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REFLEXÕES SOBRE A CONSTRUÇÃO DE UMA PESQUISA QUALITATIVA EM PSICOTERAPIA ON-LINE1 1 Apoio e financiamento: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo(FAPESP), proc. 2018/11351-2 and 2019/20357-7.

REFLEXIONES SOBRE LA CONSTRUCCIÓN DE UNA INVESTIGACIÓN CUALITATIVA EN PSICOTERAPIA ONLINE

RESUMO.

Os serviços mediados pela internet oferecem uma diversidade de formas de conexão e interatividade e, em decorrência, surgem novas intervenções em saúde mental, exigindo pesquisas que fundamentem e avaliem tais práticas. Entretanto, os estudos na área são escassos, especialmente diretrizes que auxiliem na condução de pesquisas que envolvam as intervenções baseadas na internet. Nesse sentido, o objetivo deste artigo é indicar orientações para o desenho de pesquisas de intervenção psicológica na internet, tendo como ilustração a construção de uma pesquisa interventiva em psicoterapia on-line, qualitativa, descritiva e longitudinal. São abordados seis aspectos significativos para pesquisas em intervenção digital, incluindo contato com colaboradores, critérios de participação, alcances da pesquisa, monitoramento e avaliação das intervenções, critérios tecnológicos e aspectos éticos no campo digital. São levantados aspectos técnicos, qualitativos e de cuidados necessários para manter a qualidade dos atendimentos e das pesquisas mediadas pelas tecnologias digitais. É urgente à psicologia consolidar um campo de saber que se ocupe tanto das influências das tecnologias nas subjetividades, também, delinear estudos que avaliem com rigor científico o uso da internet para o tratamento e cuidado em saúde mental.

Palavras-chave:
Telepsicologia; psicologia clínica; psicologia e informática

RESUMEN.

Los servicios mediados por Internet ofrecen una diversidad de formas de conexión e interactividad y, como resultado, surgen nuevas intervenciones en salud mental, que requieren investigaciones que corroboren y evalúen dichas prácticas. Sin embargo, los estudios en el área son escasos, especialmente las directrices que ayudan a realizar investigaciones que involucran intervenciones basadas en Internet. En este sentido, el objetivo de este artículo es indicar directrices para el diseño de investigación de intervención psicológica en Internet, teniendo como ilustración la construcción de una investigación intervencionista en psicoterapia online, cualitativa, descriptiva y longitudinal. Se abordan seis aspectos significativos para la investigación en intervención digital, incluyendo el contacto con colaboradores, los criterios de participación, el alcance de la investigación, el seguimiento y evaluación de las intervenciones, los criterios tecnológicos y los aspectos éticos en el campo digital. Se plantean aspectos técnicos, cualitativos y asistenciales necesarios para mantener la calidad asistencial y la investigación mediada por las tecnologías digitales. Es urgente que la Psicología consolide un campo de conocimiento que se ocupe tanto de las influencias de las tecnologías en las subjetividades como de esbozar estudios que evalúen con rigor científico el uso de Internet para el tratamiento y cuidado en salud mental.

Palabras clave:
Telepsicologia; psicologia clinica; psicología e informática

ABSTRACT

Internet-mediated services offer a variety form of connection and interactivity, from this, new mental health interventions emerge, requiring research to validate and evaluate such practices. However, studies in the area are scarce, especially guidelines that assist in conducting research involving Internet-based interventions. The purpose of this study was to indicate guidelines for the design of psychological intervention research mediated by the Internet, based on the construction of an interventional research in online, qualitative, descriptive and longitudinal psychotherapy. Six significant aspects for digital intervention. Six significant aspects for research in digital intervention are addressed, including contact with collaborators, criteria for participation, scope of research, monitoring and evaluation of interventions, technological criteria and ethical aspects in the digital field. Technical, qualitative and care aspects necessary to maintain the quality of care and research mediated by digital technologies are raised. It is urgent for Psychology to consolidate a field of knowledge that deals with the influence of technologies on subjectivities, as well as to design studies that scientifically assess the use of the internet for treatment and care in mental health.

Keywords:
Telepsychotherapy; clinical psychology; psychology and computer sciences

Introdução

Entende-se como tecnologias de telecomunicação o uso de telefones digitais, interações via videochamada, e-mail, chat, mensagens de texto enviadas por aplicativos de conversa, internet, (websites, blogs, mídias sociais). A transmissão da informação pode ocorrer por escrito, incluir ou não imagens, sons ou outros dados, pode ser síncrona com múltiplas partes da comunicação em tempo real ou assíncrona, com armazenamento de informações e comunicação com tempo de resposta. A interação pode acontecer entre pessoas ou serviços autoguiados, dispor da combinação de várias tecnologias, atendendo a diversos propósitos (American Psychological Association [APA], 2013American Psychological Association [APA]. (2013). Guidelines for the practice of telepsychology. American Psychologist, 68(9), 791-800.).

As tecnologias digitais promovem, também, o desenvolvimento de novos instrumentos no cuidado à saúde mental, como as e-Health, e-therapy, realidade virtual, inteligência artificial, terapeutas virtuais, gamificação, desenvolvimento de aplicativos de monitoramento da saúde para dispositivos móveis. As intervenções podem trazer inovação, seja através de simuladores de realidade virtual, utilizando a computação gráfica em tempo real, rastreamento do corpo por meio de dispositivos de entrada sensorial, testes informatizados on-line com maior sensibilidade e especificidade diagnóstica, entre outros. Faltam estudos que possibilitem melhor compreensão dos mecanismos de mudança, maior capacitação para o uso das terapias virtuais e como ajustá-las ao cotidiano dos tratamentos, bem como a compreensão de seu uso nas mais diversas faixas etárias (Holmes, 2018Holmes, E. A. E. A. (2018). The Lancet Psychiatry Commission on psychological treatments research in tomorrow's Science. The Lancet Psychiatry, 5(3).).

No Brasil, as mediações das tecnologias digitais na psicologia ainda são pouco estudadas e são escassos os estudos longitudinais focados em processo psicoterapêutico (Leitão, 2003Leitão, C. F. (2003) Os impactos subjetivos da Internet reflexões teóricas e clínicas (Tese Doutorado em Psicologia). Departamento de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Recuperado de:https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/4122/4122_1.PDF
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; Rodrigues & Tavares, 2016Rodrigues, C. G., & Tavares, M. A. (2016). Psicoterapia on-line: demanda crescente e sugestões para regulamentação. Psicologia em Estudo, 21(4), 735-744.). Faltam investimentos em cursos de psicologia e elaboração de resoluções que orientem os psicoterapeutas no uso das TICs (Hallberg & Lisboa, 2016Hallberg, S. C. M., & Lisboa, C. S. M. (2016). Percepção e uso de tecnologias da informação e comunicação por psicoterapeutas. Temas em Psicologia, 24(4), 1297-1309.). Outros desafios se referem à importância do desenvolvimento de treinamento específico para as novas modalidades de atendimento (Barak, Liat, Meyran, & Na’ama, 2008Barak, A., Liat, H., Meyran, B. N., & Na’ama, S. (2008) A comprehensive review and a meta-analysis of the effectiveness of internet-based psychotherapeutic interventions. Journal of Technology in Human services, 26(2-4), 109-160.) e o manejo profissional adequado das tecnologias (Nicolaci-da-Costa, Romao-Dias, & Di Luccio, 2009Nicolaci-da-Costa, A. M., Romão-Dias, D., & Di Luccio, F. (2009). Uso de entrevistas on-line no método de explicitação do discurso subjacente (MEDS). Psicologia: Reflexão e Crítica, 22(1), 36-43.).

Permitidos em contexto de pesquisa desde 2000, o CFP publicou a Resolução nº 11/2018 que autoriza a realização de atendimentos psicológicos e outros serviços mediados pelas mídias digitais. Entretanto, poucos estudos nacionais foram desenvolvidos (Leitão, 2003Leitão, C. F. (2003) Os impactos subjetivos da Internet reflexões teóricas e clínicas (Tese Doutorado em Psicologia). Departamento de Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. Recuperado de:https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/4122/4122_1.PDF
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; Hallberg & Lisboa, 2016Hallberg, S. C. M., & Lisboa, C. S. M. (2016). Percepção e uso de tecnologias da informação e comunicação por psicoterapeutas. Temas em Psicologia, 24(4), 1297-1309.). Segundo o CFP, cada tecnologia utilizada deverá guardar coerência e fundamentação na ciência, na legislação e nos parâmetros éticos da profissão. O atendimento, portanto, não poderá ocorrer de qualquer maneira, cabendo ao profissional fundamentar, inclusive nos registros da prestação do serviço, se a tecnologia utilizada é tecnicamente adequada, metodologicamente pertinente e eticamente respaldada (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2018aConselho Federal de Psicologia [CFP]. (2018a). Resolução nº 11, de 11 de maio de 2018. Sobre a prestação de serviços psicológicos realizados por meios de tecnologias de informação e comunicação. Recuperado de: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2018/05/RESOLUÇÃO-Nº-11-DE-11-DE-MAIO-DE-2018.pdf
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). Entretanto, a resolução não aponta especificidades sobre quais seriam as adequações tecnológicas necessárias, em termos de melhores técnicas, metodologias e respaldos éticos, estando distante de iniciativas internacionais como American Psychological Association, American Counseling Association, International Society for Mental Health Online, que orientam e acompanham a inserção das tecnologias nos serviços psicológicos on-line, estimulam seus colaboradores a seguirem condutas que abrangem, em geral, apresentação de Termo de Consentimento, confidencialidade, registro das informações, especificação quanto aos tipos de tecnologias.

As intervenções on-line em psicologia têm aumentado expressivamente, o que reflete diretamente na necessidade de pesquisas na área. No que se refere a estudos que avaliam intervenções mediadas pela internet, há uma pluralidade de perspectivas, as abordagens são heterogêneas, há dificuldades metodológicas como terminologias e definições, seleção de bases, desenhos de pesquisa, poucos estudos estabelecem diretrizes, os padrões são insuficientes e é pouco incentivada a disseminação do conhecimento derivado de intervenções na web (Proudfoot et al., 2011Proudfoot, J., Klein, B., Barak, A., Carlbring, P., Cuijpers, P., Lange, A. & Andersson, G. (2011). Establishing guidelines for executing and reporting internet intervention research. Cognitive Behaviour Therapy, 40(2), 82-97.; Whitehead & Proudfoot, 2010Whitehead, L., & Proudfoot, J. (2010). Standards and operating guidelines for Internet interventions. Oxford guide to low intensity CBT interventions, 247-252.).

Para uma fundamentação científica dos serviços psicológicos na web, é necessário ampliar o diálogo com outras áreas de conhecimento, em estímulo a multidisciplinariedade, sinalizando cuidados anteriores às questões metodológicas e práticas da pesquisa em psicologia. Segundo a APA (2013American Psychological Association [APA]. (2013). Guidelines for the practice of telepsychology. American Psychologist, 68(9), 791-800.) e o Conselho Federal de Psicologia (2018cConselho Federal de Psicologia [CFP]. (2018c). Cadastro e-psi. Recuperado de: https://e-psi.cfp.org.br/
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), cabe ao psicólogo conhecer e avaliar os benefícios e as limitações do uso das tecnologias na particularidade de cada serviço e no uso de cada dispositivo, sendo imprescindível acompanhar o desenvolvimento da área. Para uma prática consistente, são necessárias pesquisas e sistematizações, o que indica a necessidade de reflexões que forneçam subsídios para pesquisas de intervenções na web, considerando seu caráter interdisciplinar, orientados também a partir de saberes que dialoguem com áreas de exatas, humanas e biológicas.

Método

O objetivo deste artigo é propor orientações para o desenho de pesquisas em intervenções psicológicas mediadas pela internet, tendo como base de ilustração um estudo longitudinal, qualitativo, interventivo em atendimentos psicológicos on-line. Este objetivo contempla, também, reflexões para processos de psicoterapia mediados pela internet, pois levanta problemáticas sobre aspectos do ambiente on-line, necessárias tanto para pesquisa quanto para a prática clínica.

No que tange à estruturação de pesquisas em intervenções psicológicas on-line, inicialmente, foi realizada uma pesquisa bibliográfica de publicações entre os anos de 2009 e 2019, em janeiro de 2019, nas bases BVS-Psi, Scielo, Scopus, PsycINFO, com os descritores Internet interventions research; guidelines. Foram encontrados dois artigos que tratam especificamente sobre orientações referentes à pesquisa e comunicações científicas em intervenções em saúde mediadas pela internet (Chee, Lee, Chee, & Im, 2014Chee, W., Lee, Y., Chee, E., & Im, E. (2014) Practical guidelines for development of web-based interventions. Cin - Computers Informatics Nursing, 32(10): 504-511. doi:10.1097/CIN.0000000000000088
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; Proudfoot et al., 2011Proudfoot, J., Klein, B., Barak, A., Carlbring, P., Cuijpers, P., Lange, A. & Andersson, G. (2011). Establishing guidelines for executing and reporting internet intervention research. Cognitive Behaviour Therapy, 40(2), 82-97.). Não foram encontrados nessas mesmas bases de dados, com o descritor psychotherapy online até a data de janeiro de 2019, estudos longitudinais qualitativos com duração superior a três meses e que tratem as especificidades e nuances de intervenções psicológicas on-line, o que sinaliza a necessidade de estudos que avaliem ou acompanhem, registrem e divulguem, ainda que seguindo parâmetros teóricos específicos de cada abordagem, as repercussões da mediação tecnológica nas intervenções psicológicas.

Apresentação da pesquisa

O estudo em nível de pós-doutorado, aprovado pelo Comitê de Ética processo CAAE 01457118.4.0000.5561, tem como objetivo compreender as vivências da mediação tecnológica em processos de psicoterapia on-line. Trata-se de uma pesquisa longitudinal, qualitativa, descritivo-fenomenológica. Na primeira etapa do projeto, foram dedicados seis meses para construção do ambiente digital para pesquisa, com estudo das legislações internacionais que resguardam as intervenções psicológicas na internet, bem como os direitos e deveres de psicólogos e de pessoas que buscam os serviços digitais. A pesquisa tem como fundamentação teórica a fenomenologia de Edmund Husserl e, também, referenciais tangenciais fenomenológicos que dialogam sobre aspectos decorrentes do tema do campo on-line. Trata-se de uma linha filosófica, compreensiva, que segundo Trilles-Calvo (2019Trilles-Calvo, K. P. (2019). La imagen (re)doblada de lo que puede ser un selfie. Una aproximación fenomenológica. In M. C. L.Saenz, & K. P. Trilles-Calvo(Orgs.), A las imágenes mismas - fenomenología y nuevos medios (p. 255-266). Madrid, ES: Apeiron Ediciones.), mais do que um corpus teórico, propõe uma compreensão que conduz a passos determinados não isolados para alcançar um fim específico, ainda que não necessariamente pressuposto anteriormente. Sua pretensão não é analisar, mas oferecer uma descrição rigorosa do que foi encontrado. A partir das reflexões sobre a construção do ambiente de pesquisa para intervenções psicológicas on-line, pretende-se discutir e apontar orientações para pesquisas e comunicações científicas na área da telepsicologia.

Pesquisas de intervenção psicológica na internet - ambiente on-line

As pesquisas de intervenções mediadas pela internet (Proudfoot et al., 2011Proudfoot, J., Klein, B., Barak, A., Carlbring, P., Cuijpers, P., Lange, A. & Andersson, G. (2011). Establishing guidelines for executing and reporting internet intervention research. Cognitive Behaviour Therapy, 40(2), 82-97.) abrangem uma variedade de modalidades. Estas podem ser delineadas a partir de fatores demográficos, sintomas ou problemáticas de saúde, índices psicológicos (como histórico de tratamento, estilos de aprendizagem, locus de controle), fatores terapêuticos, ou podem estar relacionadas a aspectos tecnológicos (por exemplo, experiência anterior com computadores etc.), o que torna essencial a especificação da população-alvo. É importante definir e detalhar de modo claro como será o acesso à intervenção, síncrono ou assíncrono, se existem modos de exclusão e especificidades da inclusão. É relevante considerar o apoio emergencial de saúde mental territorial e avaliar o manejo em casos de desistência da participação, considerando a aplicação remota da intervenção. Além disso, considerar como será avaliado ou acompanhado o tratamento e o grau de alcance do objetivo do estudo, bem como a adequação e a viabilidade dos recursos utilizados, incluindo as características específicas, medidas, quando aplicadas, cronograma de avaliações ou acompanhamento, adesão dos participantes.

No caso do atendimento psicológico on-line, sugere-se uma escolha cuidadosa das configurações específicas para o ambiente de atendimento. Nesse sentido, é importante que os estudos façam referência aos tipos de intervenção e frequência; às considerações éticas para o ambiente remoto; aos tipos de suporte profissional da área estudada e/ou suportes decorrentes de outras áreas; à interatividade do programa desenvolvido; aos canais de multimídia utilizados para o estudo.

A Ordem dos Psicólogos de Portugal (2016Ordem dos Psicólogos Portugueses [OPP]. (2016). Linhas de orientação para a prestação de serviços de psicologia mediados por Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC). Recuperado de:https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/guidelines_opp_psicologia_ehealth.pdf
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) delimitou 35 linhas orientativas para pesquisa em intervenções remotas; Chee et al. (2014Chee, W., Lee, Y., Chee, E., & Im, E. (2014) Practical guidelines for development of web-based interventions. Cin - Computers Informatics Nursing, 32(10): 504-511. doi:10.1097/CIN.0000000000000088
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) propõem sete etapas para o desenvolvimento de intervenções baseadas na Web em enfermagem, (1) significado e eficácia, (2) população-alvo, (3) teoria da base teórica/programa, (4) foco e objetivos, (5) componentes, (6) aspectos tecnológicos e (7) logística para os usuários; Proudfoot et al. (2011Proudfoot, J., Klein, B., Barak, A., Carlbring, P., Cuijpers, P., Lange, A. & Andersson, G. (2011). Establishing guidelines for executing and reporting internet intervention research. Cognitive Behaviour Therapy, 40(2), 82-97.) elencaram 12 aspectos relevantes para intervenções e comunicações baseadas na internet. Em virtude da abrangência de possibilidades da pesquisa na internet, foram delimitados, para o presente estudo, seis tópicos referentes à estruturação do ambiente on-line, sintetizados a partir dos estudos citados (OPP, 2016Ordem dos Psicólogos Portugueses [OPP]. (2016). Linhas de orientação para a prestação de serviços de psicologia mediados por Tecnologias da Informação e da Comunicação (TIC). Recuperado de:https://www.ordemdospsicologos.pt/ficheiros/documentos/guidelines_opp_psicologia_ehealth.pdf
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; Chee et al., 2014Chee, W., Lee, Y., Chee, E., & Im, E. (2014) Practical guidelines for development of web-based interventions. Cin - Computers Informatics Nursing, 32(10): 504-511. doi:10.1097/CIN.0000000000000088
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; Proudfoot et al., 2011Proudfoot, J., Klein, B., Barak, A., Carlbring, P., Cuijpers, P., Lange, A. & Andersson, G. (2011). Establishing guidelines for executing and reporting internet intervention research. Cognitive Behaviour Therapy, 40(2), 82-97.), a saber:

  1. contato inicial com os colaboradores do estudo on-line

  2. critérios para exclusão e inclusão na pesquisa on-line

  3. alcance da pesquisa on-line

  4. formas de acompanhamento, monitoramento ou avaliação da pesquisa on-line

  5. critérios tecnológicos para o desenvolvimento da intervenção na internet

  6. aspectos éticos da intervenção on-line

Trata-se de ilustrar o desenho de pesquisa em intervenção on-line, que exige procedimentos específicos, sendo relevante resguardar a pessoa emocionalmente vulnerável que busca por um serviço ainda em situação de experimentação. Para a preparação do ambiente de pesquisa em psicoterapia on-line, foi fundamental um diálogo interdisciplinar, em especial, a troca de informações entre as áreas do direito, da tecnologia de informação e psicologia, de modo a se contemplar as diretrizes do Código de Ética dos Psicólogos, a legislação sobre o uso de tecnologias, conforme própria resolução do CFP de maio de 2018, “Considerando as disposições da Lei nº 12.965/14, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para uso da internet no Brasil ou legislação que venha a substituir” (CFP, 2018aConselho Federal de Psicologia [CFP]. (2018a). Resolução nº 11, de 11 de maio de 2018. Sobre a prestação de serviços psicológicos realizados por meios de tecnologias de informação e comunicação. Recuperado de: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2018/05/RESOLUÇÃO-Nº-11-DE-11-DE-MAIO-DE-2018.pdf
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, p. 1), bem como as especificidades e possibilidades das tecnologias de informação para a estruturação desse ambiente, de modo a garantir a segurança das informações armazenadas no site, os dados da pesquisa e o acesso restrito aos usuários da plataforma.

contato inicial com os colaboradores

O público-alvo escolhido foi restrito e limitado a nove colaboradores: três psicoterapeutas residentes na cidade da pesquisa, e seis pessoas que seguiram em psicoterapia, sendo três participantes de processos exclusivamente on-line, residentes em território nacional e três iniciados in loco e intercalados com duas sessões on-line, a cada quatro encontros, residentes na cidade da pesquisa. Foram seguidos seis processos de psicoterapia, com sessões semanais com 01 hora de duração, com duração mínima de seis meses.

Os participantes foram contactados através de grupos de redes sociais on-line da pesquisadora ou por envio de e-mail institucional a pesquisadores psicólogos, visando pouca abrangência, visto o número limitado de vagas. Nesta fase, ocorreram conversas com alunos de graduação, pós-graduação, professores e pesquisadores da universidade, com uma escuta atenciosa aos relatos e percepções sobre a prática e a mediação das tecnologias on-line na psicoterapia, configurando o primeiro contato com a temática, registradas em diário de campo. Esta etapa foi fundamental para a seleção de psicólogos colaboradores.

Foram realizadas entrevistas abertas face a face com os psicólogos interessados em colaborar com o estudo, registradas em diário de campo. Após a seleção dos colaboradores psicoterapeutas, foi organizado um grupo de reflexão com duração de 02 horas durante cinco meses, cuja temática era como estruturar o desenho da etapa de coleta de dados da pesquisa em psicoterapia on-line. Participaram do grupo de estudos os psicoterapeutas colaboradores, alunos de graduação e a pesquisadora responsável.

O acesso às pessoas que buscavam psicoterapia on-line ocorreu através de divulgação na web das vagas, nas mesmas redes sociais (restritas) da pesquisadora, durante uma semana até atingir o número de 15 inscritos, quando os formulários foram retirados de circulação da internet. Os interessados preencheram um questionário on-line, com dados pessoais, histórico de saúde mental, contatos em caso de necessidade de atendimento emergencial, familiaridade no uso das tecnologias, motivos para psicoterapia on-line, motivo da consulta terapêutica e uma última pergunta sobre o grau de interesse em participar de um processo on-line (numa escala de 0-3, sendo 0 nenhum, 1 pouco, 2 presencial mediado pelas tecnologias, 3 alto), visando a confirmação do interesse referido nas perguntas.

Foi realizada uma entrevista on-line com cada um dos interessados, explicando como seria o processo de psicoterapia, duração, tempo da pesquisa, tratamento dos conteúdos abordados em terapia, a garantia do sigilo e da privacidade. Foi informado sobre as diferenças da psicoterapia para o contexto da pesquisa, em que seriam necessárias etapas e execução de atividades específicas. Além disso, os interessados foram, também, informados sobre os riscos da internet, como condições de segurança, atrasos de retornos de mensagens, quedas de conexão ou instabilidade da rede, contato de terceiros para ligações de emergência, peculiaridades das pesquisas baseadas em intervenções na internet, em especial, síncronas, em que os imprevistos da internet afetam diretamente os participantes. Foi dada especial atenção à compreensão da pessoa em relação aos pré-requisitos, das condições da mediação das tecnologias e se esta estaria de acordo e esclarecida sobre os pontos acordados.

critérios de inclusão e exclusão para a pesquisa on-line

Para os psicólogos, foi critério de inclusão o interesse elevado e motivação para atendimento on-line, experiência em psicoterapia, cadastro no e-psi (CFP, 2018cConselho Federal de Psicologia [CFP]. (2018c). Cadastro e-psi. Recuperado de: https://e-psi.cfp.org.br/
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). Foi, também, avaliada a motivação e envolvimento com a temática da psicoterapia on-line, a disponibilidade para realizar os atendimentos no tempo determinado do estudo (06 meses) e interesse em sistematizar os dados para pesquisa e divulgação científica. Para serem atendidos nos processos de psicoterapia, os participantes deveriam apresentar alto grau de interesse e motivação para atendimento via web, avaliado pelo questionário on-line de inscrição e pelo contato on-line com a pesquisadora, dispor de um ambiente privativo para as sessões, ter acima de 18 anos e o português como língua materna.

Como critérios de exclusão, foram tomados como referência a Regulamentação do CFP de 2018 e os estudos internacionais que sugerem atenção ao uso de ferramentas on-line a alguns públicos: pessoas com diagnóstico de esquizofrenia, transtornos dissociativos e outros transtornos mentais graves; dependentes químicos e/ou alcoolistas em abstinência por uso de substância; pessoas com ideação suicida (Egede et al., 2009Egede, L. E., Frueh, C.B., Richardson, L. K., Acierno, R., Mauldin, P. D., Knapp, R. G., & Lejuz, C. (2009) Rationale and design: telepsychology servisse delivery for depressed elderly veterans. Trials, 10, 22. doi: 10.1186/1745-6215-10-22.
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), não estar em situação de violência ou necessitando de atendimento emergencial (CFP, 2018aConselho Federal de Psicologia [CFP]. (2018a). Resolução nº 11, de 11 de maio de 2018. Sobre a prestação de serviços psicológicos realizados por meios de tecnologias de informação e comunicação. Recuperado de: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2018/05/RESOLUÇÃO-Nº-11-DE-11-DE-MAIO-DE-2018.pdf
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), no caso de uso de psicotrópicos, estar em acompanhamento psiquiátrico.

Especificamente para a qualidade do atendimento on-line, foram definidos também critérios no que se refere às tecnologias: familiaridade no uso de mídias digitais, acesso à internet privada com velocidade de download e upload mínima de 5 Mbps, para suportar videochamadas, dispositivos próprios com menos de cinco anos, instalação de aplicativo apropriado para a pesquisa com avaliação e indicação de especialista em tecnologia da informação, avaliados na entrevista on-line com a pesquisadora.

alcance da pesquisa

Este tópico refere-se à acessibilidade da internet, visto que uma pesquisa on-line pode ter alcance restrito, a poucas pessoas ou grupo fechado, ou alcance amplo, como intervenções abertas a todos os públicos e de diferentes nacionalidades (Proudfoot et al., 2011Proudfoot, J., Klein, B., Barak, A., Carlbring, P., Cuijpers, P., Lange, A. & Andersson, G. (2011). Establishing guidelines for executing and reporting internet intervention research. Cognitive Behaviour Therapy, 40(2), 82-97.).

Trata-se de um estudo com alcance restrito nacional (9 colaboradores), com acompanhamento e aprofundamento de análise qualitativa, descritiva e compreensiva, longitudinal de psicoterapia mediada pelas tecnologias. O alcance restrito permite dar visibilidade para nuances da relação terapêutica, dos vínculos e das dinâmicas relacionais implicadas em cada dupla, bem como das intercorrências, analisadas de modo amplificado, em busca de traçar direcionais para uma prática mais consistente e ética. Favorece a apreensão de detalhes subjetivos da intervenção, mas exige especificidades diante da população e do tipo de intervenção: contatos síncronos ou assíncronos (intervenções via mensagem ou via videochamada) exigem orientações e cuidados diferenciados na oferta desses recursos, visto que são formas distintas de comunicação que podem mobilizar de modo singular cada envolvido; a proteção da pessoa em vulnerabilidade psíquica no ambiente on-line deve ser avaliada em cada sessão, considerando as características do local onde o paciente se encontra; recomenda-se, quando possível, a delimitação do alcance às diferentes populações como, por exemplo, estudos com pessoas com transtornos psíquicos específicos devem ser observados em suas relatividades; por fim, devem ser disponibilizados outros recursos terapêuticos territoriais no caso de intercorrências durante a intervenção. A explicitação desses fatores pode favorecer a inserção do participante no ambiente on-line e pode repercutir na aderência ao tratamento e à pesquisa e nos cuidados éticos da pesquisa-intervenção.

avaliação e/ou acompanhamento da intervenção on-line

É importante considerar a inserção de etapas de avaliação e acompanhamento durante o processo, e não apenas após a conclusão da coleta dos dados, visto que a eficácia do tratamento e o sucesso do projeto dependem do uso dos recursos disponibilizados e, sobretudo, do cuidado ético com os envolvidos. Deve-se estar atento a possíveis variações psíquicas decorrentes do contato on-line e, também, ao bem-estar da pessoa, acima de qualquer parâmetro de pesquisa ou prática clínica. A avaliação contínua e a análise descritiva das experiências semanais de atendimento podem revelar aspectos práticos decorrentes da interface entre psicologia e tecnologias, propiciando reflexões sobre as necessidades para um ambiente on-line adequado, sobre as questões específicas do manejo clínico on-line, sobre o desenvolvimento do vínculo e da relação terapêutica, de modo a investir em condições mínimas necessárias para um atendimento seguro do ponto de vista tecnológico e psicológico. Para tal, a conduta e postura profissional diante das intervenções mediadas pela internet também devem ser discutidas, e avaliada a necessidade de capacitação tecnológica tanto dos psicólogos quanto das pessoas que se beneficiarão da intervenção.

Desde o início do estudo, a pesquisadora confeccionou um diário de campo com anotações sobre suas próprias experiências referentes ao fenômeno da mediação das tecnologias na psicoterapia, fundamentado na filosofia da fenomenologia, em que uma investigação é oriunda de um processo intersubjetivo de apreensão dos fenômenos e legitima a subjetividade da pesquisadora como ferramenta primordial, desde que consonantes com as reduções que encaminham para o rigor da apreensão fenomenológica. Além do diário, foi elaborado um roteiro semiestruturado autoaplicável, individual e acessado on-line, com objetivo de compreender as nuances do processo de psicoterapia, visando descrever a experiência da psicoterapia e do uso de ferramentas digitais. Foi composto por perguntas idênticas tanto para os terapeutas, quanto para as pessoas atendidas. Os participantes responderam após cada sessão sobre a vivência do encontro psicoterapêutico, ambiente, uso de ferramentas digitais. Além destes, foram aplicados o HTP no início e encerramento dos processos e realizados desenhos livres a cada quatro sessões.

(e) critérios tecnológicos para a pesquisa de intervenção na internet

As mediações tecnológicas nas intervenções on-line devem considerar os cuidados necessários e decorrentes do uso da internet e de suas condições específicas de segurança, privacidade, sigilo, termos dos aplicativos, tipos de interação e tipos de dispositivos. Devem especificar como proteger a privacidade das informações trocadas entre dispositivos, seja síncrono, videochamadas, ou assíncrono, nos casos de trocas de mensagens fora do horário da sessão, se serão armazenadas nos dispositivos pessoais ou apagadas após leitura. Para garantia do sigilo e da proteção ética do atendimento devem ser considerados: o local de armazenamento dos materiais produzidos de modo on-line, a forma de veiculação de tais informações na internet, as condições de privacidade dos aplicativos, dos aparelhos e dos locais de atendimento, a responsabilidade e conscientização/informação sobre o acesso de terceiros aos conteúdos assíncronos, as condições de resposta e interação entre psicólogo e pessoa atendida.

É fundamental tanto o acompanhamento quanto o relato sobre o suporte tecnológico. No caso da referida pesquisa, foi criado um site institucional com área de acesso restrita destinada aos colaboradores do estudo, psicólogos e pessoas atendidas pelo programa, com login e senha individuais com múltiplo fator de autenticação e perfis de acesso diferenciados. O site também foi a forma de acesso e divulgação das vagas para os atendimentos. Nessa área restrita, toda a informação foi criptografada, com backups com frequência semanal, onde todos os documentos foram armazenados em servidor específico para pesquisa, visando a proteção dos dados veiculados na internet.

Foram selecionados os aplicativos de conversa em acordo com as legislações de psicologia e de tecnologia da informação e ao tipo de serviço prestado, dando preferência àqueles com recursos de vídeo e audiochamada criptografado (streaming seguro com certificado TLS/SSL) baseado em protocolo WEBRTC em modelo síncrono e com recursos de conversas de texto em modelo assíncrono ponta a ponta com transporte criptografado e seguro (certificado TLS/SSL) com armazenamento de informações apenas nos dispositivos da ponta em banco de dados criptografado (smartphones, computadores ou tablets). Na área restrita aos colaboradores, continham etapas de preenchimento: 1ª, termo de Consentimento sobre a pesquisa; 2ª, questionário pré-atendimento com informações sobre o uso das tecnologias na vida; 3ª, contrato de prestação de serviços psicológicos on-line; 4ª, link para teste de velocidade de conexão antes dos atendimentos, de modo a indicar a qualidade da conexão no momento anterior à sessão; 5ª, área para anexar materiais de sessão como cópias digitalizadas e documentos pessoais. O site continha acesso para instalação do aplicativo de conversa, cujas especificações continham vídeo e audiochamadas criptografados em modo síncrono (videochamadas) e com recurso de mensagens assíncronas ponta a ponta, com criptografia e armazenamento das informações apenas nos dispositivos e recurso de apagamento da mensagem em um dia.

(f) aspectos éticos da intervenção on-line

Em pesquisas interventivas de saúde mental on-line, as condições éticas devem ser consideradas não apenas no contexto da pesquisa, mas também, da intervenção e, em especial, dos aspectos tecnológicos. Deve-se ressaltar o caráter experimental de tal mediação no tratamento, de modo a orientar os colaboradores à melhor escolha para tratamento.

Foi elaborado o Termo de Consentimento para participação na pesquisa e, também, um contrato de prestação de serviços psicológicos, em que foram tratados aspectos além dos vislumbrados em um contrato psicoterapêutico, acrescentando informações referentes ao ambiente on-line. Diferentemente do atendimento em consultório, quando on-line ambas as partes devem ser informadas e corresponsáveis pelos cuidados mínimos de segurança, sigilo e privacidade, como a escolha de local privativo sem interferências de terceiros, do armazenamento dos dados, estarem cientes da impossibilidade de compartilhamento das informações trocadas durante o tratamento, da impossibilidade de gravação e divulgação dos conteúdos, das limitações da internet (como, por exemplo, tráfego e recebimento e tempo de resposta de mensagens), sugere-se informar endereço profissional (no caso do psicólogo) e contatos de serviços de saúde e de pessoas próximas para emergência, procedimentos no caso de falha de conexão, uso de internet privada e dispositivos compatíveis para videochamadas.

Discussão

Um primeiro aspecto de discussão refere-se ao conhecimento das especificidades dos participantes em um estudo on-line com público restrito, o que significou importante percurso para o desenho do projeto. Nesse aspecto, a delimitação da fundamentação teórica utilizada para a compreensão dos achados, a fenomenologia, que se propõe a ser uma descrição das experiências vivenciadas intencionalmente pelo pesquisador, e o registro cuidadoso do contato com os colaboradores, anotados em diário de campo, reforçou e trouxe destaque para alguns elementos que a literatura nacional vem apontando como pontos de atenção (Prado & Meyer, 2006Prado, O. Z., & Meyer, S. B. (2006). Avaliação da relação terapêutica na terapia assíncrona via internet. Psicologia em Estudo, 11(2), 247-257.; Bordini & Sperb, 2011Bordini, G. S., & Sperb, T. M. (2011). O uso dos grupos focais on-line síncronos em pesquisa qualitativa. Psicologia em Estudo, 16(3), 437-445.; Pieta & Gomes, 2014Pieta, M. A. M., & Gomes, W. B. (2014). Psicoterapia pela Internet: viável ou inviável? Psicologia: ciência e profissão, 34(1), 18-31.; Siegmund & Lisboa, 2015Siegmund, G., & Lisboa, C. (2015). Orientação psicológica on-line: percepção dos profissionais sobre a relação com os clientes. Psicologia Ciência e Profissão, 35(1), 168-181.). As narrativas sobre a mediação das tecnologias nos atendimentos psicológicos com pessoas da área apontam que a maioria dos psicólogos que realizam atendimentos em ambiente digital pouco problematizam o tema. Conforme anotação em diário de campo da pesquisadora e de acordo com os achados de Siegmund e Lisboa (2015)Siegmund, G., & Lisboa, C. (2015). Orientação psicológica on-line: percepção dos profissionais sobre a relação com os clientes. Psicologia Ciência e Profissão, 35(1), 168-181., a orientação psicológica on-line na percepção dos psicólogos é vista como uma prática secundária ao atendimento in loco. Conforme estudo citado, os profissionais relataram como dificuldades a impessoalidade, a falta de interação corporal, dificuldade de expressar emoções. Alguns se opuseram à prática on-line, ainda que sem fundamentação (Siegmund & Lisboa, 2015Siegmund, G., & Lisboa, C. (2015). Orientação psicológica on-line: percepção dos profissionais sobre a relação com os clientes. Psicologia Ciência e Profissão, 35(1), 168-181.; Levisky & Silva, 2010Levisky, R. B., & Silva, M. C. R. (2010). A invasão das novas formas de comunicação no setting terapêutico. Vínculo-Revista do NESME, 7(1), 63-71.). Confirma-se uma visão reduzida e negativa do uso das tecnologias nas terapias on-line porém, percebe-se que de modo naturalizado, é disponibilizado o contato via mensagens assíncronas por aplicativos de conversa com as pessoas atendidas, fora do horário da sessão, sem se atentarem aos aspectos de segurança, do sigilo e da privacidade digital dos conteúdos tratados em um processo de psicoterapia e veiculados por mensagens assíncronas. Tal naturalização do uso de redes sociais como forma de contato fora do consultório, sem a devida avaliação dos termos de uso dos aplicativos, sugere falta de informação e de conhecimento sobre as especificidades das terapias síncronas e assíncronas e os riscos on-line decorrentes. O uso acrítico das tecnologias e a condição de intervenção secundária, contextualiza uma prática ausente de preocupações sobre segurança digital, que pode, por vezes, expor a pessoa atendida a terceiros, significando importante falha ética referente ao sigilo.

Os desafios que os psicólogos enfrentam em relação às mídias digitais na vida e na economia é também um problema para a categoria, na medida em que as mudanças culturais repercutem na oferta de serviços, com o aumento da demanda de pessoas que buscam serviços on-line, além da inserção facilitada de profissionais recém-formados nas plataformas digitais em busca de colocação no mercado, com pouca experiência clínica e fundamentação teórica e tecnológica. Tais preocupações já vêm sendo apontadas, como um estudo interventivo, brasileiro, realizado com grupo focal on-line, que sugere que a familiaridade dos participantes com o ambiente é um diferencial de sucesso da intervenção (Bordini & Sperb, 2011Bordini, G. S., & Sperb, T. M. (2011). O uso dos grupos focais on-line síncronos em pesquisa qualitativa. Psicologia em Estudo, 16(3), 437-445.). Já as teorias psicológicas endossam o tema enquanto tabu, especialmente, porque na maioria dos relatos, a presença corpórea é essencial, sendo a análise dos gestos e comportamentos, controle do ambiente, ferramentas fundamentais na relação terapêutica. Conforme Cantone et al. (2021Cantone, D., Guerriera, C., Architravo, M., Alfano, Y. M., Cioffi, V., Moretto, E., …Sperandeo, R. (2021). A sample of italian psychotherapists express their perception and opinions of online psychotherapy during the covid-19 pandemic. Rivista di Psichiatria, 56(4), 198-204. doi: 10.1708/3654.36347
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) e de acordo com as anotações do diário de campo da pesquisa, os psicólogos que seguem abordagens da psicodinâmica, especialmente, foram mais restritivos à prática, considerando-a apenas em contexto complementar, dando relevância ao deslocamento geográfico, à sala de espera, ao ambiente físico e ao contato corporal, como fatores importantes no processo. Seriam justificadas as terapias on-line em casos de mudanças geográficas de pessoas que já estavam em tratamento. Entretanto, a utilização da internet não demonstra diferenças significativas quanto à prática de psicoterapia psicanalítica on-line e presencial, com alianças terapêuticas adequadas em ambas (Sfoggia et al., 2014Sfoggia, A., Kowacs, C., Gastaud, M. B., Laskoski, P. B., Bassols, A. M., Severo, C. T., & Wellausen, R. S. (2014). Therapeutic relationship on the web: to face or not to face? Trends in Psychiatry and Psychotherapy, 36(1), 3-10.; Pieta & Gomes, 2014Pieta, M. A. M., & Gomes, W. B. (2014). Psicoterapia pela Internet: viável ou inviável? Psicologia: ciência e profissão, 34(1), 18-31.; Prado & Meyer, 2006Prado, O. Z., & Meyer, S. B. (2006). Avaliação da relação terapêutica na terapia assíncrona via internet. Psicologia em Estudo, 11(2), 247-257.), o que sugere uma distância importante entre os achados acadêmicos e as práticas, mesmo dentro das instituições de formação em psicologia e, ainda, que são imprescindíveis estudos nas diferentes abordagens sobre a mediação das tecnologias na psicoterapia a fim de confirmar ou refutar tais concepções.

Estudos direcionados à percepção subjetiva das influências tecnológicas é um tema relevante para a psicologia enquanto ciência e profissão. Considerar as diferentes abordagens clínico-teóricas pode trazer resultados profícuos e, ainda, verificar se a baixa produção acadêmica, em especial no Brasil, é decorrente de crenças pessoais sobre o on-line dentro dos ambientes de pesquisa. Enfatiza-se que, como consequência da escassez de estudos dentro do contexto brasileiro, tem-se o aumento de uma prática acrítica, permeada por concepções sem reflexões, sem normativas que fundamentem essa modalidade de atendimento. Como decorrência de crenças pessoais/profissionais sem respaldo científico, assiste-se à regulamentação de uma prática ausente de diretrizes, influenciada e manipulada pela publicidade, pelo imediatismo e pelo consumismo, com pouco respaldo ético, diferente do que se assiste em países como EUA (APA, 2013American Psychological Association [APA]. (2013). Guidelines for the practice of telepsychology. American Psychologist, 68(9), 791-800.), Espanha (Consejo Generale dela Psicología em Spaña, 2017Consejo General dela Psicología em Spanã. (2017). Recuperado de: https://www.cop.es/index.php
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), entre outros, que regulamentaram, de modo sistematizado e informado, tais intervenções. Além disso, o desconhecimento de conceitos básicos de tecnologia favorece práticas pouco protetoras no que se refere à segurança da informação, desinformação sobre as legislações referenciadas e proteção dos dados, como criptografia ponta a ponta, aplicativos seguros e ambientes privativos, o que resulta na urgente capacitação dos profissionais psicólogos para se inserirem no mundo digital de modo a respeitar e atender as legislações para o uso consciente e ético das ferramentas em nível de graduação ou formação continuada.

O uso das tecnologias promove uma oportunidade para os profissionais de saúde mental expandirem suas capacidades práticas, sendo os psicólogos e os provedores, os responsáveis pela qualidade desses serviços (Luxton, Pruitt, & Osenbach, 2014Luxton, D. D., Pruitt, L. D., & Osenbach, J. E. (2014). Best practices for remote psychological assessment via telehealth technologies. Professional Psychology: Research and Practice, 45(1), 27.). A segurança também na elaboração de contrato de prestação de serviços que especifique as condições do atendimento, de modo a proteger e orientar tanto a pessoa que busca o serviço quanto o profissional que presta o serviço on-line, em que ambos devem estar de acordo e corresponsáveis pelas limitações da internet, o que é um aspecto novo para a prática clínica. Além disso, é importante promover discussões no ambiente acadêmico sobre conduta e postura profissional e imagem digital, manejo clínico dos tratamentos via web, configurações de segurança e reflexões teóricas sobre a eficácia das diferentes abordagens na modalidade on-line.

Os estudos de intervenção mediados pela internet devem partir de um levantamento interdisciplinar em busca de reconhecer o campo. Os efeitos da internet atuam nas dinâmicas psíquicas, sendo relevante a capacitação do olhar psicológico para as influências das tecnologias, suas especificidades e caraterísticas, suas formas de ser e estar em relação às pessoas. O universo on-line é mais do que um recurso tecnológico, significa modos de existência em um ambiente não físico, onde se configuram simultaneamente aspectos da vida offline, em uma dimensão que merece aprofundamento e cuidados psicológicos. Como exemplo, é importante estudar como a cultura cyber estabelece as novas sociabilidades (Ferreira & Deslandes, 2018Ferreira, T. R. S., & Deslandes, S. F. (2018). Cyberbulling: conceituações, dinâmicas, personagens e implicações à saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 23(10), 3369-3379. https://doi.org/10.1590/1413-812320182310.13482018.
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), como relacionamentos afetivos x on-line (Dela Coleta, Dela Coleta, & Guimarães, 2008Dela Coleta, A. S. M., Dela Coleta, M. F., & Guimarães, J. L. (2008). O amor pode ser virtual? O relacionamento amoroso pela Internet. Psicologia em Estudo, 13(2), 277-285. https://dx.doi.org/10.1590/S1413-73722008000200010
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), informação x informação on-line, dependência x dependência tecnológica, as comunicações violentas (Silva, 2020Silva, N. H. L. P. (2020) Virtualidade, violência on-line e corpo: uma compreensão fenomenológica. Internet & Sociedade, 1 (1), 311-330; Pereira, 2017Pereira, C. C. (2017). O suicídio na comunicação das redes sociais virtuais: Revisão integrativa da literatura. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, (17), 17-24.) como automutilação entre jovens x automutilação on-line, bullying x cyberbullying, ideação suicida x bullicídio, além de influências nas diferentes faixas etárias e no desenvolvimento. Apontam-se, também, as tendências no uso da inteligência artificial em ações de saúde mental, da realidade virtual nos tratamentos psiquiátricos (Riva, 2022Riva, G. (2022). Virtual reality in clinical psychology. Comprehensive Clinical Psychology, 10, 91-105. https://dx.doi.org/10.1016%2FB978-0-12-818697-8.00006-6
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).

O estudo interdisciplinar com filosofia, antropologia, sociologia, tecnologias de comunicação e informação, direito, medicina, artes, entre outras, é a porta de entrada para uma ciência psicológica atenta e capacitada para tratar os sofrimentos que derivam desse contexto ainda pouco explorado, em que teorias consolidadas não bastam para explicar os efeitos que repercutem no humano.

Os serviços de psicologia mediados pela internet, incluindo as pesquisas e práticas em psicoterapia on-line, devem abarcar o necessário conhecimento das ferramentas e tecnologias de comunicação e informação, que atendam aos critérios de privacidade de segurança dos materiais veiculados na internet e que dialoguem com o Código de Ética do Psicólogo. Segundo a resolução do CFP de maio de 2018 que regulamenta a prestação de serviços psicológicos realizados por meio de tecnologias da informação e da comunicação, cita no artigo IV, § 2º que “[...] em quaisquer modalidades desses serviços, a psicóloga e o psicólogo estarão obrigada(os) a especificarem quais são os recursos tecnológicos utilizados para garantir o sigilo das informações e esclarecer o cliente sobre isso” (CFP, 2018aConselho Federal de Psicologia [CFP]. (2018a). Resolução nº 11, de 11 de maio de 2018. Sobre a prestação de serviços psicológicos realizados por meios de tecnologias de informação e comunicação. Recuperado de: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2018/05/RESOLUÇÃO-Nº-11-DE-11-DE-MAIO-DE-2018.pdf
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, p. 1). É imprescindível que o profissional tenha conhecimentos de tecnologias e, ainda, mantenha-se em aperfeiçoamento contínuo, visto que se trata de uma área dinâmica, cujas especificações se atualizam num curto espaço de tempo, em busca de uma constante adequação de equipamentos, reflexões e escolhas de tecnologias que atendam às necessidades do serviço ou estudo que se pretende oferecer. Já para a pesquisa baseada em intervenções na internet, especificamente para os atendimentos psicológicos on-line, recomenda-se estudos sobre os diferentes tipos de aplicativos e de plataformas de atendimento, considerando aspectos técnicos e qualitativos como critério para a escolha das tecnologias.

Nos aspectos técnicos, sugere-se: (1) aplicativos que utilizem tecnologia de criptografia, (2) que possuam comunicação ponta a ponta, (3) preferencialmente com código aberto, certificado por especialista na área de TI, (4) uso de internet privativa não pública (5) uso de sistemas originais com antivírus nativo.

Nos aspectos qualitativos recomenda-se: (1) avaliação detalhada dos recursos e de suas políticas de privacidade, de modo a se adequarem a proposta da intervenção. No caso da psicoterapia on-line, sugere-se (2) avaliação criteriosa na escolha da modalidade, se síncrona ou assíncrona ou mista, com a devida diferenciação dos benefícios e limitações de cada uma e as repercussões na relação terapêutica, como a título de exemplo, no caso de inserção de tecnologias com funções de mensagem de texto ou de áudio, que promovem outras interações além da videochamada, (3) que atendam diferentes dispositivos, celular, notebook, ipad, computador pessoal, tablet e passíveis de configuração de múltiplos fatores de autenticação, como biometria, senha, apagamento de mensagem em tempo pré-determinado (4) avaliação da relevância e domínio das ferramentas utilizadas pelo profissional, atentando-se para as repercussões da mediação on-line para cada pessoa, (5) avaliação da familiaridade e do letramento digital da pessoa que será atendida, bem como uma (6) avaliação detalhada para o motivo da escolha desse tipo de intervenção, (7) informação, conscientização e ciência de todos os interlocutores sobre possíveis limitações e riscos de segurança inerentes ao ambiente on-line.

Além destes, alguns cuidados são necessários a fim de manter a qualidade dos atendimentos on-line: (1) devem ser combinadas outras formas de contato no caso de desconexão abrupta da sessão, visando amenizar desconfortos. Como exemplo, o telefone celular com aplicativo de mensagens de texto com criptografia para contato ou uso de rede de dados móvel, com oferta de dupla rede de conexão, no caso de falha elétrica ou de rede privada. (2) contatos de pessoas e recursos de saúde mental territoriais, para caso de emergências, confirmação e comprovação dos dados (CFP, 2018aConselho Federal de Psicologia [CFP]. (2018a). Resolução nº 11, de 11 de maio de 2018. Sobre a prestação de serviços psicológicos realizados por meios de tecnologias de informação e comunicação. Recuperado de: https://site.cfp.org.br/wp-content/uploads/2018/05/RESOLUÇÃO-Nº-11-DE-11-DE-MAIO-DE-2018.pdf
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, Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2018bConselho Federal de Psicologia [CFP]. (2018b). Diálogo digital: novidades sobre o atendimento on-line. Recuperado de: https://www.youtube.com/watch?v=8aqWwrczeq0
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). (3) sugere-se que o profissional informe, também, endereço profissional físico e contatos.

Como reflexo das mídias digitais na vida, além de um cuidado sobre as influências destas na psicologia, é importante considerar que a pesquisa científica passa a imprimir novas necessidades aos pesquisadores, o que torna relevante que os centros de pesquisa invistam no desenvolvimento de ambientes virtuais seguros, estimulem a interdisciplinaridade, de modo a garantir o respeito ético aos voluntários. Dessa forma, é imprescindível que uma pesquisa que envolva as novas tecnologias tenha atenção rigorosa não apenas às fundamentações, aos métodos e resultados, mas, sobretudo, aos critérios específicos do ambiente digital, como aspectos éticos e jurídicos de segurança da informação, armazenamento e manipulação on-line de dados.

Considerações finais

Numa compreensão fenomenológica, a vida é vivida e coabitada com outras pessoas sem problematizar os objetos, tidos como familiares, considerando-os muitas vezes como verdadeiros, quando, em realidade, apresentam apenas uma das possibilidades que se desvela em uma perspectiva poliédrica (Trilles-Calvo, 2019Trilles-Calvo, K. P. (2019). La imagen (re)doblada de lo que puede ser un selfie. Una aproximación fenomenológica. In M. C. L.Saenz, & K. P. Trilles-Calvo(Orgs.), A las imágenes mismas - fenomenología y nuevos medios (p. 255-266). Madrid, ES: Apeiron Ediciones.).

Para compreender a psicoterapia mediada pelas tecnologias é imprescindível dar um passo anterior e se colocar à questão sobre o que é especificamente o on-line. A inserção das tecnologias no cotidiano tem se dado cada vez mais como parte da vida, de modo indissolúvel e acrítico, inserindo-se no contexto das práticas psicológicas, muitas vezes sem reflexões ou delineamentos que acompanhem as repercussões destas para os tratamentos e cuidado de pessoas psicologicamente vulneráveis, o que implica na necessidade de voltar-se às tecnologias digitais propriamente, na tentativa de compreender o que elas vêm impulsionando na sociedade e na cultura e como compreender esse fenômeno no mundo da vida. Trata-se, anterior à compreensão dos seus efeitos na psicoterapia, de interrogar o fenômeno em seus aspectos culturais, sociais e antropológicos, a fim de localizar as transformações que essa virtualidade promove na subjetividade e na intersubjetividade (Silva & Morujão, 2021Silva, N. H. L. P., & Morujão, C. A. V. (2021). Uma leitura fenomenológica sobre a intersubjetividade no digital/on-line. Revista Latinoamericana de Psicopatologia Fundamental, 24(4). http://dx.doi.org/10.1590/1415-4714.2021v24n4p
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).

A liquidez do fenômeno on-line requer atenção especial não só para os efeitos na subjetividade e na vida cotidiana, mas também, nas práticas de psicologia e no desenho de pesquisas que envolvam intervenções na web, anterior à fundamentação técnico-psicológica. Segundo Proudfoot et al. (2011Proudfoot, J., Klein, B., Barak, A., Carlbring, P., Cuijpers, P., Lange, A. & Andersson, G. (2011). Establishing guidelines for executing and reporting internet intervention research. Cognitive Behaviour Therapy, 40(2), 82-97.), as teorias que embasam terapias on-line são derivadas de intervenções face a face e, nesse sentido, faltam sistematizações decorrentes de experiências e tratamentos on-line, de modo a garantir, minimamente, reflexões sobre os cuidados éticos das pessoas em vulnerabilidade psíquica que buscam esse tipo de intervenção.

Este artigo teve como objetivo levantar aspectos sobre a estruturação de pesquisas de intervenção mediadas pela internet, decorrentes da elaboração do desenho de um estudo qualitativo longitudinal de psicoterapia on-line em nível de pós-doutorado. Não se pretende apresentar resultados da pesquisa, mas promover um olhar atento sobre aspectos relevantes para pesquisas e intervenções que ocorrem no ambiente da web e suas especificidades, em diálogo com a literatura internacional.

As influências das novas tecnologias estão cada vez mais presentes, não apenas nos aspectos de trabalho, lazer, cultura, relacionamentos, mas também no consumo e oferta de produtos e serviços. É urgente à psicologia consolidar um campo de saber que busque entender as influências das tecnologias no modo de viver e nas subjetividades, suas implicações sociais, culturais e econômicas e, também, delinear com rigor científico quais as possibilidades e limitações do uso da internet para o cuidado em saúde mental. Trata-se de um campo vasto de pesquisa, com ampla necessidade de estudos, de população, de metodologias, tipos de intervenção e alcances, campo que necessitará de muitas investigações rigorosas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    13 Jul 2020
  • Aceito
    21 Nov 2021
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