Acessibilidade / Reportar erro

Rigidez de preços no Brasil: Evidências microeconômicas e impactos macroeconômicos

Resumo

Com base nos microdados de preços do IPC-Fipe, documentamos substancial heterogeneidade setorial em estatísticas de frequência e magnitude de reajustes no período 2000-2019. Utilizamos estas informações para calibrar modelos multissetoriais de custo de menu com insumos intermediários e estimar o grau de não neutralidade da moeda gerado pela rigidez de preços, com base na metodologia proposta por Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23]. Frente a um choque puramente nominal, modelos multissetoriais explicam até 12,6% da variância do componente cíclico do produto real no Brasil.

Classificação JEL. E30, E50.

Palavras-chave
Rigidez de preços; Não neutralidade monetária; Microdados


1. Introdução

Na última década, parte da literatura empírica em economia monetária se propôs a entender as implicações macroeconômicas da rigidez de preços com base em microdados. A hipótese chave que circunda estes novos estudos é que a rigidez nominal é o principal canal que gera a não neutralidade monetária. Quando os preços exibem padrões de rigidez, a política monetária tem efeitos econômicos reais. A velocidade com que a economia se ajusta aos choques torna-se diretamente relacionada à morosidade das firmas em alterarem seus preços. A análise no nível microeconômico das mudanças de preço torna-se, então, essencial para compreender os impactos de choques agregados na economia. Nakamura e Zerom (2010)Nakamura, Emi e Dawit Zerom (2010): “Accounting for Incomplete Pass-Through,” Review of Economic Studies, 77, 1192-1230. [1, 13], Alvarez e Lippi (2014)Alvarez, Fernando e Francesco Lippi (2014): “Price Setting With Menu Cost for Multiproduct Firms,” Econometrica, 82, 89-135. [1], Golosov e Lucas (2007)Golosov, Mikhail e Robert Lucas (2007): “Menu Costs and Phillips Curves,” Journal of Political Economy, 115, 171-199. [1, 3, 7, 15, 16] e Midrigan (2011)Midrigan, Virgiliu (2011): “Menu Costs, Multiproduct Firms, and Aggregate Fluctuations,” Econometrica, 79, 1139-1180. [1, 15] são alguns trabalhos que compõem esta literatura.

À medida em que são disponibilizadas novas fontes de microdados, os modelos microfundamentados se tornam mais recorrentes e passam a incorporar características antes pouco documentadas sobre rigidez de preços. O principal objetivo deste artigo é calibrar um modelo multissetorial de custo de menu com insumos intermediários utilizando dados do Brasil, e estimar o grau de não neutralidade da moeda gerado pela rigidez de preços. Adicionalmente, avaliaremos uma extensão do modelo de custo de menu com um componente time dependent, chamado de modelo CalvoPlus. Os modelos foram desenvolvidos por Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23]. Os modelos calibrados incorporam duas hipóteses relevantes na literatura: a heterogeneidade entre os setores e a introdução de insumos intermediários. Para entender o papel da heterogeneidade, foram construídos 3 painéis com números distintos de setores. Para cada um deles estimamos 4 modelos diferentes: o modelo de custo de menu com e sem insumos intermediários, além de dois modelos CalvoPlus, novamente com e sem insumos intermediários. Ao introduzir estes insumos, adiciona-se ao modelo a estratégia de complementaridade na fixação de preços entre os setores.

Este trabalho contribui para a literatura ao documentar evidências sobre microdados de preços, além de aplicar modelos de notável importância para mensurar a rigidez de preços. A análise sobre a frequência e o tamanho das mudanças de preços com base em microdados já foi realizada por outros autores, mas para períodos diferentes. De todo modo, nosso estudo consolida fatos já notados por esta literatura e se aprofunda na questão da heterogeneidade entre os setores. Com relação à calibração dos modelos, contribui ao aplicar a análise para o contexto brasileiro, além de mensurar o custo de menu e o grau de não neutralidade monetária gerada por eles.

O intervalo analisado será de janeiro de 2000 a dezembro de 2019. Desta forma, restringimos a amostra para o período de vigência do sistema de metas de inflação.1 Utilizamos os microdados do IPC-Fipe, que cobrem o município de São Paulo. Nossos resultados mostram que os modelos multissetoriais estimados explicam até 12,6% das flutuações no produto real. Em outras palavras, 12,6% da variação cíclica do produto é devida à rigidez nominal de preços.

Os resultados indicam que a introdução de heterogeneidade setorial nos custos de menu triplica o grau de não neutralidade monetária gerado pelo modelo. Por sua vez, a introdução de insumos intermediários aumenta o grau de não neutralidade também por um fator próximo a três. Esta característica amplifica a complementariedade nas estratégias de fixação de preços entre as diferentes firmas. Em outras palavras, a escolha da firma em ajustar seu preço se torna dependente de como as outras empresas, que produzem seus insumos, corrigem seus preços.

Quais as implicações da heterogeneidade para a frequência de mudanças de preço nos modelos macroeconômicos? Usualmente supõe-se homogeneidade de agentes na economia, em particular com uma empresa representativa. No entanto, modelos com bases microfundamentadas mostram que a hipótese de uma empresa representativa poderia simplificar demasiadamente questões relevantes para entender rigidez de preços (Smets e Mackowiak (2008)Smets, Frank e Bartosz Mackowiak (2008): “On implications of micro price data for macro models,” Working Paper 960, European Central Bank. [2]).

Em modelos que visam estimar a não neutralidade, nota-se a relevância da heterogeneidade na fixação de preços entre os setores. Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23] e Golosov e Lucas (2007)Golosov, Mikhail e Robert Lucas (2007): “Menu Costs and Phillips Curves,” Journal of Political Economy, 115, 171-199. [1, 3, 7, 15, 16] encontram resultados expressivamente distintos com relação ao grau de não neutralidade monetária. Enquanto aqueles consideram heterogeneidade via modelo multissetorial, estes utilizam um modelo com um único setor representativo para a economia inteira. O modelo de Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23] gera três vezes mais não neutralidade monetária do que o de Golosov e Lucas (2007)Golosov, Mikhail e Robert Lucas (2007): “Menu Costs and Phillips Curves,” Journal of Political Economy, 115, 171-199. [1, 3, 7, 15, 16]. Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23] atribuem metade dessa diferença à introdução da heterogeneidade.

Carvalho (2006)Carvalho, Carlos Viana (2006): “Heterogeneity in Price Stickiness and the Real Effects of Monetary Shocks,” The B.E. Journal of Macroeconomics, 6, 1-58. [3, 16, 19] introduz heterogeneidade setorial na definição de preços em modelos de interdependência entre períodos, e encontra que choques monetários tendem a ter efeitos reais maiores e mais persistentes em economias heterogêneas em comparação a economias com empresas idênticas. Como comentado acima, Nakamura e Steinsson (2008)Nakamura, Emi e Jón Steinsson (2008): “Five Facts about Prices: A Reevaluation of Menu Cost Models,” The Quarterly Journal of Economics, 123, 1415-1464. [3, 12] chegam a conclusões semelhantes, porém com uma metodologia diferente - modelos de custo de menu com insumos intermediários.

Recorrente na literatura, o efeito de seleção é definido, segundo Golosov e Lucas (2007)Golosov, Mikhail e Robert Lucas (2007): “Menu Costs and Phillips Curves,” Journal of Political Economy, 115, 171-199. [1, 3, 7, 15, 16], como as mudanças ótimas de preços em resposta a choques macroeconômicos.2 Diferente do modelo de Calvo (1983)Calvo, Guillermo A. (1983): “Staggered prices in a utility-maximizing framework,” Journal of Monetary Economics, 12, 383-398. [3], em que as empresas são selecionadas aleatoriamente para ajustarem seus preços, o modelo de Caplin e Spulber (1987)Caplin, Andrew S. e Daniel F. Spulber (1987): “Menu Costs and the Neutrality of Money,” The Quarterly Journal of Economics, 102, 703-725. [3] elenca as empresas de acordo com a necessidade de alteração de seu preço. Isso implica que os preços variam mais do que se fossem selecionados aleatoriamente e o nível de preço responde mais rapidamente aos choques nominais.

Os modelos indicados acima são casos extremos e suas calibrações são geralmente incompatíveis com a frequência e tamanho das variações de preços observados empiricamente. Os modelos de Calvo e Caplin-Spulber supõem que o único determinante para ocorrer o ajuste de preços é a inflação agregada o que, segundo Klenow e Kryvtsov (2008)Klenow, Peter J. e Oleksiy Kryvtsov (2008): “State-Dependent or Time-Dependent Pricing: Does it Matter for Recent U.S. Inflation?” The Quarterly Journal of Economics, 123, 863-904. [3], ocasiona as divergências em relação aos dados empíricos.

Com o objetivo de incorporar a discussão acima proposta, este trabalho irá estimar dois modelos. O primeiro é o modelo de custo de menu, que contempla os efeitos de seleção, uma vez que em todos os períodos as firmas escolhem seus preços de modo a maximizar seu lucro. Adicionalmente, será estimado o mesmo modelo mas com múltiplos setores, para considerar a crítica feita por Nakamura e Steinsson (2013)--- (2013): “Price Rigidity: Microeconomic Evidence and Macroeconomic Implications,” Annual Review of Economics, 5, 133-163. [3]. O segundo é o modelo de CalvoPlus, que levará em conta as considerações feitas ao modelo de Golosov e Lucas (2007)Golosov, Mikhail e Robert Lucas (2007): “Menu Costs and Phillips Curves,” Journal of Political Economy, 115, 171-199. [1, 3, 7, 15, 16] e irá amenizar os efeitos de seleção ao adicionar um componente time dependent.

O restante do artigo está organizado da seguinte forma. A próxima seção introduz a base de dados, o tratamento dado à amostra e os primeiros resultados empíricos. A seção 3 expõe a metodologia. A seção 4 apresenta as calibrações e as estimativas para o grau de não neutralidade gerado pelos modelos. Por fim, a conclusão compõe a seção 5.

2. Dados

Este trabalho baseia-se nos microdados de preços da Fundação Instituto de Pesquisa Econômica - FIPE, originalmente usados para construir o Índice de Preços ao Consumidor (IPC-FIPE). A base de dados contém informações semanais de preços para uma ampla gama de produtos e serviços no nível de estabelecimentos no município de São Paulo. Apesar dos dados utilizados contemplarem apenas São Paulo, a correlação do índice agregado de inflação medido pelo IPC-FIPE e a inflação do IPCA, que engloba capitais de todo país, é elevada.

Os dados são mensais e cobrem o período entre janeiro de 2000 e dezembro de 2019, totalizando 240 meses.3

A base original contém um total de 20.414.307 preços, coletados em 12.648 estabelecimentos diferentes. Há um total de 620 diferentes tipos de produtos e 15.190 marcas.4 A abertura por produto empregada pela FIPE é equivalente às aberturas Entry Level Items (ELIs) da base de dados dos EUA utilizada por Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23]. A base da FIPE segmenta os produtos em sete diferentes grupos: i) Habitação; ii) Alimentação; iii) Transportes; iv) Despesas Pessoais; v) Saúde; vi) Vestuário; vii) Educação. Como previamente sinalizado, os produtos serão agrupados em três painéis distintos com números diferentes de setores, método já utilizado por Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23], Klenow e Malin (2010)Klenow, Peter J. e Benjamin A. Malin (2010): “Microeconomic Evidence on Price-Setting,” em Handbook of Monetary Economics, ed. por Benjamin M. Friedman e Michael Woodford, Elsevier, vol. 3 de Handbook of Monetary Economics, cap. 6, 231-284. [4] e Gagnon (2009)Gagnon, Etienne (2009): “Price Setting during Low and High Inflation: Evidence from Mexico,” The Quarterly Journal of Economics, 124, 1221-1263. [4]. Um dos painéis utilizará as categorias da FIPE.

O conjunto de dados inclui informações específicas sobre a marca de cada produto. Cada marca é associada a um determinado produto e constitui o menor nível de desagregação. Um produto é uma combinação de uma ou mais marcas.5 A abertura relevante para o presente estudo é o preço de uma determinada marca associada a um estabelecimento, chamada aqui de item. A base de dados contém originalmente 592.122 itens.6 Dessa forma, uma trajetória de preços será o conjunto dos preços de um item ao longo do tempo.

A base foi previamente tratada para a obtenção dos resultados presentes nas próximas seções. Os principais filtros aplicados foram a delimitação do período analisado e a exclusão de preços administrados por contratos e monitorados, que são regulados pelo Governo Federal, Estadual, Municipal ou por agências reguladoras.7 São preços administrados os valores de remédios, combustíveis e tarifas associadas a serviços de utilidade pública, entre outros. Assim, a base de dados final contém aproximadamente 17 milhões de observações, 525 mil itens distribuídos entre mais de 11 mil estabelecimentos, 571 produtos, e mais de 13 mil marcas.

A extensão média de uma série de preço é de 30,2 meses. A curta extensão média reflete uma característica comum às bases de dados em que não há substituição de produtos, ou seja, qualquer alteração nos produtos resulta em um novo código. Apesar desta metodologia implicar em séries de preços mais curtas, ela garante a consistência do mesmo produto ser observado ao longo do tempo sem nenhuma alteração.

2.1 Principais resultados descritivos

A Tabela 1 apresenta a frequência média das mudanças de preços e o tamanho médio das variações durante todo o período analisado (as definições para calcular estas estatísticas são descritas no Apêndice A).8 Em média, 38,9% variam mensalmente e, condicional à mudança de preço, a magnitude média da variação é de 9,6%. Entre os preços que variam, os aumentos de preços são mais frequentes (56% dos ajustes) e maiores em média do que as quedas (10,0% contra 7,6%).

Tabela 1
Frequência e tamanho das variações de preços (%)

Os resultados encontrados estão em linha com os reportados na literatura. Ao analisar o período pós Plano Real (1995 a 2007), Araujo (2018)Araujo, Julia (2018): “Price Setting in Brazil from 1989 to 2007,” Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo. [5, 7, 20] mostra que 36,8% dos preços mudam mensalmente, com variações médias de 11,4% entre os aumentos, e 9,9% entre as reduções. Gouvea (2007)Gouvea, Solange (2007): “Price Rigidity in Brazil: Evidence from CPI Micro Data,” Working Paper 143, Banco Central do Brasil. [5] analisa os microdados do IPC-FGV de 1996 a 2006, concluindo que o tamanho médio dos aumentos de preços é maior do que o das quedas (16% versus 12,6%). Os trabalhos citados não descartam preços promocionais de suas amostras. Barros (2009)Barros, Rebecca Wellington dos Santos (2009): “Price setting and macroeconomic variables: Evidence from Brazilian CPI,” Tese de Doutorado, Fundação Getúlio Vargas. [5, 6, 7, 20], por sua vez, descarta promoções e mostra que aproximadamente 37,2% dos preços variam mensalmente; as quedas de preços passam a ser mais expressivas do que os aumentos (14,6% versus 12,0%).

Apesar da média e da mediana da frequência de mudança de preço serem próximas (38,9 e 39,0, respectivamente, como reportado na Tabela 1), a distribuição é assimétrica com cauda mais grossa à esquerda, ou seja, a maior parte dos itens apresentam baixa frequência de variação de preço.

A Figura 1 apresenta a frequência mensal da variação de preços ao longo do período analisado. Ela traz as estatísticas referentes a aumentos de preço, quedas de preço e variações de preços totais, que consideram tanto aumentos quanto quedas. A frequência de ajustes não apresenta grandes variações ao longo do período, especialmente para quedas, oscilando entre 10% e 20%. A frequência do aumentos, por sua vez, possui alguns picos no começo dos anos 2000 em que se aproxima de 40%, enquanto nos últimos anos permaneceu abaixo de 20%.

Figura 1
Frequência de variação de preços ao longo do período analisado

Segmentando as estatísticas descritivas entre quedas e aumentos, a Tabela 2 reporta a distribuição do tamanho de ajustes de preços condicional à ocorrência de mudança. Quase um terço deles apresenta variação menor que 5% e mais da metade apresenta variação menor que 10%. A distribuição se desvia de uma normal pela grande proporção de preços com variação baixa. Nota-se também que a assimetria entre os ajustes de preços negativos e positivos é pequena.9

Tabela 2
Estatísticas da distribuição de preços (%)

2.2 Evidências de Heterogeneidade

Heterogeneidade e assimetria da frequência do ajuste de preços são temas recorrentes na literatura. Esta subseção apresenta evidências de heterogeneidade entre setores. A estratégia utilizada é construir três painéis distintos, cada um deles contendo números diferentes de setores, que por sua vez contemplam os produtos. O painel A, com 3 setores, segue a divisão de produtos do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA - IBGE) para os preços livres;10 o painel B apresenta 7 setores, divisão feita com base na segmentação da POF-FIPE; e por fim, o painel C possui 12 setores, separados com base nos subgrupos do IPCA-IBGE.11 A separação dos produtos entre setores demonstra a heterogeneidade setorial, enquanto a comparação entre os painéis capta em alguma medida a heterogeneidade entre os produtos, uma vez que estes são separados de maneiras distintas na comparação dos painéis.12

A Tabela 3 apresenta os três painéis, os respectivos pesos e estatísticas descritivas de cada setor. As frequências de mudanças de preços variam de aproximadamente 3% até 53% aproximadamente. O tamanho das variações de preço está dentro de um intervalo menor, de 3% a 20%, porém ainda assim expressivo. A assimetria entre os setores é clara. Considerando o painel com 12 setores, a razão entre as frequências de aumentos e quedas de preços é de aproximadamente 1,1 no setor de "Alimentos in natura", e de 7,2 no setor de "Serviços e produtos de saúde". Os resultados observados estão em linha com os apresentados por Araujo (2018)Araujo, Julia (2018): “Price Setting in Brazil from 1989 to 2007,” Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo. [5, 7, 20] e Barros (2009)Barros, Rebecca Wellington dos Santos (2009): “Price setting and macroeconomic variables: Evidence from Brazilian CPI,” Tese de Doutorado, Fundação Getúlio Vargas. [5, 6, 7, 20], que também mostram evidências de heterogeneidade para o caso brasileiro.

Tabela 3
Características dos setores para os modelos multissetoriais (%)

3. Metodologia

3.1 Modelo

Inspirado na modelagem da Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23], este trabalho irá recorrer a um modelo de custo de menu multissetorial para avaliar o comportamento da fixação de preços entre os diferentes setores. O modelo se assemelha ao utilizado por Golosov e Lucas (2007)Golosov, Mikhail e Robert Lucas (2007): “Menu Costs and Phillips Curves,” Journal of Political Economy, 115, 171-199. [1, 3, 7, 15, 16], mas introduz a heterogeneidade ao separar os produtos em múltiplos setores. Adicionalmente, para fins comparativos, também será calibrada uma extensão que incorpora alguns preceitos do modelo de Calvo (1983)Calvo, Guillermo A. (1983): “Staggered prices in a utility-maximizing framework,” Journal of Monetary Economics, 12, 383-398. [3], denominada "CalvoPlus" por Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23]. Neste modelo, inclui-se um componente time dependent no custo de menu. Em cada período, as firmas do setor j poderão se defrontar com um custo de menu relativamente baixo com probabilidade 1 - αj, ou com um custo de menu alto com probabilidade αj. Portanto, em ambas situações, alterações de preços são factíveis. Estas suposições mantêm a tratabilidade do modelo de Calvo e, ao mesmo tempo, capturam a ideia de que o momento em que a empresa recebe a oportunidade de ajustar seus preços ao baixo custo é amplamente ortogonal à sua vontade de realizar a alteração.

Tanto no modelo de custo de menu, quanto no CalvoPlus, será feita a calibração considerando todas as firmas em um único setor (modelo unissetorial), assim como segmentando as firmas em vários setores (multissetorial). A estratégia utilizada é construir três painéis distintos, já apresentados anteriormente, cada um deles contendo números diferentes de setores, que por sua vez contemplam os produtos. Para cada painel serão calibrados os modelos mencionados acima.

3.1.1 Famílias

Há um contínuo de famílias idênticas distribuídas uniformemente no intervalo [0,1]. Elas maximizam a utilidade esperada, sendo a utilidade futura descontada por um fator β por período. As famílias têm aversão ao risco relativo constante (CRRA) e igual a γ ; com relação à desutilidade relacionada ao trabalho, o nível e a convexidade são dados pelos parâmetros ω e ψ , respectivamente. Assim, a preferência, da perspectiva do período t, é dada por:

(1) E t τ = 0 β τ 1 1 γ C t + τ 1 γ ω ψ + 1 L t + τ ψ + 1 ,

em que Et denota o operador esperança condicional à informação conhecida no período t, Ct indica o consumo de um bem composto, e Lt denota o número de horas de trabalho ofertadas. As famílias consomem um contínuo de bens distintos, indexados por z, de modo que o consumo agregado Ct é um índice Dixit-Stiglitz dos diferentes bens:

(2) C t = 0 1 c t ( z ) θ 1 θ θ θ 1 ,

em que ct (z) é o consumo do bem z no instante t, e θ denota a elasticidade de substituição entre diferentes bens em um mesmo instante de tempo.

Um ativo contingente Bt , que pode ser comprado em qualquer período t, é negociado nesta economia, de modo que a restrição orçamentária das famílias é dada por:

(3) P t C t + E t D t , t + 1 B t + 1 B t + W t L t + 0 1 Π t z d z ,

sendo que Bt+1 é a quantidade de ativos comprada no período t, os quais vencem em t + 1. Dt,t+1 é o preço em t de um ativo que paga 1 unidade de consumo em t + 1, caso determinado estado da natureza ocorra. Há um ativo para cada estado na natureza.

Πt (z) denota o lucro da firma z no período t, e Wt é o salário por unidade de trabalho em t. Por fim, Pt é o nível de preços agregado desta economia tal que:

(4) P t = 0 1 p t ( z ) 1 θ d z 1 1 θ ,

em que pt (z) é o preço do bem z no instante t.

O problema da família representativa pode ser dividido em duas partes. Na primeira, a família maximiza consumo agregado (2), sujeito a um valor estipulado para o gasto total. O resultado desse problema estático é a demanda pelo bem z no período t:

(5) c t z = C t p t z P t θ

Na segunda parte do problema, a família escolhe a trajetória ótima do consumo agregado Ct , juntamente com oferta de trabalho e posses de ativos, de modo a maximizar (2), sujeito às equações (3), (4) e à condição de No-Ponzi Game, dada por:

(6) lim t E t D t 1 , t B t 0

A solução desse problema produz as seguintes condições de primeira ordem:

(7) D t , T = β T t C T C t γ P t P T
(8) W t P t = ω L t ψ C t γ ,

sendo que (7) é a equação de Euler, enquanto (8) descreve a escolha ótima de horas de trabalho em função do salário real.

3.1.2 Firmas

Há um contínuo de medida 1 de firmas, indexadas por z. Cada empresa pertence a um setor j, em que j ∈ {1,...,J}, sendo J o número de setores presentes na economia. Cada empresa se especializa em um produto distinto, de modo que a produção de uma firma z no período t é dada por:

(9) y t z = A t z L t ( z ) 1 s m M t ( z ) s m ,

em que Lt (z) denota a quantidade de trabalho que a firma z emprega no período t, Mt (z) é um índice de insumos intermediários usados na produção de z no período t, sm indica a participação de insumos intermediários nos custos da firma z, e At (z) é a produtividade de z no período t.

Como no modelo de Basu (1994)Basu, Susanto (1994): “Intermediate Goods and Business Cycles: Implications for Productivity and Welfare,” NBER Working Paper Series. [10], supõe-se que todos os produtos são tanto bens finais quanto insumos. Assim, a quantidade de insumos intermediários usados para produzir z é dada por:

(10) M t z = 0 1 m t ( z , z ' ) θ 1 θ d z ' θ θ 1 ,

em que mt (z,zt) é a quantidade de zt utilizada como insumo intermediário pela firma z. O problema inicial de uma firma z é minimizar o custo com insumos intermediários sujeito à regra de agregação de preço dada pela equação (4). A condição de primeira ordem do problema da firma implica que:

(11) m t z , z ' = M t z p t z ' P t θ

A firma z, pertencente ao setor j, maximiza o valor presente de seus lucros esperados:

(12) E t τ = 0 D t , t + τ Π t + τ z ,

sendo o lucro no período t dado por:

(13) Π t z = p t z y t z W t L t z P t M t z χ j W t I t z P t U ,

em que It (z) é uma variável indicadora igual a 1 se a empresa alterar seu preço no período t, e 0 caso contrário. O custo de menu é representado no modelo pelo número de unidades adicionais de trabalho necessárias para que uma determinada firma z altere o preço de seu produto. Este custo é diferente entre setores, de modo que as empresas do setor j devem contratar χj unidades adicionais de trabalho caso decidam ajustar seus preços no período t. Por fim, U são os custos fixos de cada empresa.13

Seja Yt=Ct+01Mtzdz, em que Yt representa o produto bruto, enquanto Ct representa o valor adicionado ao produto. Combinando as equações (2) e (11), e substituindo na equação do produto:

(14) y t z = Y t p t z P t θ

Supõe-se que o logaritmo da produtividade de uma firma z segue um processo autorregressivo de ordem 1:

(15) log A t z = ρ log A t 1 z + ϵ t z ,

em que ϵtzN0,σϵ,j2 são choques específicos a cada setor, os quais são independentes entre setores e no tempo.

No entanto, é necessário reduzir o problema da firma, uma vez que este depende da distribuição conjunta dos preços de todas as empresas e dos níveis de produtividade. Incorporando as premissas de Krusell e Smith (1998)Krusell, Per e Anthony A. Smith (1998): “Income and Wealth Heterogeneity in the Macroeconomy,” Journal of Political Economy, 106, 867-896. [11], o problema se torna tratável ao supor que as empresas captam a evolução do nível de preços agregado por meio de um número determinado de momentos dessa distribuição. Assim, a seguinte hipótese é feita:

(16) P t P t 1 = Γ S t P t 1 ,

sendo St = PtCt o produto agregado nominal, o qual segue um processo autorregressivo de ordem 1 com drift:

(17) log S t = μ + log S t 1 + η t ,

em que ηtN0,ση2 são iid.

Como proposto por Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23], a lei de percepção de preços utilizada pelas firmas será logarítmica, de modo que PtPt1=logStPt1. Por meio de simulações, os autores concluem que esta formulação é altamente precisa: em 99% dos meses, a diferença entre a lei percebida de movimento e a lei real do movimento é inferior a um ponto de grid.

Com as equações expostas acima, é possível escrever o problema da firma de forma recursiva:

(18) V A t z , p t 1 z P t , S t P t = max p t z Π t R z + E t D t , t + 1 R V A t + 1 z , p t z P t + 1 , S t + 1 P t + 1 ,

em que V (·) é a função valor. O sobrescrito R denota que as variáveis estão em termos reais. A dedução da função valor está no Apêndice B.

3.1.3 Equilíbrio

Um equilíbrio nesta economia é uma sequência de alocações para as famílias Ct, Lt, Bt+1t=0; uma sequência de preços e alocações para as empresas ptz, ytz, Ltzt=0; e um conjunto de preços agregados Wt, Pt, Dt,t+1t=0, tais que:

  1. Dados os preços, Ct, Lt, Bt+1t=0 resolve o problema de maximização de utilidade das famílias.

  2. Dados o nível de produtividade das firmas e variáveis agregadas, ptz, ytz, Ltzt=0 resolve o problema de maximização de lucro de cada empresa z.

  3. Os mercados estão em equilíbrio em todos os períodos (market clearing).

3.1.4 Estratégia computacional

Como descrito, o equilíbrio nesta economia é um conjunto de processos estocásticos para os preços, alocações de recursos que resolvem os problemas de maximização das famílias e das empresas, além da evolução das variáveis exógenas At (z) e St . Para resolver o equilíbrio, foi utilizada a seguinte estratégia, sugerida por Nakamura e Steinsson (2008)Nakamura, Emi e Jón Steinsson (2008): “Five Facts about Prices: A Reevaluation of Menu Cost Models,” The Quarterly Journal of Economics, 123, 1415-1464. [3, 12]:

  1. Especificar um grid finito de pontos para as variáveis de estado, At (z), pt-1(z)/Pt e St /Pt ;

  2. Propor uma função Γ(St /Pt-1). Como discutido acima, selecionou-se a função logarítmica;

  3. Dado o Γ(·) proposto, é possível resolver a policy function da empresa, F , por iterações da função valor;

  4. Verificar as consistências de Γ(·) e F(·). O processo utilizado para verificação está descrito no Apêndice B. Se consistente, é possível calcular as outras variáveis do equilíbrio. Caso contrário, atualizamos Γ(·) e F voltamos para [3].

Os processos estocásticos At (z) e St são aproximados por meio do método proposto por Tauchen (1986)Tauchen, George (1986): “Finite state Markov-Chain approximations to univariate and vector autoregressions,” Economics Letters, 20, 177-181. [12].

3.2 O modelo de CalvoPlus

Para fins comparativos, também será avaliada uma extensão do modelo de custo de menu que incorpora alguns preceitos de Calvo (1983)Calvo, Guillermo A. (1983): “Staggered prices in a utility-maximizing framework,” Journal of Monetary Economics, 12, 383-398. [3]. Enquanto no modelo de Calvo (1983)Calvo, Guillermo A. (1983): “Staggered prices in a utility-maximizing framework,” Journal of Monetary Economics, 12, 383-398. [3], em um determinado período t, as empresas têm a oportunidade de alterar seus preços sem nenhum custo com probabilidade (1 α ) e a um custo extremamente elevado com probabilidade α , o Modelo CalvoPlus ameniza tal dualidade. Neste, com probabilidade (1 - αj), as firmas do setor j recebem a oportunidade de alterar seus preços a um custo relativamente baixo χj,b e, com probabilidade αj, enfrentam um custo de menu alto χj,a. Portanto, em ambas situações, mudanças de preços são factíveis.

Com relação ao modelo de custo de menu, o problema do consumidor se mantém o mesmo, porém há mudanças no problema da firma. Particularmente, no lugar da equação (13), o lucro da firma z no período t passa a ser:

(19) Π t z = p t z y t z W t L t z P t M t z I t z W t χ j , α P t U ,

em que:

(20) χ j , α = { χ j , b , com prob. ( 1 α j ) χ j , a , com prob. α j , sendo χ j , b < χ j , a , α j [ 0 , 1 ]

3.3 Parâmetros

Este trabalho visa entender o grau de não neutralidade monetária resultante da rigidez de preços no caso brasileiro, dado um conjunto específico de valores dos parâmetros.

O modelo calibrado é anual. Os valores de alguns parâmetros são recorrentes na literatura e serão baseados nos trabalhos de Hansen (1985)Hansen, Gary D. (1985): “Indivisible labor and the business cycle,” Journal of Monetary Economics, 16, 309-327. [13], Rogerson (1988)Rogerson, Richard (1988): “Indivisible labor, lotteries and equilibrium,” Journal of Monetary Economics, 21, 3-16. [13], Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23] e Burstein e Hellwig (2007)Burstein, Ariel e Christian Hellwig (2007): “Prices and Market Shares in a Menu Cost Model,” C.E.P.R. Discussion Papers. [13], enquanto outros foram estimados com base nos dados brasileiros. A Tabela 4 sumariza os valores dos parâmetros utilizados na calibração dos modelos.

Tabela 4
Parâmetros com base na Literatura e dados brasileiros

Entre os parâmetros já estabelecidos na literatura e em linha com o modelo proposto: β , o fator de desconto anual, é 0,96; γ = 1, isto é, a utilidade do consumo assume a forma logarítmica; e ψ = 0, de modo que a desutilidade do trabalho segue uma função linear. Por sua vez, o parâmetro θ está relacionado à elasticidade de substituição. O valor utilizado será θ = 4, definido com base no trabalho de Burstein e Hellwig (2007)Burstein, Ariel e Christian Hellwig (2007): “Prices and Market Shares in a Menu Cost Model,” C.E.P.R. Discussion Papers. [13] e em linha com a literatura de organização industrial (Chevalier et al. (2003)Chevalier, Judith A., Anil K. Kashyap, e Peter E. Rossi (2003): “Why Don’t Prices Rise During Periods of Peak Demand? Evidence from Scanner Data,” American Economic Review, 93, 15-37. [13] e Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23]).

Com relação aos parâmetros que descrevem a trajetória do valor adicionado ao produto em termos nominais, µ e ση são definidos com base nos dados agregados de Produto Interno Bruto, disponibilizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE. Como proposto por Nakamura e Zerom (2010)Nakamura, Emi e Dawit Zerom (2010): “Accounting for Incomplete Pass-Through,” Review of Economic Studies, 77, 1192-1230. [1, 13], uma vez que o modelo não incorpora nenhuma tendência do PIB, µ é definido como a diferença das médias do crescimento do PIB nominal e do PIB real, enquanto ση é o desvio padrão do crescimento do PIB nominal. Os parâmetros serão fixados com base nos dados anuais brasileiros de 2000-2019, de modo que, µ =0,07 e ση =0,03.14

O parâmetro sm é a fração dos custos com insumos intermediários nos custos totais. As informações sobre os custos de insumos intermediários por produto são obtidas na Matriz Insumo Produto, disponibilizada pelo Núcleo de Economia Regional e Urbana da USP - NEREUS. Os dados utilizados são de 2017 e a agregação dos produtos em setores foi feita com base na Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE-IBGE.15

A Tabela 5 apresenta o uso de insumos intermediários como fração do produto bruto de cada setor (Ins. Intermediários (%)); a porcentagem dos insumos intermediários provenientes daquele setor em relação ao total de insumos intermediários na economia (Ins. Proveniente (%)); o peso do setor no produto total da economia (Peso Setor Y (%)); e a ponderação do setor com base na POF - FIPE (IPC (%)).16 Para calcular as ponderações do IPC, foi necessário reclassificar os produtos da Matriz Insumo Produto segundo os critérios da FIPE.

Tabela 5
Insumos intermediários nos setores brasileiros

Como mostra a Tabela 5, os produtos do setor de Serviços são os mais utilizados como insumos intermediários. O setor agrega atividades como consultoria, marketing, atividades imobiliárias, entre outras. O setor de Transformação, que é intensivo na utilização de insumos intermediários, também provê grande parte dos insumos intermediários utilizados na economia, de modo que o peso do setor no produto final da economia é menor do que a sua participação no fornecimento de insumos para outros setores.

A partir da tabela, podemos obter a média ponderada da participação de insumos intermediários na receita dos setores na economia (Ins. Intermediários (%)), utilizando como pesos os valores na coluna IPC (%). Esta média é de aproximadamente 42%. Finalmente, a parcela dos custos com insumos intermediários, sm, é calculada pela multiplicação da média ponderada da participação de insumos intermediários pelo markup da economia. Visto que a elasticidade da demanda é θ = 4, o markup é de aproximadamente 1,3. Portanto, a estimativa da parcela média de custos com insumos intermediários é de aproximadamente 54%.

No modelo estimado por Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23], o parâmetro sm assume o valor de 0,7. O menor parâmetro em nosso caso indica que a produção brasileira, em média, utiliza menos insumos intermediários do que a norte-americana. Além disso, no caso americano, o setor de manufatura corresponde à maior porcentagem do IPC (51,2%), e é também o setor com maior fração de insumos intermediários (64,9%). Por sua vez, no caso brasileiro, o setor com maior peso no IPC é o de Serviços, cuja porcentagem de insumos intermediários é de 36,2%.

Por fim, o parâmetro ρ é o coeficiente do processo autorregressivo de ordem 1 proposto para modelar a produtividade, representando a velocidade média de conversão de tal processo. Com base nos dados da Penn World Table 9.0, para o nível da produtividade total dos fatores para o Brasil, fixou-se ρ em 0,88.17

Assim, com os valores propostos para os parâmetros acima, procedemos com a calibração do custo do menu, χj, e o desvio padrão dos choques idiossincráticos em cada setor, σɛ , com base nas evidências sobre a frequência e o tamanho das mudanças de preço encontradas nos microdados do IPC-FIPE. A não neutralidade monetária será medida pela variância do valor adicionado ao produto, denotado por Ct , quando é simulado um choque nominal no modelo, St , mesma medida utilizada por Midrigan (2011)Midrigan, Virgiliu (2011): “Menu Costs, Multiproduct Firms, and Aggregate Fluctuations,” Econometrica, 79, 1139-1180. [1, 15] e Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23].

4. Resultados

Os resultados serão expostos da seguinte forma. Em primeiro lugar, reportamos os resultados referentes aos modelos unissetoriais. Denominamos Baseline o modelo de custos de menu, como descrito na seção 3.1, considerando um único setor e sem insumos intermediários.18 Em seguida, será introduzida a hipótese de insumos intermediários. Isso é realizado por meio do parâmetro sm, que pode assumir dois valores: sm = 0 em modelos sem insumos intermediários, e sm = 0,54 em modelos que incorporam estes insumos. Adiante serão apresentadas as mesmas análises para o Modelo CalvoPlus, descrito na seção 3.2.

A Tabela 6 apresenta os valores calibrados para os parâmetros de custo de menu e do desvio padrão do choque idiossincrático (σɛ ) para modelos unissetoriais. Tais parâmetros são estabelecidos de modo que as estatísticas de frequência e tamanho das variações de preço resultantes dos modelos coincidam com as estatísticas apresentadas na Tabela 4. Para ter uma noção quantitativa, mostramos na tabela o custo de menu como proporção da receita real de estado estacionário (∆p).19 Apresentamos, ainda, a variância do produto (Var(Ct )) resultante da calibração de cada modelo, que é a nossa medida de não neutralidade monetária.

Tabela 6
Resultados dos modelos de Custo de Menu unissetoriais

As três primeiras colunas da tabela trazem os resultados do modelo de custo de menu baseline, sem insumos intermediários, enquanto as três últimas colunas representam os resultados considerando o mesmo modelo, mas com introdução de insumos intermediários.

Os resultados mostram que os custos de menu anuais das empresas são menores do que 0,5% de suas receitas. Quando o modelo incorpora os insumos intermediários, o custo é, em média, um décimo do observado no caso anterior. A variância do choque idiossincrático situa-se entre 6% e 8%, sendo menor no modelo com insumos intermediários. Pela construção do modelo, e como enfatizado por Golosov e Lucas (2007)Golosov, Mikhail e Robert Lucas (2007): “Menu Costs and Phillips Curves,” Journal of Political Economy, 115, 171-199. [1, 3, 7, 15, 16] e Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23], a alta variância deste choque é crucial para gerar mudanças de preços suficientemente grandes e um número substancial de quedas de preços, conforme observado nos dados.

Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23] argumentam que os choques de produtividade devem ser vistos como um substituto para uma classe mais ampla de choques idiossincráticos que causam variação nos preços desejados das empresas. Golosov e Lucas (2007)Golosov, Mikhail e Robert Lucas (2007): “Menu Costs and Phillips Curves,” Journal of Political Economy, 115, 171-199. [1, 3, 7, 15, 16] complementam que tais choques podem ser interpretados como diferenças de produtividade entre as empresas, como respostas a acúmulos de estoques ou outros fatores. Consequentemente, a alta variância dos choques idiossincráticos amplifica o intervalo de tamanho das variações de preços.

Os modelos unissetoriais de custo de menu apresentados acima, ao simularem um choque puramente nominal, causam variações no produto real iguais a 0,6×10-6 e 1,5×10-6, considerando, respectivamente, o modelo sem insumos intermediários e com insumos intermediários. O modelo que incorpora estes insumos gera, assim, mais do que o dobro de não neutralidade monetária.

Esta amplificação ocorre pois as decisões das firmas se tornam complementares. Com a introdução de insumos intermediários, a matéria prima utilizada na produção de um bem inclui outros produtos, e o custo marginal de uma empresa depende do preço desses produtos. Isso torna a resposta das firmas a um choque nominal mais lenta, uma vez que o custo marginal responde menos ao choque em St . Como descrito por Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23], além desse ajuste mais lento, a variação de preço implementada é menor do que aquela que ocorreria caso o único insumo da produção fosse trabalho.

4.1 CalvoPlus

Em cada período, a firma recebe, com determinada probabilidade, a oportunidade de mudar seu preço a um custo relativamente baixo (com probabilidade complementar o custo para ajustar o preço é alto). Ainda considerando um único setor, a Tabela 7 apresenta a calibração dos parâmetros e a não neutralidade gerada por modelos Calvo- Plus. Aqui há dois custos de menu, o alto, χj,a, e o baixo, χj,b. Assim como Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23], utilizou-se a relação χj,b = χj,a/40.

Tabela 7
Resultados dos modelos CalvoPlus unissetoriais

As três primeiras colunas da tabela apresentam os resultados referentes ao modelo sem insumos intermediários (sm = 0), e as três últimas apresentam os resultados para o modelo com insumos intermediários (sm = 0,54).

Nota-se que o grau de não neutralidade gerada pelo modelo CalvoPlus é maior do que a do modelo de custo de menu. Carvalho (2006)Carvalho, Carlos Viana (2006): “Heterogeneity in Price Stickiness and the Real Effects of Monetary Shocks,” The B.E. Journal of Macroeconomics, 6, 1-58. [3, 16, 19] ressalta a relevância da interação das empresas em modelos com dependência temporal na tomada da decisão de ajustar os preços. A maior não neutralidade monetária gerada por tais modelos reflete a decisão das firmas de esperar para ajustar seus preços apenas quando se defrontam com o custo de menu relativamente menor, gerando maior demora na resposta das empresas a choques nominais. No modelo com insumos intermediários, o grau de complementariedade na estratégia das empresas aumenta, produzindo ainda mais não neutralidade.

4.2 Heterogeneidade e não neutralidade

A Tabela 8 apresenta a parametrização do custo de menu e o desvio padrão do choque idiossincrático para os modelos multissetoriais. Como exposto anteriormente, foram construídos três painéis: painel A, com três setores; painel B, com sete setores; e painel C, com doze setores. Os parâmetros calibrados permitem que o modelo retorne as estatísticas de frequência e tamanho das mudanças de preço apresentadas na Tabela 3. Para a comparação entre os modelos unissetoriais e multissetoriais, a tabela também mostra a calibração dos parâmetros para o modelo com apenas um setor (denominado "Geral"), cujos resultados já foram apresentados acima.

Tabela 8
Calibração dos parâmetros nos modelos multissetoriais

Em todos os casos, o custo anual para variar o preço, ∆p, é menor do que 1% da receita do setor, e na maior parte deles, menor do que 0,5%. Quando o modelo incorpora os insumos intermediários, o custo é em média um décimo do custo observado na ausência deste insumos. Por sua vez, a variância do choque idiossincrático situa-se entre 2% e 10%, sendo em média menor nos modelos com insumos intermediários.

A Tabela 9 apresenta, para cada modelo, o grau de não neutralidade monetária resultante de um choque puramente nominal. Para termos uma noção quantitativa dos principais mecanismos aqui enfatizados, expressamos as variâncias geradas pelos modelos calibrados (Var(Ct )) como fração da variância do componente cíclico do produto real, conforme observado nos dados. O ciclo foi obtido pela aplicação do filtro Hodrick-Prescott (HP). As duas primeiras colunas exibem os resultados considerando o modelo de custo de menu sem insumos intermediários (1ª coluna) e com insumos intermediários (2ª coluna). As duas últimas colunas apresentam a variação do produto considerando o modelo de CalvoPlus sem insumos intermediários (3ª coluna) e com a introdução deles (4ª coluna).

Tabela 9
Não neutralidade monetária em termos da variância total do produto (%)

Os modelos apresentados neste trabalho explicam entre 0,4% e 12,6% da variação total do ciclo do produto. Considerando os mesmos modelos, Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23] encontram valores entre 2% a 23%. Assim, há menor evidência de rigidez de preços nos dados brasileiros.

O modelo que gera a menor não neutralidade monetária é o de custo de menu unissetorial, Baseline, explicando 0,4% da variância observada do produto real. Este modelo não incorpora as hipóteses de heterogeneidade e insumos intermediários. Além disso, por ser um modelo de custo de menu, o efeito da seleção é mais forte do que nos modelos time-dependent, implicando menor não neutralidade monetária. A introdução da hipótese de heterogeneidade de custo de menu eleva a porcentagem do produto explicada pelos modelos. Nota-se que esta porcentagem cresce à medida que o número de setores considerados aumenta. O modelo com doze setores chega a gerar uma volatilidade correspondente a 1,3% da flutuação cíclica do PIB real.

Já a adição da hipótese de insumos intermediários eleva a não neutralidade explicada pelo modelo em um fator próximo a três. O modelo unissetorial passa a explicar 1% da variância observada, enquanto o modelo com 12 setores explica 3,1%.

Os modelos CalvoPlus introduzem o componente time dependent e reduzem os efeitos de seleção, elevando o grau de não neutralidade. O modelo CalvoPlus unissetorial sem insumos intermediários explica 0,9% da variação no produto total, duas vezes mais do que o modelo correspondente de custo de menu. Ainda no caso sem insumos intermediários, a porcentagem explicada é quatro vezes maior no modelo com doze setores (3,6%) frente ao modelo com um único setor. Considerando o modelo CalvoPlus multissetorial com 12 setores, a porcentagem da variância do produto atribuída à rigidez de preços chega a 12,6%.

Nossos resultados ressaltam como a heterogeneidade afeta o grau de não neutralidade em modelos de rigidez de preços. Em todos os casos, quando ampliamos o número de setores distintos, a variância do produto explicada pelo modelo se eleva. Isto ocorre pois o grau de não neutralidade é uma função convexa da frequência de variação de preços entre os setores. Em modelos calibrados para a economia norte-americana, Carvalho (2006)Carvalho, Carlos Viana (2006): “Heterogeneity in Price Stickiness and the Real Effects of Monetary Shocks,” The B.E. Journal of Macroeconomics, 6, 1-58. [3, 16, 19] mostra que os efeitos de um choque monetário são maiores e mais persistentes em economias heterogêneas do que em economias com firmas idênticas, resultados que são corroborados por Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23].

A introdução de insumos intermediários é também relevante nessa dimensão, elevando o grau de não neutralidade. Isso ocorre pois a matéria prima utilizada na produção inclui outros produtos, fazendo com que custo marginal de uma empresa dependa do preço de outros produtos. Consequentemente, a resposta das firmas a um choque nominal torna-se mais lenta, na medida em que se reduz a reação do custo marginal ao choque.

Por sua vez, a variância do produto a um choque nominal é maior no modelo CalvoPlus em relação ao modelo de custo de menu. Isto decorre do fato de que, após um choque monetário, as primeiras empresas a ajustarem seus preços pertencem aos setores cuja frequência de variação do preço é relativamente maior. Como descrito por Carvalho (2006)Carvalho, Carlos Viana (2006): “Heterogeneity in Price Stickiness and the Real Effects of Monetary Shocks,” The B.E. Journal of Macroeconomics, 6, 1-58. [3, 16, 19], ao longo dos períodos, a distribuição das mudanças de preço torna-se progressivamente dominada por firmas de setores que alteram seus preços menos frequentemente. Assim, há uma desaceleração da velocidade de ajuste em uma economia heterogênea frente a uma economia homogênea. O autor denomina este processo de "efeito de composição de frequência", ou seja, setores de alta frequência dominam a parte inicial do ajuste após o choque, enquanto setores de baixa frequência conduzem grande parte do processo nos períodos subsequentes.

5. Conclusão

Este trabalho estuda a importância da rigidez de preços como fonte de não neutralidade monetária no contexto brasileiro. As estatísticas de frequência de variação de preço e tamanho destes ajustes encontradas estão em linha com estudos anteriores baseados microdados. Além disso, em conformidade com evidências internacionais, documentamos substancial heterogeneidade entre setores no que toca à fixação de preços.

A metodologia segue a proposta por Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23]. O modelo enfatiza duas principais características: a heterogeneidade da frequência de mudança de preços entre os setores, cuja importância no modelo foi ressaltada anteriormente, e a introdução de insumos intermediários. Os modelos multissetoriais estimados explicam até 12,6% das flutuações no produto real. Em outras palavras, 12,6% da variação cíclica do produto é devida à morosidade das empresas em ajustarem seus preços.

Em linha com a literatura internacional, os modelos multissetoriais ampliam a não neutralidade monetária em comparação ao modelo unissetorial. Isto ocorre porque o grau de não neutralidade é uma função convexa da frequência de variação de preços entre os setores. A assimetria com relação às estatísticas de frequência de preços entre os setores, assim, contribuiu para a ampliação da não neutralidade. A introdução de insumos intermediários, por sua vez, também amplifica o grau de não neutralidade. Frente aos modelos sem insumos intermediários, a não neutralidade dos modelos com estas características é até três vezes maior. Por fim, a inclusão de um componente time-dependent no processo decisório das firmas também ajuda a elevar o grau de não neutralidade gerado pelo modelo.

Agradecemos a Marcio Nakane, Julia Araujo, Marco Bonomo, Ricardo Brito e um parecerista anônimo pelos comentários e sugestões; à Capes, por financiar parcialmente este projeto; e à Fipe, pelo apoio financeiro e por disponibilizar o acesso aos dados. Gostaríamos ainda de agradecer a Marcelo Pereira, da Fipe, que gentilmente nos ajudou durante todo o período em que tivemos acesso à base de dados.

  • 1
    O período de hiperinflação no Brasil não será abrangido por este trabalho, visto o consenso de que não há evidências de rigidez de preços na época frente à alta frequência de reajuste de preços. Adicionalmente, o comportamento da frequência de mudança de preços é bastante distinto entre os períodos 1994-1999 e 2000-2019.
  • 2
    Para exemplificar o efeito de seleção, o modelo de Caplin e Spulber (1987)Caplin, Andrew S. e Daniel F. Spulber (1987): “Menu Costs and the Neutrality of Money,” The Quarterly Journal of Economics, 102, 703-725. [3] é ilustrativo. Nele as empresas enfrentam um custo fixo de mudar o preço e escolhem o momento ideal para alterá-los. Assim, adotam a política do tipo Ss, em que esperam seus preços relativos alcançarem o "nível de gatilho" (s), para então os ajustarem para o "preço-alvo" (S).
  • 3
    Como discutimos anteriormente, excluímos tanto o período de hiperinflação, como o compreendido entre 1994 e 1999. Neste último, nota-se um comportamento bastante distinto da frequência de mudança de preços. Optamos, assim, por focar no período de vigência do sistema de metas de inflação, para garantir maior homogeneidade à amostra. Além disso, a base de dados contém uma gama mais ampla de produtos neste período mais recente.
  • 4
    A base de dados não contempla substituições de produtos ou marcas de modo que, frente a alterações marginais nas características de um produto, um novo código é criado, e o código antigo é descontinuado. Os dados também não possuem flag de promoção.
  • 5
    Produtos não industrializados ou homogêneos apresentam poucas segregações de marcas. O produto "Abacaxi", por exemplo, é segmentado entre 13 marcas, que se dividem entre o produto em "unidade", em "kg", ou tipos de abacaxi. Produtos industrializados, por sua vez, têm maior amplitude de marcas. Por exemplo, os produtos "Geladeira" e "Microcomputador" compreendem, respectivamente, um total de 124 e 797 marcas na amostra.
  • 6
    A composição dos itens na amostra muda ao longo dos anos devido à criação de novos itens e descontinuidade de antigos.
  • 7
    Preços administrados são estabelecidos por contrato ou órgão público sendo, assim, menos sensíveis às condições de oferta e de demanda. Em sua maioria, os contratos preveem reajustes de acordo com a inflação passada, de modo que essa indexação torna os preços “dependentes do passado” e pouco sensíveis aos ciclos econômicos.
  • 8
    Para calcular as médias, utilizamos as ponderações de cada setor no IPC-Fipe, estabelecidas pelas Pesquisas de Orçamento Familiares (POFs). No período, houve três POFs vigentes (realizadas em 1998-99, 2009-2010 e 2011-2013).
  • 9
    Barros (2009)Barros, Rebecca Wellington dos Santos (2009): “Price setting and macroeconomic variables: Evidence from Brazilian CPI,” Tese de Doutorado, Fundação Getúlio Vargas. [5, 6, 7, 20] reporta uma assimetria entre variações positivas e negativas maior do que encontrada no presente trabalho. Considerando apenas as variações de preços menores que 2,5%, a autora mostra que a porcentagem correspondente a variações positivas é de aproximadamente 20%, enquanto o mesmo número para as quedas de preços é menor do que 13%.
  • 10
    A divisão original consiste de 4 grandes setores: Alimentos, Serviços, Bens Industriais e Monitorados. No entanto, os preços administrados foram excluídos da base utilizada neste estudo.
  • 11
    A divisão do IPCA-IBGE contempla mais do que os doze setores apresentados aqui. No entanto, alguns setores contavam apenas com produtos administrados e, portanto, não foram incluídos na presente análise.
  • 12
    Em todos os painéis foram realizados ajustes nos pesos dos setores para que a soma entre eles sejaigual a 1. Isso é necessário em função da exclusão dos preços administrados.
  • 13
    Segundo Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23], "o nível desses custos afeta o nível de lucros da empresa como fração da produção, possibilitando conciliar grandes mark-ups estimados na literatura de organização industrial".
  • 14
    Por motivos computacionais, os valores destes dois parâmetros foram ligeiramente ajustados na calibração dos modelos.
  • 15
    O IBGE também disponibiliza tais dados. Entretanto, no site da instituição, os dados mais recentes se referem ao ano de 2015.
  • 16
    A POF utilizada se refere aos anos de 2011-2013. A pesquisa tem como população alvo os habitantes do município de São Paulo. As ponderações foram recalculadas para que a soma entre setores seja igual a 1.
  • 17
    Considera-se o período de 1983-2017. Os dados representam a produtividade total dos fatores nas atuais paridades do poder de compra para o Brasil, sendo a base de comparação os Estados Unidos.
  • 18
    A calibração dos parâmetros retorna as estatísticas de frequência e tamanho médio das variações de preço, reportadas na Tabela 1.
  • 19
    A tabela mostra o custo de menu (∆p) em termos anuais. Sua relação com o parâmetro de custo de menu descrito no modelo (µ ) é dada por ∆p = (θ - 1) )(µ/Y ).

Apêndice A Período 1994 a 2000 - Definições

As definições descritas neste apêndice são utilizadas para calcular as frequências e tamanhos das variações de preços e se assemelham àquelas usadas por Araujo (2018)Araujo, Julia (2018): “Price Setting in Brazil from 1989 to 2007,” Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo. [5, 7, 20] e Barros (2009)Barros, Rebecca Wellington dos Santos (2009): “Price setting and macroeconomic variables: Evidence from Brazilian CPI,” Tese de Doutorado, Fundação Getúlio Vargas. [5, 6, 7, 20]. Seja pi,t o preço do item i no período t, com t = 1, . . . , T. Iit é uma variável indicadora dada por:

(21) I i t = 1 s e p i t p i t 1 0 s e p i t = p i t 1

A variável Iit é definida apenas se as observações t e t - 1 forem observadas (diferentes de missing).

Cada item i pertence a uma categoria de produtos y, sendo y = 1, . . . ,Y . A frequência de mudança de preços para um produto y em um período t é dada por:

(22) f y t = i S y t I i t N y t ,

sendo:

(23) S y t = i y , I i t 0 , 1

Syt é o conjunto de preços diferentes de missing do item i pertencentes à categoria de produto y, e Nyt ≡ #Syt denota o número de elementos no conjunto Syt. A frequência de mudança de preço para um produto y é definida como a fração de observações cujos preços sofreram alterações no total de observações do produto y.

Por sua vez, cada categoria de produto y pertence a um setor j, sendo que j = 1, . . . ,J. A separação por setores é a agregação mais utilizada neste artigo. A frequência de mudanças de preço para um determinado setor j, f j, é a média das frequências de todos os produtos pertencentes ao setor, ponderada pelos seus respectivos pesos na POF-FIPE, ωyt:

(24) f j t = y j ω y t f y t

O vetor de ponderações dos produtos, ωyt , varia ao longo do tempo de acordo com as diferentes versões da POF-FIPE. Em função dos filtros aplicados à base de dados, os pesos são recalculados de modo que y=1Yωyt=1 para todo período t. É importante notar que, ao longo deste artigo, foram utilizadas três formas distintas de categorizar os produtos em setores. Então, entre os painéis, a única diferença é a composição dos produtos y nos setores j.

As definições de frequências dos ajustes positivos e negativos para um dado setor j são dadas, respectivamente, por:

(25) f j t + = y j ω y t N y t i S y t I i t +
(26) f j t = y j ω y t N y t i S y t I i t ,

em que Iit+=1 se pit > pit-1 e, analogamente, Iit=1.

Por fim, a frequência total de variações de preços, considerando todos os produtos contidos na amostra, em um determinado período t é dada por:

(27) f t = y Y ω y t f y t

Já as frequências dos ajustes positivos e negativos, considerando toda amostra, são:

(28) f t + = y = 1 Y ω y t N y t i S y t I i t +
(29) f t = y = 1 Y ω y t N y t i S y t I i t

Por definição, ft=ft++ft.

As próximas definições se referem ao tamanho das variações preços. O tamanho médio dos ajustes de preços de um determinado produto y em um período t é dado por:

(30) Δ p y t = i S y t * Δ p i t N y t * ,

sendo Syt* definido como:

(31) S y t * = i y , I i t = 1

Syt* é o conjunto de observações em que o item i, pertencente à categoria de produto y, varia de preço, e Nyt*#Syt*. Além disso, Δpit=pitpit11.

O tamanho médio dos ajustes de preços de um determinado setor j em um período t é dado por:

(32) Δ p j t = y j ω y t Δ p y t = y j ω y t N y t * i S y t * Δ p i t

Os tamanhos médios absolutos das mudanças de preços positivas e negativas para um setor j são respectivamente:

(33) Δ p j t + = y j ω y t Δ p y t + = y j ω y t N y t * + i S y t * + Δ p i t +
(34) Δ p j t = y j ω y t Δ p y t = y j ω y t N y t * i S y t * Δ p i t ,

em que, novamente, são definidos os conjuntos Syt*+=iy,pit>pit1 e Syt*=iy,pit<pit1, e o número de elementos em cada um desses conjuntos é Nyt*+#Syt*+ e Nyt*#Sjt*.

Para o tamanho das variações de preços considerando toda a amostra, aplicam-se as definições abaixo, análogas as apresentadas acima:

(35) Δ p t = y = 1 Y ω y t Δ p y t
(36) Δ p t + = y = 1 Y ω y t Δ p y t +
(37) Δ p t = y = 1 Y ω y t Δ p y t

Das definições, segue a identidade Δpt=ft+ftΔpt++ftftΔpt.

Apêndice B: Estratégia Computacional

Derivação da função valor

Do problema de minimização de custos de uma firma z temos que:

(38) W t P t = ( 1 s m ) A t L t ( z ) s m M t ( z ) s m Ω t ( z )
(39) 1 = s m A t L t ( z ) 1 s m M t ( z ) s m 1 Ω t z ,

sendo Ωt (z) o custo marginal da firma z no período t. A equação do lucro da firma é dada por:

(40) Π t z = p t z y t z W t L t z P t M t z χ j W t I t z P t U

Combinando as três equações acima, o lucro real é:

(41) Π t R z = p t z P t y t z 1 1 s m W t P t L t z χ j W t P t I t z U

Combinando a função de produção e as equações derivadas do problema de minimização da firma:

(42) L t z = y t z A t z s m 1 s m s m W t P t s m

Inserindo esta equação no lucro real, temos:

(43) Π t R z = p t z P t y t z 1 s m s m 1 s m s m W t P t 1 s m y t z A t z χ j W t P t I t z U

Inserindo as equações (8) e (14) no lucro real:

(44) Π t R z = Y t p t z P t 1 θ ω 1 s m L t ψ 1 s m C t γ 1 s m 1 s m 1 s m s m s m 1 A t z Y t p t z P t θ χ j ω L t ψ C t γ I t z U

Por fim, é necessário calcular as versões log-linearizadas de Yt=Ct+01Mtzdz, da função de produção e da oferta de trabalho, todas ao redor do estado estacionário. Utilizando também a equação Ct = St /Pt , o lucro real das empresas pode ser reescrito como uma função de (At (z), pt-1(z)/Pt , St /Pt ) e pt (z). As expressões acima podem então ser inseridas na função valor:

(45) V A t z , p t 1 z P t , S t P t = max p t z Π t R z + E t D t , t + 1 R V A t + 1 z , p t z P t + 1 , S t + 1 P t + 1
Processo de interação para resolver o equilíbrio

Para resolver o equilíbrio do problema da firma, os seguintes passos foram implementados:

  1. Especificar um grid para as variáveis de estado (A(z),p-1(z)/P,S/P)

  2. Propor uma função Γ em S/P.

  3. Dado Γ, resolver a policy function da firma F pela iteração da função valor.

  4. Verificar se Γ and F são consistentes:

  • Calcular uma distribuição inicial de estado estacionário, Q(A(z),p-1(z)/P,S/P). Como distribuição inicial, Nakamura e Steinsson (2010)--- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23] propõem uma distribuição uniforme.

  • Mapear Q (A(z), p-1(z)/P, S/P) em Q (A(z),p(z)/P,S/P) usando a policy function F .

  • Mapear Q (A(z), p(z)/P, S/P) em Q (A+1(z), p(z)/P,S/P) usando a matriz de transição para o processo de produtividade.

  • Mapear Q (A+1(z), p(z)/P, S/P) em Q (A+1(z), p(z)/P, S+1/P) usando a matriz de transição para o processo de demanda agregada nominal, S.

  • Mapear Q (A+1(z), p(z)/P, S+1/P) em Q (A+1(z), p(z)/P+1, S+1/P+1) utilizando a função Γ.

  • Verificar se IQ (A+1(z), p(z)/P+1, S+1/P+1) - Q (A(z), p-1(z)/P, S/P)I < ξ . Caso atenda a condição descrita, parar. Caso contrário, voltar para a etapa [2].

Referências Bibliográficas

  • Alvarez, Fernando e Francesco Lippi (2014): “Price Setting With Menu Cost for Multiproduct Firms,” Econometrica, 82, 89-135. [1]
  • Araujo, Julia (2018): “Price Setting in Brazil from 1989 to 2007,” Tese de Doutorado, Universidade de São Paulo. [5, 7, 20]
  • Barros, Rebecca Wellington dos Santos (2009): “Price setting and macroeconomic variables: Evidence from Brazilian CPI,” Tese de Doutorado, Fundação Getúlio Vargas. [5, 6, 7, 20]
  • Basu, Susanto (1994): “Intermediate Goods and Business Cycles: Implications for Productivity and Welfare,” NBER Working Paper Series [10]
  • Burstein, Ariel e Christian Hellwig (2007): “Prices and Market Shares in a Menu Cost Model,” C.E.P.R. Discussion Papers [13]
  • Calvo, Guillermo A. (1983): “Staggered prices in a utility-maximizing framework,” Journal of Monetary Economics, 12, 383-398. [3]
  • Caplin, Andrew S. e Daniel F. Spulber (1987): “Menu Costs and the Neutrality of Money,” The Quarterly Journal of Economics, 102, 703-725. [3]
  • Carvalho, Carlos Viana (2006): “Heterogeneity in Price Stickiness and the Real Effects of Monetary Shocks,” The B.E. Journal of Macroeconomics, 6, 1-58. [3, 16, 19]
  • Chevalier, Judith A., Anil K. Kashyap, e Peter E. Rossi (2003): “Why Don’t Prices Rise During Periods of Peak Demand? Evidence from Scanner Data,” American Economic Review, 93, 15-37. [13]
  • Gagnon, Etienne (2009): “Price Setting during Low and High Inflation: Evidence from Mexico,” The Quarterly Journal of Economics, 124, 1221-1263. [4]
  • Golosov, Mikhail e Robert Lucas (2007): “Menu Costs and Phillips Curves,” Journal of Political Economy, 115, 171-199. [1, 3, 7, 15, 16]
  • Gouvea, Solange (2007): “Price Rigidity in Brazil: Evidence from CPI Micro Data,” Working Paper 143, Banco Central do Brasil. [5]
  • Hansen, Gary D. (1985): “Indivisible labor and the business cycle,” Journal of Monetary Economics, 16, 309-327. [13]
  • Klenow, Peter J. e Oleksiy Kryvtsov (2008): “State-Dependent or Time-Dependent Pricing: Does it Matter for Recent U.S. Inflation?” The Quarterly Journal of Economics, 123, 863-904. [3]
  • Klenow, Peter J. e Benjamin A. Malin (2010): “Microeconomic Evidence on Price-Setting,” em Handbook of Monetary Economics, ed. por Benjamin M. Friedman e Michael Woodford, Elsevier, vol. 3 de Handbook of Monetary Economics, cap. 6, 231-284. [4]
  • Krusell, Per e Anthony A. Smith (1998): “Income and Wealth Heterogeneity in the Macroeconomy,” Journal of Political Economy, 106, 867-896. [11]
  • Midrigan, Virgiliu (2011): “Menu Costs, Multiproduct Firms, and Aggregate Fluctuations,” Econometrica, 79, 1139-1180. [1, 15]
  • Nakamura, Emi e Jón Steinsson (2008): “Five Facts about Prices: A Reevaluation of Menu Cost Models,” The Quarterly Journal of Economics, 123, 1415-1464. [3, 12]
  • --- (2010): “Monetary Non-neutrality in a Multisector Menu Cost Model,” The Quarterly Journal of Economics, 125, 961-1013. [2, 3, 4, 7, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 19, 20, 23]
  • --- (2013): “Price Rigidity: Microeconomic Evidence and Macroeconomic Implications,” Annual Review of Economics, 5, 133-163. [3]
  • Nakamura, Emi e Dawit Zerom (2010): “Accounting for Incomplete Pass-Through,” Review of Economic Studies, 77, 1192-1230. [1, 13]
  • Rogerson, Richard (1988): “Indivisible labor, lotteries and equilibrium,” Journal of Monetary Economics, 21, 3-16. [13]
  • Smets, Frank e Bartosz Mackowiak (2008): “On implications of micro price data for macro models,” Working Paper 960, European Central Bank. [2]
  • Tauchen, George (1986): “Finite state Markov-Chain approximations to univariate and vector autoregressions,” Economics Letters, 20, 177-181. [12]

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023
Fundação Getúlio Vargas Praia de Botafogo, 190 11º andar, 22253-900 Rio de Janeiro RJ Brazil, Tel.: +55 21 3799-5831 , Fax: +55 21 2553-8821 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: rbe@fgv.br