2020 acabou acontecendo no ano de 2021 devido a pandemia mundial do novo Corona Vírus (Covid-19) (Valerio, 2022). , a colocação final foi de sétimo lugar. Esse avanço fica nítido ao constatar que nas últimas quatro edições dessa competição o EPB figurou entre os 10 melhores países (Nono colocado em Pequim/2008 – Sétimo colocado em Londres/2012 – Oitavo colocado no Rio de Janeiro/2016 – Sétimo colocado em Tóquio/2020) (CPB, 2023CPB - COMITÊ PARALÍMPICO BRASILEIRO. Gestão de Recursos: Tabelas. São Paulo, 2023. Disponível em: https://gestaorecursos.cpb.org.br/tabelas.php. Acesso em: 27 nov. 2023.
https://gestaorecursos.cpb.org.br/tabela...
).

Ao analisar esse transcurso histórico foi possível verificar que o EPB passou por inúmeras transformações em relação ao seu perfil organizacional e administrativo (Araújo, 2011ARAÚJO, Paulo Ferreira de. Desporto adaptado no Brasil. São Paulo: Phorte Editora, 2011.; Begossi; Mazo, 2016BEGOSSI, Tuany Defaveri; MAZO, Janice Zarpellon. O processo de institucionalização do esporte para pessoas com deficiência no Brasil: uma análise legislativa federal. Revista Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, n. 10, p. 2989-2997, out. 2016. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320152110.20462016.
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). Nota-se que durante esse período ocorreu um processo político-administrativo que fomentou a criação e desenvolvimento de uma estrutura administrativa responsável por gerir esse contexto esportivo (Pasini; Gutierrez; Duarte, 2020PASINI, Gustavo Moreira. A profissionalização do esporte paralímpico brasileiro: um estudo de caso sobre a estratégia, estrutura e ambiente do Comitê Paralímpico Brasileiro. 2020. 208 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020.).

Destaca-se que durante essa fase no ano de 1995 ocorreu a institucionalização do Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) (Araújo, 2011ARAÚJO, Paulo Ferreira de. Desporto adaptado no Brasil. São Paulo: Phorte Editora, 2011.; Pasini, 2020PASINI, Gustavo Moreira. A profissionalização do esporte paralímpico brasileiro: um estudo de caso sobre a estratégia, estrutura e ambiente do Comitê Paralímpico Brasileiro. 2020. 208 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020.). Logo, ao abordar esses fatos posiciona-se o CPB como peça fundamental de análise, no instante que essa entidade esportiva se caracteriza como um dos principais órgãos responsáveis pela organização e administração do EPB hoje (Marques; Gutierrez, 2014MARQUES, Renato Francisco Rodrigues; GUTIERREZ, Gustavo Luis. O esporte paralímpico no Brasil: profissionalismo, administração e classificação de atletas. São Paulo: Phorte Editora, 2014.; Pasini; Gutierrez; Duarte, 2020PASINI, Gustavo Moreira. A profissionalização do esporte paralímpico brasileiro: um estudo de caso sobre a estratégia, estrutura e ambiente do Comitê Paralímpico Brasileiro. 2020. 208 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020.).

Neste sentido, a elaboração da pesquisa foi determinada a partir da instituição do seguinte pressuposto:

  • A institucionalização do CPB foi um fator determinante na implementação das ações que contribuíram para o progresso do EPB.

A partir da delimitação deste pressuposto, optou-se por uma investigação que averiguasse as transformações que ocorreram nesse espaço esportivo específico do Brasil a partir da institucionalização do CPB.

Essa demarcação também buscou analisar os elementos histórico-sociais que transformaram a efetivação de atividades motoras adaptadas em um espaço social dotado de agentes específicos, e que no decorrer do século passado se configurou e se estabeleceu como um campo esportivo sui generis (Araújo, 2011ARAÚJO, Paulo Ferreira de. Desporto adaptado no Brasil. São Paulo: Phorte Editora, 2011.; Bourdieu, 1989aBOURDIEU, Pierre. La noblesse d’ etat: grandes écoles et esprit de corps. Paris: Les Éditions de Minuit, 1989a.; 1989b; 1997; 2004a; 2004b; 2005; 2007; 2013; 2019; Marques; Gutierrez, 2014MARQUES, Renato Francisco Rodrigues; GUTIERREZ, Gustavo Luis. O esporte paralímpico no Brasil: profissionalismo, administração e classificação de atletas. São Paulo: Phorte Editora, 2014.).

Para tanto foram selecionadas como ferramentas metodológicas as Categorias de Campo, Capital e Habitus que fazem parte da Sociologia Reflexiva do sociólogo francês Pierre Bourdieu (Bourdieu, 1989aBOURDIEU, Pierre. La noblesse d’ etat: grandes écoles et esprit de corps. Paris: Les Éditions de Minuit, 1989a.; 1989bBOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989b.; 1997BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1997.; 2004aBOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004a.; 2004bBOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 5. ed. Campinas: Papirus Editora, 2004b.; 2005BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectivas, 2005.; 2007BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2007.; 2013BOURDIEU, Pierre. Capital simbólico e classes sociais. Revista Novos Estudos, n. 96, p. 105-115, jul. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/nec/n96/a08n96.pdf. Acesso em: 10 nov. 2023.
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; 2019BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Petrópolis: Vozes, 2019.). A partir dessa caracterização metodológica foi definido como objetivo do estudo analisar se a institucionalização do CPB foi fundamental para o desenvolvimento esportivo, administrativo e econômico do EPB, observando como essa entidade pode ter se transformado no principal órgão responsável por administrar esse contexto esportivo nacional a partir de uma leitura sociológica fundamentada sob as lentes teóricas da perspectiva bourdieusiana.

À vista disso, foi determinado que o escrutínio proposto teria como fonte de pesquisa personagens que estiveram e estão ativos no EPB, uma vez que os depoimentos desses agentes específicos forneceram elementos singulares acerca do universo e do objeto pesquisado.

Por conseguinte, foi determinado como recorte temporal o período que vai de 1995 até 2022. Justifica-se a determinação desse ínterim alicerçado sob os escritos de Pasini, Gutierrez e Duarte (2020)PASINI, Gustavo Moreira; GUTIERREZ, Gustavo Luis; DUARTE, Edison. Comitê paralímpico brasileiro: análise do ambiente, estratégia e estrutura organizacional. Motrivivência, v. 32, n. 63, p. 1-20, jul./dez. 2020. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8042.2020e73677
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que analisaram a presença do CPB no processo de evolução esportiva, administrativa e financeira do EPB no período pós a sua institucionalização.

2 MÉTODO DE PESQUISA

O estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa de concepção descritiva, analítica e sociológica com uma abordagem metodológica-conceitual de Teoria Fundamentada (Creswell, 2010CRESWELL, John Ward. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.). Diante dessa caracterização metodológica foi efetivada uma pesquisa de campo que se configurou a partir de entrevistas semiestruturadas com seis sujeitos que estiveram e estão inseridos no interior da conjuntura esportiva do EPB. A análise dos dados coletados empregada perante as entrevistas realizadas foi a da Leitura Dedutiva (Creswell, 2010CRESWELL, John Ward. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.).

Foram seguidos todos os procedimentos e parâmetros éticos estabelecidos pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição proponente da pesquisa. Logo, é informado que o estudo foi submetido e aprovado por esse órgão de controle ético em pesquisas científicas.

2.1 CARACTERIZAÇÃO DOS SUJEITOS

A amostra do estudo apresenta seis indivíduos (três Atletas Paralímpicos e três Dirigentes Esportivos Paralímpicos) que participaram e participam ativamente do EPB durante as décadas de 1990, 2000, 2010 e 2020. A quantificação da amostra foi determinada de acordo com o critério de saturação (Fontanella et al., 2011FONTANELLA, Bruno José Barcellos et al. Amostragem em pesquisas qualitativas: proposta de procedimentos para constatar saturação teórica. Cadernos de Saúde Pública, v. 27, n. 2, p. 389-394, fev. 2011. Disponível em: https://www.scielosp.org/pdf/csp/2011.v27n2/388-394/pt. Acesso em: 11 mar. 2023.
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; Minayo, 2006MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 2006.).

Os sujeitos participantes do estudo foram identificados da seguinte maneira: SA: Atleta ParalímpicoSD: Dirigente Paralímpico. Após a sua identificação os sujeitos participantes do estudo foram divididos em dois grupos de acordo com a sua correspondência prática. O delineamento das funções efetivas que cada sujeito realiza no interior do contexto do EPB foi elemento básico para a divisão dos grupos e o seu respectivo posicionamento. Os grupos foram denominados da seguinte forma: Atletas Paralímpicos Brasileiros - Dirigentes do Esporte Paralímpico Brasileiro.

Abaixo estão dispostos de maneira célere as principais características da respectiva amostra.

Tabela 1
Grupo: Atletas Paralímpicos Brasileiros.
Tabela 2
Grupo: Dirigentes do Esporte Paralímpico Brasileiro.

2.2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

As entrevistas semiestruturadas foram realizadas entre os meses de agosto de 2021 e junho de 2022 de maneira individual de forma pessoal e remota por um dos pesquisadores responsáveis pelo estudo. As entrevistas efetivadas de forma pessoal aconteceram nas dependências do Centro de Treinamento do CPB em São Paulo/SP. As entrevistas efetivadas de forma remota ocorreram através de uma Web Conferência que utilizou o aplicativo de celular WhatsApp. As entrevistas foram gravadas e transcritas na íntegra. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi assinado por todos os participantes do estudo antes do início das entrevistas.

Tabela 3
Entrevistas: Grupo Atletas Paralímpicos Brasileiros.
Tabela 4
Entrevistas: Grupo Dirigentes do Esporte Paralímpico Brasileiro.

2.3 INSTRUMENTO DE PESQUISA

As entrevistas apresentaram um caráter semiestruturado, propiciando aos sujeitos participantes da pesquisa a liberdade para se expressarem e relatarem as suas histórias de vida dentro do CPB e do EPB. Deste modo, foi pré-estabelecido um roteiro que se baseou nas seguintes questões:

  1. qual é a sua relação com o EPB?

  2. qual é a sua trajetória dentro do EPB?

  3. qual é o objetivo do CPB?

  4. qual é a importância da institucionalização do CPB para o desenvolvimento do EPB?

A partir desse roteiro foram estabelecidos dois instrumentos de pesquisa diante das características da amostra, sendo um aplicado com o grupo denominado “Atletas Paralímpicos Brasileiros”, e outro com o grupo denominado “Dirigentes doEsporte Paralímpico Brasileiro”. Os instrumentos de pesquisa apresentam questões norteadoras específicas para cada um dos grupos. Essa configuração estrutural metodológica delineada teve como base para sua confecção os conceitos teóricos de Creswell (2010)CRESWELL, John Ward. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.:

Quadro 1
Questões Norteadoras Grupo Atletas Paralímpicos Brasileiros.
Quadro 2
Questões Norteadoras Dirigentes do Esporte Paralímpico Brasileiro.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO TEÓRICA

3.1 O PROCESSO INSTITUCIONAL DO CPB E A SUA RELAÇÃO DENTRO DO EPB A PARTIR DAS CATEGORIAS DE CAMPO, CAPITAL E HABITUS

A apreciação proposta nessa etapa tem como fundamento elementar entender se o CPB foi um agente de destaque dentro do EPB, apreendendo se esse órgão diretivo se configurou como peça-chave nessa conjuntura esportiva. Revela-se que anterior a institucionalização do CPB a organização administrativa do EPB apresentou ações incipientes durante os anos 1960, 1970 e 1980 tendo suas raízes vinculadas a algumas entidades esportivas que surgem associadas a deficiências específicas. Logo, foi possível compreender a existência de uma demanda esportiva para pessoas com deficiência que necessitava de uma estruturação organizacional e não simplesmente de uma coordenação realizada por alguns empreendimentos isolados (Araújo, 2011ARAÚJO, Paulo Ferreira de. Desporto adaptado no Brasil. São Paulo: Phorte Editora, 2011.; Marques; Gutierrez, 2014MARQUES, Renato Francisco Rodrigues; GUTIERREZ, Gustavo Luis. O esporte paralímpico no Brasil: profissionalismo, administração e classificação de atletas. São Paulo: Phorte Editora, 2014.; Pasini, 2020PASINI, Gustavo Moreira; GUTIERREZ, Gustavo Luis; DUARTE, Edison. Comitê paralímpico brasileiro: análise do ambiente, estratégia e estrutura organizacional. Motrivivência, v. 32, n. 63, p. 1-20, jul./dez. 2020. DOI: https://doi.org/10.5007/2175-8042.2020e73677
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).

Neste sentido, o processo institucional do CPB surge a partir de uma demanda estabelecida pelo Comitê Paralímpico Internacional (IPC) que solicita a existência de uma entidade que seja responsável direta por representar o EPB nas competições internacionais (Araújo, 2011ARAÚJO, Paulo Ferreira de. Desporto adaptado no Brasil. São Paulo: Phorte Editora, 2011.; Begossi; Mazo, 2016BEGOSSI, Tuany Defaveri; MAZO, Janice Zarpellon. O processo de institucionalização do esporte para pessoas com deficiência no Brasil: uma análise legislativa federal. Revista Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, n. 10, p. 2989-2997, out. 2016. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320152110.20462016.
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).

No Estatuto do CPB essa demanda fica explícita no seu terceiro artigo (Araújo, 2011ARAÚJO, Paulo Ferreira de. Desporto adaptado no Brasil. São Paulo: Phorte Editora, 2011.). Entretanto, a solicitação feita pelo IPC não foi o único elemento fundamental para a institucionalização do CPB, dado que esse órgão internacional não apresentava faculdades suficientes para promover esse processo. Para que esse encadeamento institucional ocorresse foi necessária a determinação de uma série de arranjos legislativos (Begossi; Mazo, 2016BEGOSSI, Tuany Defaveri; MAZO, Janice Zarpellon. O processo de institucionalização do esporte para pessoas com deficiência no Brasil: uma análise legislativa federal. Revista Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, n. 10, p. 2989-2997, out. 2016. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320152110.20462016.
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; Souza, 2021SOUZA, João Daniel Bove Gomes de. Lei de Incentivo ao Esporte – Lei 11.438/2006, resultados da implementação na formação de atletas do paradesporto na Associação Nacional de Desportos para Deficientes – ANDE. 2021. 94 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Administração Pública) – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2021.).

Destaca-se que a consolidação desses processos legais e administrativos foram fundamentais para a constituição do CPB, sendo esses dispositivos que viabilizaram o fomento, a organização e estruturação do Esporte para pessoas com deficiência através de esferas públicas governamentais (Souza, 2021SOUZA, João Daniel Bove Gomes de. Lei de Incentivo ao Esporte – Lei 11.438/2006, resultados da implementação na formação de atletas do paradesporto na Associação Nacional de Desportos para Deficientes – ANDE. 2021. 94 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Administração Pública) – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2021.).

Essas determinações estão dispostas na Constituição Federal da República Federativa do Brasil - 05/10/1988, na Lei Mendes Thame - Lei nº 7.752/1989, na Lei Zico Lei nº 8.672/1993 e na Lei Pelé Lei nº 9.615/1998 (Souza, 2021SOUZA, João Daniel Bove Gomes de. Lei de Incentivo ao Esporte – Lei 11.438/2006, resultados da implementação na formação de atletas do paradesporto na Associação Nacional de Desportos para Deficientes – ANDE. 2021. 94 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Administração Pública) – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2021.).

É importante destacar esse caminho legislativo identificando a importância da instituição da Constituição Federal brasileira de 1988 que concebe a prática esportiva como um direito de todo cidadão. Por conseguinte, a Constituição de 1988 foi fundamental para que a organização administrativa do Esporte para pessoas com deficiência fosse assegurada perante a normatizações legais (Souza, 2021SOUZA, João Daniel Bove Gomes de. Lei de Incentivo ao Esporte – Lei 11.438/2006, resultados da implementação na formação de atletas do paradesporto na Associação Nacional de Desportos para Deficientes – ANDE. 2021. 94 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Administração Pública) – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2021.).

A Lei Mendes Thame citada acima foi um princípio determinante, pois a partir dessa legislação foi instituída uma nova Secretaria ligada diretamente ao Presidente da República. Esse órgão apresentava um departamento que se configurou como o setor responsável pelo apoio, fomento, organização e estruturação do Esporte para pessoas com deficiência de forma específica (Begossi; Mazo, 2016BEGOSSI, Tuany Defaveri; MAZO, Janice Zarpellon. O processo de institucionalização do esporte para pessoas com deficiência no Brasil: uma análise legislativa federal. Revista Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, n. 10, p. 2989-2997, out. 2016. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320152110.20462016.
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; Souza, 2021SOUZA, João Daniel Bove Gomes de. Lei de Incentivo ao Esporte – Lei 11.438/2006, resultados da implementação na formação de atletas do paradesporto na Associação Nacional de Desportos para Deficientes – ANDE. 2021. 94 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Administração Pública) – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2021.).

A Lei Zico traz como principais deliberações a constituição das Normas Gerais do Desporto aqui no Brasil, que permite que as entidades esportivas tenham total autonomia perante suas ações e concebe a criação de um conselho (Conselho Superior do Desporto) responsável por fiscalizar se as diretrizes estipuladas nessa legislação estão sendo cumpridas (Begossi; Mazo, 2016BEGOSSI, Tuany Defaveri; MAZO, Janice Zarpellon. O processo de institucionalização do esporte para pessoas com deficiência no Brasil: uma análise legislativa federal. Revista Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, n. 10, p. 2989-2997, out. 2016. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320152110.20462016.
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; Souza, 2021SOUZA, João Daniel Bove Gomes de. Lei de Incentivo ao Esporte – Lei 11.438/2006, resultados da implementação na formação de atletas do paradesporto na Associação Nacional de Desportos para Deficientes – ANDE. 2021. 94 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Administração Pública) – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2021.).

Esses mecanismos e processos anteriores a composição da Lei Pelé foram indispensáveis para a estruturação organizacional do EPB e institucionalização do CPB. Todavia, a Lei Pelé foi de valor significativo nessa trajetória, dado que a sua concepção estabeleceu o CPB como principal órgão diretivo do EPB, precisando quais eram as suas atribuições, responsabilidades e competências, o que pode ser compreendido perante os estudos de Begossi e Mazo (2016)BEGOSSI, Tuany Defaveri; MAZO, Janice Zarpellon. O processo de institucionalização do esporte para pessoas com deficiência no Brasil: uma análise legislativa federal. Revista Ciência & Saúde Coletiva, v. 21, n. 10, p. 2989-2997, out. 2016. DOI: https://doi.org/10.1590/1413-812320152110.20462016.
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e Souza (2021)SOUZA, João Daniel Bove Gomes de. Lei de Incentivo ao Esporte – Lei 11.438/2006, resultados da implementação na formação de atletas do paradesporto na Associação Nacional de Desportos para Deficientes – ANDE. 2021. 94 f. Dissertação (Mestrado Profissional em Administração Pública) – Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, 2021. e narrativa exposta abaixo que exemplifica um pouco desse percurso histórico.

Até a Lei Pelé que é de 1998, o Sistema Nacional de Desporto não reconhecia o Esporte Paralímpico, a gente não podia ter um Comitê Paralímpico, só tinha duas entidades no Sistema Nacional de Desporto, que era a CBF no Futebol e o Comitê Olímpico Brasileiro com o Esporte Olímpico. A gente não podia nem se quer fundar um Comitê Paralímpico, e aí sem fundar um Comitê Paralímpico você não pode se filiar no IPC, e o IPC entendia que a gente tinha um problema, mas que a gente precisava resolver isso aqui no país, eles não interferem na Lei do país, ou seja, precisa mudar a Lei para você poder se adequar a realidade

(SD3).

A formulação desse marco legislativo transforma o EPB, em razão de que cria condições para a concepção de uma arquitetura estrutural diretiva através da definição de uma entidade esportiva que teria como fundamento básico se configurar como eixo central para a organização administrativa desse tipo específico de prática esportiva.

Com o surgimento do CPB a gente começou a organizar, a sistematizar o Movimento Paralímpico como um todo. Então tudo que existe hoje faz parte de um processo que iniciou com o CPB, mesmo antes talvez do CPB ter esse nome, mas tinha ali a sementinha do CPB, é que agora a gente está colhendo frutos [...] então, sim eu não tenho dúvida que o CPB é o principal responsável por todo esse desenvolvimento

(SD1).

Diante dessa realidade destaca-se que o CPB se torna o principal agente dentro de todo esse processo, e passa a estabelecer estratégias e ações que tem como fundamento central o desenvolvimento do EPB como um todo. Analisando os primeiros passos dessa trajetória, coloca-se em perspectiva a atuação do CPB junto às instituições governamentais com o objetivo de angariar recursos econômicos. Essa caracterização é possível de ser identificada diante dos dados coletados, no instante que o CPB assume o papel de principal entidade diretiva do EPB e arquiteta a partir dos seus dirigentes ações práticas que possibilitaram a aquisição de investimento público de caráter financeiro. Esse aporte econômico é reconhecido como essencial para o início do seu desenvolvimento esportivo.

Eu acho que são dois fatores, o primeiro foi a criação da Lei Agnelo/Piva [...] a gente passou a ter um recurso perene, e foi mais fácil você planejar e organizar. A partir desse recurso perene [...] da Lei Agnelo/Piva que foi aprovada em 2001 a gente tinha certeza de um recurso, com a certeza de um recurso você sabe o que você pode fazer

(SD3).

Essa fala pode ser compreendida perante desenho estrutural objetivo acerca do Campo Esportivo do EPB. Em evidência é possível reconhecer os agentes específicos que atuam dentro desse espaço social específico e os objetos de diferenciação (Capitais) que são elementares nesse ambiente esportivo (Bourdieu, 2019BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Petrópolis: Vozes, 2019.; Marchi Júnior, 2015; Marques; Gutierrez, 2014MARQUES, Renato Francisco Rodrigues; GUTIERREZ, Gustavo Luis. O esporte paralímpico no Brasil: profissionalismo, administração e classificação de atletas. São Paulo: Phorte Editora, 2014.; Ortiz, 2013ORTIZ, Renato. Nota sobre a recepção de Pierre Bourdieu no Brasil. Sociologia & Antropologia, v. 3, n. 5, p. 81-90, jun. 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/2238-38752013v353.
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). Nota-se a presença desses agentes na figura de dirigentes esportivos, instituições públicas e privadas, agentes públicos e atletas. A identificação do objeto de distinção (Capital) passa pelo seu reconhecimento na sua forma econômica neste instante.

De forma concreta é percebido que o Capital Econômico é constatado pelos dirigentes do CPB como um importante objeto, e que a partir da sua imposição pode transformar essa esfera social. Fica assim exposto que a posse dessa forma de Capital pode ser condicionada à aquisição de recursos financeiros a partir da Lei Agnelo/Piva Lei nº 10.264 de 16 de julho de 2001.

Logo, foi possível detectar que agentes específicos (dirigentes do CPB) estabeleceram algumas ações práticas com o objetivo de ter a posse do Capital Econômico que se tornou a principal fonte de recursos que são destinados diretamente ao CPB. Estas ações práticas caracterizam o Habitus do sujeito da ação social, conformando os tipos de agentes diretivos do CPB (Bourdieu, 1997BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1997.; 2004aBOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004a.; 2004bBOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 5. ed. Campinas: Papirus Editora, 2004b.; 2007BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2007.; 2019BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Petrópolis: Vozes, 2019.; Ortiz, 2013ORTIZ, Renato. Nota sobre a recepção de Pierre Bourdieu no Brasil. Sociologia & Antropologia, v. 3, n. 5, p. 81-90, jun. 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/2238-38752013v353.
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). Essa demarcação constituiu o campo das práticas efetivadas que tiveram como principal objetivo a posse de um objeto de distinção presente nesse território (Capital Econômico Recursos da Lei Agnelo/Piva). Um dos entrevistados corrobora essa tendência de constituição do campo e seus bens simbólicos em disputa.

O João Batista que foi o primeiro Presidente do CPB, foi fundamental quando ele conseguiu fazer com que a Lei, o início da Lei seria Lei Pedro/Piva que seria a destinação de dois por cento dos recursos das loterias para o Esporte Olímpico. Com o trabalho do João Batista e dos dirigentes da época, o Senador Agnelo Queiroz que é de Brasília fez uma emenda colocando que dos dois por cento 15 por cento deveria ser o do Esporte Paralímpico. Então a Lei passou a se chamar Lei Agnelo/Piva

(SD3).

As ações realizadas pelo dirigente à época do CPB junto a um agente público federal fizeram com que uma parte dos recursos financeiros provenientes da legislação que iria ser criada fossem destinados ao EPB, deixando de ser totalmente transferidos para o Esporte Olímpico do Brasil (EOB). Nota-se a presença de uma esfera social de prática esportiva, o Campo do Esporte Olímpico e Paralímpico do Brasil. A possibilidade de distinguir esse espaço se dá pelo reconhecimento que o Capital Econômico (Recurso Financeiro Federal Lei Agnelo/Piva) é comum para o fomento desse universo esportivo como um todo e dessa maneira passa a ser disputado por agentes esportivos associados a esses dois contextos.

Diante dessa caracterização surge a ocorrência de práticas com o objetivo de conseguir a posse desse objeto específico. A identificação desse campo e a categorização desse tipo específico de Habitus se torna importante, tendo em vista esse tipo de ação. Essas questões apontam para um conjunto de concepções teóricas de Bourdieu (1989aBOURDIEU, Pierre. La noblesse d’ etat: grandes écoles et esprit de corps. Paris: Les Éditions de Minuit, 1989a.; 1989bBOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989b.; 1997BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1997.; 2004aBOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004a.; 2004bBOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 5. ed. Campinas: Papirus Editora, 2004b.; 2005BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectivas, 2005.; 2007BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2007.; 2013BOURDIEU, Pierre. Capital simbólico e classes sociais. Revista Novos Estudos, n. 96, p. 105-115, jul. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/nec/n96/a08n96.pdf. Acesso em: 10 nov. 2023.
http://www.scielo.br/pdf/nec/n96/a08n96....
; 2019BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Petrópolis: Vozes, 2019.), e de seus comentadores, como Ortiz (2013)ORTIZ, Renato. Nota sobre a recepção de Pierre Bourdieu no Brasil. Sociologia & Antropologia, v. 3, n. 5, p. 81-90, jun. 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/2238-38752013v353.
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na dinâmica das categorias, bem como, aproximam-se de discussões da aplicação teórica bourdieusiana no esporte, como Marques e Gutierrez (2014)MARQUES, Renato Francisco Rodrigues; GUTIERREZ, Gustavo Luis. O esporte paralímpico no Brasil: profissionalismo, administração e classificação de atletas. São Paulo: Phorte Editora, 2014. e Marchi Júnior (2015)MARCHI JÚNIOR, Wanderley. O esporte “em cena”: perspectivas históricas e interpretações conceituais para a construção de um modelo analítico. The Journal of the Latin American Socio-cultural Studies of Sport, v. 5, n. 1, p. 46-67, jan./jun. 2015. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/alesde/article/view/43890/28770. Acesso em: 04 mar. 2021.
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. Este conjunto de autores permitem compreender a reprodução dessas práticas no Campo Esportivo do Brasil e observar a presença de todas as características que possibilitam a constituição estrutural dessa esfera como um espaço social específico de prática esportiva.

A reprodução desse Habitus Esportivo se repete nesse ambiente, tendo como consequência direta para o Campo do EPB a formulação da Lei de nº 13.146/2015, denominada Estatuto da Pessoa com Deficiência (Pasini; Gutierrez; Duarte, 2020PASINI, Gustavo Moreira. A profissionalização do esporte paralímpico brasileiro: um estudo de caso sobre a estratégia, estrutura e ambiente do Comitê Paralímpico Brasileiro. 2020. 208 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020.). A instituição desse novo dispositivo legal traz como benefício imediato o aumento da receita econômica destinada ao CPB, permitindo assim um aporte maior desse objeto de distinção. Além do alcance desse objeto singular, a efetivação desse Habitus realizada nesses dois momentos distintos, possibilita o reconhecimento de uma outra espécie de Capital, o Capital Político (Bourdieu, 1997BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1997.; 2004aBOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004a.; 2004bBOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 5. ed. Campinas: Papirus Editora, 2004b.; 2007BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2007.; 2019BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Petrópolis: Vozes, 2019.).

Em 2014, 2015, eu não vou saber te precisar, teve essa mudança do Estatuto da, 2016 perdão, da Pessoa com Deficiência, a Senadora, a Deputada Federal a época Mara Gabrilli, ela fez uma emenda dentro da Lei que aí ela passou sem mexer no recurso do EOB, o que ela fez, ela passou de dois por cento que era arrecado com as loterias para três por cento, e aí esse novo um por cento que entrou todinho pela Lei, ele veio para o EPB

(SD3).

É possível determinar essa forma de Capital a partir da força relativa que esse tipo de elemento exerce nesse campo, em razão de que as relações e interações sociais estabelecidas entre os dirigentes do CPB e agentes públicos são constituídas formando assim esse novo princípio de diferenciação (Bourdieu, 1997BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1997.; 2004aBOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004a.; 2004bBOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 5. ed. Campinas: Papirus Editora, 2004b.; 2007BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2007.; 2019BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Petrópolis: Vozes, 2019.; Marchi Júnior, 2015MARCHI JÚNIOR, Wanderley. O esporte “em cena”: perspectivas históricas e interpretações conceituais para a construção de um modelo analítico. The Journal of the Latin American Socio-cultural Studies of Sport, v. 5, n. 1, p. 46-67, jan./jun. 2015. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/alesde/article/view/43890/28770. Acesso em: 04 mar. 2021.
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; Ortiz, 2013ORTIZ, Renato. Nota sobre a recepção de Pierre Bourdieu no Brasil. Sociologia & Antropologia, v. 3, n. 5, p. 81-90, jun. 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/2238-38752013v353.
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). Conforme dados coletados e literatura interpretada, as verbas oriundas da Lei Agnelo/Piva em conjunto com uma das determinações presentes no Estatuto da Pessoa com Deficiência se caracterizam como a principal fonte de recursos econômicos que são destinados diretamente e de forma integral ao CPB (Marques; Gutierrez, 2014MARQUES, Renato Francisco Rodrigues; GUTIERREZ, Gustavo Luis. O esporte paralímpico no Brasil: profissionalismo, administração e classificação de atletas. São Paulo: Phorte Editora, 2014.; Pasini, 2020PASINI, Gustavo Moreira. A profissionalização do esporte paralímpico brasileiro: um estudo de caso sobre a estratégia, estrutura e ambiente do Comitê Paralímpico Brasileiro. 2020. 208 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020.).

Ao observar a formação dessa estrutura de destinação de verbas, compreende-se porque essas determinações legais são entendidas como condicionantes para a organização e estruturação do EPB através de ações efetivas realizadas pelo CPB. Esse repasse financeiro possibilitou que fossem pensadas, organizadas e colocadas em prática estratégias específicas que fomentaram o desenvolvimento administrativo e esportivo do EPB.

A aquisição do Capital Econômico permitiu que o CPB passasse a concentrar esforços na concepção de um planejamento estratégico com o objetivo de estabelecer uma estrutura de caráter profissional que possibilitasse o desenvolvimento esportivo dos atletas, e consequente avanço do EPB (da iniciação esportiva ao rendimento esportivo máximo performance esportiva atletas paralímpicos). De tal maneira, o aumento das receitas do CPB ao longo dos anos corrobora com o levantamento empírico exposto.

Tabela 5
Receitas anuais do CPB.

A partir dos dados coletados reconhece-se algumas das estratégias promovidas pelo CPB que possibilitaram o desenvolvimento EPB. Este estudo, ratifica outras pesquisas sobre o CPB (Araújo, 2011ARAÚJO, Paulo Ferreira de. Desporto adaptado no Brasil. São Paulo: Phorte Editora, 2011.; Pasini; Gutierrez; Duarte, 2020PASINI, Gustavo Moreira. A profissionalização do esporte paralímpico brasileiro: um estudo de caso sobre a estratégia, estrutura e ambiente do Comitê Paralímpico Brasileiro. 2020. 208 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020.), no entanto, avança-se ao compreender o processo estratégico de profissionalização administrativa, transformação do EPB que teve como consequência o seu desenvolvimento esportivo. Esse delineamento lógico tem suas ações classificadas em três eixos que foram definidos conforme entendimento estabelecido perante a ação dos sujeitos. Esses eixos estão delineados como Governamental, Diretivo e Esportivo. Nos quadros abaixo são determinadas essas dimensões e seus principais empreendimentos:

Quadro 3
Eixo Governamental.
Quadro 4
Eixo Diretivo.
Quadro 5
Eixo Esportivo.

Esses três eixos de ações estruturais e organizacionais tiveram como princípios fundamentais o foco em práticas Organizacionais/Administrativas ‒ Financeiras ‒Em Infraestrutura ‒ Técnicas/Físicas/Esportivas. A partir dos dados coletados foi possível identificar o perfil dessas práticas e classificá-las.

Segue alguns trechos das entrevistas que permitem o reconhecimento de alguns desses movimentos organizacionais:

  • Organizacional – Administrativa:

    Mas o que eu posso garantir é que hoje o CPB com as estratégias bem delineadas dentro de um planejamento estratégico, e tentando passar essas estratégias paras as confederações, faz com que o Esporte Paralímpico caminhe para a mesma direção. Então ele acaba sendo o norteador do desenvolvimento do Esporte

    (SD2)
  • Infraestrutura:

    Se você faz parte do ciclo, você está lá dentro do Centro de Treinamento, ali você tem de tudo nas mãos. Você tem a melhor equipe multidisciplinar, tem um clube excelente que é o Centro de Treinamento que é sensacional em termos de Natação, Atletismo, Badminton, Basquete em Cadeiras de Rodas e o Rúgbi

    (SA1)
  • Financeira:

    Falando das outras modalidades o CPB acaba sendo quem distribui os recursos da Lei das Loterias, então é inevitável, ele que estabelece as formas, é lógico que de uma forma que tenha uma boa governança, que tenha uma boa sistematização de como vai ser distribuído os recursos

    (SD2)
  • Técnica ‒ Física ‒ Esportiva:

    O Comitê ele tem sim dado esse respaldo. Eu também tive muito apoio deles em alguns momentos que eu precisei bastante, principalmente nessa parte de classificação funcional, parte de psicólogo que eu também passava com a psicóloga da Seleção. Então eu acho que a gente acaba tendo uma equipe multidisciplinar muito boa

    (SA2).

    Então com o CPB, com essa questão de incentivo na área de formação de professores, na formação de equipes. Eu acho que é uma boa.

    (SA3).

Pasini, Gutierrez e Duarte (2020, p. 16)PASINI, Gustavo Moreira. A profissionalização do esporte paralímpico brasileiro: um estudo de caso sobre a estratégia, estrutura e ambiente do Comitê Paralímpico Brasileiro. 2020. 208 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2020. expõem que as ações desenvolvidas pelo CPB se configuram como elementos que podem ser identificados dentro de uma organização estrutural fundamentada em uma lógica de funcionamento profissional. O CPB ao promover esse planejamento estratégico estabeleceu um movimento de profissionalização no espaço social do EPB.

Esse processo caracteriza-se como fundamental para o desenvolvimento desse cenário, sendo possível observar sua evolução esportiva perante os resultados dos atletas na principal competição paralímpica internacional, como já referido no item introdutório do artigo. Logo, esse avanço esportivo em termos de resultado nessa competição não foi obra do acaso, e sim resultante de uma série de ações estratégicas de caráter organizacional desenvolvidas pelo CPB que proporcionaram evolução na performance esportiva dos atletas.

A constituição dessas práticas efetivadas por esse órgão diretivo teve como um dos seus fundamentos uma análise estrutural acerca de estratégias desenvolvidas e reproduzidas por outros agentes que fazem parte do Campo Esportivo Paralímpico Internacional.

A gente fez o nosso planejamento seguindo alguns exemplos [...] então primeira coisa em 2010, antes de 2012 para Londres a gente viu qual é o país que está do nosso tamanho? E o que eles fazem? A gente seguiu o Canadá, o Canadá tinha sido sétimo lugar em Pequim, o que eles fazem? Qual é o investimento? A gente descobriu que o recurso que o Canadá tinha só para a Missão deles nos Jogos era o mesmo que a gente tinha para os quatro anos para tudo. Mas a gente seguiu, se o Canadá tem um resultado, vamos seguir. A gente chegou nos Jogos em sétimo lugar e o Canadá abaixo de décimo. Aí a gente foi estudar, por que isso? Mesma coisa a Espanha, a Espanha tinha um trabalho fantástico para Barcelona, chegou aí a gente foi estudar Barcelona, o que aconteceu? A gente descobriu que eles fizeram um investimento em uma geração, eles fizeram um trabalho para chegar em Barcelona e ser a referência do Esporte Paralímpico

(SD3).

É possível identificar essa ocorrência perante os dados expostos acima e interpretá-los conforme leitura que se fundamenta a partir da perspectiva teórica bourdieusiana de Campo, Capital e Habitus (Bourdieu, 1989aBOURDIEU, Pierre. La noblesse d’ etat: grandes écoles et esprit de corps. Paris: Les Éditions de Minuit, 1989a.; 1989bBOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand, 1989b.; 1997BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1997.; 2004aBOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004a.; 2004bBOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 5. ed. Campinas: Papirus Editora, 2004b.; 2005BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectivas, 2005.; 2007BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2007.; 2013BOURDIEU, Pierre. Capital simbólico e classes sociais. Revista Novos Estudos, n. 96, p. 105-115, jul. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/nec/n96/a08n96.pdf. Acesso em: 10 nov. 2023.
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; 2019BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Petrópolis: Vozes, 2019.). Esse conjunto de práticas descritas são categorizadas como mais uma possibilidade de demarcar um Habitus Esportivo presente nessa esfera social que foi efetivado pelo CPB na figura de seus dirigentes.

Essa interpretação traz o CPB como um agente específico inserido no Campo Esportivo Paralímpico Internacional que em um determinado momento posicionava-se nesse espaço do lado dominado. A compreensão dessa entidade esportiva acerca do ordenamento posicional presente nesse campo facultou a efetivação de uma série de processos que podem ser classificados como estratégias de transformação que ocorreram com o objetivo central de modificar o seu posicionamento dentro dessa esfera esportiva (Bourdieu, 1997BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1997.; 2004a; 2004b; 2007; 2019; Marchi Júnior, 2015; Marques; Gutierrez, 2014MARQUES, Renato Francisco Rodrigues; GUTIERREZ, Gustavo Luis. O esporte paralímpico no Brasil: profissionalismo, administração e classificação de atletas. São Paulo: Phorte Editora, 2014.; Ortiz, 2013ORTIZ, Renato. Nota sobre a recepção de Pierre Bourdieu no Brasil. Sociologia & Antropologia, v. 3, n. 5, p. 81-90, jun. 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/2238-38752013v353.
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).

A realização dessas ações tem como princípio elementar a aquisição de uma forma específica de Capital, o Capital Esportivo. A posse desse objeto específico a partir da ocorrência dessas práticas tem como consequência essa mudança posicional. Essas práxis podem ser categorizadas consoante entendimento da Categoria de Habitus (Bourdieu, 1997BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1997.; 2004aBOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004a.; 2004bBOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 5. ed. Campinas: Papirus Editora, 2004b.; 2007BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2007.; 2019BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Petrópolis: Vozes, 2019.), em razão de que a realização dessas ações passa por uma determinação que tem como fundamento básico a posse de um objeto que organiza o ordenamento posicional desse espaço.

No instante que é percebido a força impositiva do Capital Esportivo, o CPB na figura de um agente social específico realiza uma série de procedimentos que tiveram como escopo a aquisição desse dispositivo estrutural (Bourdieu, 1997BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1997.; 2004aBOURDIEU, Pierre. Coisas ditas. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004a.; 2004bBOURDIEU, Pierre. Razões práticas: sobre a teoria da ação. 5. ed. Campinas: Papirus Editora, 2004b.; 2007BOURDIEU, Pierre. A distinção: crítica social do julgamento. Porto Alegre: Zouk, 2007.; 2019BOURDIEU, Pierre. Questões de sociologia. Petrópolis: Vozes, 2019.; Marchi Júnior, 2015MARCHI JÚNIOR, Wanderley. O esporte “em cena”: perspectivas históricas e interpretações conceituais para a construção de um modelo analítico. The Journal of the Latin American Socio-cultural Studies of Sport, v. 5, n. 1, p. 46-67, jan./jun. 2015. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/alesde/article/view/43890/28770. Acesso em: 04 mar. 2021.
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; Marques; Gutierrez, 2014MARQUES, Renato Francisco Rodrigues; GUTIERREZ, Gustavo Luis. O esporte paralímpico no Brasil: profissionalismo, administração e classificação de atletas. São Paulo: Phorte Editora, 2014.; Ortiz, 2013ORTIZ, Renato. Nota sobre a recepção de Pierre Bourdieu no Brasil. Sociologia & Antropologia, v. 3, n. 5, p. 81-90, jun. 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/2238-38752013v353.
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).

A efetivação dessas práticas permitiu a posse desses bens, o que alterou a posição do CPB no cenário do Campo Esportivo Paralímpico Internacional, colocando-o em posição de destaque, transformando assim a arquitetura de posições desse espaço social. A reprodução dessas estratégias configurou-se por ações concretas que já foram processadas por outros agentes desse universo esportivo e pela concepção de ações práticas originais. Desse modo, é exposto um desenho conceitual teórico que categoriza essas práxis como sendo um Habitus. Percebe-se que a sua instituição concedeu ao EPB a aquisição de forma volumosa do Capital Esportivo e consequente posse do Capital Econômico e Político.

É determinada assim a existência de uma relação de interdependência entre essas duas formas de Capital (maior Capital Econômico e Político maior Capital Esportivo - maior Capital Esportivo maior Capital Econômico e Político). Como consequência da posse desses objetos admite-se que os outros princípios de imposição que estão presentes nessa esfera esportiva passam a ser adquiridos pelo CPB.

Sabe-se que o Habitus pode se caracterizar de diversas maneiras nas práticas realizadas de forma abstrata ou concreta, tendo referência direta com uma série de características (comportamento, consumo, hábitos, gostos, linguagem, práticas corporais, ambiente etc.) que fazem parte de um espaço social específico. Sendo assim, o Habitus pode ser absorvido e transmitido de forma consciente ou inconsciente pelos agentes inseridos nessas esferas (Bourdieu, 1997BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1997.; 2004a; 2004b; 2007; 2019; Marchi Júnior, 2015; Ortiz, 2013ORTIZ, Renato. Nota sobre a recepção de Pierre Bourdieu no Brasil. Sociologia & Antropologia, v. 3, n. 5, p. 81-90, jun. 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/2238-38752013v353.
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).

Foi categorizado tipos específicos de Habitus Esportivos de caráter concreto na leitura exposta nesse item. Assim sendo, afirma-se que esse tipo de análise não se esgota aqui, reconhecendo a presença de outros princípios geradores de práticas nessa esfera esportiva. Todavia, o desenho elucidado nessa categorização partiu do reconhecimento de práticas instituídas e reproduzidas como ações precisas que tiveram como intento a transformação estrutural de um espaço social a partir da posse de objetos simbólicos presentes nesse meio, sendo a sua arquitetura fundamentada nos dados coletados de maneira empírica junto aos sujeitos que compõem a amostra do estudo.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os desdobramentos da pesquisa permitiram identificar que a institucionalização do CPB teve como premissas básicas uma demanda institucional administrativa estabelecida pelo IPC e a instituição de uma série de mecanismos legislativos e burocráticos que autorizaram e concederam que esse órgão fosse constituído.

Observou-se que uma ação legislativa (Lei Pelé) criada após a institucionalização do CPB se estabeleceu como um fator determinante que permitiu que esse órgão se tornasse a principal entidade diretiva do EPB. Ao assumir esse posicionamento o CPB tornou-se pedra angular para o desenvolvimento dessa conjuntura esportiva, em virtude de que foram realizadas uma série de estratégias em diversos contextos que viabilizaram um processo de evolução.

Essas ações administrativas são identificadas no instante que o CPB idealiza e efetua a instauração de um suporte organizacional fundamentado em três eixos básicos, Governamental, Diretivo e Esportivo, que apresentaram como base o foco em práticas Organizacionais/Administrativas – Financeiras – Em Infraestrutura – Técnicas/Físicas/Esportivas. A captação de recursos públicos através de mecanismos legislativos, o compartilhamento da gestão das Modalidades Esportivas Paralímpicas com as suas respectivas Confederações, o investimento em infraestrutura física, a parceria com Universidades Públicas e a criação de programas de incentivo para a prática esportiva (da Iniciação Esportiva ao Esporte de Rendimento) se enquadram como os principais processos que estão associados a esse delineamento gerencial.

A atuação do CPB no fomento da prática esportiva adaptada e paralímpica no ambiente Educacional (Escolar e Universitário) e no ambiente de Lazer (Forças de Segurança - Centros Médicos de Reabilitação) ocorre com a prerrogativa de disseminar esse tipo de atividade para mais pessoas, para assim, de tal modo, criar um meio para a captação e desenvolvimento de novos atletas de rendimento.

A sistematização dessas ideias está ancorada e fundamentada a partir da perspectiva teórica bourdieusiana. Suas categorias permitiram delinear e definir o EPB como uma esfera, um espaço social específico de prática esportiva que manifesta no seu interior todas as particularidades e características que o tornam passível de ser classificado como tal.

Neste sentido, identificam-se na literatura alguns estudos que utilizaram desse prisma teórico para elucidar suas críticas sociológicas a respeito do Esporte no âmbito nacional (Hirata; Starepravo, 2020HIRATA, Edson; STAREPRAVO, Fernando Augusto. Lei Zico: os bastidores de um gol anulado. Research, Society and Development, v. 9, n. 7, p. 1-17. 2020. DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v9i7.3534.
https://doi.org/10.33448/rsd-v9i7.3534...
; Marques, 2010MARQUES, Renato Francisco Rodrigues. O esporte paraolímpico no Brasil: uma abordagem da sociologia do esporte de Pierre Bourdieu. 2010. 285 f. Tese (Doutorado m Educação Física) – Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2010.; Marques; Gutierrez, 2014MARQUES, Renato Francisco Rodrigues; GUTIERREZ, Gustavo Luis. O esporte paralímpico no Brasil: profissionalismo, administração e classificação de atletas. São Paulo: Phorte Editora, 2014.; Starepravo; Souza; Marchi Júnior; 2013STAREPRAVO, Fernando Augusto; SOUZA, Juliano de; MARCHI JÚNIOR, Wanderley. Políticas públicas de esporte e lazer no Brasil: uma argumentação inicial sobre a importância da utilização da teoria dos campos de Pierre Bourdieu. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 35, n. 3, p. 785-798, jul./set. 2013. DOI: https://doi.org/10.1590/S0101-32892013000300018
https://doi.org/10.1590/S0101-3289201300...
). Entretanto, o esforço que foi aqui empreendido supera esses trabalhos, dado a presença de um atributo originário que surge a partir do delineamento de suas interpretações perante o emprego das categorias teórico-metodológicas de Campo, Capital e Habitus na análise de estruturas e dinâmicas específicas do EPB.

Em vista disso, quando os dados coletados foram colocados em exame, sendo analisados conforme arcabouço teórico que esses conceitos oferecem para esse tipo de leitura, foi possível categorizar esse material compreendendo a existência de um campo que manifesta no seu interior um conjunto de agentes sociais específicos, objetos que estão postos em concurso, como capitais efetivos que organizam a estrutura de posições dessa esfera e um conjunto de práticas produzidas e reproduzidas que podem alterar ou manter o ordenamento estrutural de posições dos seus integrantes.

  • 1
    Este artigo é desdobramento de tese de doutorado. VALERIO, Danilo Lutiano. A institucionalização do Comitê Paralímpico Brasileiro e o Campo Esportivo Paralímpico do Brasil: uma análise a partir das categorias de Campo, Capital e Habitus. 2022. 270 p. Tese (Doutorado em Educação Física) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação Física, Campinas, SP. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12733/6493. Acesso em: 15 jan. 2024.
  • 2
    A edição dos Jogos Paralímpicos de Verão de Tóquio 2020 acabou acontecendo no ano de 2021 devido a pandemia mundial do novo Corona Vírus (Covid-19) (Valerio, 2022VALERIO, Danilo Lutiano. A institucionalização do Comitê Paralímpico Brasileiro e o campo esportivo paralímpico do Brasil: uma análise a partir das categorias de Campo, Capital e Habitus. 2022. 270 p. Tese (Doutorado em Educação Física) - Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação Física, Campinas, SP. Disponível em: https://hdl.handle.net/20.500.12733/6493. Acesso em: 15 jan. 2024.
    https://hdl.handle.net/20.500.12733/6493...
    ).
  • 3
    O SD3 foi dirigente esportivo do CPB e atualmente é dirigente esportivo da Confederação Brasileira de Ciclismo (CBC).
  • ÉTICA DE PESQUISA

    A pesquisa seguiu os protocolos vigentes nas Resoluções 466/12 e 510/2016 do Conselho Nacional de Saúde do Brasil e foi aprovado pelo Comitê de Ética de Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual de Campinas. Número de protocolo 18245519.0.0000.5404.

COMO REFERENCIAR

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    » https://hdl.handle.net/20.500.12733/6493

Editado por

RESPONSABILIDADE EDITORIAL

Alex Branco Fraga*, Elisandro Schultz Wittizorecki*, Mauro Myskiw*, Raquel da Silveira*
*Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    03 Mar 2023
  • Aceito
    29 Nov 2023
  • Publicado
    07 Mar 2024
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Rua Felizardo, 750 Jardim Botânico, CEP: 90690-200, RS - Porto Alegre, (51) 3308 5814 - Porto Alegre - RS - Brazil
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