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Uma nota sobre mobilidade ocupacional e diferenças salariais no Brasil

Resumo

Este trabalho examina a mobilidade ocupacional e seus impactos sobre os rendimentos e a desigualdade de renda nas regiões metropolitanas brasileiras. O período analisado é entre 2002 e 2016, e a base de dados usada é a PME/IBGE. Os resultados indicam que, no agregado, a mobilidade ocupacional não afeta os rendimentos. Características como ser jovem, branco, homem e trabalhar no setor informal aumentam a probabilidade de mudar de ocupação. Embora a mobilidade ascendente beneficie tanto os trabalhadores mais bem pagos quanto os mais mal pagos, os efeitos para os mais bem pagos são seis vezes maiores em comparação com os mais mal pagos. A mobilidade descendente também tem maior impacto sobre os grupos mais bem pagos. Usando o índice de desigualdade de Gini para medir como cada variável explicativa impacta na desigualdade salarial, observouse que o acesso à educação desempenha o papel mais relevante na redução da desigualdade brasileira dentre as variáveis observáveis utilizadas neste estudo.

Classificação JEL. J6, O1.

Palavras-chave
Mobilidade ocupacional; Salários; Regressão quantílica


1. Introdução

Imagine um mundo onde cada trabalhador tenha que permanecer na mesma ocupação por toda a sua vida profissional. Do lado dos trabalhadores, isso inviabilizaria jovens que escolheram mal a carreira de trocar de ocupação. Pelo lado dos empregadores, os custos de contratações redundantes ou de trabalhadores com desempenho insatisfatório seriam perpetuados. Em vez disso, mudanças ocupacionais permitem um processo natural de desenvolvimento e de autodescoberta, com efeitos variados na acumulação de capital humano e nos diferenciais de salário (Cherry e Tsournos, 2000Cherry, Todd L e Pete T Tsournos (2000): “Family ties, labor mobility and interregional wage differentials,” Journal of Regional Analysis & Policy, 31, 23-33. [2]).

Nas teorias de capital humano, trabalhadores acumulam capital, caso os custos relacionados ao investimento sejam recompensados por maiores salários no futuro. Empregadores, por sua vez, pagam maiores prêmios salariais quando esta acumulação de capital humano gera maiores níveis de produtividade. Becker (1962)Becker, Gary S (1962): “Investment in human capital: A theoretical analysis,” Journal of Political Economy, 70, 9-49. [2] e Mincer (1958)Mincer, Jacob (1958): “Investment in human capital and personal income distribution,” Journal of Political Economy, 66, 281-302. [2] dividiram este processo de acumulação em duas partes: uma geral e outra específica. A geral eleva a produtividade do trabalhador, independente do posto de trabalho ocupado. A específica, eleva a produtividade do trabalho para uma firma em especial, ou para um pequeno grupo de firmas similares. Caso a maior parte do capital humano acumulado seja específica, trabalhadores com maiores rotatividades de emprego teriam menores salários e menores incentivos à aquisição de capital humano.

Teorias de discriminação do mercado de trabalho indicam para a possibilidade de descompassos persistentes entre a produtividade e os salários. Estes desajustes podem estar relacionados a características, tais como o poder de barganha dos trabalhadores (Doeringer e Piore, 2020Doeringer, Peter B e Michael J Piore (2020): Internal labor markets and manpower analysis: With a new introduction, Routledge. [2]; Reich et al., 1973Reich, Michael, David M Gordon, e Richard C Edwards (1973): “A theory of labor market segmentation,” The American Economic Review, 63, 359-365. [2]), raça e local de nascimento (Oreopoulos, 2011Oreopoulos, Philip (2011): “Why do skilled immigrants struggle in the labor market? A field experiment with thirteen thousand resumes,” American Economic Journal: Economic Policy, 3, 148-71. [2]; Bertrand e Mullainathan, 2004Bertrand, Marianne e Sendhil Mullainathan (2004): “Are Emily and Greg more employable than Lakisha and Jamal? A field experiment on labor market discrimination,” American Economic Review, 94, 991-1013. [2]), gênero (Goldin, 2014Goldin, Claudia (2014): “A grand gender convergence: Its last chapter,” American Economic Review, 104, 1091-1119. [2]), e até mesmo beleza (Fletcher, 2009Fletcher, Jason M (2009): “Beauty vs. brains: Early labor market outcomes of high school graduates,” Economics Letters, 105, 321-325. [2]). Níveis mais baixos de mobilidade dificultariam ainda mais as correções dos citados desajustes, prejudicando o mercado de trabalho. Por outro lado, altos níveis de mobilidade ocupacional podem estar correlacionados a economias perdendo empregos e caminhando para uma precarização do trabalho.

A literatura que aborda mobilidade ocupacional no cenário brasileiro tem várias contribuições importantes. Flore e Menezes-Filho (2008)Flore, P e N Menezes-Filho (2008): “Mobilidade entre ocupações e efeitos salariais,” Anais do XXXVI Encontro Nacional de Economia. [2] destacam a escolaridade como um importante fator para aumento da probabilidade de mobilidade ocupacional. Machado et al. (2013)Machado, Luciano, Ana Maria Hermeto Camilo de Oliveira, et al. (2013): “Mobilidade ocupacional e incompatibilidade educacional no Brasil metropolitano,” Pesquisa e Planejamento Econômico-PPE, 43, 279-308. [2] afirmam que aqueles com escolaridade maior do que a requerida pela posição que ocupam têm maior chance de mobilidade ascendente, durante a fase ascendente do ciclo econômico. Com foco na transição entre trabalho formal e informal, Ruesga et al. (2014)Ruesga, Santos M, Julimar da Silva Bichara, e Sandro E Monsueto (2014): “Movilidad laboral, informalidad y desigualdad salarial en Brasil,” Investigación económica, 73, 63- 86. [2] e Maciel e Oliveira (2018)Maciel, Francieli Tonet e Ana Maria Hermeto C Oliveira (2018): “Dynamics of the formal and informal labour in Brazil: Occupational and earnings mobility,” International Journal of Development Issues. [2] indicaram que os trabalhadores informais têm maior probabilidade de mobilidade ocupacional.

Tão importante quanto saber quais características tornam os trabalhadores mais propensos à mudança ocupacional é entender suas consequências. Aqui, são feitos avanços nestes dois caminhos. Primeiro, aplica-se um modelo de escolha binária (logit), para saber quais características estão relacionadas a mais mudança ocupacional. Segundo, um logit multinomial para três possibilidades de mobilidade (imobilidade ocupacional, mobilidade ascendente e mobilidade descendente). Assim, mais do que uma melhor compreensão dos determinantes da mobilidade, mostra-se quais grupos são mais prejudicados ou beneficiados com ela. Terceiro, utiliza-se regressões quantílicas incondicionais e o índice de Gini para estimar os impactos da mobilidade ocupacional e dos seus determinantes observáveis (gênero, raça, idade, escolaridade, indústria e emprego no setor formal) na distribuição de salários. Para tanto, recorre-se aos microdados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), para as regiões metropolitanas no Brasil entre 2002 e 2016 - ano em que a PME foi descontinuada e substituída pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua.

As estimativas encontradas indicam que mobilidade não aumenta, nem reduz o agregado dos salários. Trabalhadores mais jovens e mais instruídos têm maior probabilidade de mobilidade ocupacional ascendente e descendente. Trabalhadores brancos, do sexo masculino ou que trabalham no setor informal são mais propensos a mudar de ocupação. Quando consideramos a variação nos impactos da mobilidade ocupacional em diferentes quantis de renda, a mobilidade ascendente é benéfica tanto para os trabalhadores mais bem remunerados quanto para os mais mal remunerados. No entanto, a magnitude do impacto para os mais bem pagos é quase seis vezes maior do que para os mais mal pagos. Fenômeno parecido ocorre com a mobilidade descendente, esta prejudica mais os trabalhadores mais bem pagos. Uma vez que as mobilidades ascendente e descendente têm impactos opostos, mas de magnitude similar, o seu impacto líquido na desigualdade salarial é nulo. No entanto, quando se investiga como cada variável afeta a desigualdade, a escolaridade reduz o índice de Gini para todos os níveis de renda, indicando um papel central da educação na redução da desigualdade salarial.

Além desta introdução, este trabalho possui quatro outras seções. A próxima seção traz a metodologia incluindo esclarecimentos sobre as fontes de dados e a abordagem econométrica. Na terceira são apresentados os resultados. Finalmente, a última seção contém algumas considerações finais e sugestões para pesquisas futuras.

2. Metodologia

Esta seção traz a descrição das fontes de dados e suas análises prévias. Posteriormente, apresenta-se a estratégia empírica aplicada.

2.1 Dados

Os dados foram obtidos a partir da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os anos de 2002 e 2016. Essa pesquisa investiga a conjuntura do mercado de trabalho nas regiões metropolitanas brasileiras de Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. A PME é realizada mensalmente, com base em uma amostra probabilística de domicílios, levantando características socioeconômicas relacionadas ao trabalho. A coleta é realizada na forma de um painel rotativo de entrevistas das unidades domiciliares. Os domicílios são entrevistados durante quatro meses consecutivos, com intervalo de oito meses que não são entrevistados, voltando a serem entrevistados por mais 4 meses. Dessa forma, durante cada mês, 25% das unidades domiciliares são substituídas e os moradores são identificados em momentos distintos do tempo. O procedimento proposto por Ribas e Soares (2008)Ribas, Rafael Perez e Sergei Suarez Dillon Soares (2008): “Sobre o painel da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) do IBGE,” Texto para discussão, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. [3] foi utilizado para seguir os indivíduos dentro da PME e conseguir uma maior identificação do painel de pessoas. Para leitura, extração e deflacionamento dos dados da PME foi utilizado o Datazoom, que é disponibilizado pelo Departamento de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

A construção da variável salário por hora utiliza o rendimento mensal habitualmente recebido por mês referente ao trabalho principal, dividida pelo número de horas trabalhadas dentro do mês (essa variável foi deflacionada). A variável de mobilidade ocupacional é a mobilidade entre as classificações da CBO-domiciliar, em um nível de desagregação de 2 dígitos, considerando nove diferentes grupos de ocupações e suas subdivisões. O painel de indivíduos inclui apenas os trabalhadores entre 18 e 65 anos de idade. Assim, os dados compreendem um conjunto de painéis empilhados dos anos entre 2002 e 2016, considerando o desenho amostral da pesquisa, com suas respectivas amostragens, pesos amostrais e estratificações. As estatísticas descritivas das variáveis utilizadas estão na Tabela 1.

Tabela 1
Estatísticas Descritivas

A variável de mobilidade considera que existe mudança ocupacional caso ocorra diferença de ocupação entre a primeira e a última entrevista realizada com cada trabalhador. Enquanto não existe tendência clara da mobilidade ao longo do tempo (Figura 1a), mulheres, no geral, possuem menor mobilidade ocupacional do que os homens. É clara também uma tendência de redução da mobilidade ocupacional de ambos os gêneros conforme a idade dos trabalhadores aumenta (Figura 1b). Os anos de escolaridade também parecem aumentar a probabilidade de mobilidade ocupacional. Tanto para homens, quanto para mulheres, trabalhadores com mais de 11 anos de escolaridade mudam de ocupação com uma taxa superior a 30%, enquanto os menos escolarizados mudam de ocupação com taxas menores (Figura 1c). Maiores taxas de mobilidade ocupacional são vistas após os salários passarem de dez reais por hora, com uma redução tanto para homens, quanto para mulheres, quando estes passam a ganhar mais de trinta reais por hora (Figura 1d).

Figura 1
Mobilidade ocupacional por ano (a), idade (b), escolaridade (c) e salário (d). Fonte: Elaboração própria com base na PME/IBGE. Figura 1a mostra a evolução da mobilidade ocupacional média em cada ano da amostra. Figura 1b mostra a mobilidade média por idade dividindo a amostra entre homens e mulheres. Figura 1c mostra a evolução da mobilidade ocupacional média por cinco categorias de faixas de escolaridade. Figura 1d mostra a mobilidade média por salário por hora.

2.2 Estratégia Empírica

A primeira parte dos resultados baseia-se em um logit no qual a variável explicada é a probabilidade de mudança ocupacional (1 para mudança ocupacional), e depois em um logit multinomial onde três possibilidades de mobilidade ocupacional são possíveis: i) o trabalhador que se desloca para ocupações com salários médios inferiores à sua ocupação anterior - mobilidade descendente; ii) o trabalhador que permanece na mesma ocupação no início e no final da pesquisa da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) - imobilidade; iii) o trabalhador que se desloca para ocupações com salários médios superiores à sua ocupação anterior - mobilidade ascendente. As duas estimativas podem ser representadas pela Equação 1, ambas estão condicionadas ao mesmo conjunto de variáveis de controle, a única diferença é a variável explicada (P(Xi)).

(1) P X i = β 0 + β 1 idade + β 2 escolaridade + β 3 raça + β 4 gênero + β 5 Setor Formal + β 6 Chefe da família + β 7 Região + β 8 Setor + β 9 Ano i = Mobilidade, não mobilidade (logit) i = Mobilidade descendente, Imobilidade, Mobilidade ascendente (logit multinomial)

A variável idade é representada pelas seguintes faixas: 18 a 24 anos (categoria base); 25 a 29 anos; 30 a 34 anos; 35 a 39 anos; 40 a 44 anos; 45 a 49 anos; 50 a 54 anos; 55 a 59 anos; 60 a 65 anos. A escolaridade possui 5 níveis, sem instrução e menos de 1 ano de estudo (categoria base); de 1 a 3 anos de estudo; de 4 a 7 anos de estudo; de 8 a 10 anos de estudo; 11 ou mais anos de estudo. A dummy de raça é 1 para branco e 0 para não branco. A variável de gênero é 1 para homem e 0 para mulher. A variável setor formal tem valor de 1 para setor formal e de 0 para o setor informal. A variável chefe de família apresenta valor 1 para chefe de família e 0 caso contrário. A variável região possui 6 valores, uma para cada região metropolitana da amostra - Recife, Salvador, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre, sendo São Paulo a categoria base. Por fim, a variável de setor tem 5 valores para os setores produtivos (indústria, serviços, construção civil, agricultura e outros setores).

A segunda parte dos resultados usa a regressão quantílica incondicional, proposta por Firpo et al. (2009)Firpo, Sergio, Nicole M Fortin, e Thomas Lemieux (2009): “Unconditional quantile regressions,” Econometrica, 77, 953-973. [6]1 para encontrar os diferentes efeitos marginais da distribuição de mobilidade ocupacional. Nesta parte, a variável dependente é o salário (por hora, em log) e as variáveis dependentes são as mesmas da Equação 1, com uma pequena diferença na forma como a idade entra na equação, agora ela não é mais categorizada, entra em nível (anos) e as não linearidades são captadas pelada idade elevada ao quadrado.

3. Resultados

Esta seção mostra os resultados do logit multinomial para explicar os determinantes da mobilidade ocupacional. Após isto é feita a discussão dos resultados das regressões quantílicas incondicionais para investigar o efeito da mobilidade em diferentes quantis de salários.

3.1 Probabilidade de Mobilidade Ocupacional

Na Tabela 2, primeira coluna, são apresentadas quais variáveis impactam na mobilidade ocupacional. Os resultados mostram que conforme a idade dos trabalhadores avança, a probabilidade de mudança ocupacional se reduz. Trabalhadores com idade entre 25 e 29 anos apresentam 2,5 pontos percentuais (p. p.) a menos de probabilidade de mobilidade ocupacional, em relação ao grupo de referência (trabalhadores entre 18 e 24 anos). A tendência apresentada na Figura 1a se mantém mesmo incluindo todas as outras variáveis observáveis para a mobilidade ocupacional. Como a idade é uma proxy para a experiência de trabalho, é provável que a mobilidade ocupacional seja mais restrita quanto maior a experiência (trabalhadores mais velhos), pois a parte específica da acumulação de capital humano vai deixando a mudança cada vez menos vantajosa.

Tabela 2
Mobilidade ocupacional (logit), mobilidade ascendente e descendente (logit multinomial)

Os anos de escolaridade têm, na sua maioria, um impacto positivo na probabilidade de mobilidade ocupacional. Trabalhadores com quatro a sete anos de escolaridade têm 1,7 p.p. a mais de probabilidade de mobilidade ocupacional em relação ao grupo de referência (trabalhadores com menos de um ano de escolaridade). A magnitude do impacto aumenta com o aumento dos anos de escolaridade, sugerindo um efeito cumulativo da escolaridade sobre mobilidade ocupacional. Da mesma forma, trabalhadores com 8 a 10 anos de estudo e aqueles com mais de 11 anos de estudo têm 6 e 12 p.p. a mais de probabilidade de mudar de ocupação em relação ao grupo de referência.

As variáveis de raça e gênero têm um impacto positivo na probabilidade de mudar de ocupação. Os resultados mostram que os trabalhadores brancos ou do sexo masculino têm, 0,8 e 5 p.p. a mais de probabilidade de mudar de ocupação em relação aos não brancos ou do sexo feminino, respectivamente. Os trabalhadores empregados no setor formal são menos propensos a mudar de ocupação em relação aos que trabalham no setor informal. O resultado é esperado uma vez que o setor formal está associado ao acesso a maior segurança e benefícios trabalhistas pelo lado do trabalhador, e a maiores custos demissionais pelo lado dos empregadores. Os trabalhadores que atuam como chefes de família também são significativamente menos propensos a mudar de emprego. As variáveis relacionadas ao setor em que os indivíduos estão empregados têm um impacto positivo na mobilidade ocupacional, sugerindo que, em relação à agricultura (categoria base), os trabalhadores de outras indústrias são mais propensos a mudar de ocupação. Os resultados também mostram que os trabalhadores das regiões de Salvador, Porto Alegre e Rio de Janeiro têm maiores índices de mobilidade ocupacional do que a região metropolitana de São Paulo.

A segunda e a terceira colunas da Tabela 2 apresentam os resultados da estimativa para a direção da mobilidade ocupacional (mobilidade ascendente e descendente). Como esperado, os resultados mostram uma relação positiva entre idade e mobilidade ascendente, e uma relação negativa entre idade e mobilidade descendente. Trabalhadores entre 25 e 29 anos que mudam de emprego têm 0,6 p.p. a mais de probabilidade de mobilidade ascendente e 0,5 p.p. a menos de probabilidade de mobilidade descendente em relação ao grupo de controle. Conforme relatado na tabela, a magnitude dos impactos em ambos os tipos de mobilidade aumenta com o aumento da idade. Isso sugere que, quando os trabalhadores mais velhos mudam de emprego, eles são mais propensos a mudar para empregos com salários mais altos do que trabalhadores mais jovens.

Os resultados sugerem que a educação tem um impacto positivo na mobilidade ascendente dos trabalhadores com mais de oito anos de escolaridade. Isso implica que, quando os trabalhadores com níveis mais altos de educação mudam de ocupação, eles são mais propensos a mudar para um emprego mais bem remunerado, em relação aos trabalhadores com menos de um ano de escolaridade. Trabalhadores com mais de 11 anos de escolaridade têm probabilidade 4,66 p.p. maior de mudar para ocupações mais bem remuneradas do que o grupo com menor escolaridade. Curiosamente, também encontramos uma relação positiva entre educação e mobilidade descendente, o que implica que os trabalhadores com níveis de educação mais elevados são mais propensos a mudar para um emprego com remuneração mais baixa em relação aos com menos de um ano de escolaridade. Ou seja, o mercado de trabalho tem maior mobilidade para os trabalhadores com maior escolaridade (tanto para cima, quanto para baixo). Trabalhadores com mais de 11 anos de escolaridade têm 2,84 p.p. a mais de chances de mudar para ocupações de menor remuneração. Da mesma forma, trabalhadores com 8 a 10 anos de escolaridade têm 2,9 p.p. a mais chances de mudar para ocupações de menor remuneração.

Trabalhadores brancos apresentam maior probabilidade de mobilidade ascendente e menor probabilidade de mobilidade descendente em relação aos trabalhadores não brancos. Os resultados mostram que os trabalhadores do sexo masculino são mais propensos a experimentar mobilidade ascendente e descendente em relação aos trabalhadores do sexo feminino, embora a magnitude do impacto seja maior para a mobilidade descendente. Como já mencionado, os resultados destacam diferenças raciais e de gênero na mobilidade ocupacional ascendente e descendente. Em consonância com os resultados dos efeitos das variáveis explicativas sobre a probabilidade de mudança ocupacional (Tabela 2, coluna 1), os trabalhadores com emprego no setor formal ou os chefes de família têm menor probabilidade de mudar de ocupação independentemente dos salários. Olhando para a magnitude do impacto, a mobilidade descendente é muito mais afetada pela formalidade do emprego do que a mobilidade ascendente. Os setores da atividade econômica também têm um impacto positivo na mobilidade ascendente em relação à agricultura. Esse impacto pode ser indicativo da desaceleração da indústria da construção durante o período de estudo. Os resultados mostram que, enquanto os trabalhadores das indústrias de serviços e construção são mais propensos a ter mobilidade ascendente, os trabalhadores das indústrias de serviços e manufatura tem maior probabilidade de experimentar mobilidade descendente.

3.2 Efeitos sobre a distribuição incondicional dos salários - RIF

Como esperado, os resultados do MQO (coluna 1, Tabela 3) mostram um resultado positivo da idade no salário por hora. Este incremento ocorre a taxas decrescentes (idade ao quadrado tem impacto negativo). De forma semelhante, escolaridade também impacta positivamente nos salários por hora, e conforme os anos de escolaridade aumentam, este efeito é maior (em módulo) conforme os anos de escolaridade aumentam, indicando um efeito cumulativo em relação ao incremento marginal dos anos de escolaridade nos salários. Este último resultado é verdade para o MQO (coluna 1) e para cada decil da regressão (colunas 2-10). Os trabalhadores com quatro a sete anos de escolaridade e no primeiro decil de salário têm um aumento de 41,2% no seu salário-hora, enquanto os do último decil têm um aumento salarial de 11,2% (sempre comparando com a categoria base - neste caso, os com menos de um ano de escolaridade). Embora positiva, a relação entre educação e salários é menor em magnitude nas extremidades mais altas da distribuição salarial (ver Figura A.1). Em contraste, para os trabalhadores com mais de 11 anos de escolaridade, a magnitude do impacto aumenta com o aumento dos decis de salário. Ainda sobre a educação, quando considera-se o seu impacto no agregado da distribuição de salários, como o índice de Gini tem valor negativo, isso indica que a educação reduz a desigualdade na distribuição salarial.

Tabela 3
Efeitos nos salários (MQO, Regressão Quantílica Incondicional e Gini)

No geral, a mobilidade ocupacional tem um impacto positivo significativo na distribuição de salários, para todos os decis de salário. Curiosamente, o impacto no último decil é negativo, indicando novamente um processo de reversão à média e um efeito da perda de capital humano específico acumulado em sua ocupação anterior. Embora mobilidade ascendente beneficie todos os trabalhadores de todos os decis de salários, ela tem um efeito positivo na desigualdade (última coluna - índice de Gini). Isso ocorre porque a mobilidade ascendente beneficia mais os que já estão nas melhores ocupações.

Outra possibilidade de visualizar os resultados encontrados na Tabela 3 é pelas figuras com os efeitos marginais (ver Figura A.1.)

4. Considerações Finais

Este estudo mostrou os fatores associado à mobilidade ocupacional, além de medir seu impacto na distribuição salarial, para uma amostra da PME, entre 2002 e 2016. Os resultados indicam que trabalhadores com níveis educacionais mais altos são mais propensos a mudar de ocupação e mudar para empregos mais bem remunerados (mobilidade ascendente). Da mesma forma, os trabalhadores mais jovens são mais propensos a experimentar maior mobilidade ocupacional em relação aos mais velhos, sugerindo que os trabalhadores são mais móveis no início de suas carreiras. Os resultados destacam diferenças raciais e de gênero na mobilidade ocupacional. Características como ser branco e ser homem indicam para uma maior propensão em mudar de ocupação do que trabalhadores não brancos ou mulheres, respectivamente. Os trabalhadores brancos são mais propensos a experimentar mobilidade ascendente e enfrentam uma menor probabilidade de mudar para ocupações mais mal remuneradas. Isso indica que a mobilidade pode aumentar as diferenças salariais entre trabalhadores brancos e não brancos.

A estimação da RIF, para a distribuição incondicional dos salários, mostrou que a medida que os trabalhadores envelhecem e se tornam mais instruídos, os salários aumentam. Os efeitos da mobilidade ascendente (melhorando os salários para todos os decis) e da descendente (reduzindo salários para os decis) foi o esperado. O que surpreendeu foi o efeito destas no Gini: mobilidade ascendente contribui para aumentar a desigualdade salarial, enquanto a mobilidade descendente a reduz. Os mais bem pagos se beneficiam mais da mobilidade ascendente, enquanto os mais mal pagos sofrem mais com a descendente. Uma vez que os impactos são equivalentes, mas opostos na distribuição salarial, o efeito total no índice de Gini é zero. Isso implica que a dinâmica do mercado ocupacional não amplia, nem reduz a desigualdade salarial no Brasil.

Para futuros trabalhos, seria interessante investigar os efeitos dos ciclos econômicos na mobilidade ocupacional do Brasil. Durante o período coberto por este estudo (2002-2016), a economia brasileira passou por períodos de crescimento e declínio econômico. É possível que trabalhadores de diferentes idades, com níveis de escolaridade e salários variados, tenham sido expostos a esses choques de forma diferente. Em geral a literatura indica, por exemplo, que os trabalhadores com pior inserção no mercado de trabalho (não brancos e mulheres, por exemplo) são os últimos a entrarem no mercado e os primeiros a saírem - aumentando as desigualdades nos momentos de crise.

Sobre as limitações do trabalho, usando a PME não é possível ter acesso ao número de vezes que um trabalhador mudou de emprego durante o período da pesquisa. É possível, por exemplo, que um trabalhador tenha mudado três vezes de ocupação durante o período amostrado, mas a PME capta apenas a primeira e a última ocupação. Outra ressalva a ser feita é que não é possível saber a motivação da mudança ocupacional. Ou seja, não é possível saber se a mudança foi voluntária (o trabalhador pediu demissão), ou involuntária (ele foi demitido).

  • 1
    Em inglês o método é chamado de Recentered Influence Function Regression (RIF Regression). Para mais detalhes, ver Firpo et al. (2009)Firpo, Sergio, Nicole M Fortin, e Thomas Lemieux (2009): “Unconditional quantile regressions,” Econometrica, 77, 953-973. [6].
  • Os autores agradecem à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) e ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) por financiarem este trabalho.

Apêndice A Figuras adicionais

Figura A.1
Coeficientes do RIF quantílica em relação aos quantis. Fonte: Elaboração própria com base nos coeficientes da Tabela 3.

Referências Bibliográficas

  • Becker, Gary S (1962): “Investment in human capital: A theoretical analysis,” Journal of Political Economy, 70, 9-49. [2]
  • Bertrand, Marianne e Sendhil Mullainathan (2004): “Are Emily and Greg more employable than Lakisha and Jamal? A field experiment on labor market discrimination,” American Economic Review, 94, 991-1013. [2]
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  • Doeringer, Peter B e Michael J Piore (2020): Internal labor markets and manpower analysis: With a new introduction, Routledge. [2]
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023
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