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Introdução aos buracos negros e sua termodinâmica

Introduction to black holes and their thermodynamics

Resumos

Os buracos negros estão entre os objetos mais estranhos e curiosos previstos pela teoria da Relatividade Geral. Eles correspondem a regiões do espaço-tempo delimitadas por uma fronteira chamada de horizonte de eventos que se atravessada, torna coordenadas do tipo-tempo em coordenadas do tipo-espaço e vice-versa. Neste artigo, faremos uma revisão das principais características dos buracos negros, tendo como público-alvo estudantes e professores de graduação em física e ciências exatas. Utilizando uma abordagem que acompanha o desenvolvimento histórico desses conceitos, mostraremos que esses objetos fascinantes podem se tornar relativamente simples ao considerar uma analogia entre seus parâmetros mecânicos e variáveis termodinâmicas. Com uma breve explicação do efeito Hawking, demonstraremos a conexão entre os buracos negros e os sistemas termodinâmicos, apresentando ao final o clássico resultado da evaporação dos buracos negros.

Palavras-chaves:
Buracos Negros; Relatividade Geral; Termodinâmica; Radiação Hawking


The black holes are among the strangest and most intriguing objects predicted by the theory of General Relativity. They correspond to regions of spacetime bounded by a boundary called the event horizon. Once crossed, this boundary transforms spacetime coordinates from time-like to space-like and vice versa. In this paper, we will review the main characteristics of black holes, targeting undergraduate physics and exact sciences students and teachers. Using an approach that follows the historical development of these concepts, we will show that these fascinating objects can become relatively simple when creating an analogy between their mechanical parameters and thermodynamic variables. With a brief explanation of the Hawking effect, we will demonstrate the connection between black holes and thermodynamic systems, concluding with the classic result of black hole evaporation.

Keywords:
Black holes; General Relativity; Thermodynamics; Hawking radiation


1. Introdução Histórica

Entre o final do século XIX e o início do século XX, a Física parecia estar completa. A Mecânica Analítica, Mecânica dos Fluidos, Mecânica Estatística e o Eletromagnetismo de Maxwell pareciam ser suficientes para explicar todos os fenômenos da natureza e a grande maioria dos experimentos realizados até então. Diante deste cenário, Lord Kelvin (Sir William Thomson) foi convidado a dar uma palestra à comunidade com o intuito de apresentar um panorama geral da Física da época (1900). Kelvin afirmou que a Física havia atingido um alto nível de sofisticação, consistência e sucesso, e, portanto, os jovens não precisariam mais se preocupar com o desenvolvimento de novas teorias. Todavia, ele afirmou que ainda havia duas “nuvens negras” a serem resolvidas, mas que logo teríamos a solução desses problemas.

O que Kelvin não sabia era que dessas “nuvens negras”, duas grandes teorias seriam construídas. A primeira nuvem estava na Termodinâmica, precisamente na violação do Teorema de Equipartição de Energia para baixas temperaturas e na catástrofe do ultravioleta para altas temperaturas [1[1] R. Eisberg, Física Quântica – Átomos, Moléculas, Sólidos, Núcleos e Partículas (GEN LTC, São Paulo, 1979).]. A segunda nuvem estava no Eletromagnetismo, com o resultado negativo para a detecção do éter luminífero pela experiência de Michelson-Morley (1887) [2[2] R. Gazzinelli, Teoria da Relatividade Especial (Blucher, São Paulo 2019).].

A solução para o problema na Termodinâmica deu origem ao que conhecemos hoje como Mecânica Quântica e tornou-se uma das principais ferramentas teóricas para a produção de tecnologia e compreensão da Natureza em escala subatômica. Já a nuvem presente no Eletromagnetismo teve sua solução em 1905, quando Albert Einstein publicou o artigo “Eletrodinâmica dos corpos em movimento”, que apresenta os postulados e as consequências da Teoria da Relatividade Especial (RE) [3[3] A. Einstein, Annalen der physik 17, 891 (1905).]. Este trabalho não só resolveu a questão da incompatibilidade da Eletrodinâmica Clássica com a inexistência do éter verificada pelo experimento de Michelson-Morley, mas também deu origem a novos estudos que implicaram na reformulação da mecânica newtoniana e nas concepções de espaço e tempo.

Por volta de 1907, o matemático Hermann Minkowski percebeu que a RE de Einstein poderia ser compreendida geometricamente como um espaço que contém não três, mas quatro dimensões, onde o tempo assume o papel da quarta dimensão (conhecido hoje como espaço-tempo de Minkowski). Nessa geometria, o tempo e o espaço não devem ser entendidos como entidades distintas, mas sim como componentes de um único espaço geométrico. Nas palavras do próprio Minkowski [4[4] M. Capek, The Concepts of Space and Time: Their Structure and Their Development (Springer Netherlands, Dordrecht, 2014).]:

The views of space and time, which I would like develop, have sprung from the experimental-physical soil. Therein lies their strength. They tend to be radical. Henceforth space by itself and time by itself, fade away completely into shadow, and only a kind of union of the two will preserve independent permanency.

A princípio, Einstein rejeitou a ideia do espaço-tempo, argumentando que isso só acrescentava uma complicação matemática desnecessária à teoria. No entanto, ele percebeu posteriormente que a concepção de Minkowski seria essencial para a formulação da teoria da Relatividade Geral (RG), uma teoria relativística da gravitação que se tornou necessária, pois embora a RE tivesse sido estabelecida, ela se mostrava inconsistente com a teoria da Gravitação Universal de Newton.

De 1905 a 1915, Einstein se dedicou à construção da teoria da Relatividade Geral, onde a interação gravitacional é na verdade a curvatura do espaço-tempo causada pela presença de matéria e energia. Nas palavras do físico americano John Archibald Wheller “Mass tell spacetime how to curve, and spacetime tells mass how to move” [5[5] C. Misner, K. Thorne, J. Wheeler e D. Kaiser, Gravitation (Princeton University Press, Nova Jersey, 2017).]. Isso significa que o espaço-tempo, composto por uma dimensão temporal e três dimensões espaciais, pode ser entendido como uma espécie de “malha” maleável que se estica e curva. Para descrever esse aspecto do mundo, Einstein precisou mergulhar na matemática desenvolvida por Bernhard Riemann [6[6] J. Jost e B. Riemann, On the Hypotheses Which Lie at the Bases of Geometry (Springer International Publishing, Berlim, 2016).], Gregorio Ricci e Tullio Levi-Civita [7[7] G. Ricci e T. Levi-Civita, Mathematische Annalen 54, 125 (1900).], que hoje conhecemos como geometria diferencial ou análise tensorial. Com esse formalismo, ele chegou à formulação das famosas equações de campo, que relacionam a curvatura do espaço-tempo com a massa e energia dos objetos sob o espaço-tempo, cf. especificaremos mais adiante — vide-se a Eq. (10).

Em 1916, o físico e astrônomo alemão Karl Schwarzschild obteve a primeira solução exata dessas complicadas equações enquanto lutava com o exército alemão na frente de batalha russa da Primeira Guerra Mundial [8[8] K. Schwarzschild, Gen. Relativ. Gravit 35, 951 (2003)., 9[9] A. Saa, Revista Brasileira de Ensino de Física 38, e4201 (2016).]. Essa solução refere-se à curvatura do espaço-tempo gerada por objetos esféricos e estáticos, sendo uma boa aproximação para a gravidade em torno da Terra e do Sol. Além disso, permitiu que a Relatividade Geral pudesse ser confirmada com um experimento que media o desvio da luz de estrelas pela curvatura do espaço-tempo causada pelo Sol. Esse experimento foi realizado no Brasil em 1919, na cidade de Sobral, Ceará [10[10] G.C. Ávila, Revista de História da UFBA 1, 69 (2009).].

A solução de Schwarzschild revelou a existência de objetos “estranhos”, compostos unicamente de espaço-tempo e energia – os chamados buracos negros (BNs). No entanto, essa solução não explica a origem desses objetos. Somente em 1939, com o trabalho dos físicos americanos Julius Robert Oppenheimer e Hartland Sweet Snyder [11[11] J.R. Oppenheimer e H. Snyder, Physical Review 56, 455 (1939).], foi possível compreender como os BNs poderiam ser gerados. Neste trabalho, eles mostraram que, se um objeto esférico e massivo se contrai até um raio crítico (raio de Schwarzschild), inevitavelmente um colapso em direção ao seu centro acontecerá. Dessa forma, os BNs puderam ser interpretados como o estágio final para estrelas, que, ao envelhecerem, tornam-se ricas em elementos mais estáveis, o que impossibilita a geração de energia suficiente para contrabalançar a força gravitacional gerada pela própria massa da estrela. Se a massa inicial for grande o suficiente, a gravidade fará com que a estrela se contraia até o raio crítico e, consequentemente, colapse em seu centro, originando um buraco negro.

No mesmo ano da solução de Schwarzschild, o engenheiro e físico alemão Hans Reissner obteve a solução para as equações de Einstein na presença de campos elétricos, que é diferente da solução de Schwarzschild, a qual só é válida para a região de vácuo. Dois anos depois, o engenheiro e físico finlandês Gunnar Nordstrom obteve a mesma solução de forma independente, e a solução passou a ser chamada de solução de Reissner-Nordstrom [12[12] R. Inverno e J. Vickers, Introducing Einstein’s Relativity: A Deeper Understanding (Oxford University Press, Oxford, 2022).]. Posteriormente, essa solução foi compreendida como a solução para buracos negros que possuem massa e carga elétrica. Em 1963, o matemático neozelandês Roy Kerr obteve a solução para BNs girantes, que são formados por estrelas que possuem rotação em torno do seu próprio eixo, o que é comum na maioria das estrelas. Essa solução foi generalizada pelo físico Ezra Newman, que adicionou carga elétrica ao BN girante, obtendo o que chamamos de solução de Kerr-Newman [13[13] D. Giugno, Buracos negros e termodinâmica. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo 2001).]. Essa solução corresponde à classe mais geral de buracos negros, caracterizada por três parâmetros: massa, carga elétrica e momento angular.

Na chamada “época de ouro dos buracos negros” (1960–1970), os físicos de todo o mundo trabalharam nas consequências físicas dessas soluções, dentre eles, Stephen Hawking e Jacob Bekenstein, que entre 1971 e 1974 desenvolveram um tratamento termodinâmico dos BNs. Esse tratamento transformou objetos macroscópicos complexos em objetos simples, que podem ser caracterizados por apenas três parâmetros, assim como os sistemas termodinâmicos. Neste contexto, outros trabalhos puderam ser desenvolvidos, como a consideração da constante cosmológica como um parâmetro termodinâmico e o desenvolvimento de uma teoria holográfica [14[14] J. Castiñeiras, L.C.B. Crispino e G.E.A. Matsas, Scientific American Brasil 29, 50 (2004).], a qual sugere que as informações de um espaço tridimensional podem ser totalmente codificadas em uma região bidimensional do espaço adjacente. No entanto, só no ano de 2015, no Observatório LIGO [15[15] B.P. Abbott, R. Abbott, T.D. Abbott, M.R. Abernathy, F. Acernese, K. Ackley, C. Adams, T. Adams, P. Addesso, R.X. Adhikari et al., Physical review letters 116, 061102 (2016).], foram detectadas ondas gravitacionais emitidas durante a colisão de dois BNs, o que não só confirmou a existência desses objetos, mas também motivou novas pesquisas em gravitação e cosmologia observacional.

Em 2019, graças à técnica chamada Interferometria de Longa Linha de Base, que combina as imagens de vários telescópios para formar uma imagem composta de alta resolução a rede internacional de radiotelescópios Event Horizon Telescope (EHT) capturou e divulgou a primeira imagem de um buraco negro supermassivo, juntamente com a sua sombra, no centro da galáxia Messier 87 (M87), situada a cerca de 55 milhões de anos-luz da Terra. Este marco histórico ocorreu 103 anos após a inferência teórica da existência de buracos negros e forneceu uma prova visual acessível e divulgável em todo o mundo.

Considerando o extenso processo de desenvolvimento da teoria dos buracos negros e sua abordagem termodinâmica, que são fundamentais para a compreensão do mundo que nos cerca, este artigo tem como objetivo apresentar de maneira acessível aos professores e estudantes de física e ciências exatas como é possível descrever esses objetos complexos por meio de uma analogia com as leis da termodinâmica. Para isso, serão apresentados os conceitos fundamentais da Relatividade Especial, que serão expandidos para a Relatividade Geral, para então serem exploradas as soluções de Schwarzschild e Kerr-Newman. Em seguida, será feita uma analogia entre a variação da área dos buracos negros e a segunda lei da Termodinâmica para introduzir a Termodinâmica aos BNs. Por fim, será apresentada uma aplicação prática dessa abordagem: a evaporação dos buracos negros em um intervalo de tempo extremamente longo.

2. Espaço-tempo de Minkowski e Intervalos

O ponto crucial introduzido por Minkowski em 1907 pode ser descrito da seguinte maneira: os primeiros resultados da teoria da relatividade sugerem que o tempo e o espaço são grandezas relativas, ou seja, a medida de suas variações depende intrinsecamente do movimento inercial do observador. No entanto, uma combinação das variações de espaço e tempo na forma

(1) d s 2 = d x 2 + d y 2 + d z 2 c 2 d t 2 ,

se mostra invariante para todos os observadores inerciais. Nesse caso, c representa a velocidade da luz no vácuo e x,y,z,t são coordenadas cartesianas de espaço e tempo. A Eq. (1) representa o elemento de linha que não mede mais a distância entre dois pontos no espaço, mas sim a distância entre dois eventos, s1 e s2, que estão infinitesimalmente próximos no espaço-tempo.

O intervalo de espaço-tempo invariante entre dois eventos pode ser classificado de acordo com seu sinal, que pode ser maior, menor ou igual a zero. Se os eventos s1 e s2 estão separados por um elemento de linha nulo, ds2=0, então a equação

(2) c 2 d t 2 = d x 2 + d y 2 + d z 2 ,

caracteriza uma frente de onda esférica que se move com velocidade c no espaço. Esse tipo de intervalo é chamado de tipo-luz, pois descreve a trajetória dos raios luminosos.

Quando ds2<0, a variação temporal da equação (1) deve ser maior do que a parte espacial, e o intervalo é chamado de tipo-tempo. Isso é expresso pela equação

(3) c 2 d t 2 > d x 2 + d y 2 + d z 2 ,

que pode ser reescrita como

(4) c 2 > ( d r d t ) 2 = v 2 ,

onde r=(x,y,z) é o vetor posição. Nessa situação, a separação entre eventos pode ser percorrida por partículas massivas, respeitando os princípios da Relatividade Especial, com velocidade v<c. Portanto, dizemos que as partículas massivas seguem trajetórias do tipo-tempo.

Por outro lado, quando ds2>0, o intervalo é chamado de tipo-espaço, já que a parte da variação espacial é maior do que a temporal. Nesse caso, a desigualdade na equação (4) é invertida, e os eventos só podem ser acessados por objetos com velocidade v>c. Em outras palavras, não é possível estabelecer nenhuma relação causal entre esses eventos, uma vez que seria necessário um sinal que se propagasse mais rápido do que a luz para conectá-los.

A análise do intervalo espaço-tempo ds2 é fundamental para a compreensão das relações de causalidade entre eventos. Através da classificação dos intervalos como tipo-luz, tipo-tempo e tipo-espaço, é possível entender quais eventos podem estar relacionados por causa e efeito, e quais não podem. De forma elucidativa, realizaremos uma representação diagramática dessas relações causais para melhor visualização de como a causalidade se manifesta no espaço-tempo.

2.1. Cones de luz no espaço-tempo de Minkowski

Consideremos uma frente de onda luminosa esférica emitida no instante t1 a partir de um ponto de origem O. Para representá-la em um plano cartesiano, devemos observar as frentes de onda como círculos concêntricos que crescem a partir da origem O e se tornam cada vez maiores à medida que o tempo passa (Fig. 1).

Figura 1
Propagação dos raios luminosos no espaço a partir da origem O nos tempos t1, t2 e t3 representados respectivamente em (a), (b) e (c).

Considerando c = 1, podemos incluir o eixo temporal em nossa representação e descrever a frente de onda luminosa como um cone inclinado a 45° em relação à vertical (ver Fig. 2). Agora, cada ponto em nossa representação corresponde a um evento no espaço-tempo e pode estar ou não causalmente relacionado ao evento em O. Em outras palavras, qualquer evento que possa ser causado ou influenciado por O deve estar contido no cone de luz ou em seu interior, uma vez que os pontos localizados fora do cone são inacessíveis até mesmo para a luz.

Figura 2
Cone de luz centrado na origem O.

Por outro lado, podemos refletir o cone no plano xy, invertendo o sinal de t, e observar o cone de luz passado a partir do evento O. Dessa forma, podemos interpretar O como um efeito que pode ter sido causado pelos eventos contidos no cone passado. Portanto, os cones de luz passado e futuro estabelecem as relações de causalidade em relação a O.

Para compreendermos como isso funciona, consideremos dois eventos P e Q, representando respectivamente o início e o fim do movimento de uma partícula massiva em diferentes posições do espaço como na Fig. 2. A linha de mundo que conecta esses dois eventos deve ser caracterizada por um intervalo do tipo-tempo. Se O corresponde a um evento intermediário entre P e Q, então é necessário que a linha de universo esteja contida no cone de luz de O.

Se considerarmos dois eventos P e Q, representando respectivamente o inicio e o fim do movimento de uma partícula massiva em certa posição do espaço como ilustrado na Fig. 2, a linha de mundo que conecta os dois pontos é caracterizada por um intervalo do tipo-tempo. Se O corresponde a um evento intermediário entre entre P e Q, então necessariamente a linha de mundo deve estar contida no cone de luz de O.

Em suma, a compreensão dos conceitos discutidos acima nos permite visualizar as relações causais no espaço-tempo de Minkowski. Cada ponto no espaço-tempo possui um cone de luz que define as regiões passadas e futuras causais em relação a ele. De forma visual, na Figura 3 representamos os cones de luz de diferentes pontos do espaço-tempo de Minkowski. Essa imagem nos auxilia a compreender como a estrutura causal se estende ao longo do espaço-tempo dado que dois pontos estarão casualmente conectados apenas se estiverem contidos no cone passado ou futuro um do outro.

Figura 3
Cones de luz para diferentes pontos do espaço-tempo de Minkowski. Note que todos os cones fazem 45° com o eixo temporal (vertical).

2.2. Notação compacta e métrica

Antes de prosseguirmos para a Relatividade Geral, vamos introduzir uma notação compacta e elegante para o elemento de linha. Representaremos cada coordenada do espaço-tempo por uma letra com um índice em cima, de modo que teremos

(5) x μ = { x 0 = c t , x 1 = x , x 2 = y , x 3 = z .

Isso significa que xμ representa as coordenadas do espaço-tempo, onde μ varia de 0 a 3, sendo x0 a coordenada temporal e (x1,x2,x3) as coordenadas espaciais. Além disso, vamos introduzir a matriz 4×4 representada por dois subíndices

(6) g μ ν = ( 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 ) ,

onde gμν representam as componentes da matriz. Nesse caso específico, temos g00=g11=g22=g33=1. Ou ainda, gμν=diag(1, 1, 1, 1).

Com esses elementos podemos escrever o intervalo de espaço-tempo (1) de maneira compacta como

(7) d s 2 = μ , ν = 0 3 g μ ν d x μ d x ν = g μ ν d x μ d x ν ,

onde, elegantemente, omitimos o simbolo de somatória quando os índices aparecem de maneira repetida e em posições alternadas (uma vez como subscrito, outra como sobrescrito). Nessa representação gμν é chamado de tensor métrico, ou simplesmente métrica do espaço-tempo, a qual é responsável por caracterizar como fazemos medidas no espaço-tempo, ou seja, como fazer o produto entre vetores. Quando gμν tem a forma (6), dizemos ter métrica de Minkowski.

Se a princípio nos for dado o elemento de linha, podemos identificar as componentes métricas analisando os coeficientes que acompanham as diferenciais. Por exemplo, em coordenadas esféricas, o elemento de linha de Minkowski assume a forma

(8) d s 2 = c 2 d t 2 + d r 2 + r 2 d θ 2 + r 2 sin 2 θ d ϕ 2 ,

com dxμ=(cdt,dr,dθ,dϕ), enquanto a métrica nas novas coordenadas pode ser identificada como

(9) g μ ν = ( 1 0 0 0 0 1 0 0 0 0 r 2 0 0 0 0 r 2 sin 2 θ ) ,

isto é, as componentes do tensor métrico se modificam a medida que mudamos de sistema de coordenadas, mas ds2 permanece invariante.

3. Relatividade Geral e Equações de Einstein

Ampliar a compreensão geométrica da Relatividade Especial para abranger referenciais não inerciais nos leva a uma interpretação geométrica da gravitação, ou seja, à teoria da Relatividade Geral. Por meio de experimentos mentais, Einstein demonstrou que para um observador dentro de um elevador isolado do mundo exterior, é impossível distinguir se os fenômenos que ele observa são causados pela aceleração do elevador ou por um campo gravitacional externo. Em outras palavras, há uma equivalência entre aceleração e gravidade. Ainda, para esse observador, todos os possíveis experimentos realizados são afetados da mesma maneira pela aceleração gravitacional, o que sugere que isso é um efeito independente dos objetos em si, mas depende apenas de alguma propriedade do espaço-tempo em que eles se encontram, a curvatura. Nas próprias palavras de Einstein, “I got the happiest thought of my life,” [16[16] A. Einstein e J. Stachel, The Collected Papers of Albert Einstein, Volume 15: The Berlin Years: Writings & Correspondence, June 1925-May 1927 – Documentary Edition (Princeton University Press, Nova Jersey, 1987).] ao se referir ao experimento mental que demonstra a equivalência1 1 A conexão entre aceleração, gravidade e curvatura leva o nome de Princípio de Equivalência e caracteriza a pedra angular da Relatividade Geral. Embora não a abordemos detalhadamente aqui, recomendamos a leitura do primeiro capítulo do livro “A short course in general relativity” de Foster & Nightiangale [17] como uma ótima introdução. entre aceleração, gravidade e curvatura do espaço-tempo.

Além disso, a compreensão da Relatividade Geral exige um pouco mais de esforço e atenção com relação aos conceitos matemáticos, uma vez que grandezas como a curvatura do espaço-tempo e o conteúdo de matéria e energia são expressas em termos de tensores. Nesse formalismo, as equações de campo de Einstein são elegantemente representadas na forma

(10) R μ ν 1 2 g μ ν R = 8 π G c 4 T μ ν ,

onde Rμν é o tensor de Ricci, uma quantidade dependente de derivadas de segunda ordem do tensor métrigo gμν, cf. e.g. as Refs. [5[5] C. Misner, K. Thorne, J. Wheeler e D. Kaiser, Gravitation (Princeton University Press, Nova Jersey, 2017)., 12[12] R. Inverno e J. Vickers, Introducing Einstein’s Relativity: A Deeper Understanding (Oxford University Press, Oxford, 2022)., 17[17] J. Foster e J. Nightingale, A Short Course in General Relativity (Springer, Nova Iorque, 2010).]. À propósito, R é o escalar de curvatura, o qual é construído como uma contração do tensor de Ricci: R=Rμμ=gμνRμν, sendo gμν a inversa da métrica. G é a constante da Gravitação Universal e Tμν é um tensor que caracteriza o conteúdo de matéria e energia no espaço. Em (10), os índices μ,ν variam de 0 a 3 como na representação compacta apresentada na seção anterior.

Sendo Rμν e R quantidades que dependem de gμν e suas derivadas, podemos inferir que as Equações de Einstein (10) caracterizam equações diferenciais parciais acopladas que determinam as componentes do tensor métrico. Isso significa que o campo gravitacional, agora representado pela métrica e pelos tensores de curvatura, dependem do conteúdo de matéria e energia Tμν, de forma análoga à equação de Poisson: 2Φ=4πGρ (neste caso, temos ao lado esquerdo da equação o campo potencial gravitacional Newtoniano Φ que por meio de derivadas parciais de segunda ordem se relaciona com a fonte de densidade de massa ρ ao lado direito) [18[18] J.B. Marion e S.T. Thornton, Classical dynamics of particles and systems (Academic Press, Cambridge, 2013).]. Quando consideramos uma região de vácuo, distante de qualquer objeto massivo, temos Rμν=Tμν=0, e a solução gμν assume a forma da métrica de Minkowski (6). Ou seja, a solução de Minkowski corresponde a um caso particular das equações de Einstein.

A seguir, apresentaremos outras soluções das equações de Einstein. Embora não nos aprofundemos em obter essas soluções, é importante destacar que elas correspondem a soluções das equações de Einstein para diferentes condições. As soluções que serão apresentadas são conhecidas como soluções de buracos negros, e discutiremos em detalhes como o conceito de buraco negro é definido no contexto da Relatividade Geral.

4. Buraco Negro de Schwarzschild

Considerando uma região de vácuo ao redor de um corpo massivo, simetricamente esférico e estático, as equações de Einstein nos fornecem a chamada solução de Schwarzschild. Nesse caso, o elemento de linha é expresso como

(11) d s 2 = ( 1 2 M r ) d t 2 + ( 1 2 M r ) 1 d r 2 + r 2 d Ω 2 ,

onde t[,] é a coordenada temporal, r[0,] a coordenada radial e dΩ2=dθ2+sin2 θdϕ2 com θ[0,π] e ϕ[0,2π] garante a simetria esférica da solução. O termo 2M é denominado de raio de Schwarzschild e se relaciona com a massa m do objeto responsável pela curvatura através de

(12) 2 M = 2 G m c 2 .

A partir daqui, utilizaremos o sistema de unidades geométricas escrevendo G=c=1 para evitar a repetição desses termos (como já foi considerado na Eq. (11)).

Notemos que para r2M a Eq. (11) toma a forma do elemento de linha (1), e portanto, entendemos t como o tempo medido por observadores no espaço-tempo de Minkowski, isto é, observadores infinitamente distantes de r = 2M. Ainda, notamos que existem valores para os quais a solução (11) se torna degenerada (θ=0 e θ=π). Essa degenerescência pode ser eliminada por meio de uma mudança de coordenadas, como as cartesianas, por exemplo. Portanto, esses pontos são chamados de singularidades coordenadas, uma vez que refletem uma deficiência no sistema de coordenadas utilizado, mas podem ser removidos ao se fazer a transição para outro sistema.

Existem dois outros valores para os quais a solução de Schwarzschild se torna degenerada, sendo eles r = 2M e r = 0. Nessas situações, o elemento de linha diverge (ds2). Uma análise utilizando o escalar de Kretschmann revela o seguinte resultado:

(13) K = R μ ν ρ σ R μ ν ρ σ = 48 M 2 r 6 ,

onde Rμν ρσ é o tensor de Riemann [17[17] J. Foster e J. Nightingale, A Short Course in General Relativity (Springer, Nova Iorque, 2010).] e a ultima passagem vale para a solução de Schwarzschild. Aqui, K é um escalar que quantifica o módulo quadrado da curvatura e, portanto, é independente do sistema de coordenadas utilizado. Para r = 2M, observamos que a curvatura permanece finita, enquanto no ponto de origem (r = 0) a curvatura diverge, indicando uma singularidade intrínseca real de curvatura infinita. Essa singularidade intrínseca é uma característica intrínseca do sistema e não pode ser removida por meio de uma simples mudança de coordenadas, diferentemente da degenerescência em r = 2M, que representa uma falha no sistema de coordenadas utilizado.

Embora r = 2M não represente uma singularidade real, esse raio marca uma inversão nos papéis do tempo e do espaço no elemento de linha (11). Quando r<2M, os termos associados a dr2 e dt2 mudam de sinal, ou seja, 12M/r<0. Isso significa que as coordenadas de tempo e espaço trocam seus papéis, e ds2>0 se torna um intervalo tipo-tempo, enquanto ds2<0 se torna um intervalo tipo-espaço. Isso é diferente do que ocorre para r>2M. Portanto, a Eq. (12) marca uma região de transição nos tipos de intervalos, que possui uma implicação importante: a formação do horizonte de eventos de um buraco negro, como veremos a seguir.

4.1. Cones de luz na solução de Schwarzschild

Para compreender a estrutura causal nessa geometria, utilizaremos o formalismo lagrangiano para construir os cones de luz no espaço-tempo de Schwarzschild. Nesse formalismo, a lagrangiana pode ser obtida diretamente como [12[12] R. Inverno e J. Vickers, Introducing Einstein’s Relativity: A Deeper Understanding (Oxford University Press, Oxford, 2022).]:

(14) L = 1 2 g μ ν x · μ x · ν ,

onde o ponto denota a derivada em relação a um parâmetro λ, que caracteriza a geodésica de interesse. Considerando θ e ϕ constantes, as trajetórias nulas (tipo-luz) são caracterizadas por 2L = 02 2 De maneira intuitiva, 2L = 0 caracteriza uma contração da métrica com as quadrivelocidades x·μ e x·ν, que para o caso particular da métrica de Minkowski, gμν=ημν, reproduz a Eq. (2) diferenciada pelo parâmetro λ. Uma formulação mais completa para a normalização 2L = 0 pode ser encontrada na Ref. [12]. , o que nos fornece

(15) 2 L = ( 1 2 M r ) t · 2 + ( 1 2 M r ) 1 r · 2 = 0 .

Utilizando as equações de Euler-Lagrange

(16) L x μ d d λ ( L x · μ ) = 0 ,

para a coordenada t, obtemos

(17) d d λ [ ( 1 2 M r ) t · ] = 0 ( 1 2 M r ) t · = k ,

com k constante.

Substituindo (17) em (15), obtemos

(18) k 2 + r · 2 = 0 r · = ± k .

Finalmente, ao tomar a razão t·/r·, obtemos uma expressão que relaciona t e r:

(19) t · r ˙ = d t / d λ d r / d λ = d t d r = r r 2 M t = r + 2 M ln | r 2 M | + const .

A equação acima representa as trajetórias dos raios luminosos para θ e ϕ fixos no diagrama de espaço-tempo de Schwarzschild. Assim, fazendo tt 3 3 Ao fazer t→−t selecionamos as geodésicas que diminuem conforme r aumenta. O cruzamento dessas geodésicas com as descritas pela Eq. (19) caracterizam os cones de luz da Fig. 4. e selecionando diferentes constantes obtemos as diferentes trajetórias para os raios luminosos que ao se cruzarem formam os cones de luz, conforme ilustrado na Fig. 4.

Figura 4
Cones de luz no espaço-tempo de Schwarzschild vistos por observadores infinitamente distantes de r = 2M.

Observamos na Figura 4 que os raios luminosos formam cones de luz semelhantes aos do espaço-tempo de Minkowski quando r, enquanto que nas proximidades de r = 2M formam cones que tangenciam o raio de Schwarzschild. De fato, as coordenadas utilizadas para descrever o elemento de linha (11) caracterizam o universo observado por observadores infinitamente distantes do buraco negro. Para esses observadores, qualquer partícula que caia em direção ao horizonte (agora caracterizado por r = 2M) leva um tempo infinito para alcançá-lo, uma vez que ele está infinitamente distante. Na prática, isso implica em observar um desvio para o infravermelho na luz emitida por tal objeto.

Ainda na Fig. 4, observamos que na região I (r<2M), todos os cones de luz apontam em direção à singularidade física r = 0. A essa região do espaço-tempo damos o nome de Buraco Negro. Portanto, de maneira elegante, podemos definir um Buraco Negro como a região do espaço-tempo em que todos os cones de luz apontam em direção à singularidade. Como consequência, qualquer partícula ou sinal físico que atravessar o horizonte r = 2M inevitavelmente cairá em direção à singularidade, tornando impossível retornar para a região II (r>2M), pois isso implicaria em uma partícula viajando sem sentido negativo do tempo. Assim, a região I não pode se comunicar com a região II.

Para uma partícula massiva, temos 2L=1 (lagrangiana coerente com intervalos do tipo-tempo), e o parâmetro afim representa o tempo próprio λ=τ. Nesse caso, as equações de Euler-Lagrange fornecem (procedimento análogo ao realizado na Eq. (17)):

(20) ( 1 2 M r ) t · = k ,

com t·=dt/dτ. Para r notamos t·k, logo k=1t=τ, que caracteriza a condição inicial de uma partícula inicialmente em repouso no infinito. Nessa situação, escrevemos t·=(12m/r)1 e o substituímos na lagrangiana para obter

(21) r ˙ 2 = 2 M r τ 0 τ d τ = τ 0 r r 2 M d r τ τ 0 = 3 2 2 M ( r 0 3 / 2 r 3 / 2 ) .

Isto é, no referencial da partícula em queda livre, a partícula atravessa o horizonte de eventos em um tempo próprio finito e cai continuamente até a origem r = 0.

A compreensão do que ocorre na singularidade r = 0 continua sendo um desafio fascinante para os físicos teóricos. Essa fronteira do conhecimento oferece um vasto campo a ser explorador e descoberto, impulsionando nossa curiosidade em busca de uma teoria mais abrangente capaz de desvendar os segredos do “coração dos Buracos Negros”. Apesar da complexidade, há muito que podemos afirmar sobre os Buracos Negros e suas características intrínsecas. Na próxima seção, apresentaremos as propriedades e características mais gerais dos Buracos Negros, que caracterizam a chamada solução de Kerr-Newman.

5. Buraco Negro de Kerr-Newman

Existem diferentes maneiras pelas quais se acredita que os Buracos Negros possam se formar em nosso universo, sendo a principal delas, a formação dos BNs através do processo de “morte” das estrelas. Nesse caso, devemos lembrar que as estrelas são objetos extremamente massivos que giram em torno de seu próprio eixo, ou seja, possuem momento angular de módulo J. Além disso, é possível que, no momento do colapso, a estrela não esteja completamente neutra, possuindo uma quantidade não nula de carga elétrica Q0. Ambas as quantidades, J e Q, caracterizam grandezas físicas conservadas em sistemas clássicos e, portanto, têm consequências na formação do Buraco Negro. A solução que descreve um Buraco Negro massivo com momento angular e carga elétrica é chamada de Buraco Negro de Kerr-Newman, e sua métrica é definida pelo elemento de inha [12[12] R. Inverno e J. Vickers, Introducing Einstein’s Relativity: A Deeper Understanding (Oxford University Press, Oxford, 2022).]

(22) d s 2 = Δ ρ 2 ( d t a sin 2 θ d ϕ ) 2 + sin 2 θ ρ 2 [ ( r 2 + a 2 ) d ϕ a d t ] 2 + ρ 2 Δ d r 2 + ρ 2 d θ 2 .

Na solução (22), θ, ϕ e r são as usuais coordenadas esféricas, enquanto t é o tempo medido por observadores distantes do BN. Além disso, temos

(23) a = J M ,
(24) ρ 2 = r 2 + a 2 cos 2 θ

e

(25) Δ = r 2 2 M r + a 2 + Q 2 ,

como as quantidades que caracterizam o momento angular J e a carga elétrica Q. Aqui M tem o mesmo significado dado para a solução de Schwarzschild e respeita a Eq. (12). Como casos particulares, se Q = 0, então (22) caracteriza a chamada solução de Kerr, enquanto que J = 0 produz

(26) d s 2 = ( 1 2 M r + Q 2 r 2 ) d t 2 + ( 1 2 M r + Q 2 r 2 ) 1 d r 2 + r 2 d Ω 2 ,

conhecida como solução de Reissner-Nordstrom [19[19] H. Reissner, Annalen der Physik 355, 106 (1916).]. Além disso, podemos observar que para r a solução de Minkowski (1) é recuperada em coordenadas esféricas, mostrando que essas soluções são assintoticamente planas.

5.1. Singularidades

Notemos na solução de Kerr-Newman que o elemento de métrica grr se torna divergente quando Δ=0, isto é

(27) r 2 2 M r + a 2 + Q 2 = 0 r ± = M ± M 2 Q 2 a 2 .

Além disso, temos a componente gtt divergente quando ρ=0, nos levando a

(28) ρ 2 = r 2 + a 2 cos 2 θ = 0 r = 0 , θ = π / 2.

Para interpretar as singularidades r± e ρ=0, podemos utilizar o escalar de Kretschmann da solução de Kerr-Newmann, que possui a complicada forma [20[20] R.C. Henry, The Astrophysical Journal 535, 350 (2000).]

(29) K = 8 ρ 6 [ 6 M 2 ( r 6 15 a 2 r 4 cos 2 θ + 15 a 4 r 2 cos 4 θ a 6 cos 6 θ ) 12 M Q 2 r ( r 4 10 a 2 r 2 cos 2 θ + 5 a 4 cos 4 θ ) + Q 4 ( 7 r 4 34 a 2 r 2 cos 2 θ + 7 a 4 cos 4 θ ) ] .

Como podemos observar, apenas ρ=0 representa uma singularidade física, dado que K nesse limite. As regiões r±, entretanto, caracterizam singularidades coordenadas e indicam regiões onde ocorre uma mudança no sinal da métrica. Portanto, interpretamos r+ e r como horizonte externo e interno, respectivamente. Isto é, o buraco negro de Kerr-Newman (em analogia ao BN de Kerr) possui dois horizontes de eventos.

A região entre os horizontes, r<r<r+, se torna peculiar agora. Quando r=r+, o elemento de linha ds2 muda de sinal e se comporta como um intervalo do tipo-tempo. Isso faz com que qualquer partícula que entre no buraco negro se aproxime de r=r. Nessa região, em r=r, a métrica muda de sinal novamente e as partículas não podem entrar, mas podem escapar dessa região. Consequentemente, a matéria que entrar na região r+ deve ficar presa entre os dois horizontes em uma região um pouco mais distante que r=r, acumulando matéria em um efeito conhecido como inflação de massa.

5.2. Ergosfera

A componente puramente temporal da métrica do buraco negro de Kerr-Newmann é dada por

(30) g t t = g 00 = Δ ρ 2 + a 2 sin 2 θ ρ 2 .

Resolvendo gtt=0 para r, obtemos duas soluções, sendo que a menor se encontra aquém do horizonte externo, e portanto, será desconsiderada. A solução de raiz positiva nos fornece o chamado limite estático:

(31) r = r 0 = M + M 2 Q 2 a 2 cos 2 θ .

O valor de r0 caracteriza a região limite em que é possível a existência de observadores estáticos. Na região r+<r<r0, que chamamos de ergosfera, a componente métrica gtt muda de sinal. Isso significa que, mesmo para eventos em que dr=dθ=dϕ=0, temos ds2>0, o que implica que nenhum observador pode permanecer em repouso nessa região.

Consideremos a trajetória de raios luminosos orbitando o BN no plano equatorial e mantidos a uma distância constante r, ou seja, ds=dr=dθ=0, podemos escrever o elemento de linha (22) em termos de suas componentes métricas como

(32) 0 = g t t d t 2 + 2 g t ϕ d t d ϕ + g ϕ ϕ d ϕ 2 .

Essa equação é satisfeita para

(33) Ω d ϕ d t = g t ϕ g ϕ ϕ ± ( g t ϕ g ϕ ϕ ) 2 g t t g ϕ ϕ ,

onde definimos a velocidade angularΩ medida por observadores infinitamente distantes do BN.

No caso gtt=0, obtemos o resultado não nulo

(34) Ω ( r = r 0 ) = 2 g t ϕ g ϕ ϕ ,

isto é, mesmo a luz adquire uma componente angular na região r+<r<r0 quando vista por observadores infinitamente distantes do BN. Como Ω tem o mesmo sinal que o momento angular J, os observadores distantes percebem qualquer objeto dentro da ergosfera sendo arrastado na direção de rotação do Buraco Negro. Por esse motivo, interpretamos a ergosfera como uma região de arrasto do espaço-tempo causada pela própria rotação do BN (veja a Fig. 5).

Figura 5
Representação do buraco negro de Kerr-Newmann.
Figura 6
Representação esquemática do efeito Hawking.

Para o horizonte de eventos r=r+, temos Δ=0 e raiz em (33) se anula, nos fornecendo

(35) Ω ( r = r + ) = g t ϕ g ϕ ϕ = a r + 2 + a 2 ,

que identificamos como a velocidade angular de rotação do buraco negro.

5.3. Gravidade superficial

Para o buraco negro de Kerr-Newmann, considere a seguinte quantidade [13[13] D. Giugno, Buracos negros e termodinâmica. Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, São Paulo 2001).]:

(36) κ r + r 2 ( r + 2 + a 2 ) ,

que será chamada de gravidade superficial do buraco negro. Em termos das quantidades M, Q e J, utilizamos a Eq. (27) para obter

(37) κ = M 2 Q 2 J 2 M 2 2 M 2 Q 2 + 2 M M 2 Q 2 J 2 M 2 .

Para compreendermos a motivação por trás do nome designado a κ, consideremos o caso especial do buraco negro de Schwarzschild, em que Q=J=0, e a equação anterior se resume a

(38) κ = 1 4 M .

Agora, vamos considerar uma partícula caindo radialmente em direção a esse buraco negro. Conforme analisado na seção 4.1 4.1. Cones de luz na solução de Schwarzschild Para compreender a estrutura causal nessa geometria, utilizaremos o formalismo lagrangiano para construir os cones de luz no espaço-tempo de Schwarzschild. Nesse formalismo, a lagrangiana pode ser obtida diretamente como [12]: (14) L = 1 2 g μ ν x · μ x · ν , onde o ponto denota a derivada em relação a um parâmetro λ, que caracteriza a geodésica de interesse. Considerando θ e ϕ constantes, as trajetórias nulas (tipo-luz) são caracterizadas por 2L = 02, o que nos fornece (15) 2 L = − ( 1 − 2 M r ) t · 2 + ( 1 − 2 M r ) − 1 r · 2 = 0 . Utilizando as equações de Euler-Lagrange (16) ∂ L ∂ x μ − d d λ ( ∂ L ∂ x · μ ) = 0 , para a coordenada t, obtemos (17) d d λ [ ( 1 − 2 M r ) t · ] = 0 ⇒ ( 1 − 2 M r ) t · = k , com k constante. Substituindo (17) em (15), obtemos (18) − k 2 + r · 2 = 0 ⇒ r · = ± k . Finalmente, ao tomar a razão t·/r·, obtemos uma expressão que relaciona t e r: (19) t · r ˙ = d t / d λ d r / d λ = d t d r = r r − 2 M ⇒ t = r + 2 M ln | r − 2 M | + const . A equação acima representa as trajetórias dos raios luminosos para θ e ϕ fixos no diagrama de espaço-tempo de Schwarzschild. Assim, fazendo t→−t 3 e selecionando diferentes constantes obtemos as diferentes trajetórias para os raios luminosos que ao se cruzarem formam os cones de luz, conforme ilustrado na Fig. 4. Figura 4 Cones de luz no espaço-tempo de Schwarzschild vistos por observadores infinitamente distantes de r = 2M. Observamos na Figura 4 que os raios luminosos formam cones de luz semelhantes aos do espaço-tempo de Minkowski quando r→∞, enquanto que nas proximidades de r = 2M formam cones que tangenciam o raio de Schwarzschild. De fato, as coordenadas utilizadas para descrever o elemento de linha (11) caracterizam o universo observado por observadores infinitamente distantes do buraco negro. Para esses observadores, qualquer partícula que caia em direção ao horizonte (agora caracterizado por r = 2M) leva um tempo infinito para alcançá-lo, uma vez que ele está infinitamente distante. Na prática, isso implica em observar um desvio para o infravermelho na luz emitida por tal objeto. Ainda na Fig. 4, observamos que na região I (r<2M), todos os cones de luz apontam em direção à singularidade física r = 0. A essa região do espaço-tempo damos o nome de Buraco Negro. Portanto, de maneira elegante, podemos definir um Buraco Negro como a região do espaço-tempo em que todos os cones de luz apontam em direção à singularidade. Como consequência, qualquer partícula ou sinal físico que atravessar o horizonte r = 2M inevitavelmente cairá em direção à singularidade, tornando impossível retornar para a região II (r>2M), pois isso implicaria em uma partícula viajando sem sentido negativo do tempo. Assim, a região I não pode se comunicar com a região II. Para uma partícula massiva, temos 2L=−1 (lagrangiana coerente com intervalos do tipo-tempo), e o parâmetro afim representa o tempo próprio λ=τ. Nesse caso, as equações de Euler-Lagrange fornecem (procedimento análogo ao realizado na Eq. (17)): (20) ( 1 − 2 M r ) t · = k , com t·=dt/dτ. Para r→∞ notamos t·∼k, logo k=1⇒t=τ, que caracteriza a condição inicial de uma partícula inicialmente em repouso no infinito. Nessa situação, escrevemos t·=(1−2m/r)−1 e o substituímos na lagrangiana para obter (21) r ˙ 2 = 2 M r ⇒ ∫ τ 0 τ d τ = − ∫ τ 0 r r 2 M d r ⇒ τ − τ 0 = 3 2 2 M ( r 0 3 / 2 − r 3 / 2 ) . Isto é, no referencial da partícula em queda livre, a partícula atravessa o horizonte de eventos em um tempo próprio finito e cai continuamente até a origem r = 0. A compreensão do que ocorre na singularidade r = 0 continua sendo um desafio fascinante para os físicos teóricos. Essa fronteira do conhecimento oferece um vasto campo a ser explorador e descoberto, impulsionando nossa curiosidade em busca de uma teoria mais abrangente capaz de desvendar os segredos do “coração dos Buracos Negros”. Apesar da complexidade, há muito que podemos afirmar sobre os Buracos Negros e suas características intrínsecas. Na próxima seção, apresentaremos as propriedades e características mais gerais dos Buracos Negros, que caracterizam a chamada solução de Kerr-Newman. , a velocidade radial desse objeto em relação ao seu tempo próprio é dada pela Eq. (21) como r·=2M/r. Lembramos que, nesse caso, t=τ para observadores distantes, de modo que a segunda derivada com relação ao tempo nos fornece

(39) r ¨ = M r · r 2 2 M r = M 2 M r r 2 2 M r = M r 2 .

Quando a partícula está sob o horizonte de eventos, ou seja, r = 2M, obtemos a aceleração gravitacional

(40) r ¨ = 1 4 M ,

e portanto, a gravidade superficial κ corresponde ao campo gravitacional necessária para que um observador infinitamente distante do BN perceba a partícula em repouso no horizonte de eventos.

5.4. Área do Buraco Negro

Neste ponto, é interessante apresentarmos o conceito de área do buraco negro. Um elemento de área dA pode ser expresso de maneira independente do sistema de coordenadas como

(41) d A | g | d 2 x ,

onde |g| é o determinante da métrica que caracteriza a área e d2x o produto das diferenciais de coordenadas de superfície. Nessa definição, não introduzimos tecnicamente nenhum conceito novo, mas apenas apresentamos uma maneira geral de expressar o elemento de área. Consideremos como exemplo o elemento de área no espaço de Minkowski em coordenadas cartesianas, nesse caso temos |g|=1 e dA = dxdy. No entanto, em coordenadas esféricas, temos |g|=sin2 θ, e, portanto, dA=sin (θ)dθdϕ. Igualando esses dois resultados, podemos observar que |g|12 desempenha o papel do jacobiano que nos leva de uma coordenada a outra.

Para o buraco negro de Kerr-Newmann, a área é definida na posição fixa r=r+ em um tempo fixo, ou seja, dr=dt=0. Nessas condições, o elemento de linha (22) assume a forma simplificada

(42) d s 2 = sin 2 θ ρ 2 ( r + 2 + a 2 ) 2 d ϕ 2 + ρ 2 d θ 2 .

A área é então escrita como

(43) A = 0 π 0 2 π | g | d ϕ d θ ,

com |g|=sin2 (θ) (r+2+a2)2. Portanto, obtemos

(44) A = 4 π ( r + 2 + a 2 ) .

Em termos de M,Q e J, encontramos

(45) A = 8 π ( M 2 Q 2 2 + M M 2 Q 2 J 2 M 2 ) ,

isto é, a área do BN pode ser descrita completamente pelo seu conteúdo de massa M, carga elétrica Q e módulo do momento angular J – uma relação direta entre geometria do espaço-tempo e quantidades físicas.

6. Termodinâmica de Buracos Negros

Como parte fundamental do estudo de buracos negros, apresentaremos agora três de quatro leis mecânicas dos BNs desenvolvidas por Jim Bardeen, Brandon Carter e Stephen Hawking em 1973 [21[21] J. Bardeen, B. Carter e S. Hawking, Communications in mathematical physics 31, 161 (1973).]. Essas leis possuem uma forte analogia com as leis da termodinâmica, e, como veremos em seguida, o resultado obtido por Hawking (1975) [22[22] S. Hawking, Communications in mathematical physics 43, 199 (1975).] deixou evidente que os buracos negros possuem, de fato, um comportamento termodinâmico.

6.1. Leis mecânicas

Lei zero

A lei zero pode ser caracterizada pelo seguinte enunciado: a gravidade superficial de um buraco negro estacionário é uniforme em todo o horizonte de eventos. Esse resultado é completamente geral, por exemplo, se dois buracos negros estiverem suficientemente próximos um do outro, o efeito gravitacional, como a força de maré que um exerce sobre o outro, irá gerar uma geometria mais complicada que não é completamente descrita pela solução de Kerr-Newmann. No entanto, a lei zero continua sendo válida.

Na usual Termodinâmica, a lei zero estabelece que, para um sistema em equilíbrio termodinâmico, a temperatura do sistema deve ser a mesma em todos os lugares. Portanto, em uma analogia direta, a gravidade superficial κ está para os buracos negros assim como a temperatura está para um sistema termodinâmico.

Primeira lei

A primeira lei estabelece que variações na massa, na carga elétrica e momento angular do buraco negro estão relacionadas por

(46) δ M = κ 8 π δ A Φ δ Q + Ω δ J ,

onde κ é a gravidade superficial do BN, Eq. (36), Φ o potencial elétrico e Ω a velocidade angular, definidos como

(47) Φ Q r + α e Ω J / M α ,

com α=A/4π. O leitor interessado pode ver a dedução da primeira lei no Apêndice ??.

A conexão com a Termodinâmica é feita por uma comparação direta com a primeira lei

(48) δ U = T δ S p δ V .

Dessa forma, observamos que a gravidade superficial caracteriza a temperatura do buraco negro, enquanto a variação da área caracteriza a variação de entropia. Ou seja, κ8πδA é análogo a TδS. Da mesma forma, temos que ΦδQ+ΩδJ análogo a pδV.

Segunda lei

A segunda lei, conhecida como lei das áreas, é caracterizara por um teorema estabelecido por Hawking em 1971 [23[23] S. Hawking, Physical Review Letters 26, 1344 (1971).], o qual afirma que a área superficial de um buraco negro nunca pode diminuir:

(49) δ A 0 .

Isso guarda semelhança com a segunda lei da termodinâmica, a qual estabelece que a entropia de sistemas termodinâmicos isolados nunca diminui: δS0. Essa similaridade entre a lei das áreas e a lei de aumento de entropia é o principal motivo para a construção de uma analogia entre as leis mecânicas dos buracos negros e as leis termodinâmicas.

6.2. Efeito Hawking

Até o momento, a relação entre as três leis termodinâmicas e as leis dos buracos negros representa apenas uma analogia. Do ponto de vista da física clássica, que não considera os efeitos quânticos da matéria, a gravidade superficial do buraco negro não poderia caracterizar sua temperatura, a menos que fosse identicamente nula (κ=0). Isso seria esperado, uma vez que, classicamente, nenhum objeto pode escapar de um buraco negro, enquanto, na termodinâmica, qualquer objeto com temperatura diferente de zero deve emitir radiação. No entanto, ao considerarmos os efeitos quânticos da matéria, a situação muda completamente, como demonstrado por Hawking em 1975 [22[22] S. Hawking, Communications in mathematical physics 43, 199 (1975).].

A Teoria Quântica de Campos afirma que o espaço-tempo em que vivemos é permeado por diferentes tipos de campos que estão constantemente sofrendo flutuações de energia. Essas flutuações de energia geram os chamados “pares de partículas virtuais”, em que uma partícula e sua antipartícula correspondente (por exemplo, elétrons e pósitrons) surgem do vácuo, mas se combinam e se aniquilam em um tempo extremamente curto. O que Hawking mostrou é que, próximo ao horizonte de eventos de um buraco negro, pode ocorrer a criação, mas não a aniquilação dos pares de partículas, de modo que uma das partículas é capturada pelo buraco negro e a outra escapa para o infinito4 4 É importante destacar que essa é uma visão simplificada apresentada pelo próprio Hawking em [22]. O entendimento mais profundo, também discutido na mesma referência, exige o conhecimento dos conceitos fundamentais da Teoria Quântica de Campos. . Nesse caso, quando uma antipartícula é capturada e sua partícula simétrica escapa para o infinito, o buraco negro sofre uma diminuição de energia com o mesmo módulo de energia que viajou para o infinito, mas com sinal oposto. Isso é equivalente a dizer que o buraco negro está emitindo radiação para observadores distantes.

Hawking demonstrou que o fluxo de radiação produzido ao redor do buraco negro, denominada radiação Hawking, corresponde, para observadores externos, à radiação emitida por um corpo negro a uma temperatura

(50) T B N = κ π .

Isso nos leva a uma definição para a entropia do buraco negro como — vide-se a Eq. (46) relacionando κ e A:

(51) S B N = A 4 ,

demonstrando assim que o tratamento análogo desenvolvido anteriormente nas leis dos buracos negros caracteriza, de fato, um comportamento termodinâmico desses objetos. Em outras palavras, podemos dizer que buracos negros correspondem a regiões do espaço-tempo que emitem radiação de corpo negro a uma temperatura TBN.

A diminuição da energia do buraco negro faz com que sua área diminua e, consequentemente, sua entropia SBN também diminui. Isso viola a lei das áreas. Como resultado desse processo, a quantidade de entropia diminuída é compensada pela entropia da radiação emitida Smatéria, que corresponde à entropia usual da termodinâmica. Dessa forma, a segunda lei da termodinâmica é generalizada para o contexto dos buracos negros, em que a entropia total é dada por

(52) S = S matéria + S BN .

6.3. Evaporação de um buraco negro de Schwarzschild com a massa do Sol

A descrição dos buracos negros como corpos que emitem radiação resulta na evaporação desses objetos. Isso significa que um buraco negro emite radiação continuamente, diminuindo sua área até desaparecer por completo. Vamos concluir nossa discussão considerando o caso simples do buraco negro de Schwarzschild e calcular o tempo necessário para que um buraco negro com a mesma massa do Sol evapore completamente.

A temperatura do buraco negro de Schwarzschild é dada por

(53) T BN = 1 8 π M .

Essa equação está em unidades geométricas (=c=k=1). Em termos das unidades convencionais, podemos escrever a temperatura como

(54) T BN = c 3 8 π G k m ,

onde utilizamos a Eq. (12) para obter a temperatura em relação a massa m. Aqui, k=1, 38×1023J/K é a constante de Boltzmann, c=3, 0×108m/s é a velocidade da luz no vácuo, =1, 055×1034J.s é a constante de Planck reduzida e G=6, 674×1011m3/kg.s2 é a constante gravitacional de Newton. A lei de Stefan-Boltzmann [24[24] R. Balian, From Microphysics to Macrophysics: Methods and Applications of Statistical Physics (Springer Science & Business Media, Berlim 2007).] fornece a potência P irradiada por unidade de área A para um corpo negro a temperatura T:

(55) P A = π 2 k 4 60 c 2 3 T 4 .

Para o buraco negro de Schwarzschild com área A=16πm2G2/c4 (em unidades convencionais), conforme se deduz da Eq. (45) com Q=J=0, obtemos uma potência

(56) P = c 6 15360 G 2 π m 2 ,

onde usamos (54). Se m é a massa do buraco negro, sua energia é dada por E=mc2, que diferenciando no tempo fica

(57) d E d t = c 2 d m d t .

Quando igualamos isso a P, já que a potência irradiada ocorre devido à diminuição da energia do buraco negro, obtemos a seguinte equação para m em função do tempo:

(58) m 3 = 3 b c 2 t + C ,

sendo b=c6/15360πG2 e C uma constante de integração. Assim, considerando que em t = 0 temos a massa inicial m=m0, nossa equação final fica:

(59) m = ( m 0 3 3 β t ) 1 3 ,

com β=bc2.

A vaporação completa ocorre quando m = 0, e portanto

(60) t = m 0 3 3 β .

Para um buraco negro com a massa do Sol, m0=1,99×1030kg, a equação anterior fornece

(61) t = 6, 60 × 10 74 s = 2, 09 × 10 67 anos ,

que é o tempo necessário para um buraco negro com a massa do Sol evaporar completamente. Note que esse tempo é maior que a idade do nosso universo (da ordem de 1010 anos), o que significa que qualquer buraco negro com massa mm0 ainda não evaporou por completo, mesmo que tenha se formado junto com o nascimento do universo.

7. Conclusões

Neste trabalho de revisão, explicamos como caracterizar os buracos negros e estudar suas propriedades sem entrar em detalhes matemáticos complexos. Focamos no caso do buraco negro de Schwarzschild para mostrar que os buracos negros são regiões do espaço-tempo onde nada pode escapar de seu horizonte de eventos.

Também abordamos o caso mais geral do buraco negro de Kerr-Newmann, do qual as soluções específicas, como o buraco negro de Kerr, o buraco negro de Reissner-Nordstrom e o buraco negro de Schwarzschild, podem ser obtidas como casos especiais. Introduzimos as quantidades fundamentais que caracterizam os buracos negros, como sua área e gravidade superficial, conceitos amplamente discutidos na literatura através de vetores de Killing, mas que não aprofundamos aqui.

Discutimos três das quatro leis mecânicas dos buracos negros propostas por Bardeen, Carter e Hawking, que possuem analogias diretas com as leis termodinâmicas. Também mencionamos o efeito Hawking, que estabelece a conexão física entre essas leis mecânicas com as leis da termodinâmica, mostrando que as semelhanças entre as leis dos buracos negros e as leis termodinâmicas vão além de simples analogias. Por fim, como exemplo e consequência direta do comportamento termodinâmico dos buracos negros, demonstramos como calcular o tempo de evaporação de um buraco negro estático, sem carga ou rotação.

Material suplementar

O seguinte material suplementar está disponível online:

Apêndice A Obtendo a primeira lei dos buracos negros.

Referências

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    R. Balian, From Microphysics to Macrophysics: Methods and Applications of Statistical Physics (Springer Science & Business Media, Berlim 2007).
  • 1
    A conexão entre aceleração, gravidade e curvatura leva o nome de Princípio de Equivalência e caracteriza a pedra angular da Relatividade Geral. Embora não a abordemos detalhadamente aqui, recomendamos a leitura do primeiro capítulo do livro “A short course in general relativity” de Foster & Nightiangale [17[17] J. Foster e J. Nightingale, A Short Course in General Relativity (Springer, Nova Iorque, 2010).] como uma ótima introdução.
  • 2
    De maneira intuitiva, 2L = 0 caracteriza uma contração da métrica com as quadrivelocidades x·μ e x·ν, que para o caso particular da métrica de Minkowski, gμν=ημν, reproduz a Eq. (2) diferenciada pelo parâmetro λ. Uma formulação mais completa para a normalização 2L = 0 pode ser encontrada na Ref. [12[12] R. Inverno e J. Vickers, Introducing Einstein’s Relativity: A Deeper Understanding (Oxford University Press, Oxford, 2022).].
  • 3
    Ao fazer tt selecionamos as geodésicas que diminuem conforme r aumenta. O cruzamento dessas geodésicas com as descritas pela Eq. (19) caracterizam os cones de luz da Fig. 4.
  • 4
    É importante destacar que essa é uma visão simplificada apresentada pelo próprio Hawking em [22[22] S. Hawking, Communications in mathematical physics 43, 199 (1975).]. O entendimento mais profundo, também discutido na mesma referência, exige o conhecimento dos conceitos fundamentais da Teoria Quântica de Campos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    12 Jan 2024
  • Revisado
    22 Fev 2024
  • Aceito
    11 Mar 2024
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