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A TOMADA DE DECISÃO NO TRATAMENTO DE CRIANÇAS COM INDICADORES DE TDAH1 1 Este artigo é extraído da dissertação de mestrado do primeiro autor, orientada pelo segundo autor, intitulada O processo de tomada de decisão no tratamento de crianças com indicadores de TDAH: percepções de profissionais de CAPSI, defendida junto ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Durante o mestrado, o primeiro autor foi bolsista do CNPq, a quem se agradece pelo apoio recebido.

TOMA DE DECISIONES EN EL TRATAMIENTO DE NIÑOS CON INDICADORES DE TDAH

RESUMO

O diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade - TDAH é bastante complexo, podendo ser influenciado por fatores contextuais, e seu tratamento pode envolver diferentes intervenções. A participação dos usuários nas decisões a respeito do tratamento vem sendo promovida por instituições de diversos países e, no Brasil, é prevista pelas legislações do Sistema Único de Saúde. Este estudo investigou o processo de tomada de decisão no tratamento de crianças com indicadores de TDAH a partir da percepção de oito profissionais de serviços públicos de saúde mental, que foram entrevistados individualmente. Os dados foram examinados através da análise temática, revelando desafios relativos ao excesso de demanda nos serviços e à complexidade do processo diagnóstico. O envolvimento de usuários e familiares nas decisões foi percebido como parcial, ocorrendo geralmente após a elaboração do plano terapêutico pelas equipes, e envolvendo dificuldades na comunicação entre profissionais e pacientes e divergências de interesses entre as crianças e seus familiares. Esses aspectos poderão ser abordados em futuros estudos e intervenções a fim de facilitar e melhorar a qualidade da tomada de decisão nesse contexto.

Palavras-chave:
Tomada de decisão; transtorno da falta de atenção com hiperatividade; estudo de caso

RESUMEN

El diagnóstico del trastorno por déficit de atención con hiperactividad - TDAH es bastante complejo y puede verse influenciado por factores contextuales, y su tratamiento puede implicar diferentes intervenciones. La participación de los usuarios en las decisiones sobre tratamiento ha sido promovida por instituciones de diferentes países y, en Brasil, está prevista por las leyes del Sistema Único de Salud. Este estudio investigó el proceso de toma de decisiones en el tratamiento de niños con indicadores TDAH desde la percepción de 8 profesionales de la salud mental pública, que fueron entrevistados individualmente. Los datos fueron examinados a través del análisis temático, revelando desafíos relacionados con el exceso de demanda en los servicios y la complejidad del proceso de diagnóstico. La implicación de los usuarios y familiares en las decisiones se percibió como parcial, ocurriendo generalmente después de la elaboración del plan terapéutico por los equipos, y implicando dificultades en la comunicación entre profesionales y pacientes y divergencias de intereses entre los niños y sus familias. Estos aspectos pueden abordarse en futuros estudios e intervenciones con el fin de facilitar y mejorar la calidad de la toma de decisiones en este contexto.

Palabras clave:
Toma de decisión; trastorno por déficit de atención con hiperactividad; estudio de caso

ABSTRACT

The diagnosis of Attention Deficit Hyperactivity Disorder - ADHD is quite complex. Contextual factors may influence it, and its treatment may involve different interventions. Institutions in several countries have promoted the participation of users in treatment decisions. In Brazil, it is provided by the Unified Health System. This study investigated the decision-making process in treating children with ADHD indicators from the perception of 8 public mental health services professionals interviewed individually. Data were examined through thematic analysis, revealing challenges related to excessive demand for services and the complexity of the diagnostic process. The involvement of users and family members in the decisions was perceived as partial, generally occurring after elaborating the therapeutic plan by the teams, and involving difficulties in communication between professionals and patients and differences of interests between children and their families. These aspects may be addressed in future studies and interventions to facilitate and improve the quality of the decision-making process in this context.

Keywords:
Decision-making; attention deficit hyperactivity disorder; case study

Introdução

A tomada de decisão no tratamento, comumente mais estudada no contexto da medicina, é investigada e compreendida de diferentes maneiras na literatura (Galanter & Patel, 2005Galanter, C. A., & Patel, V. L. (2005). Medical decision making: a selective review for child psychiatrists and psychologists. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 46(7), 675-689. doi:10.1111/j.1469-7610.2005.01452.x
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). Alguns modelos, denominados normativos, procuram definir racionalmente as melhores escolhas possíveis a partir de determinado conjunto de informações, podendo ser utilizados no desenvolvimento de softwares para auxiliar os profissionais da saúde no processo de tomada de decisão (Rapaport, Leshno, & Fink, 2012Rapaport, S., Leshno, M., & Fink, L. (2012). A design process for using normative models in shared decision making: a case study in the context of prenatal testing. Health Expectations, 17(6), 863-875. doi:10.1111/hex.12004
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). Outros modelos, nominados descritivos, buscam compreender como os seres humanos de fato tomam decisões, adotando uma postura mais cética sobre a racionalidade desse processo. Algumas pesquisas nesse campo identificam formas simplificadas de pensamento (heurísticas) que, em contextos como o da medicina (Scott, Soon, Elshaug, & Lindner, 2017Scott, I. A., Soon, J., Elshaug, A. G., & Lindner, R. (2017). Countering cognitive biases in minimising low value care. Medical Journal of Australia, 206(9), 407-411. doi:10.5694/mja16.00999
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) podem levar os profissionais a equívocos, como a superestimação do valor terapêutico de determinado tratamento.

Outros modelos, denominados ‘naturalísticos’, estão voltados para os contextos complexos do ‘mundo real’, em que o processo de tomada de decisão é afetado por fatores como estresse e limites de tempo (Galanter & Patel, 2005Galanter, C. A., & Patel, V. L. (2005). Medical decision making: a selective review for child psychiatrists and psychologists. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 46(7), 675-689. doi:10.1111/j.1469-7610.2005.01452.x
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). Em contextos como esses, profissionais experientes costumam apoiar-se em suas experiências prévias para tomar decisões, reconhecendo rapidamente as pistas relevantes em uma dada situação e formulando respostas adequadas (Klein, 2008Klein, G. A. (2008). Naturalistic decision making. Human Factors: The Journal of the Human Factors and Ergonomics Society, 50(3), 456-460. doi:10.1518/001872008X288385
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). Esse modelo é conhecido como ‘tomada de decisão pela primeira opção identificada’ (Recognition-Primed Decision - RPD), uma vez que ele parte da observação de que experts tendem a considerar primeiro as alternativas mais adequadas para uma dada situação. Porém, há casos em que a confiança em experiências prévias pode levar ao erro, pois o aprendizado das pistas relevantes é dificultado pelas características da tarefa. Algumas características que reconhecidamente dificultam esse processo são a excessiva imprevisibilidade de algumas tarefas (Shanteau, 1992Shanteau, J. (1992). Competence in experts: The role of task characteristics. Organizational Behavior and Human Decision Processes, 53(2), 252-266. doi:10.1016/0749-5978(92)90064-E
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) e distorções, ambiguidades ou demora excessiva na obtenção de feedback sobre as decisões (Larrick & Feiler, 2015Larrick, R. P., & Feiler, D. C. (2015). Expertise in decision making. In G. Keren & G. Wu (Eds.), The Wiley Blackwell handbook of judgement and decision making (Cap. 24, p. 696-722). Chichester, UK: John Wiley & Sons, Ltd.).

Também importante no processo de tomada de decisão no tratamento é o papel desempenhado pelos diversos agentes no processo de tomada de decisão. Nesse âmbito, o crescente reconhecimento da necessidade de envolver os usuários nas decisões sobre seu tratamento levou ao desenvolvimento do modelo de tomada de decisão compartilhada (Makoul & Clayman, 2006Makoul, G., & Clayman, M. L. (2006). An integrative model of shared decision making in medical encounters. Patient Education and Counseling, 60(3), 301-312. doi:10.1016/j.pec.2005.06.010
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). Esse modelo propõe que as decisões a respeito de um tratamento ocorram através de um processo de troca de informações e comunicação de valores e/ou preferências entre profissionais e pacientes, podendo envolver também pessoas de sua confiança como amigos e familiares. O modelo proposto por Makoul e Clayman (2006) foi utilizado como principal referência para este estudo por integrar coerentemente as principais definições prévias do conceito de tomada de decisão compartilhada. O modelo inclui elementos essenciais (como a apresentação de opções ao paciente, a discussão de prós e contras e a consideração sobre seus valores e preferências) que são necessários para que haja um processo de tomada de decisão compartilhada. Há também outros elementos, denominados ideais, que tornam o processo de tomada de decisão compartilhada mais completo, embora não sejam necessários. Por exemplo, o elemento ‘concordância mútua’ é considerado ideal pelo fato de que, embora se busque uma escolha consensual, diferenças de opinião ainda podem existir ao fim do processo. Além desses elementos, há as qualidades gerais (como respeito mútuo e participação dos pacientes) que não definem comportamentos específicos e são menos diretamente aplicáveis à prática e à pesquisa, mas auxiliam a compreender e desenvolver a tomada de decisão compartilhada.

Alguns benefícios do compartilhamento das decisões podem incluir o aumento da confiança dos pacientes (Kashaf, McGill, & Berger, 2017Kashaf, M. S., McGill, E. T., & Berger, Z. D. (2017). Shared decision-making and outcomes in type 2 diabetes: A systematic review and meta-analysis. Patient Education and Counseling, 100(12), 2159-2171. doi:10.1016/j.pec.2017.06.030
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) ou mesmo melhores resultados de saúde em geral (Hughes et al., 2018Hughes, T. M., Merath, K., Chen, Q., Sun, S., Palmer, E., Idrees, J. J., … & Pawlik, T. M. (2018). Association of shared decision-making on patient-reported health outcomes and healthcare utilization. The American Journal of Surgery, 216(1), 7-12. doi:10.1016/j.amjsurg.2018.01.011
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). Além disso, embora a efetividade de intervenções para promover a tomada de decisão compartilhada não esteja bem estabelecida (Légaré et al., 2018Légaré, F., Adekpedjou, R., Stacey, D., Turcotte, S., Kryworuchko, J., Graham, I. D., … & Donner-Banzhoff, N. (2018). Interventions for increasing the use of shared decision making by healthcare professionals. The Cochrane database of systematic reviews, 7(7), CD006732. doi:10.1002/14651858.CD006732.pub4
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), a importância ética de envolver os pacientes nas decisões sobre o seu tratamento vem sendo reconhecida. Em países como Estados Unidos, através da Agency for Healthcare Research and Quality (n. d.Agency for Healthcare Research and Quality. (n. d.). About AHRQ. Recuperado de: https://www.ahrq.gov/cpi/about/index.html
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), e a Inglaterra, através do National Health Service [NHS] (2019National Health Service [NHS]. (2019). Universal personalised care: implementing the comprehensive model. Recuperado de: https://www.england.nhs.uk/wp-content/uploads/2019/01/universal-personalised-care.pdf
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), a tomada de decisão compartilhada vem sendo promovida por órgãos governamentais de saúde. No Brasil, políticas e legislações de saúde, incluindo a saúde infanto-juvenil (Portaria GM/MS nº 1.130, 2015Portaria GM/MS nº 1.130, de 5 de agosto de 2015. (2015). Institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC) no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Recuperado de: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2015/prt1130_05_08_2015.html
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), valorizam o direito à autonomia dos usuários em suas diretrizes.

Contudo, a implementação da Tomada de Decisão Compartilhada no tratamento de crianças ainda é limitada (Wyatt et al., 2015Wyatt, K. D., List, B., Brinkman, W. B., Lopez, G. P., Asi, N., Erwin, P., … & LeBlanc, A. (2015). Shared decision making in pediatrics: a systematic review and meta-analysis. Academic Pediatrics, 15(6), 573-583. doi:10.1016/j.acap.2015.03.011
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), e as intervenções para promovê-la geralmente têm como foco os familiares, com pouca ênfase para a participação da própria criança (Cheng et al., 2017Cheng, H., Hayes, D., Edbrooke-Childs, J., Martin, K., Chapman, L., & Wolpert, M. (2017). What approaches for promoting shared decision-making are used in child mental health? A scoping review. Clinical Psychology Psychotherapy, 24(6), 1495-1511. doi:10.1002/cpp.2106
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). A inclusão das crianças nas decisões sobre os seus tratamentos de saúde pode ser considerada uma forma de respeito à sua dignidade (Buchanan & Brock, 1990Buchanan, A. E., & Brock, D. W. (1990). Deciding for others: the ethics of surrogate decision making. Cambridge, UK: Cambridge University Press.), mas depende de uma consideração criteriosa da sua competência para participar desse processo. Para isso, é preciso que os profissionais considerem cuidadosamente as implicações das especificidades neurobiológicas, psicológicas e sociais das crianças no processo de tomada de decisão (Krockow, Riviere, & Frosch, 2019Krockow, E. M., Riviere, E., & Frosch, C. A. (2019). Improving shared health decision making for children and adolescents with chronic illness: A narrative literature review. Patient education and counseling, 102(4), 623-630. doi:10.1016/j.pec.2018.11.017
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). De acordo com essas considerações e dependendo do impacto das decisões em questão, o papel que a criança assume na tomada de decisão pode variar, desde a expressão de opiniões, passando pela sua participação nas decisões em conjunto com os pais, até a tomada autônoma de decisões (Wyatt et al., 2015Wyatt, K. D., List, B., Brinkman, W. B., Lopez, G. P., Asi, N., Erwin, P., … & LeBlanc, A. (2015). Shared decision making in pediatrics: a systematic review and meta-analysis. Academic Pediatrics, 15(6), 573-583. doi:10.1016/j.acap.2015.03.011
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).

No caso do Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH), a importância da participação das crianças e de suas famílias nas decisões sobre o tratamento é enfatizada pela presença de diferentes abordagens terapêuticas possíveis (Wolraich et al., 2019Wolraich, M. L., Hagan Jr, J. F., Allan, C., Chan, E., Davison, D., Earls, M., … & Zurhellen, W. (2019). Clinical practice guideline for the diagnosis, evaluation, and treatment of attention-deficit/hyperactivity disorder in children and adolescents. Pediatrics, 144(4), e20192528. doi:10.1542/peds.2019-2528
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). Segundo a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (daqui em diante referido como DSM-5), o TDAH tem como principal característica “[...] um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade que interfere no funcionamento ou no desenvolvimento” (American Psychiatric Association, 2013American Psychiatric Association. (2013). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre, RS: Artmed., p. 59). Problemas comuns para as crianças com esse diagnóstico são dificuldades para manter o foco em tarefas, atividade motora excessiva em contextos inapropriados e ações precipitadas e arriscadas.

Na verdade, O TDAH abrange um conjunto neuropsicologicamente heterogêneo de pacientes (Coghill, Seth, & Matthews, 2014Coghill, D. R., Seth, S., & Matthews, K. (2014). A comprehensive assessment of memory, delay aversion, timing, inhibition, decision making and variability in attention deficit hyperactivity disorder: advancing beyond the three-pathway models. Psychological Medicine, 44(9), 1989-2001. doi:10.1017/S00332917130025
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), e o diagnóstico aparentemente é influenciado por outros fatores, como mudanças no ambiente escolar (Hinshaw & Scheffler, 2018Hinshaw, S. P., & Scheffler, R. M. (2018). ADHD in the twenty-first century. In T. Banaschewski, D. Coghill, & A. Zuddas (Eds.), Oxford textbook of attention deficit hyperactivity disorder(Cap. 2, p. 9-15). doi:10.1093/med/9780198739258.003.0002
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) e diferenças de idade entre crianças (Schwandt & Wuppermann, 2016Schwandt, H., & Wuppermann, A. (2016). The youngest get the pill: ADHD misdiagnosis in Germany, its regional correlates and international comparison. Labour Economics, 43, 72-86. doi:10.1016/j.labeco.2016.05.018
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). O tratamento do TDAH também envolve complexidades, podendo ser realizado através de intervenções farmacológicas e não farmacológicas, dependendo de fatores como gravidade, presença de comorbidades e preferências dos usuários (Wolraich et al., 2019Wolraich, M. L., Hagan Jr, J. F., Allan, C., Chan, E., Davison, D., Earls, M., … & Zurhellen, W. (2019). Clinical practice guideline for the diagnosis, evaluation, and treatment of attention-deficit/hyperactivity disorder in children and adolescents. Pediatrics, 144(4), e20192528. doi:10.1542/peds.2019-2528
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).

Assim, o processo de tomada de decisão a respeito de crianças com indicadores de TDAH pode ser particularmente complexo, desafiando a construção de planos terapêuticos adequados às necessidades de cada caso. Além disso, a consideração das preferências dos usuários nas decisões costuma ser limitada (Brinkman et al., 2013Brinkman, W. B., Majcher, J. H., Poling, L. M., Shi, G., Zender, M., Sucharew, H., … & Epstein, J. N. (2013). Shared decision-making to improve attention-deficit hyperactivity disorder care. Patient Education Counseling, 93(1), 95-101. doi:10.1016/j.pec.2013.04.009
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; Wyatt et al., 2015Wyatt, K. D., List, B., Brinkman, W. B., Lopez, G. P., Asi, N., Erwin, P., … & LeBlanc, A. (2015). Shared decision making in pediatrics: a systematic review and meta-analysis. Academic Pediatrics, 15(6), 573-583. doi:10.1016/j.acap.2015.03.011
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). Nesse sentido, o objetivo deste estudo foi investigar o processo de tomada de decisão no tratamento de crianças com indicadores de TDAH, na percepção de profissionais de saúde mental. Em particular, buscou-se conhecer em que medida a tomada de decisões é compartilhada com a criança e sua família. Isso foi investigado no contexto dos atendimentos em Centros de Atenção Psicossocial Infanto-juvenil (CAPSi), serviços do Sistema Único de Saúde que oferecem atenção especializada em saúde mental para crianças e adolescentes.

Método

Participantes

Participaram do estudo oito profissionais de dois CAPSi da Região Metropolitana de Porto Alegre (RS), sendo dois psiquiatras, três psicólogas e três assistentes sociais. Apenas um profissional entrevistado era do gênero masculino, razão pela qual se utiliza a flexão de gênero feminina ao fazer referência aos participantes deste estudo. A Tabela 1 apresenta os dados sociodemográficos e a experiência profissional das participantes entrevistadas em cada CAPSi. Para evitar a identificação das participantes, utiliza-se códigos para referir-se às profissionais (P1 a P8) e CAPSi (A e B) na exposição dos resultados deste estudo.

Tabela 1
Dados sociodemográficos, formação e experiência profissional das participantes

Delineamento, procedimento e instrumentos

Trata-se de um estudo de caso múltiplo (Stake, 2005Stake, R. E. (2005). Multiple case study analysis. New York, NY: The Guilford Press.) que envolveu a realização de entrevistas estruturadas, com questões abertas e fechadas, realizadas individualmente com cada profissional. Inicialmente foi feito contato telefônico com os CAPSi, solicitando-se o agendamento de uma data para apresentação do estudo às equipes, na qual foram explicitados os objetivos do estudo. As profissionais que aceitassem participar da pesquisa foram instruídas a se comunicar com o contato do pesquisador no serviço (uma das participantes do estudo, no CAPSi B, e a coordenadora do serviço, no CAPSi A)5 5 Entre as profissionais que optaram por não participar, apenas uma mencionou o motivo, sendo este a não realização de atendimentos às crianças com indicadores de TDAH. . Assim, foi agendado um horário individual com cada participante, quando foi inicialmente assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Na mesma ocasião, foram solicitadas a responder a três entrevistas: a) ‘Entrevista sobre tomada de decisão no tratamento de crianças com demandas de saúde mental’, que explora aspectos como os atendimentos e decisões tomadas no tratamento de crianças com demandas de saúde mental no serviço e a participação dos familiares e das crianças nas decisões sobre o tratamento (ex.: ‘O que tu achas da participação de familiares na tomada de decisão sobre o tratamento das crianças?’); b) ‘Entrevista sobre tomada de decisão no tratamento de crianças com indicadores de TDAH’, que aborda os mesmos tópicos da entrevista anterior, porém com foco nas crianças com indicadores de TDAH (ex.: ‘As crianças com indicadores de TDAH participam das decisões sobre o seu tratamento no serviço?’); e c) ‘Entrevista sobre experiência e formação de profissionais de saúde’, que explora informações sobre o profissional entrevistado, incluindo dados sociodemográficos, cursos de formação realizados e tempo na área e no serviço (ex.: ‘Há quanto tempo tu trabalhas na área da saúde?’). As entrevistas foram realizadas de forma flexível, não seguindo rigidamente a ordem prevista, privilegiando-se a manutenção de um diálogo fluido e não excessivamente longo (entre 1 hora e 1 hora e meia, somando-se todas as entrevistas). As entrevistas foram previamente examinadas em um estudo piloto nas dependências do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com a participação de um graduando e um doutorando em psicologia. Todas as entrevistas foram realizadas pelo primeiro autor deste artigo, psicólogo e, na época, mestrando em psicologia, durante o segundo semestre de 2019, nas dependências dos respectivos CAPSi. O entrevistador possuía experiência prévia na realização de entrevistas qualitativas e todas as entrevistas foram gravadas em áudio e, posteriormente, transcritas. O estudo atendeu às determinações éticas da resolução 510/2016 do CONEP, que versa sobre pesquisas em ciências humanas e sociais, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia/ UFRGS (CAAE: 05357719.3.0000.5334).

Resultados e discussão

As respostas das profissionais foram submetidas à análise temática (Braun & Clarke, 2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. doi:10.1191/1478088706qp063oa
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), buscando-se identificar, analisar e reportar padrões de significados, denominados temas, no conjunto de dados. Para isso, as respostas das profissionais foram classificadas em dois eixos de análise. O Eixo 1, ‘Tomada de decisão no tratamento’, foi analisado de maneira indutiva, sem procurar acomodar os dados em um quadro teórico pré-estabelecido. Já o Eixo 2, ‘Participação dos usuários e familiares nas decisões’, foi analisado de maneira dedutiva, tendo como referenciais o modelo de tomada de decisão compartilhada de Makoul e Clayman (2006Makoul, G., & Clayman, M. L. (2006). An integrative model of shared decision making in medical encounters. Patient Education and Counseling, 60(3), 301-312. doi:10.1016/j.pec.2005.06.010
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) e as barreiras e os facilitadores descritos por Boland et al. (2019Boland, L., Graham, I. D., Légaré, F., Lewis, K., Jull, J., Shephard, A., … Stacey, D. (2019). Barriers and facilitators of pediatric shared-decision making: a systematic review. Implementation science, 14(1), 7. doi:10.1186/s13012-018-0851-5
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) para a tomada de decisão compartilhada no contexto pediátrico. Toda a análise de dados foi realizada pelo primeiro autor deste artigo, com o emprego do software R Package for Qualitative Data Analysis - RQDA (Haung, 2018Haung, R. (2018). RQDA: R-based Qualitative Data Analysis (versão 0.3-1) [Programa de computador]. Recuperado de: http://rqda.r-forge.r-project.org
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).

A partir da análise realizada, foram gerados temas para cada um dos eixos que são apresentados a seguir, ilustrados com relatos de participantes. Na dissertação de mestrado do primeiro autor deste artigo (Manara, 2020Manara, K. M. (2020). O processo de tomada de decisão no tratamento de crianças com indicadores de TDAH: percepções de profissionais de CAPSI (Dissertação de mestrado). Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Recuperado de: http://hdl.handle.net/10183/219197
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), encontram-se outros relatos que não foram incluídos neste artigo por limitações de espaço.

Antes de abordar os resultados da análise temática, destacam-se alguns aspectos do processo de trabalho nos dois serviços estudados. Conforme o relato das profissionais, o ingresso de usuários nesses serviços se dá através de entrevistas iniciais (acolhimento) nas quais são levantadas informações gerais sobre os casos, incluindo aspectos contextuais (sendo possível a solicitação de relatórios a outros serviços, como as escolas). Essas informações são levadas às reuniões de equipe, nas quais é definido se o caso apresentado deverá permanecer em atendimento no serviço ou encaminhado. O critério para essa permanência é a presença de prejuízo funcional e/ou a severidade dos sintomas, ou, nas palavras das profissionais, se a condição “[...] está fazendo ela [a criança] se desorganizar muito, não conseguir aprender” (P6), ou quando há “[...] um transtorno mais severo e isso está trazendo um prejuízo emocional” (P2).

Eixo 1: Tomada de decisão no tratamento

Neste eixo foram analisados os relatos das profissionais no que diz respeito aos aspectos gerais do processo de tomada de decisão no tratamento de crianças com indicadores de TDAH. Foi possível identificar alguns critérios utilizados para definir os planos terapêuticos, bem como dificuldades associadas a essas decisões, com destaque para dois temas: ‘Tratamento padrão e dificuldades diagnósticas e patologização’.

No tema ‘Tratamento padrão’ foram incluídos relatos de profissionais (P1, P2, P6, P7, P8) que indicaram as intervenções mais comumente utilizadas no tratamento de crianças com indicadores de TDAH nos CAPSi estudados. Também foram incluídos relatos que indicaram os motivos para utilização de intervenções menos comuns.

No CAPSi A, o plano terapêutico mais comum para crianças com indicadores de TDAH é composto por dois grupos específicos, voltados para crianças com TDAH e seus familiares, e por atendimentos psiquiátricos breves, voltados para o ajuste da medicação. O seguinte relato ilustra adequadamente essa lógica:

Se tem qualquer demanda de humor, ou alguma questão de problema familiar, ou um caso mais complicado é muito difícil fazer nesse tempo [do grupo], então daí a gente deixa na consulta individual com PTS [Plano Terapêutico Singular] diferenciado, psicoterapia, ou algum outro grupo (P1).

Já no CAPSi B, as crianças com indicadores de TDAH, geralmente, ingressam no serviço em função de comportamentos agressivos e opositores. Assim, as oficinas, que costumam fazer parte de seu plano terapêutico, têm como foco as comorbidades: “Aqui no CAPS são crianças que têm comportamento opositor associado, são mais agressivos né, então acaba que o plano terapêutico geralmente acaba sendo mais voltado para esse grupo [terapêutico]” (P8).

O plano terapêutico direcionado a esse público também pode incluir atendimentos individuais com uma terapeuta ocupacional. Porém, em casos considerados mais graves, considera-se a indicação de atendimento psicológico individual: “Só se for muito [...] urgente, muito gritante alguma coisa vai se pensar num [...] num atendimento psicológico” (P7). Outros elementos importantes para avaliação da necessidade desse tipo de atendimento seriam a existência de um histórico de abuso sexual e a dificuldade de manejar o comportamento da criança em situações grupais: “Geralmente são pessoas que têm uma […] demanda muito associada ao abuso sexual, […] ou, no caso de crianças, seriam aquelas consideradas as mais [...] difíceis, que precisariam de mais recursos, além do grupo, assim” (P7).

Além das características de cada caso, a existência de filas de espera, em especial para o atendimento psicológico individual, foi relatada pelas profissionais (P1, P2, P4, P6, P7) como fator determinante para a construção dos planos terapêuticos nos serviços. Esse fator parece contribuir para a valorização dos atendimentos em grupo:

Aí vai se tornando uma bola de neve, às vezes, fica com a psiquiatria, uma oficina, um grupo de pais [...] e a psicologia [...] esperando. […] aí consegue encaixar uma criança num grupo terapêutico e tem uma psicóloga [...] a gente fica até mais aliviado [...] (P4).

Como foi visto, as intervenções mais comumente utilizadas para o tratamento de crianças com indicadores de TDAH nos serviços incluem oficinas terapêuticas e os atendimentos psiquiátricos individuais. A decisão sobre esses planos terapêuticos costuma considerar aspectos como gravidade, presença de comorbidades ou problemas familiares. Além disso, a presença de filas de espera restringe a disponibilidade de determinadas intervenções, especialmente a psicoterapia individual. Assim, a ‘padronização’ do tratamento não ocorre como um processo totalmente voluntário, mas, ao menos em parte, por consequência da sobrecarga do serviço.

O tema ‘Tratamento padrão’ pode ser interpretado através do modelo de tomada de decisão naturalística RPD (Klein, 2008Klein, G. A. (2008). Naturalistic decision making. Human Factors: The Journal of the Human Factors and Ergonomics Society, 50(3), 456-460. doi:10.1518/001872008X288385
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). Nessa interpretação, o reconhecimento, por parte das profissionais, de casos considerados mais típicos e/ou menos graves, levaria à utilização da opção terapêutica mais comum, que é revisada caso sejam percebidos elementos discrepantes (comorbidades, problemas familiares). Por outro lado, quando se opta por intervenções terapêuticas menos comuns (ex.: psicoterapia) a consideração, por parte das profissionais, da presença de uma grande fila de espera (tipicamente, segundo o modelo, através de simulações mentais), levaria à revisão dessa opção terapêutica.

No segundo tema, ‘Dificuldades diagnósticas e patologização’, foram incluídos os relatos de profissionais (P1, P2 e P7) que indicaram que o processo de tomada de decisão é dificultado pela complexidade envolvida no diagnóstico de TDAH. Como será visto a seguir, essa complexidade inclui elementos diversos que possivelmente se sobrepõem e dificultam o processo de tomada de decisão. É importante destacar, porém, que as problemáticas mencionadas neste tema ocorrem no contexto dos processos de reflexão (individuais ou em equipe) a respeito dos casos, e não necessariamente refletem a falta de acurácia quando o diagnóstico é estabelecido formalmente. Além disso, o estabelecimento formal do diagnóstico não foi abordado diretamente nas entrevistas e está para além do escopo deste estudo.

A consideração das comorbidades foi apontada como um dos desafios para o processo de tomada de decisão: “Acontece […] de vir [diagnóstico de TDAH] associado com outros transtornos, né [...] transtorno opositor, algum transtorno de conduta […] que isso também é um desafio, né? A gente poder olhar o que tem pra além” (P2). Também foram mencionados casos em que as nomenclaturas diagnósticas seriam utilizadas de maneira pouco rigorosa durante as reuniões de equipe: “Se confunde, assim […] ‘ah, isso aqui é hiperatividade’, ‘Ah, não, mas isso aqui é TOD [Transtorno Opositor-Desafiador]’” (P7). Em outros casos, as dificuldades oriundas de outros domínios da vida da criança seriam equivocadamente interpretadas como sintomas de um transtorno psiquiátrico: “Eu acho que também tem casos [em] […] que a criança também pode não estar tão interessada, realmente, no estudo, tipo [...] não é necessariamente um adoecimento” (P7).

Assim, tanto a presença de diagnósticos distintos como a possibilidade da confusão entre elementos normais e patológicos do comportamento foram apontados como desafios para o processo de tomada de decisão nesses serviços. Diante disso, uma das profissionais mencionou que a maior disponibilidade de instrumentos para avaliação psicológica no serviço poderia auxiliar no processo de tomada de decisão: “Em alguns casos, uma avaliação psicodiagnóstica, ou até alguns instrumentos que a gente pudesse usar aqui, de repente apoiariam […] a nossa tomada de decisão nesse sentido” (P2).

Outros aspectos destacados nesse tema referem-se à influência de outros agentes, como os familiares das crianças e suas escolas, no processo de tomada de decisão. Por exemplo, destacou-se que uma demanda excessiva dos familiares poderia dificultar a observação objetiva das especificidades de um caso:

As queixas elas vêm tão intensas […] que às vezes se torna difícil poder olhar o que tem pra além […] do diagnóstico de TDAH, né, o que, às vezes, tá também dentro da normalidade, né, o que de repente está associado com outras questões (P2).

Assim, um conjunto diverso de fatores contribui para dificultar o processo de tomada de decisão nos serviços estudados. Algumas dificuldades diagnósticas mencionadas parecem refletir desafios técnicos que poderiam ser abordados e minimizados através de processos de formação continuada. Isso é especialmente evidente no caso, mencionado anteriormente, de usos pouco rigorosos das categorias diagnósticas do DSM-5 por algumas profissionais durante as reuniões de equipe. Outras dificuldades mencionadas (por exemplo, diagnóstico diferencial na presença de comorbidades) são, em alguma medida, inerentes aos sistemas de classificação de transtornos mentais, cujos critérios para distinguir e definir transtornos têm importante grau de arbitrariedade (Clark, Cuthbert, Lewis-Fernández, Narrow, & Reed, 2017Clark, L. A., Cuthbert, B., Lewis-Fernández, R., Narrow, W. E., & Reed, G. M. (2017). Three approaches to understanding and classifying mental disorder: ICD-11, DSM-5, and the National Institute of Mental Health’s Research Domain Criteria (RDoC). Psychological Science in the Public Interest, 18(2), 72-145. doi:10.1177/1529100617727266
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). Já a ênfase excessiva no diagnóstico, oriunda de agentes externos ao serviço (como familiares e escola), parece refletir a reificação dos diagnósticos descritos pelos sistemas de classificação, ou seja, a suposição equivocada de que os transtornos existiriam como entidades naturais e isoladas. Esse fenômeno pode levar agentes (em especial os leigos ou pouco especializados, como professores e familiares) a presumir que os comportamentos da criança são fruto de uma entidade nosológica única e bem definida, negligenciando outros fatores relevantes.

Porém, mesmo profissionais podem ser levados a ignorar aspectos importantes de uma situação, caracterizando o fenômeno denominado ‘entrincheiramento’ (entrenchment), no qual estímulos pouco usuais tendem a ser ignorados por pessoas experientes em determinada área (Larrick & Feiler, 2015Larrick, R. P., & Feiler, D. C. (2015). Expertise in decision making. In G. Keren & G. Wu (Eds.), The Wiley Blackwell handbook of judgement and decision making (Cap. 24, p. 696-722). Chichester, UK: John Wiley & Sons, Ltd.). Esse fenômeno pode ser revertido caso os tomadores de decisões recebam pistas sobre a presença de novos elementos nas situações avaliadas. Assim, denota-se a importância de que os elementos contidos nesse tema ‘Dificuldades diagnósticas e patologização’ sejam considerados pelos profissionais no processo de tomada de decisão.

Eixo 2: Participação de usuários e familiares nas decisões

Neste eixo, foram analisados os relatos das profissionais no que diz respeito à participação de crianças com indicadores de TDAH e seus familiares nas decisões sobre o tratamento. Foi identificado que a participação dos usuários costuma ocorrer após a definição do plano terapêutico, e a inclusão desses agentes no processo de tomada de decisão enfrenta alguns desafios. Os temas resultantes da análise foram: ‘Informações das profissionais’ (com os subtemas ‘Informações como argumentos’ e ‘Informações como limites’), ‘Participação como resposta’ e ‘Divergências criança-família’.

No primeiro tema deste eixo, ‘Informações das profissionais’, foram incluídos relatos das profissionais (P1, P6, P8) que explicitaram o papel das informações no processo de tomada de decisão. Esses relatos refletem aspectos implícitos ou usos explícitos das informações que, em geral, atuam a favor das recomendações das profissionais no processo de tomada de decisão. Isso ocorre de duas maneiras diferentes, representadas pelos subtemas ‘Informações como argumentos’ e ‘Informações como limites’ que serão descritos a seguir.

O subtema ‘Informações como argumentos’ reúne relatos nos quais as profissionais utilizam-se explicitamente de informações sobre os tratamentos, por meio de exposições e explicações, para levar os usuários a concordar com a proposta terapêutica que está sendo recomendada. Isso ocorre, por exemplo, nos casos em que é preciso suspender o tratamento medicamentoso: “A gente nota as famílias bastante resistentes a tirar a medicação, mas a gente propõe, explica por que seria interessante tirar [...]” (P1). Isso também ocorreria no momento de introduzir novos tratamentos: “Ele [a criança] ‘ah não, porque eu não vou tomar! Porque eu não quero tomar! Por que dois remédios?! Não vou tomar!!!’ […] eu expliquei para a mãe que era importante realmente” (P8).

Assim, ao falar da participação dos usuários e familiares no processo de tomada de decisão, as profissionais mencionaram o uso de explicações relativas aos tratamentos como ferramentas para lidar com seus possíveis receios e discordâncias. Esse processo pode ser considerado adequado, quando não há alternativas terapêuticas viáveis, e a defesa da saúde dos usuários depende de sua compreensão da importância do tratamento e a consideração de seus efeitos colaterais. Por outro lado, quando há mais de uma alternativa, o uso meramente ‘argumentativo’ da informação diverge da proposta da tomada de decisão compartilhada, pois a informação sobre as alternativas terapêuticas não é amplamente explorada. Essa possível seletividade no compartilhamento de informações já foi identificada em outros estudos na literatura (Boland et al., 2019Boland, L., Graham, I. D., Légaré, F., Lewis, K., Jull, J., Shephard, A., … Stacey, D. (2019). Barriers and facilitators of pediatric shared-decision making: a systematic review. Implementation science, 14(1), 7. doi:10.1186/s13012-018-0851-5
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) como um dificultador da participação dos usuários no processo de decisão.

É importante mencionar que, no modelo de tomada de decisão compartilhada (Markoul & Clayman, 2006), os profissionais também oferecem suas perspectivas e recomendações aos os usuários. Porém, as alternativas terapêuticas (se houverem) precisam ser comparadas, e os usuários precisam ser auxiliados na comparação de seus riscos e benefícios (Elwyn et al., 2012Elwyn, G., Frosch, D., Thomson, R., Joseph-Williams, N., Lloyd, A., Kinnersley, P., Cording, E., Edwards, A. (2012). Shared decision making: a model for clinical practice. Journal of General Internal Medicine, 27(10), 1361-1367. doi:10.1007/s11606-012-2077-6
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). Além disso, a ênfase dada às recomendações profissionais idealmente é sustentada em evidências a respeito da predominância dos benefícios sobre os danos causados pelas intervenções. No caso do TDAH, essa relação é bem estabelecida para medicamentos como o metilfenidato e para algumas intervenções comportamentais baseadas no treinamento de familiares e/ou professores (Wolraich et al., 2019Wolraich, M. L., Hagan Jr, J. F., Allan, C., Chan, E., Davison, D., Earls, M., … & Zurhellen, W. (2019). Clinical practice guideline for the diagnosis, evaluation, and treatment of attention-deficit/hyperactivity disorder in children and adolescents. Pediatrics, 144(4), e20192528. doi:10.1542/peds.2019-2528
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). O mesmo não se verifica em relação a algumas intervenções oferecidas pelos serviços estudados (como as oficinas), aumentando a importância de que os pacientes sejam devidamente informados e participem das decisões sobre o tratamento.

O segundo subtema, ‘Informações como limites’, descreve os casos nos quais as diferenças informacionais implícitas são situadas como o limite da participação dos usuários e de seus familiares nas decisões sobre o tratamento. Essas diferenças incluem dificuldades de compreensão das informações e barreiras inerentes aos conhecimentos técnicos.

Dificuldades na participação das crianças estariam associadas a limitações cognitivas e à dificuldade de reconhecer suas relativas capacidades, uma vez que “[...] esse limiar de que existe o poder de decisão e de compreensão, às vezes, é um pouquinho difícil de perceber” (P1). Para lidar com esse problema, uma das participantes imaginou que se poderia “[...] talvez, fazer algum tipo de treinamento [...] em como explicar de uma maneira mais lúdica os tratamentos” (P1). No que diz respeito aos adultos, dificuldades inerentes aos conhecimentos técnicos, em especial em relação à farmacologia, foram mencionadas. Em comparação com as intervenções não farmacológicas, a prescrição de medicamentos “[...] não dá pra discutir, porque isso envolve um conhecimento técnico que ela [familiar] não tem pra [...] né? Pra dizer” (P6).

As dificuldades de comunicação mencionadas parecem refletir barreiras já reportadas na literatura (Boland et al., 2019Boland, L., Graham, I. D., Légaré, F., Lewis, K., Jull, J., Shephard, A., … Stacey, D. (2019). Barriers and facilitators of pediatric shared-decision making: a systematic review. Implementation science, 14(1), 7. doi:10.1186/s13012-018-0851-5
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), como o baixo letramento em saúde e o nível de competência das crianças para tomar decisões. Nesse sentido, propostas de intervenções têm sido desenvolvidas para melhorar a comunicação entre profissionais da saúde e usuários, havendo algumas evidências de que elas podem levar a melhorias na relação terapêutica e na satisfação dos usuários com o tratamento (Kodjebacheva, Sabo, & Xiong, 2016Kodjebacheva, G. D., Sabo, T., & Xiong, J. (2016). Interventions to improve child-parent-medical provider communication: A systematic review. Social Science & Medicine, 166, 120-127. doi:10.1016/j.socscimed.2016.08.003
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). Porém, as intervenções nesse sentido têm focado principalmente na participação dos familiares (Cheng et al., 2017Cheng, H., Hayes, D., Edbrooke-Childs, J., Martin, K., Chapman, L., & Wolpert, M. (2017). What approaches for promoting shared decision-making are used in child mental health? A scoping review. Clinical Psychology Psychotherapy, 24(6), 1495-1511. doi:10.1002/cpp.2106
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; Wyatt et al., 2015Wyatt, K. D., List, B., Brinkman, W. B., Lopez, G. P., Asi, N., Erwin, P., … & LeBlanc, A. (2015). Shared decision making in pediatrics: a systematic review and meta-analysis. Academic Pediatrics, 15(6), 573-583. doi:10.1016/j.acap.2015.03.011
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), sendo que o desenvolvimento de instrumentos e/ou abordagens para facilitar a participação das próprias crianças não tem recebido a mesma atenção e é uma área importante para pesquisas futuras.

No tema ‘Participação como resposta’, foram incluídos relatos de que a participação dos usuários e familiares nas decisões sobre o tratamento costuma ocorrer de maneira indireta, após a definição do plano terapêutico pela equipe do serviço. Nesse sentido, as preferências dos usuários ‘respondem’ às decisões terapêuticas já tomadas pelas profissionais, ao invés de contribuírem para a constituição da proposta de tratamento inicial.

No caso de intervenções farmacológicas, relatou-se que seria importante ouvir a opinião dos usuários sobre o surgimento de efeitos colaterais: “A principal razão de troca, ou de trazer o paciente pra dentro da decisão, é a existência de algum efeito colateral” (P1). No caso das intervenções não farmacológicas, a presença de desconfortos relacionados às intervenções ou à relação com profissionais da equipe também demandaria a participação dos usuários no processo de tomada de decisão: “[Por exemplo] ‘Ah, não me sinto bem [no atendimento] individual [...]’, ‘Ai, […] fulano lá daquele grupo, não gostei do jeito que ele fez. Dá pra trocar?’ Acho que isso […] seria benéfico, ela [a criança] participar” (P6, grifo do autor).

A ‘participação como resposta’ é também exemplificada pela observação de um desconforto do usuário: “[Durante a psicoterapia individual] ele [paciente] ficava tipo assim ‘Já terminou? Já terminou?’” (P6, grifo do autor). Em outros casos, essa forma de participação parece ser uma reavaliação rotineira da abordagem terapêutica adotada:

No momento que eles consultam […], eu sempre converso com os pais né, então eles sugerem né, eles sugerem, eles falam o que tá acontecendo, o que acha que tá dando certo, o que acha que não tá dando certo, [...] em relação ao tratamento medicamentoso, em relação à questão das terapias, dos grupos aqui, das intervenções que são feitas (P8).

Cabe também destacar que a descrição das profissionais variou no que diz respeito ao papel dos usuários no processo de tomada de decisão, incluindo “[...] participação indireta” (P8) e “[...] opinião indireta” (P4). Entretanto, os relatos parecem convergir no que diz respeito à atribuição de um papel secundário dos usuários e familiares no processo de tomada de decisão:

A gente faz o plano terapêutico, eles não têm a participação da família. No momento que a gente monta o plano terapêutico a gente devolve pra família, esse plano [por exemplo], ‘vai ser feito isto, isto, isto’, alguns pais, às vezes [dizem] ‘Ah, mas eu não posso, eu não quero, eu não [...]’ sei lá, emitem a sua opinião. [...] Claro, a gente leva um pouco em consideração, mas a definição não, a definição é sem a participação da família. Eles não participam (P4, grifo do autor).

Como pode ser visto, os relatos incluídos no tema ‘Participação como resposta’ referem-se a um conjunto de práticas em que as preferências dos usuários e familiares tendem a ser valorizadas apenas após a definição de um plano terapêutico pela equipe. Essa forma de participação é viável, em grande parte, pela natureza crônica do TDAH, e pelos baixos riscos envolvidos nas terapêuticas consideradas. Porém, por ocorrer após a definição do plano terapêutico, a ‘Participação como resposta’ possui algumas limitações, quando comparada a tomada de decisão compartilhada proposta por Makoul e Clayman (2006Makoul, G., & Clayman, M. L. (2006). An integrative model of shared decision making in medical encounters. Patient Education and Counseling, 60(3), 301-312. doi:10.1016/j.pec.2005.06.010
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). Isto pois, embora novas informações e recomendações possam ser apresentadas pelas profissionais a partir da reação do usuário ao tratamento ou ao plano terapêutico, perde-se a oportunidade de comparar conjuntamente os prós e contras das alternativas disponíveis antes de sua implementação. Esse processo de comparação e troca de informações a respeito dos possíveis tratamentos caracteriza a transformação das preferências iniciais dos usuários em ‘preferências informadas’ (Elwyn et al., 2012Elwyn, G., Frosch, D., Thomson, R., Joseph-Williams, N., Lloyd, A., Kinnersley, P., Cording, E., Edwards, A. (2012). Shared decision making: a model for clinical practice. Journal of General Internal Medicine, 27(10), 1361-1367. doi:10.1007/s11606-012-2077-6
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), que permitem a participação mais consciente no processo de tomada de decisão.

O terceiro e último tema do Eixo 2, ‘Divergências criança-família’, refere-se a relatos das profissionais em que as preferências, preocupações e demandas expressas pela família são interpretados como não correspondentes com os interesses da criança. Em três dos relatos associados a esse tema (P4, P6, P7), essas divergências estariam ligadas à tendência da família de recusar-se a participar do tratamento, centralizando o problema na criança. O relato a seguir resume adequadamente esse aspecto:

A gente ouve bastante isso, assim, dito desse jeito mesmo, tipo: ‘não, mas ele que tem problema, por que que eu teria que vir [para um grupo]?’. Né, por parte da família, assim, tipo, aquela coisa toda de centralizar na criança o problema dela (P6, grifo do autor).

Além disso, a preferência dos familiares por intervenções farmacológicas e que não envolvam a participação em grupos poderia ser motivada pela conveniência e não refletir necessariamente uma defesa dos interesses da criança: “Tem uma tendência, assim, das famílias, a querer só uma alopatia mesmo. Né, resolver o problema do filho acalmando ele e dando remedinho, porque é mais fácil” (P4). Diante disso, relatou-se que a equipe procura pressionar os familiares para aderir ao tratamento de maneira mais integral “‘Não, se tu quer só a psiquiatria, aqui não pode. Tem que ter [risos] o combo, né?’ […] Aqui é tudo isto, então a gente às vezes faz um pouquinho de pressão” (P4, grifo do autor). Porém, relatou-se que muitos familiares preferem abandonar o tratamento a participar das intervenções propostas: “A desistência é muito alta, também, quando a pessoa é chamada a participar. Muitas vezes desistem do tratamento” (P6). Quando comparada aos efeitos adversos e/ou desconfortos associados às intervenções terapêuticas, essa ruptura do vínculo com o serviço merece destaque como um resultado particularmente difícil de reverter. Contudo, dialogar com os usuários sobre as opções terapêuticas disponíveis poderia auxiliar a identificar casos em que o risco de uma ruptura de vínculo supera os possíveis benefícios da insistência sobre planos terapêuticos que combinam intervenções farmacológicas e psicossociais.

Segundo outro relato incluído no tema ‘Divergências criança-família’, a forma de participação dos familiares poderia refletir seus próprios problemas, dificultando sua participação nas decisões sobre o tratamento: “Em alguns casos a forma de participação diz mais dos sintomas daquela família, né, do que de algo mais assim [voltado para a criança]” (P6). Assim, as preferências expressadas pelos familiares poderiam defender interesses próprios, e não necessariamente os interesses da criança. Casos como esse parecem contradizer a premissa de que os familiares são representantes adequados dos interesses das crianças (Buchanan & Brock, 1990Buchanan, A. E., & Brock, D. W. (1990). Deciding for others: the ethics of surrogate decision making. Cambridge, UK: Cambridge University Press.), o que presumivelmente implica um esforço adicional para distinguir os interesses em questão durante os atendimentos.

Em outros casos, divergências entre a criança e a família estariam associadas à imaturidade da criança para avaliar a importância de determinados prejuízos funcionais característicos do TDAH: “A demanda geralmente é de terceiros. No início do tratamento, porque a criança não necessariamente quer ter notas melhores, ou quer ter um caderno completo” (P1). De fato, a tomada de decisões orientadas para o futuro é uma característica que se estabelece ao longo do desenvolvimento, não estando plenamente desenvolvida nas crianças (Krockow et al., 2019Krockow, E. M., Riviere, E., & Frosch, C. A. (2019). Improving shared health decision making for children and adolescents with chronic illness: A narrative literature review. Patient education and counseling, 102(4), 623-630. doi:10.1016/j.pec.2018.11.017
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), e podendo ser menor no caso das crianças com TDAH (Coghill et al., 2014Coghill, D. R., Seth, S., & Matthews, K. (2014). A comprehensive assessment of memory, delay aversion, timing, inhibition, decision making and variability in attention deficit hyperactivity disorder: advancing beyond the three-pathway models. Psychological Medicine, 44(9), 1989-2001. doi:10.1017/S00332917130025
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). Assim, a dificuldade em compreender a importância de resultados do tratamento que não trazem gratificações mais imediatas (como pode ser o caso da atividade escolar) também poderia dificultar a participação das crianças nas decisões.

Limitações do estudo

É importante que os resultados deste estudo sejam avaliados à luz de algumas limitações metodológicas. Em primeiro lugar, embora as profissionais tenham relatado suas percepções a respeito dos processos que ocorrem nos serviços, não se tem evidências sobre a correspondência desses relatos com o que ocorre na prática do dia a dia dessas profissionais. Além disso, não é possível saber se todos os casos referidos pelas profissionais eram realmente crianças com indicadores de TDAH, conforme descrito pelo DSM-5. Entende-se, entretanto, que as percepções das profissionais são elementos importantes na compreensão dos desafios envolvidos na sua prática, que precisam ser considerados nas reflexões a respeito da tomada de decisões. Por outro lado, o estudo contou com um número relativamente reduzido de participantes, especialmente no CAPSi A, possibilitando uma perspectiva limitada acerca desse serviço. As dificuldades na adesão dos serviços e profissionais ao estudo podem ser o retrato de uma resistência em falar sobre as próprias práticas profissionais e as tomadas de decisão nos respectivos serviços. Também é preciso considerar que o efeito da desejabilidade social pode ter influenciado as respostas das participantes, na direção das expectativas do entrevistador. Afinal, as entrevistas questionaram sobre a atuação das profissionais na tomada de decisões, um assunto sensível, considerando os desafios e a intensidade da rotina de trabalho dessas profissionais.

Considerações finais

Os resultados deste estudo permitiram conhecer alguns desafios da tomada de decisões no tratamento para as crianças com indicadores de TDAH em CAPSi. Os relatos das profissionais sugerem que a adequação dos planos terapêuticos conforme as necessidades identificadas em cada caso é limitada pelo excesso de demanda recebido pelo serviço. Além disso, a complexidade do diagnóstico, associada, em alguns casos, à patologização, dificulta a avaliação dos casos acolhidos pelo serviço e, consequentemente, torna-se um desafio para a tomada de decisões no tratamento. Por sua vez, a inclusão dos usuários e familiares nas decisões é limitada. Como foi visto, alguns elementos do modelo de tomada de decisão compartilhada (Makoul & Clayman, 2006Makoul, G., & Clayman, M. L. (2006). An integrative model of shared decision making in medical encounters. Patient Education and Counseling, 60(3), 301-312. doi:10.1016/j.pec.2005.06.010
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), como consideração das preferências dos usuários e apresentação de opções terapêuticas, foram mencionados nas entrevistas. Porém, diferente do proposto no modelo, a sua presença parece ocorrer apenas após a definição de um plano terapêutico inicial pela equipe e, em especial, quando há uma ‘resposta’ dos familiares, como o relato de um efeito colateral, desconforto ou insatisfação com o plano terapêutico definido. Profissionais e pesquisadores interessados em promover essa forma de participação precisam estar atentos a dificuldades relativas à troca de informações com os usuários e familiares e possíveis divergências de interesses entre eles.

O estudo relatado neste artigo utilizou o modelo de tomada de decisão compartilhada, ainda pouco conhecido no contexto brasileiro, mas que possibilita operacionalizar diretrizes presentes ainda de maneira um tanto abstrata nas legislações do Sistema Único de Saúde. Considerando a experiência internacional e os desafios indicados neste artigo, os avanços na inclusão dos usuários no processo de tomada de decisão sobre o tratamento dependerão de esforços e investimentos por parte de pesquisadores, profissionais e do Estado. No campo acadêmico, pesquisas futuras poderão abordar as percepções de outros agentes, como os usuários e seus familiares, a respeito do processo de tomada de decisão no tratamento, e utilizar métodos observacionais de acompanhamento dos atendimentos para acessar esse processo de maneira mais direta. Além disso, cabe investigar as possíveis influências de inúmeras outras variáveis como personalidade, expectativas e nível de formação de pacientes e profissionais envolvidos. O desenvolvimento de intervenções para promover a tomada de decisão compartilhada também é um campo relevante, tanto para fins aplicados quanto acadêmicos, uma vez que permitirá a investigação da efetividade dessas intervenções em diferentes campos da saúde. Embora ainda incipiente, a pesquisa nessa área tem o potencial de auxiliar na promoção da autonomia dos usuários, um importante ideal do Sistema Único de Saúde no Brasil.

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    » https://doi.org/10.1542/peds.2019-2528
  • 1
    Este artigo é extraído da dissertação de mestrado do primeiro autor, orientada pelo segundo autor, intitulada O processo de tomada de decisão no tratamento de crianças com indicadores de TDAH: percepções de profissionais de CAPSI, defendida junto ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Durante o mestrado, o primeiro autor foi bolsista do CNPq, a quem se agradece pelo apoio recebido.
  • 5
    Entre as profissionais que optaram por não participar, apenas uma mencionou o motivo, sendo este a não realização de atendimentos às crianças com indicadores de TDAH.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    02 Set 2020
  • Aceito
    14 Jun 2021
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