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Os Fiagros, o capital fictício e a financeirização recente do agronegócio brasileiro

Les Fiagros, le capital fictif et la financiarisation récente du agrobusiness au Brésil

Resumo

Este artigo traz um balanço preliminar da constituição e da atuação recente dos Fundos de Investimento das Cadeias Agropecuárias, os Fiagros, criados em 2021. Procura-se aqui compreendê-los como parte do desdobramento de mecanismos financeiros, criados desde a década de 1990 pelo processo de securitização das dívidas do agronegócio brasileiro. Teoricamente, analisamos o atual momento pautado pela “inflação de ativos financeiros” por meio do conceito de “capital fictício” e, assim, propomos um entendimento da atual fase de “financeirização” da agricultura e da terra no Brasil. Deste modo, observamos, por meio dos Fiagros, uma renovação de promessas de valorização de produções agropecuárias entrelaçadas a “circuitos de endividamento”, pressionando para a expansão da produção e da produtividade na agricultura, muitas vezes agravando a conflitualidade no campo e reforçando uma caracterização crítica da reprodução do agronegócio brasileiro.

Palavras-chave:
Fiagros; financeirização; endividamento; crise.

Résumé

Cet article jette un regard préliminaire sur la constitution et les performances récentes des fonds d'investissement dans les chaînes agricoles, ou Fiagros, créés en 2021. Il cherche à les comprendre comme faisant partie du déploiement des mécanismes financiers créés depuis les années 1990 par le processus de sécurisation des dettes de l`agrobusiness brésilien. D'un point de vue théorique, nous analysons l'actuelle "inflation des actifs financiers" à travers le concept de "capital fictif" et proposons ainsi une compréhension de la phase actuelle de "financiarisation" de l'agriculture et de la terre au Brésil. Nous observons ainsi, à travers les Fiagros, un renouvellement des promesses de valorisation de la production agricole entrelacées avec des "circuits d'endettement", poussant à l'expansion de la production et de la productivité agricole, aggravant souvent les conflits dans les campagnes et renforçant une caractérisation critique de la reproduction de l'agrobusiness brésilien.

Mots-clés:
Fiagros; capital fictif; financiarisation; endettement; crise.

Abstract

This article takes a preliminary look at the constitution and recent performance of the Agricultural Chain Investment Funds, or Fiagros, created in 2021. It seeks to understand them as part of the unfolding of financial mechanisms created since the 1990s by the process of securitisation of Brazilian agribusiness debts. Theoretically, we analyse the current "inflation of financial assets" through the concept of "fictitious capital" and thus propose an understanding of the current phase of "financialisation" of agriculture and land in Brazil. In this way, we observe, through the Fiagros, a renewal of promises of valorisation of agricultural production interlaced with "debt circuits", pushing for the expansion of production and productivity in agriculture, often aggravating conflict in the countryside and reinforcing a critical characterisation of the reproduction of Brazilian agribusiness.

Keywords:
Fiagros; fictitious capital; financialisation; indebtedness; crisis.

Introdução

Lançados a partir da Lei n. 14.130, de 2021, derivada do marco regulatório estabelecido pela chamada Lei do Agro (Lei nº 13.986, de 2020), os Fundos de Investimentos das Cadeias Agropecuárias, ou simplesmente Fiagros, têm tido uma rápida captação de investidores, que neles buscam a extração de rendimentos oriundos da capitalização, na Bolsa de Valores de São Paulo (B3), de títulos de direitos creditórios, de participações em empresas e de direitos imobiliários relacionados ao agronegócio.

Espelhados na “engenharia financeira” dos Fundos de Investimento Imobiliários, os FIIs, criados pela Lei 8.668, de 1993, os Fiagros, como estes, têm como um dos seus atrativos a isenção de imposto de renda sobre os dividendos distribuídos para os seus cotistas. Em pouco tempo, em meio à propaganda martelada nas mídias de que o “agro é tudo”, aliada a um cenário de juros altos supostamente para conter a inflação, e com tais Fundos sendo geralmente atrelados à CDI e pagando dividendos que chegam a ultrapassar 1,5% ao mês, um agronegócio cada vez mais entrelaçado ao capital fictício vai se tornando “pop” entre investidores do mercado financeiro, não apenas investidores institucionais e assim gradativamente mais investidores pulverizados entre pessoas “comuns” de camadas médias, que buscam adquirir uma parcela de cotas de Fiagros para diversificar suas carteiras de investimentos. Rendimentos tão vantajosos tendem a ser, porém, indícios de riscos elevados. No entanto, não são apenas os investidores que assumem um risco precificado alto ao adquirir cotas de Fiagros; há algo mais amplo e mais profundamente crítico e arriscado na atual reprodução fictícia do capital e nas suas particularidades rurais e brasileiras, que procuramos abordar neste artigo.

Embora possa haver uma percepção de que a compra de cotas de Fiagros represente a aquisição de parcelas de ações dessas firmas do agronegócio, na verdade há a compra de parcelas das dívidas dessas empresas, seja com capital de custeio ou com o próprio capital fixado em terras, interpondo-se um circuito de endividamento privado financeiro novo nessas cadeias produtivas. Não se trata de um investimento direta e exatamente em commodities, mas nas dívidas necessárias para a produção de commodities, representando, portanto, diante das flutuações do mercado, das incertezas climáticas, econômicas e jurídicas, uma arriscada gestão das dívidas acumuladas. Há, com isso, uma precificação das expectativas de rendimentos futuros que são negociadas com investidores que passam a partilhar, no presente, a propriedade desses rendimentos atrelados às produções agropecuárias futuras de commodities. Desse modo, essa hipoteca da promessa de valorização (Kurz, 2019KURZ, R. A ascensão do dinheiro aos céus: os limites estruturais da valorização do capital, o capitalismo de cassino e a crise financeira global. Geografares, v. 28, p. 55-115, 2019.) desdobra um mercado de ativos financeiros, dentre eles a própria terra, que antecipam a produção de mercadorias e os processos de trabalho, movendo uma expansão endividada do agronegócio. Ou sua mera reiteração crítica.

O presente artigo começa por trazer uma abordagem sobre o desdobramento do “capital fictício”, em Marx (1986)MARX, K. O Capital - crítica da Economia Política. Vol. IV. São Paulo: Nova Cultural, 1986., a partir do entrelaçamento entre o capital portador de juros e o capital dito funcionante, no qual a emergência de “letras de câmbio” sugere uma inversão entre o real significado da produção de mercadorias, que estariam a reboque da circulação destas novas formas de dinheiro. A ampliação do significado de capital fictício para além de expedientes contábeis encontra na abordagem de Kurz (2019)KURZ, R. A ascensão do dinheiro aos céus: os limites estruturais da valorização do capital, o capitalismo de cassino e a crise financeira global. Geografares, v. 28, p. 55-115, 2019. uma sugestiva interpretação da sua centralidade na maneira como a reprodução social vem se dando criticamente, sobretudo a partir dos anos 1970, pela criação de “circuitos de endividamento” cada vez maiores que têm nos mercados financeiros uma nova faceta e escala, na qual se opera o descolamento em relação aos processos de valorização do valor, eles mesmos “dessubstancializados” pela tendência imanente de expulsão do trabalho vivo dos processos produtivos.

Por sua vez, deriva desta linha de pensamento a análise de Pitta (2016)PITTA, F. T. As transformações na reprodução fictícia do capital na agroindústria canavieira paulista: do Proálcool à crise de 2008. São Paulo, 2016. Tese (doutorado em Geografia). FFLCCH-USP. sobre a maneira como o boom das commodities se concretizou no agronegócio sucroenergético. Para ele, a abertura de capitais e os adiantamentos diversos de dinheiro por meio de novos mecanismos financeiros colocavam o capital fictício como determinação da pressão para o aumento de área produzida, de produção e de produtividade de cana-de-açúcar, de açúcar e de etanol. De certo modo, relacionamos essa determinação, embora os pressupostos teóricos divirjam, com a proposição de entendimento da financeirização como sendo pautada pela “inflação de ativos financeiros”, conforme a proposição de Coutinho e Belluzzo (1998)COUTINHO, L & BELLUZZO, L. G. ‘Financeirização’ da riqueza, inflação de ativos e decisões de gasto em economias abertas. Economia e Sociedade, Campinas, (11): 137-50, dez. 1998..

Destes pressupostos teóricos, elaboramos uma contextualização histórica do surgimento de novos mecanismos financeiros, a partir de uma ampla reestruturação da economia brasileira, nos anos 1990, por meio do processo de securitização das dívidas do agronegócio. Nesse bojo, os mecanismos em questão surgem como parte de novos “circuitos de endividamento” (Kurz, 2019KURZ, R. A ascensão do dinheiro aos céus: os limites estruturais da valorização do capital, o capitalismo de cassino e a crise financeira global. Geografares, v. 28, p. 55-115, 2019.) financeirizados, dentro dos quais observamos a constituição e recente operacionalização dos Fiagros, a partir de 2021.

Fazemos, assim, um levantamento dos Fiagros ativos em agosto de 2023 e dos seus recentes problemas tanto de ordem socioambiental como de ordem econômica, mostrando como na visão fetichista do mercado financeiro as prioridades são decididamente invertidas, à medida que a “violência extraeconômica” (Marx, 1985MARX, K. O Capital - crítica da Economia Política. Vol. I. São Paulo: Nova Cultural, 1985.) de casos relatados de grilagem, invasão de terras indígenas, infrações ambientais e ocorrência de trabalho análogo à escravidão é praticamente ignorada e seguramente subavaliada nas cotações da Bolsa. Diferentemente dos casos de defaults, inadimplências, com atrasos de pagamentos a stakeholders, que geram imediatamente quedas nas cotações. Ao final, abordamos ainda os casos de Fiagros especializados na comercialização da terra como ativo financeiro, enxergando neles uma nova rodada de financeirização da agricultura e da terra, para além dos casos recentes de aparição de imobiliárias transnacionais financeirizadas (Pitta, Cerdas & Mendonça, 2018). Também quanto a estes Fiagros, porém, indicamos a ocorrência de “circuitos de endividamento” novos e financeirizados que tendem a levar à mobilização da propriedade fundiária e, assim, promover novas e mais críticas centralizações de capitais (Marx, 1985MARX, K. O Capital - crítica da Economia Política. Vol. I. São Paulo: Nova Cultural, 1985.).

O capital fictício e a financeirização recente do campo brasileiro

Ampliando o entendimento do capital fictício

No capítulo que Karl Marx dedica ao “capital fictício” n’O Capital (MARX, 1986MARX, K. O Capital - crítica da Economia Política. Vol. IV. São Paulo: Nova Cultural, 1986., Livro III, cap. 25), ao lidar com uma série de economistas e agentes do capital bancário do século XIX que tratavam das chamadas “letras de câmbio”, há uma nota de rodapé na qual o tradutor da obra indica que Marx chamava essas práticas de duplicatas de mercadorias de “capital fingido” (fingiertes Kapital), provavelmente reservando a expressão “capital fictício” (fiktives Kapital) para um conceito mais amplo (Marx, 1986MARX, K. O Capital - crítica da Economia Política. Vol. IV. São Paulo: Nova Cultural, 1986., p. 302).

Olhando especificamente para o movimento do dinheiro em sua época, Marx sugeria que a função do dinheiro como meio de pagamento (ver Marx, 1985MARX, K. O Capital - crítica da Economia Política. Vol. I. São Paulo: Nova Cultural, 1985., Livro I, cap. 3) se antepunha às demais, à medida que mercadorias são vendidas com promessa de seu pagamento no futuro. A letra de câmbio formalizava essa promessa e circulava, até o dia do seu vencimento, como dinheiro comercial. Enquanto isso, letras de câmbio se anulavam na compensação de créditos e débitos e, nesse momento, efetivamente pagavam como se fossem dinheiro de fato. Na Inglaterra da época, centro do capitalismo mundial, o dinheiro de crédito já tinha nas letras de câmbio seu principal instrumento de circulação. O preço expresso nas notas emitidas pelos bancos e nas letras de câmbio superava em quase dez vezes o montante de ouro disponível. O banqueiro de York, W. Leather, ao comentar o possível descolamento desse movimento de papéis em relação aos negócios “reais”, sugeria a Marx o uso do conceito:

É impossível decidir quantas delas provêm de negócios reais, por exemplo de compras e vendas reais, e que parte é feita artificialmente (fictitious) e consiste apenas em papagaios, isto é, letras que são emitidas para recolher letras circulantes antes do vencimento e criar, assim, pela produção de meros meios de circulação, capital fingido (Marx, 1986MARX, K. O Capital - crítica da Economia Política. Vol. IV. São Paulo: Nova Cultural, 1986., p. 301-302).

Como se vê, a noção de capital fictício aí expressava uma prática corriqueira das intermediações bancárias e entre as empresas, aparentemente a serviço das contabilidades complexas da época1 1 O desenvolvimento do sistema bancário representava um desenvolvimento do sistema de crédito. Remetendo às palavras de outro banqueiro da época, crédito é confiança, mas confiança se transfere, e o endosso de letras de câmbio por casas bancárias e firmas socialmente reconhecidas reforçava o seu movimento. O entrelaçamento entre o sistema bancário e a indústria da época permitia ampliar a conceituação acima. Afinal, também o sistema bancário consiste numa centralização dos “fundos de reservas” de toda a sociedade, o que potencializa o desenvolvimento do comércio de dinheiro e, por meio dos empréstimos que realiza, potencializa o desenvolvimento do comércio de mercadorias. Assim, o dinheiro de todas as classes da sociedade pode, por ser depositado no sistema bancário, ser emprestado mediante o pagamento de juros, e, desse modo, o dinheiro aí se multiplica. Porém, o dinheiro também se multiplica, como se quer aqui sugerir, pela emissão de notas bancárias e por duplicatas de títulos de propriedade e de mercadorias. , mas logo viria a se desdobrar, na análise de Marx, num processo de inversão que muito nos interessa. Para ele, a promessa da produção de mercadorias expressa nas letras de câmbio permitia o adiantamento do dinheiro que se esperava obter com sua venda, o que estimulava um processo de inversão no qual se perdia a noção ingênua de que o dinheiro apenas medeia o acesso a mercadorias, para se evidenciar que, antes, são as mercadorias que servem para acessar e multiplicar o dinheiro. Quanto maior a facilidade com que se pode obter adiantamentos sobre mercadorias (ainda) não vendidas ou nem sequer produzidas, tanto mais esses adiantamentos eram tomados e tanto maior a tentação de fabricar mercadorias ou lançar as já fabricadas em mercados distantes, somente para obter sobre elas de início adiantamentos em dinheiro2 2 No capítulo em questão, Marx analisava duas situações em que uma verdadeira “ficção” aí delineada se desdobrava nos anos 1840, que aliás permitem paralelos ao chamado boom das commodities (2003-2008) e mesmo depois. A primeira dizia respeito à corrida no verão de 1844 por ações de companhias ferroviárias, que elevou o preço das mesmas, assim como nas aberturas de capitais de empresas do agronegócio nos anos 2000 (Boechat, 2020). O frenesi com a compra de ações fez aumentar seus preços e estimulou a expansão das companhias, mas, quando houve dificuldades para pagar os adiantamentos feitos, novos créditos tiveram que ser tomados para realizar os pagamentos. O pagamento de adiantamentos com novos adiantamentos indica um desdobramento a mais de um dinheiro que se torna mais dinheiro sem necessariamente passar pela produção de mercadorias, nas quais nessas últimas potencialmente se exploraria trabalho alheio e se extrairia mais-valor. A segunda situação tratava do comércio entre a Inglaterra e as Índias Orientais, no qual tanto os comerciantes ingleses como os indianos e chineses levantavam letras de câmbio ao embarcar suas mercadorias, adiantando o seu pagamento e retroalimentando a produção, que ia assim saturando ambos os mercados de crédito e de mercadorias: “[…] não se sacava mais letras de câmbio por ter comprado mercadorias, mas se comprava mercadorias para poder sacar letras descontáveis, conversíveis em dinheiro” (Marx, 1986, p. 309). (Marx, 1986MARX, K. O Capital - crítica da Economia Política. Vol. IV. São Paulo: Nova Cultural, 1986., p. 307).

Fábio T. Pitta (2016PITTA, F. T. As transformações na reprodução fictícia do capital na agroindústria canavieira paulista: do Proálcool à crise de 2008. São Paulo, 2016. Tese (doutorado em Geografia). FFLCCH-USP., p. 108), ao pensar o agronegócio sucroenergético dos anos 2000 e 2010, entende o capital fictício, em Marx, como “possibilidade lógico-crítica dos desdobramentos do capital portador de juros”, à medida que as letras de câmbio duplicam as promessas de pagamento e promovem a inversão de que, quanto maior a produção, maior se torna o acesso a adiantamentos. A análise de Pitta (2016PITTA, F. T. As transformações na reprodução fictícia do capital na agroindústria canavieira paulista: do Proálcool à crise de 2008. São Paulo, 2016. Tese (doutorado em Geografia). FFLCCH-USP., p. 111) indica que as cédulas de produto rural (CPRs), os bônus da dívida das empresas, os adiantamentos sobre contratos de câmbio (ACCs), os adiantamentos sobre cambiais entregues (ACEs) e os pré-pagamentos de exportação (PPEs) são exemplos atuais de letras de câmbio. Adicionamos aqui, a partir do caso do principal título sobre direitos creditórios negociados pelos Fiagros, as cédulas de recebíveis do agronegócio (CRAs). Assim, a ficcionalização da produção diz respeito a um dinheiro creditício, que paga juros a seus portadores e que eventualmente passa pela produção das mercadorias agropecuárias, mas que não necessariamente valoriza o valor:

A necessidade de penhorar diversas safras futuras, com produção sempre crescente, permite-nos justamente observar que a expansão da produção de açúcar por parte da usina visa pagar dívidas anteriores com nova produção e esta está determinada criticamente por aquela. O ACC, portanto, é muito próximo à letra de câmbio (Pitta, 2016PITTA, F. T. As transformações na reprodução fictícia do capital na agroindústria canavieira paulista: do Proálcool à crise de 2008. São Paulo, 2016. Tese (doutorado em Geografia). FFLCCH-USP., p. 112).

Porém, essa determinação do endividamento, aqui tratado sobre a produção de cana, açúcar e etanol não se restringia nem a este setor nem ao momento analisado pós-crise de 2008, sendo mesmo anterior a isso, num endividamento que passava pela dívida externa do Brasil (Pitta, Boechat & Toledo, 2016PITTA, F. T.; TOLEDO, C. de A.; BOECHAT, C. A. A Territorialização do Capital da Agroindústria Canavieira Paulista, ao Longo do Proálcool (1975-1990). Continentes, n. 9, p. 25-56, jul. 2016.), o que amplia socialmente a noção de capital fictício como fundamento do agronegócio, para além das possibilidades de “fingir” contabilmente a reprodução das firmas: “Sugerimos que uma das possibilidades contraditórias e críticas dos processos de acumulação, sua ficcionalização, tenha se tornado o fundamento da própria reprodução capitalista” (Pitta, 2016PITTA, F. T. As transformações na reprodução fictícia do capital na agroindústria canavieira paulista: do Proálcool à crise de 2008. São Paulo, 2016. Tese (doutorado em Geografia). FFLCCH-USP., p. 113). Pitta (2016)PITTA, F. T. As transformações na reprodução fictícia do capital na agroindústria canavieira paulista: do Proálcool à crise de 2008. São Paulo, 2016. Tese (doutorado em Geografia). FFLCCH-USP. faz uma tal sugestão a partir do desdobramento do conceito de capital fictício proposto por Robert Kurz (2019)KURZ, R. A ascensão do dinheiro aos céus: os limites estruturais da valorização do capital, o capitalismo de cassino e a crise financeira global. Geografares, v. 28, p. 55-115, 2019..

Kurz (2019)KURZ, R. A ascensão do dinheiro aos céus: os limites estruturais da valorização do capital, o capitalismo de cassino e a crise financeira global. Geografares, v. 28, p. 55-115, 2019. retoma o movimento do Livro I ao III d’O Capital, de Marx, para mostrar as possibilidades de se descolar o entrelaçamento - expresso no circuito D(a)-D(b)-M-D’(b)-D’(a) - do capital portador de juros (“a”), que empresta dinheiro (D) mediante o pagamento de um preço (juros), para o capital funcionante (“b”), produtor de mercadorias (M) pela exploração do trabalho abstrato geradora de mais-valor, que assim toma (“b”) o empréstimo e deve dividir o seu lucro com o pagamento de juros (ao capital “a”). O referido descolamento entre os circuitos do capital portador de juros e o do capital funcionante, para Kurz (2019)KURZ, R. A ascensão do dinheiro aos céus: os limites estruturais da valorização do capital, o capitalismo de cassino e a crise financeira global. Geografares, v. 28, p. 55-115, 2019., pode ocorrer por uma produção malfadada, que não pôde ser vendida e, assim, não pode pagar os adiantamentos. Pode ocorrer também quando os empréstimos são consumidos improdutivamente, não revertidos numa produção de mercadorias que extraia mais-valor. Mas a “ficção” se efetiva mesmo apenas quando um novo empréstimo é realizado para pagar outro anteriormente feito, o que não ocorre somente no nível individual, mas, como vemos, vem se tornando uma prática social reiterada, na qual:

[…] o sistema financeiro empurra uma montanha sempre crescente de dinheiro creditício “sem substância”, tratado “como se” passasse por um processo real de valorização, embora seja apenas ficcionalizado. Assim, o nexo entre trabalho abstrato e dinheiro se prolonga tanto que a não coincidência das duas formas fenomênicas não se mostra de imediato, sendo de algum modo “adiada”. Contudo, a cadeia fictícia de prolongamentos acabará por se romper, ou seja, a meta remuneração de juros do movimento D-D’ alcançará o seu limite, crescida para além de seu conteúdo substancial (Kurz, 2019KURZ, R. A ascensão do dinheiro aos céus: os limites estruturais da valorização do capital, o capitalismo de cassino e a crise financeira global. Geografares, v. 28, p. 55-115, 2019., p. 58).

Ao lado do sistema financeiro, entretanto, a questão se complexifica nessa reprodução fictícia à medida que o trabalho se modifica a si mesmo, tornando-se por meio da cientificização mais produtivo e tecnificado. O processo de aumento da composição orgânica (Marx, 1986MARX, K. O Capital - crítica da Economia Política. Vol. IV. São Paulo: Nova Cultural, 1986.) dos capitais, como é evidente no caso de processos de mecanização do trabalho agrícola, vem se generalizando desde a expansão do fordismo, mas adquire novas conotações com a Revolução da Microeletrônica e as dificuldades crescentes de haver compensações, nas quais os trabalhadores desempregados de um setor possam migrar a outro (Pitta, Leite & Kluck, 2020PITTA, F. T.; LEITE, A. C. G.; KLUCK, E. G. J. O Boom e Estouro da Bolha das Commodities no Século XXI e a Agroindústria Canavieira Brasileira: da Mobilização à Crise do Trabalho. Revista NERA, v. 23, n. 51, p. 41-63, jan.- abr., 2020.). A migração do trabalho para o setor de serviços, a promover a circulação de mercadorias, esconde, todavia, um estreitamento do campo de extração da mais-valor social. Desse modo, a real compensação da expansão do fordismo estava na ampliação (também territorial) da produção, para com o aumento das vendas compensar a diminuição de mais-valor extraído por mercadoria produzida (Harvey, 2011HARVEY, D. O enigma do capital e as crises do capitalismo. São Paulo, Boitempo, 2011.). Mas a escala da produção e o nível de produtividade requerem endividamentos cada vez maiores, saturam rapidamente quaisquer mercados e exploram proporcionalmente cada vez menos trabalho vivo. Evidentemente, é ao Estado que se recorre para a realização de investimentos que as firmas se esquivam de fazer e para manter de pé o mínimo de coesão social. Desde infraestruturas de circulação à sustentação de aparatos de juridificação, de educação, saúde e reciclagem dos trabalhadores, passando pelas mitigações dos impactos ambientais das produções de mercadorias, até chegar aos subsídios, ao protecionismo da indústria nacional e aos incentivos diretos (Kurz, 1999KURZ, R. Os últimos combates 5. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.).

Criou-se, assim, uma situação completamente nova: o problema das “finanças estatais” e, portanto, do “capital fictício” na forma do crédito estatal já não dizem respeito só ao aparelho estatal, mas dele também depende a própria vida social organizada segundo a forma-mercadoria. […] O processo em que massas cada vez maiores de trabalho futuro são hipotecadas e ‘capitalizadas’, o nutrir-se vampirescamente do futuro abarca agora, tanto a reprodução do capital, quanto a reprodução do Estado, se interligando as duas formas de dependência do crédito” (Kurz, 2019KURZ, R. A ascensão do dinheiro aos céus: os limites estruturais da valorização do capital, o capitalismo de cassino e a crise financeira global. Geografares, v. 28, p. 55-115, 2019., p. 75).

De todo modo, vemos como a constituição de “circuitos de endividamento” (Kurz, 2019KURZ, R. A ascensão do dinheiro aos céus: os limites estruturais da valorização do capital, o capitalismo de cassino e a crise financeira global. Geografares, v. 28, p. 55-115, 2019.) passa, assim, pelo sistema financeiro e seus mecanismos, concebidos como “ativos financeiros” que esperam ter seus preços inflacionados, independentemente dos movimentos do dinheiro pelos circuitos produtivos. Retomando as indicações de Marx (1986)MARX, K. O Capital - crítica da Economia Política. Vol. IV. São Paulo: Nova Cultural, 1986., Kurz (2019)KURZ, R. A ascensão do dinheiro aos céus: os limites estruturais da valorização do capital, o capitalismo de cassino e a crise financeira global. Geografares, v. 28, p. 55-115, 2019. e Pitta (2016)PITTA, F. T. As transformações na reprodução fictícia do capital na agroindústria canavieira paulista: do Proálcool à crise de 2008. São Paulo, 2016. Tese (doutorado em Geografia). FFLCCH-USP., sobre a centralidade do “capital fictício” na reprodução social capitalista, podemos agora avaliar a sua implicação sobre um processo de “financeirização” da agricultura em seus aspectos críticos.

A reprodução crítica do capital no campo e seus novos mecanismos financeiros

Coutinho e Belluzzo (1998COUTINHO, L & BELLUZZO, L. G. ‘Financeirização’ da riqueza, inflação de ativos e decisões de gasto em economias abertas. Economia e Sociedade, Campinas, (11): 137-50, dez. 1998., p. 137-139) buscam verificar a maneira como a “inflação de ativos financeiros”, esses direitos de propriedade sobre rendas futuras do capital, alterou, desde o início dos anos 1980, a expectativa quanto ao “ritmo” do “enriquecimento”, acelerando-o, ao mesmo tempo em que se alterou a própria percepção qualitativa de “riqueza”, que passou a incluir esses ativos nos patrimônios típicos de famílias de renda média e na gestão de empresas, de maneira que as decisões econômicas em geral passaram a ser condicionadas pela taxa de juros vigente. A taxa de juros se torna, assim, a expressão das expectativas de variação dos preços e, pois, da “liquidez” dos ativos financeiros. O desenvolvimento de “inovações” financeiras e a informatização do mercado catapultou para cima o volume de transações com prazos cada vez mais curtos, o que: “combinadas com a alavancagem baseada em créditos bancários, explicam o enorme potencial de realimentação dos processos altistas (formação de bolhas), assim como os riscos de colapso no caso de movimentos baixistas” (Coutinho & Belluzzo, 1998COUTINHO, L & BELLUZZO, L. G. ‘Financeirização’ da riqueza, inflação de ativos e decisões de gasto em economias abertas. Economia e Sociedade, Campinas, (11): 137-50, dez. 1998., p. 138).

Assim, um contexto crítico muito amplo da reprodução social capitalista vem se desdobrando desde os anos 1970, na economia mundial (Harvey, 2011HARVEY, D. O enigma do capital e as crises do capitalismo. São Paulo, Boitempo, 2011.; Kurz, 2019KURZ, R. A ascensão do dinheiro aos céus: os limites estruturais da valorização do capital, o capitalismo de cassino e a crise financeira global. Geografares, v. 28, p. 55-115, 2019.; Roberts, 2016ROBERTS. M. The Long Depression. Haymarket Books, Chicago, 2016.), e dentro dela na particularidade brasileira, de modo que a própria modernização da agricultura também tem em sua gênese uma marca indelével de crise e tentativa de superação da mesma, produzindo em seu desdobramento aspectos igualmente críticos do ponto de vista socioeconômico e ambiental (Delgado, 2012DELGADO, G. C. Do capital financeiro na agricultura à economia do agronegócio: mudanças cíclicas em meio século (1965-2012). Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012.). Forjada em meio ao esgotamento de uma fase da industrialização nacional, conduzida por meio da substituição de importações (Tavares, 1972TAVARES, M. da C. Da substituição de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar, 1972.); num primeiro momento, a transformação radical das formas de reprodução no campo passava pelo aporte massivo de crédito farto, embora desigualmente direcionado, realizado pelo Sistema Nacional de Crédito Rural, criado pela Lei no. 4.829, de 5 de novembro de 1965, paralelamente à manutenção do monopólio parcial sobre as terras, cujo acesso passava a ser mediado ou pela grilagem no Incra ou pelos grandes projetos de concessão no período (Delgado, 1985DELGADO, G. C. Capital financeiro e agricultura no Brasil: 1965 - 1985. São Paulo: Ícone Editora e Editora da Unicamp, 1ª edição, 1985.; Silva, 1982SILVA, J. G. da. Progresso técnico e relações de trabalho na agricultura. São Paulo: Hucitec, 1982.).

O pacote tecnológico e petroquímico da “Revolução Verde” era, assim, adquirido por financiamentos públicos para determinados fazendeiros, pecuaristas e empresários, propiciando uma reestruturação ampla dos processos produtivos, na qual a expulsão de moradores e agregados que viviam e trabalhavam no interior das propriedades rurais levava à sua substituída pelo trabalho precário e geralmente informalmente assalariado de migrantes temporários, numa espécie de instalação parcial de um fordismo à brasileira no campo (Boechat, 2014; Boechat, Toledo & Pitta, 2019; Boechat et al., 2023BOECHAT, C. A.; TOLEDO, C. A.; PITTA, F. T. & PEREIRA, L. I. Transformations of the Agricultural Frontier in Matopiba: From State Planning to the Financialisation of Land. IDS Bulletin, v. 54, n. 1, 2023, p. 17-32.). A parcela da produção agropecuária brasileira assim renovada e impulsionada pelo crédito estatal permitia por meio da “geração de divisas”, numa escala maior, a rolagem da dívida externa brasileira, necessária para a própria política de industrialização do pós-guerra, o que se mostrou insuficiente perante um aumento das taxas de juros dos EUA no fim dos 1970, jogando não só o Brasil como muitos outros países numa duradoura recessão (Boechat, 2022).

Guilherme Delgado (2012)DELGADO, G. C. Do capital financeiro na agricultura à economia do agronegócio: mudanças cíclicas em meio século (1965-2012). Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012. observa a existência de um período de transição entre a crise cambial de 1982 e a de 1999, promovendo a necessidade de uma série de ajustes no modelo de crescimento econômico da época do regime militar - nos quais a geração de saldos comerciais com a exportação de produtos básicos e agroprocessados tinha papel decisivo -, passando por um “ajuste ultraliberal” nos anos 1990, com desmonte das instituições estatais da “Era Vargas”, redução do montante de crédito rural concedido, “a abertura comercial ao exterior promovendo uma queda generalizada da renda agrícola” e um endividamento crescente que causará a crise de 1999, levando à consolidação do que ele chama de “relançamento da estratégia de reprimarização do comércio externo a qualquer custo”2 2 No capítulo em questão, Marx analisava duas situações em que uma verdadeira “ficção” aí delineada se desdobrava nos anos 1840, que aliás permitem paralelos ao chamado boom das commodities (2003-2008) e mesmo depois. A primeira dizia respeito à corrida no verão de 1844 por ações de companhias ferroviárias, que elevou o preço das mesmas, assim como nas aberturas de capitais de empresas do agronegócio nos anos 2000 (Boechat, 2020). O frenesi com a compra de ações fez aumentar seus preços e estimulou a expansão das companhias, mas, quando houve dificuldades para pagar os adiantamentos feitos, novos créditos tiveram que ser tomados para realizar os pagamentos. O pagamento de adiantamentos com novos adiantamentos indica um desdobramento a mais de um dinheiro que se torna mais dinheiro sem necessariamente passar pela produção de mercadorias, nas quais nessas últimas potencialmente se exploraria trabalho alheio e se extrairia mais-valor. A segunda situação tratava do comércio entre a Inglaterra e as Índias Orientais, no qual tanto os comerciantes ingleses como os indianos e chineses levantavam letras de câmbio ao embarcar suas mercadorias, adiantando o seu pagamento e retroalimentando a produção, que ia assim saturando ambos os mercados de crédito e de mercadorias: “[…] não se sacava mais letras de câmbio por ter comprado mercadorias, mas se comprava mercadorias para poder sacar letras descontáveis, conversíveis em dinheiro” (Marx, 1986, p. 309). (Delgado, 2012DELGADO, G. C. Do capital financeiro na agricultura à economia do agronegócio: mudanças cíclicas em meio século (1965-2012). Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012., p. 77-88).

Como forma de “sair” da persistente crise das dívidas do chamado Terceiro Mundo, a reestruturação das dívidas dos 1990, no Brasil, com o saneamento de ativos bancários e renegociação de dívidas acumuladas e impagáveis de produtores junto ao Estado, deu-se junto à criação de uma nova estrutura de mecanismos financeiros privados, ao redor da Cédula de Produto Rural (CPF), de 1994, permitindo depois muitos outros mecanismos e a existência de um mercado secundário de títulos da dívida privada de capitais a eles atrelados, desdobrando assim a negociação de “ativos” financeiros ligados ao agronegócio, que correspondem a novos circuitos financeirizados de dívida privada (Pitta, 2016PITTA, F. T. As transformações na reprodução fictícia do capital na agroindústria canavieira paulista: do Proálcool à crise de 2008. São Paulo, 2016. Tese (doutorado em Geografia). FFLCCH-USP.).

Desse modo, o cenário começava a se alterar nos anos 1990, em paralelo à promulgação da Lei nº 8.929, de 22 de agosto de 1994, que institui as cédulas de produto rural (CPR) como o instrumento básico de toda a cadeia produtiva e mecanismo estrutural do financiamento privado do agronegócio. Simultaneamente, uma série de medidas para renegociar e alongar as dívidas dos produtores rurais acumuladas com o Banco do Brasil compõe um processo que será concebido como securitização das dívidas.4 Tratava-se, todavia, por meio da Lei nº 9.138, de 1995, e do Pesa - Programa Especial de Saneamento de Ativos (Resolução nº 2.471/98, do Copom) -, entre outras resoluções, de substituir as dívidas dos agricultores com o banco, que teriam se tornado inviáveis, por títulos de emissão governamental de vencimento futuro; em outras palavras, “substituir nos ativos do banco os créditos junto ao setor por títulos privados de dívida (dos produtores) junto ao Tesouro Nacional, transferindo para este o risco de inadimplência” (Silvestrini & Lima, 2011SILVESTRINI, A. D.; LIMA, R. A. S. Securitização da dívida rural brasileira: o caso do Banco do Brasil de 1995 a 2008. Revista Econ. Sociol. Rural, Brasília, v. 49, n. 4, out./dez. 2011., p. 10). Chamada de securitização, essas medidas consistiam, pois, num alongamento e reestruturação das dívidas acumuladas, evitando o colapso do sistema financeiro brasileiro. Em última instância, o fiador efetivo dessas dívidas era o Tesouro Nacional, o devedor supostamente infalível, mostrando o lastro profundo da financeirização na dívida pública. Paralelamente a isso, porém, a composição de mecanismos privados de financeirização dos ativos da agricultura brasileira envolveria de fato também o surgimento de “securitizadoras”, responsáveis pela emissão desses papéis a serem negociados no mercado financeiro secundário.

Desse modo, o financiamento da agricultura brasileira, a partir dos anos 2000, quando ocorrerá um cenário de aumento global dos preços das commodities, como se pode observar na Figura 1, seguirá ocorrendo por meio do fundo público, com a retomada do aporte de recursos no SNCR e com a abertura de linhas de crédito do BNDES destinadas aos investimentos do agronegócio. No entanto, a composição da origem dessa dívida irá se deslocar parcialmente do endividamento externo para formas desdobradas de dívida interna, possibilitando inclusive o aumento exponencial do endividamento3 3 É bom lembrar que o acesso ao crédito rural e às linhas de financiamento do BNDES exige que os tomadores estejam de posse de certidões negativas de débito (CNDs), o que não significa que as dívidas anteriormente acumuladas estejam quitadas, mas que estejam sendo roladas, isto é, administradas. (PITTA, 2016PITTA, F. T. As transformações na reprodução fictícia do capital na agroindústria canavieira paulista: do Proálcool à crise de 2008. São Paulo, 2016. Tese (doutorado em Geografia). FFLCCH-USP.; BOECHAT, 2020BOECHAT, C. A. (org.). Geografia da crise no agronegócio sucroenergético. Land grabbing e flex crops na financeirização recente do campo brasileiro. Rio de Janeiro: Consequência, 2020.).

Figura 1
Índice de evolução do preço internacional de todas as commodities (azul) e de commodities associadas a alimentos e bebidas (verde) - de setembro de 1998 a novembro de 2022.

A abertura de capital em bolsa (IPO) de diversas firmas do agronegócio aumentou consideravelmente em número no período entre 2003 e 2012 (Pitta, 2020). Nos anos 2000, grandes usinas do agronegócio sucroenergético, por exemplo, encontraram nessa estratégia uma forma de financiar suas expansões e promover uma “inflação de seus ativos” (Coutinho & Belluzzo, 1998COUTINHO, L & BELLUZZO, L. G. ‘Financeirização’ da riqueza, inflação de ativos e decisões de gasto em economias abertas. Economia e Sociedade, Campinas, (11): 137-50, dez. 1998.), aproveitando a inflação de preços internacionais do açúcar e as perspectivas de comercialização de etanol (Boechat, 2020BOECHAT, C. A. (org.). Geografia da crise no agronegócio sucroenergético. Land grabbing e flex crops na financeirização recente do campo brasileiro. Rio de Janeiro: Consequência, 2020.). A expectativa de alta dos preços de commodities inflava os ativos das empresas e pressionava, desse modo, também pelo desenvolvimento das forças produtivas, com o aprofundamento da expulsão do trabalho vivo dos processos produtivos e imensa utilização de recursos, reforçando a contradição entre valor e preço no entrelaçamento do capital fictício com a produção de commodities (Pitta, 2021PITTA, F. T. O crescimento e a crise da economia brasileira no século XXI como crise da sociedade do trabalho: bolha das commodities, capital fictício e crítica do valor-dissociação. Revista Exit!, n. 18, abril de 2021. Disponível em: http://www.obeco-online.org/fabio_pitta.pdf. Acessado em 14/02/2022.
http://www.obeco-online.org/fabio_pitta....
).

No que se refere aos novos papéis negociados em mercados secundários, a cédula de produto rural (CPR) se apresentava como um título representativo da promessa de entrega de produtos rurais, emitido por produtores rurais ou por suas associações e cooperativas. Em 2001, com a Lei nº 10.200, esse ativo passaria a poder ser liquidado financeiramente por meio das cédulas de produto rural financeira (CPR-F). A possibilidade de alavancagem por meio da emissão desses títulos, em qualquer fase da produção agrícola, embora soe como um contrato a termo, abriu caminho para uma maior interação com os mercados futuros, de derivativos. Em 2004, a Lei nº 11.076 ampliaria o rol desses mecanismos com o certificado de depósito agropecuário (CDA), o warrant agropecuário (WA), o certificado de direitos creditórios do agronegócio (CDCA), a letra de crédito agropecuário (LCA) e o certificado de recebíveis do agronegócio (CRA). São esses títulos e os do paralelo mercado financeiro imobiliário - LCI, CDCI e CRI - que são agora “empacotados” juntos num novo “produto” financeiro, os Fiagros.

As Letras de Crédito Agropecuário (LCAs) iriam se tornar nos anos 2010 e 2020 um dos mais importantes mecanismos de “financiamento” privado do agronegócio. Nos últimos anos, acompanhamos como os certificados de recebíveis do agronegócio (CRAs)4 4 “O mecanismo pelo qual se processou a desmontagem da antiga política agrícola e comercial, entre 1986 e 2003, é um capítulo relativamente obscuro do chamado reconhecimento de passivos contingentes, ou ‘esqueletos’ na linguagem popular, que na realidade significa a transferência da dívida pública mobiliária federal, de uma enorme quantidade de créditos privados contraídos junto a bancos públicos ou bancos privados, sob as condições anteriormente vigentes da política agrícola e comercial. Esses passivos foram assim transformados, mediante generosa emissão de títulos da dívida pública, tendo em vista realizar ‘securitização’ das dívidas vencidas ou perdas e desvios de estoques junto aos bancos públicos e privados. Esse processo não foi apenas para o setor rural, mas para vários setores - banco oficiais (PROES), bancos privados (PROER), fundos de pensão privados, INPS/IAPAS, BNH, setor elétrico, setor ferroviário, etc.” (Delgado, 2012, 86). também se popularizaram, como mostra a Tabela 1, que compara a evolução recente do crédito estatal com os estoques dos quatro principais novos mecanismos, CPRs, CDCAs, LCAs e CRAs. Como se pode ver, juntos os montantes destes superaram5 5 Há duplicação da contabilidade de alguns títulos, que são lastros uns dos outros e que compõem os patrimônios dos Fiagros. Ainda assim, é corrente a afirmação que o montante total desses títulos superou o Plano Safra. , nos últimos cinco anos, os do Plano Safra, que todavia também cresceu de maneira significativa.

Tabela 1
Comparação da evolução de crédito rural público e dos estoques de novos mecanismos financeiros para o agronegócio, de 2003 a 2023, em reais.

Portanto, lado a lado à retomada de recursos do SNCR, a partir de 2003, esses novos mecanismos começaram a ajudar a impulsionar a expansão (em área, em produção e em produtividade) de diversas produções agropecuárias, incluindo processos de modernização por meio da mecanização, cientifização, digitalização e a industrialização de produtos, em meio à abertura de capital em bolsa de firmas do agronegócio. No entanto, será principalmente a partir de 2013, quando os efeitos da crise de 2008 se farão sentir gradativamente mais forte no campo brasileiro, que tais mecanismos efetivamente se consolidarão, com especial destaque para um crescimento vertiginoso dos referidos montantes, a partir de 2020. Com isso, compreendemos o contexto crítico em que tais mecanismos emergem. Contexto este que é o mesmo para o surgimento dos Fiagros, que passaremos agora a descrever e a problematizar.

Os Fiagros na mobilidade do capital fictício que move o agronegócio e seus problemas

No começo de agosto de 2023, existiam 32 fundos listados na B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, sendo 27 realmente ativos, agregando em cerca de um ano e meio um patrimônio líquido de quase R$11 bilhões, adquiridos por 655 mil cotistas. Cerca de 90% deles eram investidores “comuns”, que podiam adquirir cotas cujo preço variava de por volta de R$ 10,00 até cerca de R$ 100,00, nos canais de bancos “normais”, como o Banco do Brasil (administrador do Fiagro BBGO11) e o Itaú (administrador do RURA11 e do KNCA11), ou em outros bancos e financeiras: o BTG Pactual, por exemplo, administrava sete Fiagros; a XP Investimentos, outros cinco. Para um panorama mais detalhado desse novo mercado, a Tabela 2 apresenta um levantamento que fizemos junto à Bolsa (B3) e em sites especializados, além de Relatórios Gerenciais dos próprios fundos, indicando todos os Fiagros listados em agosto de 2023, mostrando ainda o início de suas atividades, os administradores ou gestores desses fundos, os seus patrimônios líquidos registrados, em reais, o número de cotas negociadas e o número de cotistas.

Tabela 2
Fiagros negociados na Bolsa de Valores de São Paulo, em agosto de 2023, com seus patrimônios (em reais), número de cotas e cotistas.

A maior parte das carteiras de Fiagros é composta por direitos creditórios, com destaque para os Créditos de Recebíveis do Agronegócio, os CRAs, que representam créditos (o que quer dizer, dívidas contraídas) tomados por fazendas, usinas, cooperativas, distribuidoras de insumos e outras firmas do agronegócio para tocar suas atividades diversas. Há também um incipiente desdobramento de Fiagros que têm a terra como principal ativo de suas carteiras, desdobrando processos de financeirização do mercado de terras por meio de modalidades de compra das terras e arrendamento, às vezes arrendadas para o próprio antigo dono ou empresa, sempre visando a revenda futura das mesmas por um preço maior do que o inicialmente gasto. Desde fevereiro de 2023, com o intuito de diversificar os ativos e diluir os riscos de contaminação de toda a carteira pelo default de um deles, os Fiagros não precisam mais de antemão se especializar em um tipo único de ativo, podendo ser a partir de então mistos ou híbridos, ou simplesmente sendo “Fiagros”, como na nomenclatura vigente.6 6 Da mesma maneira como a diversificação de ativos é buscada na composição dos próprios Fundos, também quem investe é instado a procurar ter um portfolio de investimentos diverso, o que coloca os Fiagros dentro de um “cardápio” numa constelação de muitos ativos financeiros ofertados na Bolsa. É isso o que explica a consultora Flávia V., da XP Investimentos, entrevistada pelo Autor no início de agosto de 2023. Segundo ela, apesar da aparência de se tratar de um investimento de “renda fixa”, os Fiagros têm “renda variável”, sendo de risco moderado a alto, uma vez que os pagamentos mensais acordados oscilam e se conjugam com a variação dos próprios preços das cotas adquiridas. Perguntada o que ela acharia se colocássemos todas nossas economias em cotas de Fiagros, ela respondeu que seria “uma loucura”, devendo ser uma parcela menor entre outros “ativos” numa “carteira”. O consultor Guilherme S., da Empiricus/BTG Pactual, também entrevistado pelo Autor em agosto de 2023, afirma que costuma sugerir entre 10 e 15% de Fiagros para compor uma “carteira de renda” média para um investidor, mas que, no momento, com a perspectiva de quedas sucessivas da taxa de juros Selic e com a queda do preço das principais commodities, visível desde meados de 2022 (Figura 1), os Fiagros devem “estacionar” um pouco, passando a ser mais atraentes os Fundos de Investimos Imobiliários, os FIIs, cujos preços declinaram ao longo da pandemia, estando em expectativa de “boa capitalização”. Para ele, uma grande diferença entre os FIIs e os Fiagros é que a maior parte das empresas que tomam recursos no mercado imobiliário financeirizado são grandes empresas do varejo, de logística e etc., conhecidas do grande “público urbano”, com capital aberto e contas auditáveis, enquanto as firmas tomadoras de CRAs adquiridos pelos Fiagros, por mais que possam ser “grandes”, geralmente são de capital fechado e desconhecidas, o que obriga a “diligências” trabalhosas dos gestores desses fundos.

Na breve história desses fundos, um levantamento que fizemos de notícias e informes (Tabela 3) sobre os problemas relacionados aos tomadores de recursos ofertados pelos Fiagros mostra 31 ocorrências concretas, que vão desde casos mais “leves” de atrasos de pagamentos, inadimplências mais duradouras, suspensão de atividades produtivas e atrasos na entrega de obras até outros efetivamente mais graves e violentos de denúncias de invasão de terras indígenas, infrações ambientais e ocorrência de trabalho análogo à escravidão. Não são apenas os Fiagros menores que assumem os riscos com tomadores “problemáticos”. Muitas vezes um “problema” é partilhado por vários Fiagros, que adquiriram CRAs, CRIs ou propriedades/ativos da mesma empresa.

Uma reportagem recente veiculada pelo site The Intercept expôs o KNCA11, o maior Fiagro hoje em dia, com patrimônio líquido de R$ 1,6 bilhão, da Kinea Investimentos. O Fundo possui três CRAs no valor total de R$ 195,3 milhões, o que corresponde a 12% do seu patrimônio, emitidos para financiar as operações da Usina Rio Amambaí, em Naviraí/MS, autuada pelo IBAMA em uma série de infrações ambientais que levaram à assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta. O mesmo ocorreu com a Usina Itamarati, a UISA, de Nova Olímpia, Mato Grosso, para quem o Fundo emitiu outros dois CRAs no valor total de R$ 176,2 milhões, 11% do seu PL (PERES, 2023PERES, J. Fundos do agro impulsionam empresas com histórico de trabalho escravo e grilagem e desmatamento. O Joio e o Trigo/ The Intercept Brasil, 20/07/2023. Disponível em: https://www.intercept.com.br/2023/07/20/fundos-agro-impulsionam-empresas-com-historicode-trabalho-escravo-grilagem-desmatamento/. Acessada em 04/08/2023.
https://www.intercept.com.br/2023/07/20/...
). A Tabela 3 lista esses e outros casos relacionados a problemas entre tomadores de créditos vinculados a ativos presentes nas carteiras dos Fiagros, listados na B3:

Tabela 3
Listagem de problemas relacionados aos Fiagros, entre 2021 e 2023, especificando o Fiagro e a firma envolvida, o tipo de problema, o título relacionado, o valor (em reais) do título e a porcentagem do título no patrimônio líquido total do Fundo.

Ainda no que se refere aos ativos do mesmo Fiagro, um fornecedor da maior produtora brasileira de maçãs, a Schio Agropecuária, de Vacaria/RS, foi pego em denúncia pela prática de trabalho análogo à escravidão. O KNCA11 dispõe de um CRA junto à Schio, no valor de R$ 101,3 milhões, correspondendo a 6,22% do seu patrimônio (Dallabrida, 2022DALLABRIDA, P. Trabalho escravo em pomar que abastecia ‘líder em maçãs’ acende alerta sobre condições na colheita do fruto. Repórter Brasil, 18/07/2022. Disponível em: https://reporterbrasil.org.br/2022/07/trabalho-escravo-em-pomar-que-abastecia-lider-em-macas-acende-alerta-sobre-condicoes-na-colheita-do-fruto/. Acesso em 24/08/2023.
https://reporterbrasil.org.br/2022/07/tr...
). Além disso, fornecedores de gado da Frigol, de quem o fundo possui um CRA de R$ 62,3 milhões (4% do PL), foram pegos criando gado ilegalmente na reserva indígena Apyterewa, em São Félix do Xingu, no Pará (Alessi, 2022ALESSI, G. Gado criado ilegalmente em terra indígena no Pará abastece JBS e Frigol. Repórter Brasil, 15/09/2022. https://reporterbrasil.org.br/2022/09/gado-criado-ilegalmente-em-terra-indigena-no-para-abastece-jbs-e-frigol/. Acesso em 04 de agosto de 2023.
https://reporterbrasil.org.br/2022/09/ga...
). Assim, os ativos “problemáticos” que respondem por graves denúncias socioambientais, que compõem a carteira desse que é o maior Fiagro existente, falam por um montante nada desprezível de R$ 358,9 milhões e 33,56% do seu patrimônio líquido. Eles expressam como a violência extraeconômica (Marx, 1985MARX, K. O Capital - crítica da Economia Política. Vol. I. São Paulo: Nova Cultural, 1985.) se articula à reprodução do capital fictício desses fundos.

Como demonstra a Tabela 3, os mesmos grupos envolvidos naquelas denúncias não foram “financiados” apenas pela KNCA11. A UISA tem um outro CRA que está entre os ativos da GCRA11, o Fiagro da Galápagos, e outro ainda com a Capitania Agro Strategies, que também tem em seu Fiagro CPTR11 um CRA da Usina Rio Amambaí e outro da Frigol.

As graves denúncias em questão, envolvendo problemas ambientais, trabalhistas e territoriais, não parecem ter sido a causa de qualquer variação significativa na cotação dos preços dos referidos Fiagros, que quando muito se manifestaram em nota para se desresponsabilizar dos ocorridos e transferir a culpa para “terceiros”, evidenciando a questão do “distanciamento” inerente à lógica da rentabilidade dos investidores e as consequências reais e violentas da aplicação efetiva do dinheiro nos mercados financeiros (Clapp, 2014CLAPP, J. Financialization, distance and global food politics. The Journal of Peasant Studies, 41:5, 2014, p. 797-814.). Por sua vez, problemas econômicos que poderíamos considerar como menos graves, posto que não relacionados exatamente a infrações e violências explícitas contra o meio-ambiente e pessoas, parecem preocupar muito mais os mesmos investidores, cotistas de Fiagros.

Por exemplo, no interior da Bahia, um atraso na obtenção de licenças por parte da Agência Nacional do Petróleo (ANP) atrasou a implantação da usina Serpasa, obrigando a família Paranhos Ferreira a vender uma propriedade para recompor o Fundo de Reserva que havia sido utilizado para pagar os dividendos dos cotistas do BTAL11, do grupo BTG/Pactual, e de outros três Fiagros. A partir da postergação do pagamento do CRI Serpasa, em fevereiro de 2023, o BTAL11 sofreu uma significativa desvalorização, com sua cotação caindo de R$ 95,30, em 16 de janeiro, para R$ 81,29, em 29 de março. Com a retomada temporária dos pagamentos, a cotação depois se recuperou, chegando a R$ 97,45, em 19 de julho de 2023 (BTAL11, 2023BTAL11. BTG Agro Logística FII - BTAL11. Relatório Mensal de julho de 2023. Disponível em: https://www.btgpactual.com/asset-management/fundos-listados/BTAL11. Acesso em 25/08/2023.
https://www.btgpactual.com/asset-managem...
). A mobilização do patrimônio em propriedade fundiária evidencia o poder de cobrança do capital fictício na reprodução dos capitais atrelados ao agronegócio.

Dois Fiagros da XP Investimentos - XPAG11 e XPCA11 -, também sofreram quedas abruptas nas suas cotações com o pedido de recuperação judicial da Usina Ester, de Cosmópolis/SP, que atribuiu à seca recente e aos juros altos a queda na lucratividade e o “encarecimento do custo de financiamento das empresas” (Vital, 2023VITAL, A. Usina Ester pede recuperação judicial. JornalCana, 11/05/2023. Disponível em: https://jornalcana.com.br/usina-ester-agroindustrial-pede-recuperacao-judicial/. Acesso em 04/08/2023.
https://jornalcana.com.br/usina-ester-ag...
). Alguns meses depois de ganhar o prêmio Mastercana Brasil, de gestão, a usina revelou os limites da sua empreitada, com um endividamento acumulado de R$ 651,7 milhões, comprometendo o pagamento mensal dos CRAs, nos valores de R$ 23,7 mi e R$ 5 mi, que representavam 1,63% e 1,16% dos patrimônios do XPAG e do XPCA, respectivamente (Mendes, 2013cMENDES, L. H. (c) Usina Ester faz acordo com detentores de CRAs. The Agribuzz, 06/07/2023. Disponível em: https://www.theagribiz.com/agribuzz/usina-ester-faz-acordo-com-detentores-de-cras/. Acessado em 04/08/2023.
https://www.theagribiz.com/agribuzz/usin...
).

No entanto, não é só no agronegócio sucroenergético onde os problemas se concentram; as dívidas se multiplicam por toda a parte, e parecem se agravar e ter sua rolagem muitas vezes impossibilitada com a queda recente nos preços internacionais das commodities.

No começo de julho de 2023, muitos dos 95 mil cotistas do Fiagro VGIA11, da Valora, correram para tentar se livrar de suas cotas, diante do pedido da cooperativa gaúcha Languiru, especializada em laticínios, para suspender a execução de suas dívidas, avaliadas em cerca de R$ 800 milhões. O CRA Languiru, de R$ 50.578.537,75, correspondia a 6,15% do patrimônio do fundo. Enquanto tentava tocar as atividades em meio às cobranças dos credores, a cooperativa tentava desesperadamente agilizar uma venda de seus ativos para o fundo estatal chinês ITG Holding. O presidente Dirceu Bayer culpou os juros e o custo de capital, mas sugeriu que o problema não se concentrava na dívida bancária, permitindo uma interpretação do “peso” que os CRAs representam para o tomador desse tipo de crédito (Mendes, 2023aMENDES, L. H. (a) À venda: como estão as negociações da Languiru com chineses e credores. The Agribuzz, 06/04/2023. Disponível em: https://www.theagribiz.com/empresas/a-venda-como-estao-as-negociacoes-da-languiru-comchineses-e-credores/. Acessado em 04/08/2023
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).

Porém, ao mesmo tempo, numa ponta, em que a sócia gestora da JGP Julia Bretz, administradora dos Fiagros JGPX11 e JGPT11, alertava recentemente para um cenário de queda dos preços de commodities e aumento de custos, derrubando a lucratividade dos tomadores de Fiagros (Mendes, 2023bMENDES, L. H. (b) JGP alerta para sinal amarelo na indústria de Fiagros. The Agribuzz, 28/07/2023. Disponível em: https://www.theagribiz.com/agronegocio/jgp-alerta-para-sinal-amarelo-na-industria-de-fiagros /. Acesso em 25/08/2023.
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); na outra ponta, notícias seguem indicando o investimento em Fiagros como pagando altíssimos rendimentos, muito atrativos para os investidores (Rivas, 2023RIVAS, K. Fiagros oferecem dividendos de até 2,58% em julho; confira o ranking dos maiores pagadores. Infomoney, 27/07/2023. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/onde-investir/melhores-dividendos-fiagros-julho-2023/. Acesso em 04/08/2023.
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). Uma novidade entre estes investimentos se dá na “terra como ativo financeiro” negociada também por Fiagros, que se especializam nessa “mercadoria”, encaminhando um desdobramento do processo de financeirização da terra, como observamos a seguir.

A financeirização da terra na reprodução crítica do agronegócio

Após o estouro da “bolha imobiliária” dos subprimes nos EUA, em 2007/2008, o paralelo boom do preço das commodities, visível nos dados da Figura 1, mostraria uma faceta ainda mais crítica da “inflação de ativos” (Coutinho & Belluzzo, 1998COUTINHO, L & BELLUZZO, L. G. ‘Financeirização’ da riqueza, inflação de ativos e decisões de gasto em economias abertas. Economia e Sociedade, Campinas, (11): 137-50, dez. 1998.), expressa na falência abrupta de muitas empresas do agronegócio e na “centralização de capitais” (Marx, 1985MARX, K. O Capital - crítica da Economia Política. Vol. I. São Paulo: Nova Cultural, 1985.), que seguiram simulando a duras penas, com novos mecanismos de endividamento financeiro, uma certa “estabilidade” ligeiramente declinante entre 2011 e 2019, para quase junto à pandemia de COVID-19 e sobretudo na “reabertura” e com o início da Guerra da Rússia-Ucrânia, em fevereiro de 2022, vivenciar nova inflação de preços de commodities, aparentemente em vias de ser revertida desde o segundo semestre de 2022. A grande crise, portanto, não significou a interrupção da produção de mercadorias e seus problemas correlatos de violência e destruição, mas reforçou a ficcionalização em processo, redefinindo apostas em ativos financeiros alternativos (Pitta & Silva, 2023PITTA, F. T. & SILVA, A. A pandemia na crise fundamental do capital. Inflação global, o estouro da mais recente bolha financeira mundial e a desintegração social na particularidade do Brasil sob administração de Bolsonaro. Revista Exit!, n. 19, maio de 2023. Disponível em: www.obeco-online.org/fabio_pitta_allan_silva.htm. Acesso em 04/08/2023.
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).

Foi nesse período de recessão relativa pós-crise de 2008 - quando a partir das políticas de resgate das economias nacionais os Bancos centrais injetaram-se trilhões de dólares e se reduziram as taxas de juros visando relativamente em vão retomar os crescimentos dos PIBs (Roberts, 2016ROBERTS. M. The Long Depression. Haymarket Books, Chicago, 2016.), promovendo por sua vez uma inflação nos mercados de ações que, por fim, desaguou numa inflação geral, num cenário indesejado de estagflação, mesmo com a China reduzindo o ritmo do seu crescimento - que se deu uma “corrida mundial” por terras, ou land grabbing (Borras Jr. et al., 2012BORRAS JR., S. M.; KAY, C.; GÓMEZ, S.; WILKINSON, J. Land grabbing and global capitalist accumulation: key features in Latin America. Canadian Journal of Development Studies, v. 33, n. 4, 2012, p. 402-416.; White et al., 2012WHITE, B.; BORRAS JR, S. M.; HALL, R; SCOONES, I. & WOLFORD, W. (2012) The new enclosures: critical perspectives on corporate land deals. The Journal of Peasant Studies, 39: 3-4, 2012, p. 619-647.), com interesse crescente na terra como “ativo financeiro”, movendo processos de alta de seus preços a pautar o acirramento de violências no campo e destruição ambiental9. Relatório da S&P Global Commodity Insights, de julho de 2023, mostra que o preço médio da terra no Brasil saltou de cerca de R$ 10 mil, em 2013, para R$ 25.429,00 por hectare, em 2023 (Figueiredo, 2023FIGUEIREDO, N. Como deve ser o próximo ciclo de preços das terras agrícolas no Brasil. Globo Rural, 31/07/2023. Disponível em: https://globorural.globo.com/agricultura/noticia/2023/07/ciclo-precos-terras-agricolas-pais.ghtml . Acesso em 04/08/2023.
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). Observamos alta ainda mais expressiva nos municípios da fronteira agrícola do Matopiba (Boechat et al. 2019BOECHAT, C. A.; PITTA, F. T.; TOLEDO, C. de A. “Pioneiros” do Matopiba: a corrida por terras e a corrida por teses sobre a fronteira agrícola. Revista NERA, v. 22, n. 47, 2019, p. 87-122.; Boechat et al., 2023BOECHAT, C. A.; TOLEDO, C. A.; PITTA, F. T. & PEREIRA, L. I. Transformations of the Agricultural Frontier in Matopiba: From State Planning to the Financialisation of Land. IDS Bulletin, v. 54, n. 1, 2023, p. 17-32.).

Assim, com a alta dos preços das commodities, entre 2003 e 2014, ocorreu expansão em produção, produtividade e área para produção, por exemplo, de soja e milho, e especulação com commodities em mercados de futuros internacionais, mas foi somente após isso que imobiliárias agrícolas transnacionais, focadas nos investimentos na terra como ativo financeiro, foram formadas (Pitta, Cerdas & Mendonça, 2018). Consequentemente, os preços da terra agrícola pensada como ativo financeiro dessas corporações do agronegócio não pararam de subir, pelo menos desde 2007 (Flexor & Leite, 2017FLEXOR, G. & LEITE, S.P. ‘Land Market and Land Grabbing in Brazil During the Commodity Boom of the 2000s’. Contexto Internacional, v. 39, n. 2, 2017, p. 393-420.), mesmo em meio ao declínio dos preços das commodities observado entre 2011 e 2020 (Figura 1).

Os Fiagros foram lançados - pela Lei 14.130, de 29/03/2021 -, em meio ao governo Bolsonaro, articulados à chamada Lei do Agro, Lei 13.986, de 7/2/2020, que permite o fracionamento de hipotecas nas operações de crédito rural, e formulados por membros da Bancada Ruralista, em meio à nova ascensão de preços de commodities, verificada a partir de maio de 2020 (Figura 1). Em meio às outras características que já tratamos acima, havia ainda a perspectiva de desdobramento de Condomínios Imobiliários ou Consórcios rurais de detentores de títulos e de direitos de créditos, pulverizando a propriedade e visando a alta do preço da terra, que no entanto exigia apenas como base legal para a emissão desses títulos a autodeclaração do Cadastro de Imóveis Rurais do INCRA, sugerindo uma fragilidade a reiterar e desdobrar práticas de grilagem pressupostas e atreladas à inflação posterior da terra como ativo financeiro (Boechat et al., 2019BOECHAT, C. A.; PITTA, F. T.; TOLEDO, C. de A. “Pioneiros” do Matopiba: a corrida por terras e a corrida por teses sobre a fronteira agrícola. Revista NERA, v. 22, n. 47, 2019, p. 87-122.), inclusive com a possibilidade de maior aplicação de capitais estrangeiros num novo mercado de terras atrelado aos Fiagros (Delgado, 2021DELGADO, G. C. Condomínios imobiliários financeiros: senhas especulativas com grave ônus social. ObservaBR, 15/04/2021. Disponível em: https://fpabramo.org.br/observabr/2021/04/15/condominios-imobiliarios-financeiros-senhas-especulativas-com-grave-onus-social/. Acesso em 04/08/2023.
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).

Entrementes, as dificuldades provenientes da frustração de expectativas com o reinício da queda das commodities, a partir de meados de 2022 (Figura 1), e o alto grau de endividamento acumulado do setor, também já atingem os casos dos Fiagros que compram propriedades fundiárias para depois arrendá-las antes de uma venda futura, nas chamadas operações de land equity, buy to lease e sale-and-leaseback.

Em setembro de 2022, por exemplo, o fundo BRTA11, do BTG Pactual, especializado em terras agrícolas, liderou as perdas na B3, com a suspensão de uma recuperação de posse da fazenda Vianmancel, em Nova Maringá/MT, especializada na produção de grãos. O fundo tentava retirar o arrendatário Milton Cella, que por acaso era o antigo proprietário da fazenda, vendida em agosto de 2021 por R$ 81 milhões, representando 23% do patrimônio do BTRA11. Menos de um ano após a venda, o ex-proprietário e agora arrendatário entrou com pedido de recuperação judicial, obrigando uma redução dos pagamentos de rendimentos para os cotistas (Carvalho, 2023CARVALHO, W. FII cai quase 9% após reportar inadimplência de locatário e redução de dividendos. Infomoney, 25/07/2023. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/onde-investir/fii-btra11-dividendos/. Acesso em 04/08/2023.
https://www.infomoney.com.br/onde-invest...
). Credores do sr. Cella contestaram na Justiça a venda da propriedade para o fundo, e chegaram a até ocupar uma parte da fazenda, que teve até mesmo um silo incendiado em meio aos conflitos.

E não fica por aí. Em abril de 2023, o mesmo BRTA11 foi atrás de medidas cautelares para o arresto de grãos, máquinas, etc. e a penhora de recursos financeiros da Fazenda Campo Verde, que responde por R$ 1,839 milhão no patrimônio do fundo, produtora de soja e milho no Mato Grosso, depois da inadimplência reportada no pagamento do arrendamento pelo Grupo JR, de José Roberto Patrício. Como se não bastasse, o fundo descobriu em seguida que o Grupo JR havia feito um outro contrato repassando a posse da fazenda para a firma Felícia Administração e Participações (CLUBFII, 2023CLUBFII. Fundo BTRA11 anuncia novo problema em fazenda do Mato Grosso. Club FII, 20/04/2023. Disponível em: https://www.clubefiinews.com.br/agronegocio/fundo-btra11-anuncia-novo-problema-em-fazenda-do-mato-grosso . Acesso em 04/08/2023.
https://www.clubefiinews.com.br/agronego...
).

Porém, o caso da família Bergamasco teve ainda maior abrangência. E terminamos com ele. O mesmíssimo BTRA11 adquiriu por R$ 80 milhões a Fazenda Três Irmãos, negociando com os antigos donos, em outubro de 2021, um pagamento semestral pelo arrendamento das terras para eles mesmos, que, desde abril de 2023, suspenderam o pagamento das parcelas, forçando uma renegociação dos termos do contrato. Segundo os Bergamasco, o custo da operação, de 70 a 90 sacas de soja por hectare, é “impagável para a realidade do Mato Grosso”, com médias que variam entre 50 e 62 sacas/hectare (Augusto, 2023AUGUSTO, P. Grupo Bergamasco x BTRA11: Entenda o impasse que levou à queda do fundo imobiliário; fim dos Fiagros?. Moneytimes, 27/07/2023. Disponível em: https://www.moneytimes.com.br/grupo-bergamasco-x-btra11-entenda-o-impasse-que-levou-a-queda-do-fundo-imobiliario/. Acesso em 04/08/2023.
https://www.moneytimes.com.br/grupo-berg...
). A família também fez o mesmo negócio com a Fazenda Colibri, vendida por R$ 21 milhões para o BTRA11, compondo ambas 23% do fundo. O grupo Três Irmãos, da mesma família, também deu calote no pagamento de parcelas de um CRA que tinha negociado com a GCRA11, no valor de R$ 9,6 mi, e 5,6% do patrimônio do Fiagro da Galápagos (Tabela 3).

Os casos acima relatados indicam uma certa fragilidade da remuneração dos arrendamentos que, por sua vez, remuneram os cotistas dos Fiagros especializados em terras agrícolas. Olhando com calma, porém, vislumbramos que o endividamento acumulado de proprietários fundiários e empresários do agronegócio conduz a uma tentativa de rolagem de dívidas pela mobilização da propriedade fundiária, direcionada aos novos fundos. A inadimplência posterior, ao mesmo tempo em que revela uma lucratividade da atividade que fica aquém da remuneração dos arrendamentos e de outros elementos que compõem os pressupostos dessa produção, por sua vez esconde uma centralização de capital (Marx, 1985MARX, K. O Capital - crítica da Economia Política. Vol. I. São Paulo: Nova Cultural, 1985.) fixado em terras que se efetiva no patrimônio desses Fundos como “ativos financeiros”, cuja propriedade agora está pulverizada entre os seus muitos cotistas. Esse land grabbing sugere uma rodada nova do processo de financeirização da terra agrícola no Brasil, para além do que já vínhamos observando com a ascensão de imobiliárias agrícolas transnacionais financeirizadas.

Considerações finais

Este artigo procurou entender os Fiagros como expressão recente de um desdobramento da financeirização da agricultura e da terra no Brasil, algo que se dá de maneira inovadora e a princípio sem precedentes em relação a outros processos em curso no mundo. Por meio de uma abordagem sobre o desdobramento do “capital fictício”, em Marx (1986)MARX, K. O Capital - crítica da Economia Política. Vol. IV. São Paulo: Nova Cultural, 1986., a partir do entrelaçamento entre o capital portador de juros e o capital dito funcionante, visamos entender os “produtos financeiros” majoritariamente negociados pelos Fiagros como semelhantes às “letras de câmbio”, sugerindo uma inversão entre o real significado da produção de mercadorias, que estariam a reboque da circulação destas novas formas de dinheiro. Da mesma forma como aquelas “letras” eram vistas pelo autor como funcionando como dinheiro, vemos essas novas formas de títulos operando de modo semelhante. No entanto, há processos desdobrados.

Para além de uma nova forma de financiamento da produção, por um crédito oriundo da comercialização de um “título” representativo de uma dívida privada, há nos Fiagros a própria remuneração e avaliação do preço das cotas dos mesmos num mercado secundário que se autonomiza em relação ao crédito de custeio ou de investimento stricto sensu, produzindo dinheiro novo nesses mercados financeiros. Assim, cotistas e administradores ou gestores estão interessados tanto no pagamento das parcelas de rendimentos corriqueiros, extraídos dos tomadores de recursos, que são as firmas do agronegócio, bem como na “valorização” dos preços das cotas, que impulsiona o patrimônio líquido dos Fiagros à medida que eles são precificados na Bolsa. Essa dimensão da autonomização do capital fictício não pôde ser aprofundada neste artigo.

Por outro lado, através da ampliação do significado de capital fictício para além de expedientes contábeis, como encontrado na abordagem de Kurz (2019)KURZ, R. A ascensão do dinheiro aos céus: os limites estruturais da valorização do capital, o capitalismo de cassino e a crise financeira global. Geografares, v. 28, p. 55-115, 2019., observamos indícios, a partir de casos problemáticos que estão na base dos tomadores de recursos atrelados aos Fiagros, de uma reprodução social que vem se dando criticamente, sobretudo a partir dos anos 1970, pela criação de “circuitos de endividamento” cada vez maiores que têm nos mercados financeiros uma nova faceta e escala, na qual se opera o descolamento em relação aos processos de valorização do valor, eles mesmos “dessubstancializados” pela tendência imanente de expulsão do trabalho vivo dos processos produtivos.

Dos pressupostos teóricos sobre a “inflação de ativos” (Coutinho & Belluzzo, 1998COUTINHO, L & BELLUZZO, L. G. ‘Financeirização’ da riqueza, inflação de ativos e decisões de gasto em economias abertas. Economia e Sociedade, Campinas, (11): 137-50, dez. 1998.) e dos desdobramentos críticos do capital fictício no agronegócio sucroenergético (PITTA, 2016PITTA, F. T. As transformações na reprodução fictícia do capital na agroindústria canavieira paulista: do Proálcool à crise de 2008. São Paulo, 2016. Tese (doutorado em Geografia). FFLCCH-USP.), elaboramos uma contextualização histórica do surgimento dos novos mecanismos financeiros, que têm nos Fiagros um novo “veículo”, a partir da ampla reestruturação da economia brasileira, nos anos 1990, por meio do processo de securitização das dívidas do agronegócio. Mecanismos de negociação de títulos da dívida privada do agronegócio que desdobram novos “circuitos de endividamento” (Kurz, 2019KURZ, R. A ascensão do dinheiro aos céus: os limites estruturais da valorização do capital, o capitalismo de cassino e a crise financeira global. Geografares, v. 28, p. 55-115, 2019.) financeirizados.

O levantamento dos Fiagros ativos em agosto de 2023 buscou mostrar seus problemas tanto de ordem socioambiental como de ordem econômica, explicitando a visão fetichista do mercado financeiro. Nela, a “violência extraeconômica” (Marx, 1985MARX, K. O Capital - crítica da Economia Política. Vol. I. São Paulo: Nova Cultural, 1985.) da grilagem, da invasão de terras indígenas, de infrações ambientais e do trabalho análogo à escravidão não parece causar revolta e nem sequer quedas significativas nas cotações da Bolsa. Por sua vez, atrasos de pagamentos a stakeholders geram imediatas quedas nas cotações.

Por fim, delineamos casos de Fiagros especializados na terra como ativo financeiro, sugerindo neles uma nova rodada de financeirização da agricultura e da terra, que pode encaminhar processos de land grabbing que centralizarão parte significativa da propriedade fundiária nos mercados financeiros, implicando em transformações importantes na reprodução crítica do agronegócio brasileiro.

Assim, mesmo em meio aos casos de problemas relacionados aos tomadores de recursos, as promessas vão sendo renovadas (Bianchi, 2023BIANCHI, G. Gestor de Fiagro vê valorização de terras e aposta em investimento direto em propriedades. Suno Notícias, 09/03/2023. Disponível em: https://www.suno.com.br/noticias/gestor-fiagro-valorizacao-terras-investimento/. Acesso em 04/08/2023.
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), embora a inflação de ativos financeiros dos Fiagros vá se revelando muitas vezes insuficiente (e mesmo um peso novo) para a manutenção continuada da operação de diversos capitais atrelados ao agronegócio, que, na crise, precisam rapidamente se haver com as novas formas de cobranças que se interpõem, acirrando a concorrência e promovendo novas centralizações de capitais. A violência econômica (Marx, 1985MARX, K. O Capital - crítica da Economia Política. Vol. I. São Paulo: Nova Cultural, 1985.) do capital fictício, todavia, assim vai se revelando, enquanto se esforça para esconder e/ou ignorar suas facetas pressupostas e reiteradas de violências extraeconômicas (Marx, 1985MARX, K. O Capital - crítica da Economia Política. Vol. I. São Paulo: Nova Cultural, 1985.).

A precificação dos riscos reitera, assim, um movimento que não parece enxergar o vínculo da própria “inflação de ativos” (Coutinho & Belluzzo, 1998COUTINHO, L & BELLUZZO, L. G. ‘Financeirização’ da riqueza, inflação de ativos e decisões de gasto em economias abertas. Economia e Sociedade, Campinas, (11): 137-50, dez. 1998.) com uma modificação mais estruturalmente crítica que está em curso. Assim, as novas formas de rolagem de dívidas do agronegócio por meio do capital fictício pressionam para a continuidade de processos de territorialização do capital, muitos deles levando a graves infrações ambientais e violências contra trabalhadores e contra povos indígenas e tradicionais, na busca pelo aumento da produção e também da produtividade, como meios de pagamento das parcelas que se antecipam e exigem remuneração.

  • Como citar este artigo

    BOECHAT, Cássio Arruda. Os Fiagros, o capital fictício e a financeirização recente do agronegócio brasileiro. Revista NERA, v. 27, n. 2, e10025, abr.-jun., 2024.
  • 1
    O desenvolvimento do sistema bancário representava um desenvolvimento do sistema de crédito. Remetendo às palavras de outro banqueiro da época, crédito é confiança, mas confiança se transfere, e o endosso de letras de câmbio por casas bancárias e firmas socialmente reconhecidas reforçava o seu movimento. O entrelaçamento entre o sistema bancário e a indústria da época permitia ampliar a conceituação acima. Afinal, também o sistema bancário consiste numa centralização dos “fundos de reservas” de toda a sociedade, o que potencializa o desenvolvimento do comércio de dinheiro e, por meio dos empréstimos que realiza, potencializa o desenvolvimento do comércio de mercadorias. Assim, o dinheiro de todas as classes da sociedade pode, por ser depositado no sistema bancário, ser emprestado mediante o pagamento de juros, e, desse modo, o dinheiro aí se multiplica. Porém, o dinheiro também se multiplica, como se quer aqui sugerir, pela emissão de notas bancárias e por duplicatas de títulos de propriedade e de mercadorias.
  • 2
    No capítulo em questão, Marx analisava duas situações em que uma verdadeira “ficção” aí delineada se desdobrava nos anos 1840, que aliás permitem paralelos ao chamado boom das commodities (2003-2008) e mesmo depois. A primeira dizia respeito à corrida no verão de 1844 por ações de companhias ferroviárias, que elevou o preço das mesmas, assim como nas aberturas de capitais de empresas do agronegócio nos anos 2000 (Boechat, 2020BOECHAT, C. A. (org.). Geografia da crise no agronegócio sucroenergético. Land grabbing e flex crops na financeirização recente do campo brasileiro. Rio de Janeiro: Consequência, 2020.). O frenesi com a compra de ações fez aumentar seus preços e estimulou a expansão das companhias, mas, quando houve dificuldades para pagar os adiantamentos feitos, novos créditos tiveram que ser tomados para realizar os pagamentos. O pagamento de adiantamentos com novos adiantamentos indica um desdobramento a mais de um dinheiro que se torna mais dinheiro sem necessariamente passar pela produção de mercadorias, nas quais nessas últimas potencialmente se exploraria trabalho alheio e se extrairia mais-valor. A segunda situação tratava do comércio entre a Inglaterra e as Índias Orientais, no qual tanto os comerciantes ingleses como os indianos e chineses levantavam letras de câmbio ao embarcar suas mercadorias, adiantando o seu pagamento e retroalimentando a produção, que ia assim saturando ambos os mercados de crédito e de mercadorias: “[…] não se sacava mais letras de câmbio por ter comprado mercadorias, mas se comprava mercadorias para poder sacar letras descontáveis, conversíveis em dinheiro” (Marx, 1986MARX, K. O Capital - crítica da Economia Política. Vol. IV. São Paulo: Nova Cultural, 1986., p. 309).
  • 2
    “O segundo governo Fernando Henrique Cardoso iniciou o relançamento do agronegócio, senão como política estruturada, com algumas iniciativas que ao final convergiram: (1) um programa prioritário de investimento em infraestrutura territorial, com “eixos de desenvolvimento”, visando a criação de economias externas que incorporassem novos territórios, meios de transporte e corredores comerciais ao agronegócio; (2) um explícito direcionamento do sistema público de pesquisa agropecuária (Embrapa), a operar em perfeita sincronia com empresas multinacionais do agronegócio; (3) uma regulação frouxa do mercado de terras, de sorte a deixar fora do controle público as “terras devolutas”, mais aquelas que declaradamente não cumprem a função social, além de boa parte das autodeclaradas produtivas (...); (4) a mudança na política cambial, que ao eliminar naquela conjuntura a sobrevalorização do real, tornaria a economia do agronegócio competitiva junto ao comércio internacional e funcional para a estratégia do ajustamento macroeconômico perseguida; (5) reativa-se a provisão de crédito rural nos planos de safra, iniciado com o programa Moderfrota, e retormada com vigor no período 2003/2010 (Delgado, 2012DELGADO, G. C. Do capital financeiro na agricultura à economia do agronegócio: mudanças cíclicas em meio século (1965-2012). Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012., p. 94).
  • 3
    É bom lembrar que o acesso ao crédito rural e às linhas de financiamento do BNDES exige que os tomadores estejam de posse de certidões negativas de débito (CNDs), o que não significa que as dívidas anteriormente acumuladas estejam quitadas, mas que estejam sendo roladas, isto é, administradas.
  • 4
    “O mecanismo pelo qual se processou a desmontagem da antiga política agrícola e comercial, entre 1986 e 2003, é um capítulo relativamente obscuro do chamado reconhecimento de passivos contingentes, ou ‘esqueletos’ na linguagem popular, que na realidade significa a transferência da dívida pública mobiliária federal, de uma enorme quantidade de créditos privados contraídos junto a bancos públicos ou bancos privados, sob as condições anteriormente vigentes da política agrícola e comercial. Esses passivos foram assim transformados, mediante generosa emissão de títulos da dívida pública, tendo em vista realizar ‘securitização’ das dívidas vencidas ou perdas e desvios de estoques junto aos bancos públicos e privados. Esse processo não foi apenas para o setor rural, mas para vários setores - banco oficiais (PROES), bancos privados (PROER), fundos de pensão privados, INPS/IAPAS, BNH, setor elétrico, setor ferroviário, etc.” (Delgado, 2012DELGADO, G. C. Do capital financeiro na agricultura à economia do agronegócio: mudanças cíclicas em meio século (1965-2012). Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2012., 86).
  • 4
    Entendidos pelas firmas do agronegócio como fonte de capital de giro alternativa aos créditos oriundos do sistema bancário e alternativa ao SNCR, de acordo com a redação da Lei nº 11.076, o CRA é um “título de crédito nominativo, de livre negociação, de emissão exclusiva das companhias securitizadoras de direitos creditórios do agronegócio, representativo de promessa de pagamento em dinheiro e constitui um título executivo extrajudicial” (ver Boechat, 2020BOECHAT, C. A. (org.). Geografia da crise no agronegócio sucroenergético. Land grabbing e flex crops na financeirização recente do campo brasileiro. Rio de Janeiro: Consequência, 2020.).
  • 5
    Há duplicação da contabilidade de alguns títulos, que são lastros uns dos outros e que compõem os patrimônios dos Fiagros. Ainda assim, é corrente a afirmação que o montante total desses títulos superou o Plano Safra.
  • 6
    Da mesma maneira como a diversificação de ativos é buscada na composição dos próprios Fundos, também quem investe é instado a procurar ter um portfolio de investimentos diverso, o que coloca os Fiagros dentro de um “cardápio” numa constelação de muitos ativos financeiros ofertados na Bolsa. É isso o que explica a consultora Flávia V., da XP Investimentos, entrevistada pelo Autor no início de agosto de 2023. Segundo ela, apesar da aparência de se tratar de um investimento de “renda fixa”, os Fiagros têm “renda variável”, sendo de risco moderado a alto, uma vez que os pagamentos mensais acordados oscilam e se conjugam com a variação dos próprios preços das cotas adquiridas. Perguntada o que ela acharia se colocássemos todas nossas economias em cotas de Fiagros, ela respondeu que seria “uma loucura”, devendo ser uma parcela menor entre outros “ativos” numa “carteira”. O consultor Guilherme S., da Empiricus/BTG Pactual, também entrevistado pelo Autor em agosto de 2023, afirma que costuma sugerir entre 10 e 15% de Fiagros para compor uma “carteira de renda” média para um investidor, mas que, no momento, com a perspectiva de quedas sucessivas da taxa de juros Selic e com a queda do preço das principais commodities, visível desde meados de 2022 (Figura 1), os Fiagros devem “estacionar” um pouco, passando a ser mais atraentes os Fundos de Investimos Imobiliários, os FIIs, cujos preços declinaram ao longo da pandemia, estando em expectativa de “boa capitalização”. Para ele, uma grande diferença entre os FIIs e os Fiagros é que a maior parte das empresas que tomam recursos no mercado imobiliário financeirizado são grandes empresas do varejo, de logística e etc., conhecidas do grande “público urbano”, com capital aberto e contas auditáveis, enquanto as firmas tomadoras de CRAs adquiridos pelos Fiagros, por mais que possam ser “grandes”, geralmente são de capital fechado e desconhecidas, o que obriga a “diligências” trabalhosas dos gestores desses fundos.
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    Assim, ressaltamos que estes novos aspectos da fronteira agrícola não se restringem ao Brasil nem à particularidade do Matopiba, sendo expressão e decorrência de transformações mais amplas que têm sido compreendidas como financeirização da agricultura e da terra ou como parte do land grabbing (Fairbairn, 2015FAIRBAIRN, M. Finance and the food system. In: A. BONANNO & L. BUSCH (org.) Handbook of the International Political Economy of Agriculture and Food. Northampton: Edward Elgar Publishing, 2015.; White et al. 2012WHITE, B.; BORRAS JR, S. M.; HALL, R; SCOONES, I. & WOLFORD, W. (2012) The new enclosures: critical perspectives on corporate land deals. The Journal of Peasant Studies, 39: 3-4, 2012, p. 619-647.; Borras Jr. et al. 2012BORRAS JR., S. M.; KAY, C.; GÓMEZ, S.; WILKINSON, J. Land grabbing and global capitalist accumulation: key features in Latin America. Canadian Journal of Development Studies, v. 33, n. 4, 2012, p. 402-416.; Ouma 2014OUMA, S. Situating Global Finance in the Land Rush Debate: A Critical Review. Geoforum, v. 57, 2014, p. 162-6.; Leite 2020LEITE, S. A questão da financeirização da agricultura e da terra na América Latina: evidências a partir do caso brasileiro. In: M. Guibert, É. Sabourin (coord.). Ressources, inégalités et développement des territoires ruraux en Amérique latine, dans la Caraïbe et en Europe. Paris, Institut des Amériques/Agence française de développement/Fondation EU-LAC, 2020.; Sauer e Borras Jr. 2016SAUER, S. & BORRAS JR, S. M. “Land grabbing” e “green grabbing”: uma leitura da “corrida na produção acadêmica” sobre a apropriação global de terras. Campo-Território - Revista de Geografia Agrária, 11:23, 2016, p. 6-42.). J. Clapp (2014)CLAPP, J. Financialization, distance and global food politics. The Journal of Peasant Studies, 41:5, 2014, p. 797-814. sugere um amplo movimento de desregulamentação financeira, nos mercados financeiros e de commodities desde os anos 1980, mas sobretudo nos 1990, que atrelou o mercado futuro de derivativos dessas mercadorias a index funds que recebem aportes de investidores que aplicam suas reservas em bancos e desconhecem o destino de seus investimentos e assim se desresponsabilizam. Fairbairn (2015)FAIRBAIRN, M. Finance and the food system. In: A. BONANNO & L. BUSCH (org.) Handbook of the International Political Economy of Agriculture and Food. Northampton: Edward Elgar Publishing, 2015. afirmara que no início dos anos 2000 os commodity index funds já haviam se tornado populares, principalmente entre investidores institucionais. Visser (2015)VISSER, O. Finance and the global land rush: Understanding the growing role of investment funds in land deals and large-scale farming. Journal of Canadian Studies, v. 2., n.2., 2015, p. 278-286. apontou para uma enorme variedade de veículos (que se constituem em atores) de investimentos em commodities e em terras agrícolas, surgidos a partir da década de 2000, tais como grandes bancos de investimentos, fundos de hedge, fundos de private equite, firmas agrícolas com capital aberto em bolsa, e os trusts de investimento imobiliários (REITs), nos quais grandes empresas familiares, endowment funds, fundos de pensão e bancos de desenvolvimento internacional passaram a investir. Paralelamente, as grandes traders de alimentos, como as ABCDs (Archer Daniels Midland, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus) e outras, criaram subsidiárias financeiras para assessorar seus clientes, adiantar pagamentos, centralizar as produções, além de ter seus fundos próprios de hedge (FAIRBAIRN, 2015FAIRBAIRN, M. Finance and the food system. In: A. BONANNO & L. BUSCH (org.) Handbook of the International Political Economy of Agriculture and Food. Northampton: Edward Elgar Publishing, 2015.; ISAKSON, 2014ISAKSON, S. R. Food and finance: the financial transformation of agro-food supply chains. The Journal of Peasant Studies, v.41, n. 5, 2014.).
    Daniel e Mittal (2009) já haviam apontado que, ao contrário de uma primeira impressão de que o fenômeno do land grabbing atual partia de governos asiáticos preocupados com esta inflação de preços, eram sobretudo os investidores privados que tinham protagonismo no processo. Para De Schutter (2010)DE SCHUTTER, O. Food commodities speculation and food price crises. Genebra: FAO-ONU, 2010., os investimentos em commodities passaram a ser vistos como uma forma de minimizar os riscos dos portfólios de investidores institucionais, o que parece se transferir para os investimentos estritamente em terra. Visser (2015)VISSER, O. Finance and the global land rush: Understanding the growing role of investment funds in land deals and large-scale farming. Journal of Canadian Studies, v. 2., n.2., 2015, p. 278-286. observou que o setor financeiro mirou predominantemente terras agrícolas em economias emergentes com agricultura em larga escala e infraestrutura rural mais desenvolvida, em particular na América Latina (destaque para Brasil e Argentina) e na Europa do Leste (Romênia, Ucrânia e Rússia).
    Oliveira (2010) aliás fez duras críticas a se pensar o land grabbing no Brasil por meio da noção de “estrangeirização”, porque reafirmava a importância de entender como a grilagem operava sobretudo pela prática de atores domésticos. No entanto, observamos como alguns grupos do agronegócio brasileiro, ao se associarem com investidores transnacionais que também aportavam grandes volumes de capital no negócio, é que constituíram imobiliárias agrícolas transnacionais e adquiriram terras nas áreas de fronteira agrícola, como o Matopiba. Porém, simultaneamente se articulavam a intermediários locais para adquirir terras, muitas das quais griladas. No Brasil, aliás, o marco legal impõe uma limitação à aquisição de terras por estrangeiros, que embora esteja em disputa para uma liberalização efetivamente condiciona ao estabelecimento de mediações (PRETTO, 2009PRETTO, J. M. Imóveis rurais sob propriedade de estrangeiros no Brasil. Research report for technical co-operation programme ‘Apoio às políticas e à participação social no desenvolvimento rural’ (PCT IICA/NEAD). Brasília: NEAD, 2009.; LEITE, 2020LEITE, S. A questão da financeirização da agricultura e da terra na América Latina: evidências a partir do caso brasileiro. In: M. Guibert, É. Sabourin (coord.). Ressources, inégalités et développement des territoires ruraux en Amérique latine, dans la Caraïbe et en Europe. Paris, Institut des Amériques/Agence française de développement/Fondation EU-LAC, 2020.).

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O processo de editoração deste artigo foi realizado por Lorena Izá Pereira e Camila Ferracini Origuela.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    25 Ago 2023
  • Aceito
    30 Set 2023
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