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MODELOS LEGISLATIVOS E SISTEMAS DE POLÍTICAS ESPORTIVAS:BRASIL E PORTUGAL EM PERSPECTIVA COMPARADA

MODELOS LEGISLATIVOS Y SISTEMAS DE POLÍTICA DEPORTIVA: BRASIL Y PORTUGAL EN PERSPECTIVA COMPARATIVA

Resumo

Este artigo aborda as normas gerais do esporte no Brasil e Portugal a partir de uma perspectiva comparativa. Parte-se do pressuposto que o esporte deve ser foco de atenção estatal e das políticas públicas como estratégia de desenvolvimento da cidadania. O objetivo principal é analisar comparativamente a legislação esportiva de Brasil e Portugal, sobretudo os atos que estabeleceram as normas gerais para este setor em âmbito nacional. Para isso, realizou-se uma pesquisa descritivo-analítica de abordagem qualitativa e abrangência exploratória, organizada a partir de trabalho de campo e análise e tratamento do material empírico e documental. A análise de conteúdo dos documentos confirmou que no Brasil o financiamento é o tema de destaque na atuação normativa do Estado, ao passo que em Portugal o exercício regulatório é a principal preocupação. Nos dois países foi possível observar o impacto dos megaeventos na esfera legislativa, com a produção de atos excepcionais.

Palavras-chave
Legislação esportiva; Brasil; Portugal; Estudo comparado

Resumen

Este artículo aborda las reglas generales del deporte en Brasil y Portugal, desde una perspectiva comparada. Se parte del supuesto de que el deporte debe ser el foco de atención estatal y de las políticas públicas como estrategia de desarrollo de la ciudadanía. El objetivo principal es analizar comparativamente la legislación deportiva en Brasil y Portugal, especialmente las leyes que establecieron las reglas generales para este sector a nivel nacional. Para ello, se realizó una investigación descriptivo-analítica con enfoque cualitativo y alcance exploratorio, organizada a partir del trabajo de campo y el análisis y tratamiento de material empírico y documental. El análisis de contenido de los documentos confirmó que en Brasil el financiamiento es el tema principal en la acción normativa del Estado, mientras que en Portugal el ejercicio regulatorio es la principal preocupación. En ambos países se pudo observar el impacto de megaeventos en el ámbito legislativo, con la producción de actos excepcionales.

Palabras clave
Legislación deportiva; Brasil; Portugal; Estudio comparativo

Abstract

This article addresses the general rules of sport in Brazil and Portugal, from a comparative perspective. It starts from the assumption that sport should be the focus of state attention and public policies as a citizenship development strategy. The main objective is to comparatively analyze the sports legislation in Brazil and Portugal, especially the acts that established the general rules for this sector at the national level. For this, a descriptive-analytical research with a qualitative approach and exploratory scope was carried out, organized from field work and analysis and treatment of empirical and documental material. The content analysis of the documents confirmed that in Brazil financing is the main issue in the State's normative action, while in Portugal the regulatory exercise is the main concern. In both countries, it was possible to observe the impact of mega-events in the legislative sphere, with the production of exceptional acts.

Keywords
Sports legislation; Brazil; Portugal; Comparative study

1 INTRODUÇÃO

Este artigo aborda, a partir de algumas comparações, as normas gerais do esporte no Brasil e Portugal. Trata-se de objeto inserido no âmbito da legislação das políticas públicas de esporte nacional, que, por sua vez, se vinculam ao contexto mais amplo no qual esses países se mobilizam para ampliar sua influência geopolítica e a participação em instâncias internacionais de concertação e decisão. Observa-se que, em função dos interesses econômicos e políticos ou da possibilidade de sua utilização como ferramenta de soft power (Castilho; Marchi Júnior, 2021CASTILHO, César Teixeira; MARCHI JÚNIOR, Wanderley. Esporte, geopolítica e relações internacionais. FuLiA/UFMG, v. 5, n. 2, p. 240–257, 2021. DOI: https://doi.org/10.35699/2526-4494.2020.20385
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) e diplomacia internacional, os Estados se aproximaram do esporte em distintos níveis de intervenção e diferentes formas de organização.

Conquanto os países da Europa Ocidental tenham adotado uma forma associativa privada na origem do esporte, essa condição teve desenvolvimento heterogêneo, respeitadas as devidas particularidades nacionais ou regionais. Burriel i Paloma e Puig (1999)BURRIEL i PALOMA, Joan Carles; PUIG, Núria. Responsabilidades y relaciones entre el sector público y el privado en el sistema desportivo. In: SUBIRATS, Joan. ¿Existe sociedad civil en España? Responsabilidades colectivas y valores públicos. Madrid: Fundación Encuentro, 1999. realizam uma separação entre uma Europa do Norte mais liberal, com os países nórdicos e anglo-saxões no topo, e uma Europa do Sul, caracterizada por maior presença do poder público no setor esportivo, representada sobretudo por Espanha, Itália, França e Portugal.

Chaker (1999)CHAKER, André-Noël. Study of national sports legislation in Europe. Strasbourg: Council of Europe Publishing, 1999., em estudo sobre a legislação e a política nacional de esporte realizado com dezenove membros do Conselho da Europa, alcança conclusão semelhante à dos autores acima, identificando a existência de dois modelos principais de legislação esportiva na Europa: o modelo intervencionista no sul e no leste e o modelo não-intervencionista no norte e no oeste da Europa.

A despeito das diferentes relações entre Estado e esporte que caracterizam o território europeu, de acordo com Ribeiro e Castro (2007)RIBEIRO E CASTRO, José. Tratado de Lisboa: o Desporto ganha estatuto no Direito Europeu. Lisboa: Associação Portuguesa de Direito Desportivo, 2007., a entrada em vigor do Tratado de Lisboa1 1 Tratado que reestruturou o funcionamento da União Europeia. Foi assinado pelos Estados-membros em 13 de dezembro de 2007 >e entrou em vigor em 1º de dezembro de 2009. , em 2009, concedeu ao esporte estatuto próprio no direito comunitário e criou abertura para a reivindicação e elaboração de normas europeias adequadas à realidade do esporte e ao modelo europeu de organização e prática esportiva.

No caso específico de Portugal, Correia (2009)CORREIA, José Pinto. Políticas públicas e desenvolvimento do desporto. In: BENTO, Jorge; CONSTANTINO, José Manuel (org.). O Desporto e o Estado: ideologias e práticas. Porto: Edições Afrontamento, 2009. localiza na organização esportiva do país uma forte intervenção promotora do Estado e pouco espaço à iniciativa da sociedade civil. De acordo com o autor, configura-se um modelo desfocado de suas responsabilidades constitucionais de garantia da promoção do esporte e da atividade física a todos, uma vez que a ação estatal se concentra no subsistema de competição ou no esporte federado.

Passando ao continente americano, nos Estados Unidos a articulação entre o Estado (federal) e o campo esportivo é hegemonizada pelas ligas profissionais. Até a década de 1960, o Estado raramente interferiu no esporte, circunscrevendo sua atuação à regulação e mediação de conflitos, cenário modificado pelo crescimento das apostas esportivas nas décadas de 1960 e 70. É um arquétipo alinhado à influência, desde o final do século XX, da lógica neoliberal como estrutura organizadora para a economia, vida política, cultural e social daquele país (Coakley, 2011COAKLEY, Jay. Ideology doesn’t just happen: sports and neoliberalism. Revista da ALESDE, v. 1, n. 1, p. 67-84, set. 2011. Disponível em: https://revistas.ufpr.br/alesde/article/view/22743. Acesso em 3 jan. 2024.
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). Todavia, Johnson e Frey (1985)JOHNSON, Arthur T.; FREY, James H. (ed.). Government and sports: the public policy issues. Totowa: Rowman & Allanheld, 1985. reconhecem que, semelhante a outros Estados nacionais, o governo dos Estados Unidos atuou no esporte mediante suas políticas econômicas e fiscais.

Como consequência de influências múltiplas advindas do continente europeu, do modelo soviético e norte-americano de organização esportiva, o Brasil consubstanciou um modelo híbrido na mediação entre Estado e esporte. Após a presença estatal significativa durante gestões autocráticas (espelhando características de países do sul da Europa) e as transformações produzidas pelo processo de liberalização esportiva na década de 1990 (influenciado pelo advento das ideias neoliberais) (Veronez, 2005VERONEZ, Luiz Fernando Camargo. Quando o Estado joga a favor do privado: as políticas de esporte após a Constituição Federal de 1988. Campinas, 2005. 370f. Tese (Doutorado em Educação Física) - Faculdade de Educação Física, UNICAMP, 2005.), atualmente o poder público brasileiro prioriza o financiamento e regulação do setor, bem como garante forte autonomia de organização e funcionamento às entidades esportivas sem corresponsabilidade pela formação ou desenvolvimento esportivo do país.

Os exemplos acima não esgotam as possibilidades de relação entre Estado e Esporte, mas foram selecionados devido sua vinculação com o recorte desta investigação. Ademais, é necessário admitir que na relação entre Estado e Esporte há uma diversidade de atores envolvidos. Giulianotti (2016)GIULIANOTTI, Richard. Sport, a critical sociology. 2. ed. UK: Polity Press, 2016., embora reconheça os limites de sua proposição, cria um tipo ideal no qual situa quatro categorias de atores políticos ligados ao esporte: (a) atores políticos "individuais" ou baseados no mercado; (b) atores políticos nacionais ou centrados na nação; (c) atores políticos internacionais; (d) atores políticos associados à humanidade (tradução livre).

Sem desconsiderar a pluralidade de atores e configurações da política esportiva nacional e que fronteiras entre público e privado nem sempre estão evidentes, a presença do Estado no esporte em maior ou menor grau é um elemento comum, aquiescida pela previsão legal do direito ao esporte nas constituições nacionais e pela responsabilização estatal em garantir ou fomentar a prática de atividades físicas e esportivas (Exemplos: Constituição da República Portuguesa de 1976 e Constituição da República Federativa do Brasil de 1988).

Na esfera internacional, o Manifesto Mundial do Esporte do ano de 1968 em seu art. 1º afirma o esporte como um direito de todos, reconhecendo a existência de outras expressões esportivas para além do alto rendimento e do espetáculo. Posteriormente, o esporte como um direito de todos é ratificado pela "Carta Internacional de Educação Física e Esportes" de 1978, publicada em 1979 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).

O Conselho Ibero-americano de Esporte, em documento de 2019, intitulado ‟El deporte como herramienta para el desarrollo sostenible”, destaca que: ‟El deporte y la recreación son derechos humanos que deben ser respetados y aplicados en todo el mundo” (Consejo Iberoamericano del Deporte, 2019CONSEJO IBEROAMERICANO DEL DEPORTE. Iberoamérica y la Agenda 2030. El deporte como herramienta para el desarrollo sostenible: Introducción conceptual y revisión de experiencias. Montevidéo: CID, 2019. Disponível em: https://www.segib.org/?document=iberoamerica-y-la-agenda-2030-el-deporte-como-herramienta-para-el-desarrollo-sostenible-parte-1. Acesso em: 3 jan. 2024.
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, p. 11).

No âmbito europeu, a Carta Europeia do Desporto de 1992, como um instrumento condutor e indutor de políticas esportivas para os países da Comunidade Europeia, baseou-se no conceito do esporte como uma atividade social e cultural de livre escolha. Destaca-se, ainda, o relatório sobre o esporte apresentado pela Comissão Europeia ao Conselho Europeu de Helsinque em dezembro de 1999, com o intuito de salvaguarda das estruturas desportivas e a manutenção da função social do esporte na União Europeia. Como consequência deste documento surge a Declaração de Nice de 20002 2 Disponível em: https://www.yumpu.com/pt/document/read/14866847/declaracao-de-nice-federacao-portuguesa-de-futebol. Acesso em: 25 jul. 2022. , que destaca as funções sociais, educativas e culturais como fundamentos da especificidade esportiva.

No caso dos países objeto deste estudo (Brasil e Portugal), o esporte como direito é acolhido por suas Constituições junto à previsão da responsabilidade estatal. A Constituição Federal do Brasil de 1988 prevê no seu artigo 217 que é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um [...]. Segundo o artigo 79 da Constituição da República Portuguesa de 1976: todos têm direito à cultura física e ao desporto, sendo responsabilidade do Estado em colaboração com outras entidades promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e o desporto, bem como prevenir a violência no desporto” (Portugal, 1976PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa. Diário da República n.º 86/1976, Série I de 1976-04-10. Lisboa: 1976.).

Considerando a forma moderna de atuação estatal, observa-se que a responsabilidade dos Estados em garantir direitos, atender necessidades sociais e responder a problemas políticos se materializa na promoção de políticas públicas e na prática normativa. Corroborando com as orientações em âmbito internacional e a constitucionalização do direito ao esporte, este texto parte do pressuposto que o esporte deve ser foco de atenção estatal e das políticas públicas como estratégia de desenvolvimento da cidadania plena.

Devido aos limites de exposição no formato de artigo, opta-se neste texto por um recorte da atuação estatal circunscrito ao exercício de sua função normativa. Canan e Starepravo (2020)CANAN, Felipe; STAREPRAVO, Fernando Augusto. O direito constitucional ao esporte em perspectiva comparada. Cuestiones Constitucionales, n. 42, p. 103-135, 2020. DOI: https://doi.org/10.22201/iij.24484881e.2020.42.14338
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, por exemplo, destacam a forte presença do direito ao esporte nas constituições de países ibero-americanos e, em especial, os lusófonos. Scheerder, Claes e Willem (2017)SCHEERDER, Jeroen; WILLEM, Annick; CLAES, Elien. Sport policy systems and sport federations: a cross-national perspective. London: Palgrave Macmillan, 2017., em quadro comparativo utilizado para analisar sistemas de política esportiva e as federações de treze países, incluem os quadros legislativos da estrutura política, inserindo as legislações esportivas específicas e não específicas, como um de seus indicadores de análise.

Face ao exposto, este artigo apresenta como objetivo principal analisar comparativamente a legislação esportiva de Brasil e Portugal, sobretudo os atos que estabeleceram as normas gerais para esse setor em âmbito nacional.

2 METODOLOGIA

Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa descritivo-analítica de abordagem qualitativa e abrangência exploratória, fundamentada no método materialista-dialético. Para estruturação e realização da pesquisa qualitativa foram percorridas as etapas do processo científico, propostas por Minayo (2013)MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 13. ed. São Paulo: Hucitec, 2013., a saber: a) pesquisa exploratória, b) trabalho de campo; e c) análise e tratamento do material empírico e documental.

A pesquisa exploratória e o trabalho de campo consistiram no procedimento de levantamento do material documental. A legislação esportiva de Portugal foi localizada no site do Instituto Português do Desporto e Juventude (IPDJ)3 3 Disponível em: https://ipdj.gov.pt/legislacao_desporto. Acesso em: 24 mai. 2022. , onde se encontra organizada por temáticas.

Ao todo foram selecionados 44 atos dentro do conjunto da legislação esportiva portuguesa. Para esta seleção foram aplicados os seguintes critérios de exclusão: a) duplicidade, excluindo normas que apareciam repetidamente em mais de uma temática dentro do site do IPDJ; b) hierarquia das normas, desconsiderando Portarias e Despachos internos expedidos pelos órgãos do setor esportivo; e, c) relevância temática, excluindo atos que se distanciavam ou tratavam indiretamente da política esportiva nacional, por exemplo, aqueles que versavam sobre a administração pública esportiva regional, condecorações esportivas e estabelecimento de datas comemorativas ou restritos a modalidades esportivas específicas, bem como leis de outras áreas em que o esporte é citado pontualmente como tema acessório.

O ordenamento legal brasileiro foi localizado no Portal da Legislação da Presidência da República via ferramenta Pesquisa da Legislação4 4 Disponível em: http://www4.planalto.gov.br/legislacao/. Acesso em: 24 mai. 2022. e teve como recorte temporal o período compreendido entre 24 de março de 1998 (promulgação da Lei Pelé) até 24 de maio de 2022 (dia de realização da busca). A resposta inicial da busca pela legislação esportiva federal brasileira retornou, a partir dos descritores esporte e desporto, respectivamente 321 e 123 resultados. Foram considerados os tipos de atos Lei Ordinária, Lei Complementar e Decreto. Como único critério de inclusão foi aplicado o filtro de Não consta revogação expressa.

Posteriormente, essa amostra inicial passou pelo processo de filtragem compreendido por quatro etapas, sendo as três primeiras condicionadas e referentes à leitura das ementas, dos preâmbulos e do texto integral. A quarta etapa consistiu na aplicação dos critérios de exclusão: a) duplicidade, excluindo atos que apareciam repetidos em ambos os descritores de busca; b) integridade da norma, desconsiderando atos que tivessem veto total; e, c) relevância temática, aplicado referência semelhante àquela descrita na legislação portuguesa. Finalizado o processo de depuração, chegou-se ao universo amostral de 56 atos.

Para a etapa de análise e tratamento do material empírico e documental recorreu-se à análise de conteúdo, que, de acordo com Bardin (2016)BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2016., é composta por três polos cronológicos, são eles: a) pré-análise; b) exploração do material; c) tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação. A pré-análise corresponde a um momento de organização. Nesta etapa estão as buscas iniciais pelos documentos, a revisão das hipóteses e objetivos inicialmente formulados no projeto de pesquisa, elaboração de indicadores (categorização) e preparação dos textos.

A leitura flutuante foi a técnica utilizada para familiarização inicial com o corpus de análise, selecionado de forma a priori em função dos objetivos estabelecidos e da representatividade dentro do universo estudado (política nacional de esporte). Após a seleção, os textos foram organizados em quatro grupos (legislação brasileira, legislação portuguesa, dispositivos brasileiros e dispositivos portugueses)5 5 Este artigo aborda apenas as duas primeiras categorias. logo transpostos para o software de análise de dados qualitativos MAXQDA Analytics Pro 2022.

Com o auxílio dessa ferramenta, realizou-se a fase de exploração do material em duas etapas. A primeira correspondeu à codificação a partir de unidades de registro temáticas e unidades de contexto em parágrafos. Posteriormente, categorizou-se o material seguindo os critérios semânticos e agrupamento nas unidades de registro e contexto. A codificação e a categorização foram balizadores para a última etapa da análise de conteúdo, o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.

3 LEGISLAÇÃO ESPORTIVA

Ao analisar a natureza e tipo dos direitos e benefícios previstos e/ou implementados no âmbito das políticas sociais brasileiras, Boschetti (2009)BOSCHETTI, Ivanete Salete. Avaliação de políticas, programas e projetos sociais. In: SERVIÇO Social: direitos sociais e competências profissionais. Brasília: CFESS; ABEPSS, 2009. destaca, entre outros fatores, a importância do reconhecimento legal de um direito para que este possa ser reclamável judicialmente. O acolhimento do direito no marco legal é comumente acompanhado pela descrição do dever estatal em garanti-lo, fundamento para o exercício do controle social democrático.

Conforme destacado anteriormente, o esporte é abrigado pelas constituições de Portugal e Brasil na condição de um direito da coletividade. Ao mesmo tempo, ambos os países possuem vigente uma lei que busca estabelecer as bases e normas gerais que regulamentam o esporte nacionalmente. Diante disso, realiza-se o levantamento e a análise das legislações nacionais que se rementem diretamente ao setor esportivo, considerando os critérios de inclusão e exclusão expostos na parte do delineamento metodológico.

3.1 NORMAS GERAIS DO ESPORTE NO BRASIL E PORTUGAL

Portugal, em momento anterior ao Brasil, possui uma das primeiras Constituições (1976) a abrigar o esporte como direito em seu artigo 79, estabelecendo que “todos têm direito à cultura física e ao desporto”. Vale destacar que o documento também se encarrega de atribuir a responsabilidade estatal, em colaboração com outras entidades, de “promover, estimular, orientar e apoiar a prática e a difusão da cultura física e o desporto, bem como prevenir a violência no desporto”.

A primeira vez que o tema do esporte aparece nas Constituições brasileiras é no ano de 1967, sob a vigência da ditadura militar, entre as competências legislativas da União (artigo 8º, XVII, “q”). No entanto, é apenas na Carta Magna de 1988 que, além de ser matéria de competência legislativa concorrente da União e dos entes federados, se prevê o “dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um” (Brasil, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.).

Santos, Carvalho e Alves (2021)SANTOS, Edmilson Santos dos; CARVALHO, Maria José Carvalho; ALVES, Alex Vieira. Políticas públicas de desporto e municípios: arcabouço legal no Brasil e em Portugal. Licere, v. 24, n. 4, p. 593–616, 2021. DOI: https://doi.org/10.35699/2447-6218.2021.37732
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afirmam que a presença da pauta da justiça social atribui ao poder central de Portugal e Brasil a responsabilidade em legislar sobre os direitos sociais, incluindo o esporte. Nesse sentido, os autores identificam que, por motivações diferentes, nos dois países há uma responsabilização estatal pelo esporte, o que se confirma nas suas constituições e na produção de leis que buscavam a regulamentação do setor.

Após o levantamento inicial e geral das normas, realizou-se processo de filtragem a partir de três etapas, sendo as duas primeiras a leitura das ementas e do preâmbulo e a última, quando necessário, do texto na íntegra, totalizando 43 normas portuguesas e 56 brasileiras, no período pós-constitucionalização do direito ao esporte.

A partir de uma primeira classificação temática dos documentos da legislação esportiva de Portugal identifica-se a proeminência da categoria “regulatória”, que aglutina mais de 60% do conjunto das normas levantadas (Gráfico 1). Neste grupo se destacam atos destinados ao estabelecimento de regimes jurídicos que normatizem o exercício profissional, como por exemplo, o caso de treinador desportivo, bem como documentos que procuram qualificar a gestão esportiva e a formação dos sujeitos a ela dedicados.

Gráfico 1
Percentuais da classificação temática da Legislação Esportiva Portuguesa.

Esse levantamento contraria os apontamentos de Godinho (2018)GODINHO, Ana Filipa Evaristo Mendes. Portugal e o modelo europeu do desporto: estatísticas e constrangimentos. Tese (Doutorado em Ciências do Desporto) - Faculdade Ciências do Desporto e Educação Física, Universidade de Coimbra. Coimbra, p. 174, 2018., uma vez que para a autora: “A falta de legislação que exija formação dirigida para a gestão do desporto na atuação em cargos de liderança no movimento desportivo Português, coaduna com uma indefinição daquilo que são as valências mínimas para o rigor que os cargos exigem” (p. 97).

Por outro lado, o destaque para a categoria regulatória corrobora com os apontamentos de Correia (2009)CORREIA, José Pinto. Políticas públicas e desenvolvimento do desporto. In: BENTO, Jorge; CONSTANTINO, José Manuel (org.). O Desporto e o Estado: ideologias e práticas. Porto: Edições Afrontamento, 2009. sobre uma tendência jurídico-normativa. Na opinião do autor, essa disposição corresponde a uma concentração do Estado na atividade legislativa e na redefinição das bases jurídicas do esporte em Portugal, fazendo prevalecer o paradigma normativo-regulador ao invés de priorizar o estabelecimento de orientações estratégicas e programas que permitam o desenvolvimento do setor.

Nesta mesma linha de argumentação, Constantino (2009)CONSTANTINO, José Manuel. De um Estado-problema a um Estado-parceiro. In: BENTO, Jorge; CONSTANTINO, José Manuel (org.). O Desporto e o Estado: ideologias e práticas. Porto: Edições Afrontamento, 2009. critica o que denomina de uma deriva normativa, baseada no julgamento de que a legislação é o fator crítico para o sucesso. Conquanto reconheça que se trata de uma opção adotada em outros países, o autor rechaça um determinismo normativo em relação à atuação estatal no setor esportivo.

Em segundo plano na classificação temática destaca-se o conjunto formado pelos atos que se referem aos “Megaeventos” e a “Infraestruturas”, que, somados, correspondem a 30% do total da legislação esportiva portuguesa. No caso da Infraestrutura, sobressaem normativos que estabelecem normas técnicas e responsabilidades pelo uso dos espaços públicos destinados à prática de atividade física e esportiva.

Em relação aos Megaeventos Esportivos, as normas criam regras excepcionais (Decretos-Lei n.º 15/2000, 284/2001, 86/2004 e 385-A/2007, Lei Orgânica n.º 2/2004) e estruturas de governança temporárias (Decretos-Lei n.º 33/2000 e 268/2001), exigências impostas ao Estado pelas entidades esportivas que administram tais eventos e que, juntamente com seus patrocinadores, detêm seus direitos. Registro semelhante ocorreu com o Brasil6 6 Sobre as regras de exceção motivadas pelo recebimento dos megaeventos esportivos no Brasil, ver site do Observatório das Metrópoles. Disponível em: https://www.observatoriodasmetropoles.net.br/megaeventos-excecao-e-apropriacao-privada/. Acesso em: 28 set. 2022. a partir da confirmação do país como sede da Copa do Mundo FIFA de 2014 e os Jogos Olímpicos e Paralímpicos RIO de 2016.

A classificação temática e codificação do conjunto da legislação esportiva brasileira resultou no Gráfico 2, com destaque para a categoria “financiamento” (32%). Esse relevo reforça uma das conclusões de Athayde et al. (2016)ATHAYDE, Pedro et al. O esporte como direito de cidadania. Pensar a Prática, v. 19, n. 2, p. 490-501, abr./jun. 2016. Disponível em: https://revistas.ufg.br/fef/article/view/34049. Acesso em: 2 jan. 2024.
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de que a legislação esportiva infraconstitucional até o ano de 2014 priorizou a ampliação das fontes de recurso para o esporte, nomeadamente na dimensão do alto rendimento.

Gráfico 2
Percentuais da classificação temática da Legislação Esportiva Brasileira.

Ao mesmo tempo, evidencia-se na legislação esportiva brasileira a presença de arcabouço jurídico de exceção para acolhimento dos grandes eventos esportivos, agrupados no código de Megaeventos (27%). Após 2016, com o encerramento dos Jogos Olímpicos, os atos mudam de objeto e se concentram na extinção ou adequação das estruturas de governança criadas especificamente para a gestão destes eventos (Lei Federal nº 13.474/2017 e Decretos nº 9.466/2018 e 9.512/2018). Resta, ainda, um grupo menor composto por instrumentos para regulamentar a atuação federal em eventos de menor projeção realizados no ano de 2019 (Decretos nº 9.786/2019 e 10.015/2019).

Para uma análise mais minuciosa foi extraída da amostra inicial o principal normativo para o setor esportivo de cada um dos países. Em Portugal, faz-se referência a Lei nº 5/2007, que aprova a Lei de Bases da Atividade Física e do Desporto (LBAFD). No Brasil, destaque para a Lei Federal nº 9.615/1998 (Lei Pelé), que institui normas gerais sobre desporto no Brasil. Com o auxílio da ferramenta MAXQDA Analytics Pro 2022 realizou-se a codificação da LBAFD e da Lei Pelé, a partir de unidades de registro temáticas e unidades de contexto do tipo parágrafos. Posteriormente, seguindo os critérios semânticos, as unidades de registro e contexto foram agrupadas.

A Figura 1 mostra a nuvem de palavras da Lei nº 5/2007, produzida pelo MAXQDA Analytics Pro 2022, adotando as ferramentas de lematizar palavras e de exclusão de conectivos e abreviaturas, bem como considerando apenas as 100 palavras de maior evidência com repetição mínima de três vezes. Este recurso visual auxilia na observação primária das unidades de registro do tipo palavra que se destacam no interior das unidades de contexto da LBAFD.

Figura 1
Nuvem de Palavras da Lei nº 5/2007.

A imagem acima coloca em destaque a especificidade da norma ao sobressair as palavras atividade física e desporto. Em um segundo plano são destacados termos relacionados ao esporte profissional ou federado de caráter competitivo, a natureza pública e a esfera de competência nacional. Incialmente é importante destacar que a Lei n.º 5/2007, diferentemente de suas versões anteriores (Leis nº 1/1990 e 30/2004), não faz menção textual em seu objeto a uma organização sistêmica do esporte português. Para Godinho (2018, p. 31)GODINHO, Ana Filipa Evaristo Mendes. Portugal e o modelo europeu do desporto: estatísticas e constrangimentos. Tese (Doutorado em Ciências do Desporto) - Faculdade Ciências do Desporto e Educação Física, Universidade de Coimbra. Coimbra, p. 174, 2018., a LBAFD mantém como seu escopo “estabelecer o quadro geral do sistema desportivo e tem por objetivo promover e orientar a generalização da atividade desportiva, como fator cultural indispensável na formação plena da pessoa humana e no desenvolvimento da sociedade.”

O processo de codificação da LBAFD resultou na matriz representada na Figura 2. Nesta representação, além de quantificados, os códigos recebem uma coloração distinta devido à frequência (semelhante à ferramenta de “mapa de calor”), sendo a gradação do vermelho (mais frequente) ao azul claro (menos frequente).

Figura 2
Matriz de códigos da Lei nº 5/2007.

A maior incidência do código “Estrutura e Gestão Esportiva” (30%) dentro do conteúdo da Lei nº 5/2007 confirma a preocupação desta Lei em organizar o sistema esportivo de Portugal. Essa atenção ocorre, notadamente, no Capítulo III dedicado ao associativismo esportivo e suas respectivas seções que definem a natureza, os direitos e obrigações das entidades esportivas.

Na sequência o código com maior proeminência (10%) é o do “Financiamento”. A presença deste assunto na Lei nº 5/2007 foi objeto de destaque no estudo de Santos, Carvalho e Alves (2021)SANTOS, Edmilson Santos dos; CARVALHO, Maria José Carvalho; ALVES, Alex Vieira. Políticas públicas de desporto e municípios: arcabouço legal no Brasil e em Portugal. Licere, v. 24, n. 4, p. 593–616, 2021. DOI: https://doi.org/10.35699/2447-6218.2021.37732
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. De acordo com os autores, falta uma melhor definição do papel do poder central no financiamento esportivo, bem como da forma como os recursos devem ser repartidos entre esfera nacional e local.

Num tema essencial à estruturação do sistema, que é o financiamento, os textos não construíram bases estruturantes: (a) de onde virá o recurso; b) qual o montante será disponibilizado à garantia e extensão do direito ao desporto; (c) quais serão as regras de sua distribuição; (d) como será o regime de coparticipações; (e) qual será a participação do desporto profissional e não profissional na partilha dos recursos

(Santos; Carvalho; Alves, 2021, p. 607).

Finalmente, aparece na terceira posição (~8,4%) o tema da “infraestrutura” (outra categoria de análise deste estudo). O artigo 8º da Lei nº 5/2007 define a política de infraestruturas e equipamentos desportivo. Nesta parte do documento, constam a obrigatoriedade na gestão territorial e a previsão de um regime de colaboração entre o Estado e as Regiões Autônomas, as autarquias locais e entidades privadas. Há, ainda, em outros trechos da Lei a preocupação que a infraestrutura seja contemplada em programas para promoção da atividade física e nas obrigações das entidades prestadoras de serviços desportivos.

O mesmo procedimento de codificação foi realizado com a Lei Federal brasileira nº 9.615/1998 (Lei Pelé), que, como informação visual inicial, apresentou a imagem abaixo.

Figura 3
Nuvem de Palavras da Lei nº 9.615/1998.

A nuvem de palavras da Lei Pelé, que institui as normas gerais do esporte no Brasil, sinaliza o peso dos atores esportivos em sua redação. Em segundo plano tem destaque as palavras ligadas ao esporte profissional e à estrutura governamental.

Um aspecto a ser destacado sobre a Lei Pelé é que a norma estabeleceu em seus artigos (Arts. 4º e 13), respectivamente, os Sistemas Brasileiro (SBD) e Nacional (SND) do Desporto. Não obstante a existência jurídico-formal do SBD e do SND, entre os anos de 2004 e 2006 ocorreram no Brasil as duas primeiras edições da Conferência Nacional do Esporte, que pautaram a questão da (re)construção de um Sistema Nacional de Esporte, partindo do pressuposto de que o SBD e SND não cumpriam adequadamente a função de uma organização sistêmica (BRASIL, 2014BRASIL. Tribunal de Contas da União. TC 021.654/2014-0: Relatório de Levantamento de Auditoria. Sistema Nacional do Desporto. Brasília: TCU, 2014.), além de não contemplar instâncias representativas das diferentes manifestações esportivas previstas na própria legislação.

A codificação do documento resultou em um total de 115 códigos, distribuídos conforme a Figura 4.

Figura 4
Matriz de códigos da Lei nº 9.615/1998.

A primeira observação em relação à Figura 4 é que ela põe em evidência o caráter regulatório da Lei Pelé. Trata-se de uma característica aguardada e desejada de uma Lei de base e que tem como objetivo estabelecer as normas gerais de regulação de um determinado setor. Os trechos contidos neste código se remetem, principalmente, ao reconhecimento de tratados internacionais, à atribuição dos órgãos de Estado, às obrigações e natureza jurídica das entidades esportivas, à regulamentação do exercício profissional de atleta (direitos trabalhistas, verbas indenizatórias, formas de contrato) e ao estabelecimento da ordem e justiça desportiva.

Chama atenção a presença significativa do código referente à “Fiscalização, Transparência e Controle Social” (~16%). Não obstante à relevância deste tema, cabe destacar que são recorrentes as denúncias de corrupção e malversação de recursos públicos envolvendo entidades de administração esportiva. Portanto, a presença dessa temática pode representar uma preocupação estatal em coibir tais práticas. Nesse sentido, este código inclui partes do documento que versam sobre mecanismos de acompanhamento e punição em razão de atos de improbidade administrativa.

Semelhante ao principal ato da legislação esportiva de Portugal, a Lei Pelé também coloca em destaque os códigos referentes à “Estrutura e Gestão Esportiva” (~15%) e ao “Financiamento” (~10%). O primeiro aglutina excertos que se remetem ao sistema esportivo de caráter federativo (Confederações e Federações), incluindo as ligas profissionais e as entidades de prática esportiva (clubes e associações).

Já a questão do Financiamento é abordada na Lei Pelé, fundamentalmente, para definição da origem, composição e destinação dos recursos públicos vinculados ao esporte. Ao mesmo tempo, estabelece regramento às entidades que estão aptas para receber a verba pública. E, mais recentemente, motivado pelas alterações da Lei Federal nº 14.205/2021, a qual regulamenta o direito de arena sobre o espetáculo desportivo.

Finalizando a parte de análise da legislação esportiva, é importante notar que as ausências na LBAFD e na Lei Pelé são tão elucidativas quanto os temas proeminentes. No caso da Lei portuguesa não foram identificados trechos que remetam aos códigos de “Transparência, Fiscalização e Controle Social”, “Doping” e “Conceituação esportiva”. No caso do primeiro, sua omissão pode sinalizar a inexistência do problema, que originaria a necessidade de acompanhamento mais próximo ou a possiblidade de abrigo por regimes jurídicos institucionais. O segundo está acolhido pela Lei n.º 38/2012, enquanto o último parece não ser uma discussão que alcance o marco regulatório, pois diferente do Brasil não é definidora da estrutura administrativa ou da distribuição dos recursos públicos.

Na Lei Pelé não há trechos que se refiram aos códigos de “Voluntariado”, “Combate à Discriminação” e “Diplomacia e relações internacionais”. É importante notar que esses temas estão fortemente vinculados ao esporte em geral e às entidades e competições esportivas em particular, incluindo os megaeventos realizados no Brasil. Em certa medida, essas omissões refletem uma falta de sintonia com a agenda internacional ou multilateral, onde tais assuntos costumam ser prioritários. Diferentemente de Portugal, onde as decisões tomadas no âmbito da União Europeia têm forte incidência no planejamento dos diferentes setores de atuação estatal, no caso do esporte brasileiro não se observa essa vinculação.

4 CONCLUSÕES

O mapeamento da legislação esportiva demonstrou que os dois países detêm uma Lei Geral, que define as bases e diretrizes para o esporte nacional. Em Portugal, após a constitucionalização do direito ao esporte, já foram editadas três versões desta Lei (1990, 2004 e 2007), além de modificações mais recentes ao texto original. No Brasil, após a primeira publicação em 1993 (Lei Federal nº 8.672/1993) e a segunda em 1998, optou-se pela manutenção da norma com alterações constantes a sua redação inicial, embora neste momento esteja em discussão no Congresso e no Senado proposta de uma nova lei geral para o setor7 7 Ver: PLS n. 68/2017 e PL n. 1825/2022. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/128465. Acesso em: 28 set. 2022. .

As normas gerais do esporte português e brasileiro abordam a organização sistêmica do esporte nacional. E, embora na legislação do Brasil a previsão do Sistema Brasileiro e Nacional de Desporto esteja clara, seu funcionamento não corresponde ao que se espera de um sistema nacional e do que apontavam as deliberações das duas primeiras edições das Conferências Nacionais de Esporte e Lazer. Por outro lado, em Portugal, mesmo com uma definição semântica mais fluida, há uma clareza sobre as competências e áreas de atuação que caracterizam o sistema português de esporte, em que pese críticas sobre o exercício delas.

A análise de conteúdo dos documentos confirmou que no Brasil o financiamento e a diversificação das fontes é o tema de destaque, ao passo que em Portugal o exercício regulatório é a principal preocupação, engendrando apontamentos sobre um excesso normativo da atuação estatal no setor esportivo. Nos dois países foi possível observar o impacto dos grandes eventos na esfera legislativa, com a produção de atos excepcionais para atendimento às exigências impostas pelas entidades detentoras dos direitos destes eventos.

A análise comparativa das legislações esportivas pode apontar tendências para o campo, bem como novos temas que instigam a atividade normativa estatal na sua relação com os demais representantes deste setor. Ao mesmo tempo, faz-se importante destacar que o Brasil passa por um novo marco regulatório do esporte, que traz, entre outras inovações ou modificações, o recrudescimento da importância de estruturação do Sistema Nacional do Esporte.

Registra-se, por fim, a necessidade da realização de estudos futuros que ampliem o escopo da análise comparativa para outras normas infraconstitucionais, que regulamentam temas ou áreas específicas do esporte, bem como incorporem os dispositivos políticos, que buscam planejar, orientar ou deliberar administrativa e politicamente as ações estatais no setor esportivo.

  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho foi realizado com apoios da Chamada MCTIC/CNPq Nº 28/2018 e Edital DPG/UnB 0008/2021.

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Editado por

RESPONSABILIDADE EDITORIAL

Alex Branco Fraga*, Elisandro Schultz Wittizorecki*, Mauro Myskiw*, Raquel da Silveira*
*Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    19 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    21 Jun 2023
  • Aceito
    13 Dez 2023
  • Publicado
    19 Fev 2024
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