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A Inflação Cósmica e sua Importância para a Cosmologia

Cosmic Inflation and its Significance for Cosmology

Resumos

Neste artigo, examinamos a Inflação Cósmica, investigando sua origem histórica, implicações e contribuições para a compreensão do Universo primordial. Inicialmente, estabelecemos um contexto ao abordar a Relatividade Geral e os trabalhos pioneiros de cientistas como Friedmann, Lemaître e Hubble. Em seguida, identificamos os desafios inerentes ao modelo do Big Bang que motivaram Alan Guth a propor o mecanismo inflacionária. Posteriormente, delineamos os princípios fundamentais por trás da inflação, destacando as condições necessárias para que um modelo de inflação seja considerado viável na física e em seguida, mostramos como o mecanismo inflacionário resolve o problema de planura e de horizonte. Finalizamos a análise discutindo como observações contemporâneas corroboram com a inflação cósmica, especialmente no que concerne à explicação da origem das flutuações cósmicas e à formação das estruturas de larga escala no Universo.

Palavras-chave:
Big bang; cosmologia; inflação cósmica; flutuações cósmicas


In this article, we examine Cosmic Inflation, investigating its historical origin, implications, and contributions to understanding the primordial universe. Initially, we establish a context by addressing General Relativity and the pioneering work of scientists such as Friedmann, Lemaître, and Hubble. We also identify the inherent challenges in the Big Bang model that motivated Alan Guth to propose the inflationary mechanism. Subsequently, we outline the fundamental principles behind inflation, highlighting the necessary conditions for the consideration of an inflationary model. We further demonstrate how the inflationary mechanism resolves the flatness and horizon problems. We conclude the analysis by discussing how contemporary observations corroborate cosmic inflation, especially regarding the explanation of the origin of cosmic fluctuations and the formation of large-scale structures in the universe.

Keywords:
Big bang; cosmology; cosmic inflation; cosmic fluctuations


1. Introdução

Desde os primórdios da exploração cósmica, a humanidade tem contemplado os mistérios que permeiam o vasto e infinito cosmos. Nossa curiosidade inata nos impulsionou a olhar para o céu estrelado e a questionar o funcionamento das leis físicas que governam não apenas a Terra, mas também as vastidões do espaço. Esta ousada suposição, de que as mesmas leis que regem nosso planeta são aplicáveis à imensidão do Universo, tornou-se conhecido como o Princípio Cosmológico. No início do século XX, um evento científico monumental desencadeou uma revolução teórica que lançou luz sobre os segredos do Universo.

A publicação da Teoria Geral da Relatividade por Albert Einstein, em 1916, ofereceu uma estrutura teórica inovadora capaz de descrever a geometria do Universo em larga escala. Em seguida, tivemos os trabalhos teóricos de Friedmann e de Lemaître que desempenharam papéis centrais para a compreensão do Universo dinâmico, em oposição à ideia de um Universo estático. Embora suas formulações matemáticas tenham sido precisas, as ideias de Friedmann e de Lemaître encontraram resistência. Foi somente em 1929 que evidências observacionais convincentes foram apresentadas por Edwin Hubble. Estas observações e várias outras subsequentes, mostravam claramente um Universo repleto de galáxias que se afastavam.

Essas descobertas marcaram um divisor de águas no nosso entendimento do cosmos, revelando desafios intrigantes que persistem. Dois desses desafios notáveis são o “problema do horizonte”, relacionado à homogeneidade do Universo em diferentes direções, e o “problema da planura”, que aborda a curvatura espacial do Universo. Esses enigmas cósmicos ofereceram obstáculos significativos à nossa compreensão da origem e da evolução do cosmos. O questionamento central é se a expansão observada poderia explicar todos os detalhes da história do Universo. Foi nesse contexto que a Inflação Cósmica surgiu como uma hipótese audaciosa, proposta por Alan Guth em 1981 [1[1] A.H. Guth, O Universo Inflacionário (Editora Campus, Rio de Janeiro, 1997).].

Essa teoria introduz a fascinante ideia de um Universo que se expande de forma quase exponencial nas primeiras frações de segundo após o Big Bang. Surpreendentemente, a Inflação Cósmica não apenas resolve os problemas do horizonte e da planura, mas também lança luz sobre outros aspectos cruciais da cosmologia primordial, como exemplo: a uniformidade da radiação cósmica de fundo em micro-ondas, a amplificação das perturbações inicias responsáveis pela distribuição das estruturas em larga escala no Universo e a geração de ondas gravitacionais cosmológicas [2[2] A. Achúcarro, M. Biagetti, M. Braglia, G. Cabass, R. Caldwell, E. Castorina, X. Chen, W. Coulton, R. Flauger, J. Fumagalli et al., arXiv: 2203.08128 (2022).].

Neste artigo, realizaremos uma análise detalhada do regime inflacionário, explorando suas raízes históricas, implicações fundamentais e seu papel crucial no aprimoramento de nossa compreensão do Universo primordial. Vamos investigar como a inflação não apenas resolveu antigos enigmas, mas também abriu novos horizontes para a cosmologia, oferecendo uma visão única dos estágios iniciais da evolução do cosmos.

Na Seção 2 2. Relatividade Geral e o Modelo Cosmológico de Einstein Em 1916, Albert Einstein (1879–1955) mudou a forma como a sociedade interpretava a gravidade ao publicar seus trabalhos sobre a Relatividade Geral (RG). Essa teoria da gravitação consiste em tratar a interação gravitacional, não como uma força, como estabelecia a teoria Newtoniana, mas como uma consequência da curvatura do espaço-tempo [3, 4]. Além de fornecer essa nova forma de interpretar a gravidade, a RG estabelece um conjunto de equações de campo que permitem descrever o passado, o presente e o futuro do Universo:(1)Gμν=8πGc4Tμν Devido à presença do formalismo tensorial, a equação é na verdade um conjunto de 16 equações onde μ e ν variam de 0 a 3. Contudo, tanto o tensor de Einstein quanto o tensor de energia-momento são simétricos, resultando em 10 equações. As previsões geradas por esse conjunto de equações foram experimentalmente verificadas por muitas observações, tais como: a precessão da órbita de mercúrio, a detecção de ondas gravitacionais pela fusão de dois buracos negros, o desvio da luz, o redshift gravitacional, o funcionamento das lentes gravitacionais e até a dilatação temporal de relógios atômicos [5, 6]. Assim, a RG estabeleceu-se como uma teoria extraordinariamente bem-sucedida da gravitação e se tornou um pilar fundamental para a física. Um fato curioso é que o próprio Einstein inicialmente acreditava que as equações de campo da Relatividade Geral não tinham soluções exatas e devido aos pressupostos científicos predominantes daquela época, sustentava a ideia de um Universo homogêneo, estático e eterno. Contudo, pouco tempo após Einstein publicar seus trabalhos sobre a RG, o matemático e cientista russo Aleksander Friedmann (1888–1925), conseguiu obter as primeiras soluções dinâmicas das equações, considerando cenários geométricos diferentes e que são de extrema relevância para o final da inflação cósmica. Discutiremos este aspecto em mais detalhes na seção 4 [7, 8]. Em 1922, Friedmann propôs um Universo em expansão com curvatura espacial positiva e, em 1924, um Universo dinâmico com curvatura espacial negativa. Três anos mais tarde, em 1927, o astrônomo e padre belga Georges Lemaître (1894–1966) contribuiu de maneira independente ao publicar um estudo no qual derivou soluções equivalentes às encontradas por Friedmann. No entanto, diferenciando-se do primeiro autor, Lemaître direcionou sua atenção para as implicações físicas desse resultado matemático, que apontava para um Universo em expansão [9]. Em 1929, com o trabalho pioneiro do astrônomo Edwin Hubble (1889–1953), as soluções encontradas por Friedmann e Lemaître foram confirmadas através de observações [10]. Em virtude desses resultados e também de outros que não discutiremos em neste trabalho (como exemplo à inferência da existência da matéria escura por Fritz Zwick), o modelo cosmológico de Einstein não conseguia mais descrever as observações sobre o Universo, o que levou à necessidade de adotar uma nova estrutura cosmológica para descrever o cosmos: o modelo do Big Bang. O Big Bang, além de conseguir descrever a expansão do Universo, a escuridão do céu noturno (conhecido como Paradoxo de Olbers), a produção de elementos leves como hidrogênio e hélio (nucleossíntese primordial), conseguiu prever a existência da Radiação Cósmica de Fundo detectada em 1965 [11,12,13,14]. Contudo, mesmo se tornando o modelo padrão para descrever o cosmos, existiam alguns questionamentos que o Big Bang não conseguia responder. , contextualizaremos nossa discussão, apresentando a Teoria da Relatividade Geral de Einstein, bem como os trabalhos pioneiros de Friedmann, Lemaître e Hubble, que culminaram na aceitação do modelo do Big Bang como a teoria padrão para entender o Universo em expansão. Na próxima seção, identificaremos e exploraremos alguns dos desafios e lacunas que o modelo do Big Bang enfrenta na explicação de alguns fenômenos cósmicos observados. A seção 4 4. O Mecanismo Inflacionário Com o objetivo de resolver esses três questionamentos sobre o Universo, Alan Guth (1947–) estabeleceu o mecanismo denominado de inflação cósmica [25]. Além de Guth, importantes contribuições para a inflação cósmica foram feitas de forma independe por cientistas como: Andrei Linde, Alexei Starobinsky, Paul J. Steinhardt, Englert Higgs, Robert Brout, entre outros [26,27,28]. A ideia central desse fenômeno é que em frações de segundos após o Big Bang (aproximadamente entre 10−36 a 10−32 segundos após o Big Bang), ocorreu uma expansão quase acelerada que esticou o espaço-tempo de maneira uniforme e devido a esse esticamento, tanto o problema de planura quanto o de horizonte são resolvidos. Mas antes de explicarmos como a inflação consegue resolver o problema das condições iniciais, será demonstrado o que é a inflação cósmica, como ela funciona e quais critérios ela precisa obedecer para ser um fenômeno físico e não apenas matemático. No contexto acadêmico, a inflação cósmica é definida como uma expansão quase acelerada que ocorreu frações de segundo após o Big Bang. Durante essa fase, o fator de escala aumentou exponencialmente, o que significa que o Universo cresceu de maneira extraordinariamente rápida:(12)a∝eHt Como temos um período marcado por uma expansão quase acelerada, surge a imposição da seguinte condição para o fator de escala:(13)ä>0 Uma outra característica da inflação é o fato de que o parâmetro de Hubble H se mantem praticamente constante. Essa aparente contradição pode ser esclarecida pela forma como o parâmetro de Hubble é definido:(14)H≡a˙a=Constante Tanto o numerador quanto o denominador estão crescendo e devido a isso, o aumento de a˙ é compensado pelo crescimento correspondente de a. Agora, para ter ideia do que acontece com o Universo, é interessante analisar o raio de Hubble comóvel (levando em consideração a expansão do próprio Universo):(15)RH,COMÓVEL=caH Utilizando a condição imposta pela equação 13:(16)a¨>0⇒ddt1RH,COMÓVEL>0Ou seja, o raio de Hubble comóvel decresce ao longo do regime inflacionário. Um fator importante sobre esse regime que ainda não foi mencionado, é justamente o que causa essa expansão acelerada. Para isso, é necessário analisar a segunda equação de Friedmann (equação da aceleração):(17)a¨a=4πG3c2(ε+3P) Onde temos a densidade de energia (ε) e a densidade de pressão (P). Impondo a condição de expansão acelerada (a¨>0) na equação 17:(18)P<−13ε Esse resultado demonstra que o fator responsável pela aceleração do Universo durante o período inflacionário possui uma pressão negativa. O problema acontece pelo fato de que nem a radiação e muito menos a matéria possuem uma densidade de pressão negativa [14, 15] e devido a isso, nenhuma delas consegue acelerar a expansão. O mecanismo físico responsável por essa pressão ainda não é conhecido. Contudo, uma das formas mais simples de implementar o período inflacionário é através de um único campo escalar massivo denominado de Inflaton (ϕ) e sua dinâmica é dada pela equação de Klein-Gordon [15]:(19)ϕ¨+3Hϕ˙+dV(ϕ)dϕ=0Onde o último termo da equação representa a variação do potencial do campo escalar, ou seja, a forma do potencial do Inflaton desempenha um papel crucial na dinâmica do sistema. Agora que sua definição foi realizada, é preciso verificar quais as condições que geram uma inflação cósmica condizente com as observações. Ou seja, existem condições gerais que devem ser satisfeitas para termos um modelo inflacionário bem-sucedido. A primeira delas é que a inflação seja uma expansão quase exponencial (se for totalmente exponencial ela nunca acabará) e que ela tenha durado o tempo suficiente para gerar um número suficientes de e-folds (número de vezes que o Universo cresceu pelo fator do seu tamanho original) [14, 15]. Essas duas condições são impostas em dois parâmetros matemáticos que são denominados de parâmetros de slow-roll. O primeiro parâmetro irá garantir uma expansão quase exponencial:(20)ε≡−H˙H2≪1 E o segundo garantirá que esta expansão dure por um tempo razoável:(21)η≡−ε˙Hε≪1Vale observar que estas duas condições são independentes do mecanismo que gera a inflação. De fato, estas condições são inclusive independentes da teoria de gravitação utilizada, bastando ser condizente com a métrica de Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker. Além das condições derivadas dos parâmetros de slow-roll, existe uma outra condição que está vinculada ao término do período inflacionário denominada de saída elegante: o fim do regime inflacionário tem que ocorrer de tal forma que a transição entre o período inflacionário e o subsequente estágio de expansão desacelerada ocorra sem perturbações drásticas ou eventos disruptivos. Isto é uma condição necessária para que o Universo entre em uma fase desacelerada e de reaquecimento, preservando assim, além da homogeneidade e isotropia, as previsões bem-sucedidas do modelo padrão2. será dedicada à exposição detalhada da Inflação Cósmica, delineando suas características e princípios essenciais.

Na seção 5 5. O Mecanismo Inflacionário como Solução Como descrito na seção anterior, a inflação cósmica é definida justamente como uma expansão quase acelerada e a ideia central desse fenômeno é que a rápida expansão que ocorreu no início do Universo (tempo em que isso ocorreu) esticou a curvatura espacial de maneira uniforme e extremamente eficaz. Isso significa que qualquer curvatura inicial teria sido “esticada” a um ponto em que se tornaria praticamente indetectável em escalas cosmológicas. O Universo pareceria plano mesmo que tivesse começado com uma curvatura espacial ligeiramente diferente de zero. Uma analogia que frequentemente é usada para entender a ideia é a de um balão sendo inflado. Imagine que você tem um balão muito pequeno e infla-o rapidamente. Qualquer desenho ou marca na superfície do balão seria esticado e nivelado à medida que o balão se expande. Da mesma forma, a inflação cósmica “esticou” qualquer curvatura espacial inicial, tornando-a virtualmente imperceptível em escalas cósmicas maiores. Resolvendo assim, o problema de planura. Podemos visualizar essa solução em termos matemáticos usando a condição da equação 13 na equação 5:(22)Ω(i)−1Ω(0)−1=a˙0a˙i2=e2Hi(t0−ti) Supondo que o Universo antes da inflação é fortemente curvado (|Ω(i) − 1| = 1):(23)Ω(0)−1=e−2Hi(t0−ti) Note que o termo do lado direito decai rapidamente gerando um Universo atual praticamente plano. Além disso, devido ao fato de que o Universo se expandiu de maneira extremamente rápida e acelerada, temos que regiões que antes estavam em contato direto se afastaram muito mais rápido do que o esperado no cenário padrão do Big Bang. Como resultado, mesmo que essas regiões estejam agora muito distantes umas das outras, elas teriam tido tempo suficiente para trocar informações durante a fase inflacionária, estabelecendo uma maior uniformidade na distribuição da radiação cósmica de fundo e resolvendo assim, o problema de horizonte. Para visualizar isso matematicamente basta utilizar a condição da equação 13 na equação 10:(24)RH,iRc=a˙ia˙0=e−2Hi(t0−ti) Onde o lado direito decai rapidamente fazendo com que a escala de causalidade seja maior que o raio de Hubble. Ao examinarmos o lado direito da equação 23 e da equação 24, torna-se evidente que a solução para ambos os problemas está intrinsecamente ligada à quantidade Hi(t0 − ti), onde Hi fixa a escala de energia na qual a inflação ocorre e Δt = (t0 − ti) fixa a duração do período inflacionário. Além disso, é importante ressaltar que a escala de energia está diretamente vinculada ao modelo de inflação utilizado. No entanto, uma ampla gama de modelos inflacionários coincide com uma faixa entre 50 e 60 para essa quantia. Por exemplo, quando consideramos Hi(t0 − ti) = 60 obtemos que:(25)e−2(60)∝10−53Fazendo com que o lado direito das equações 23 e 24 decaia rapidamente, resolvendo tanto o problema de planura quanto o do horizonte. De forma geral, é suficiente considerar uma pequena região homogênea e isotrópica e permitir que a inflação ocorra por um tempo suficientemente longo para que ela seja capaz de transformá-la em uma região de amplo domínio de homogeneidade e isotropia, resolvendo tanto o problema da planura quanto o do horizonte. Agora que toda essa discussão sobre o problema de planura e de horizonte foi realizada, é interessante notar que alguns físicos contestam a relevância desses problemas e, em consequência, questionam a necessidade da inflação cósmica [29, 30]. Por exemplo, o questionamento sobre a planura pode não ser um obstáculo para a física, e sim uma característica fundamental do Universo que não precisa de uma solução. Ou seja, a planura não seria um problema físico e sim uma característica esteticamente interessante do Universo. Contudo, o mecanismo inflacionário consegue justificar essa característica estética considerando casos bem gerais. Como demonstrado na literatura, é possível partir de um campo não homogêneo ou considerar uma métrica não homogênea e ainda obter um Universo observável homogêneo em larga escala [31, 32]. Em consonância com as afirmações de Steven Weinberg sobre a equação 5: “Tal circunstância não constitui um paradoxo, uma vez que não existem fundamentos para que a curvatura do espaço-tempo não tenha sido infinitesimalmente reduzida. No entanto, trata-se do tipo de fenômeno que os estudiosos da física gostariam de esclarecer.” [33, p. 203 – tradução nossa]. Independente do fato de que o problema de planura e de horizonte tenha sido parte das motivações iniciais para a inflação cósmica, a teoria evoluiu ao longo do tempo e atualmente, a inflação é mais reconhecida por sua capacidade de explicar as flutuações primordiais. , examinaremos minuciosamente como a inflação resolve os questionamentos previamente abordados na seção 3 3. Os Problemas das Condições Iniciais Nessa seção discutimos o que os cosmólogos chamam de Problema das Condições Iniciais, que é o conjunto de três questionamentos que o modelo do Big Bang não conseguia explicar: o problema da planura, do horizonte e da não existência de monopolos magnéticos [15, 16]. O problema de Planura está diretamente ligado a densidade do Universo em si. Podemos simplificar a ideia em uma única afirmação: se o Universo é praticamente plano1 atualmente, no passado, essa característica era acentuada em um grau ainda mais elevado. Em termos observacionais, essa problemática pode ser visualizada através do resultado de um estudo realizado por uma equipe de astrônomos intitulado “2dF Galaxy Redshift Survey”. O Estudo teve como objetivo determinar a localização e as distâncias relativas das galáxias, gerando uma espécie de “mapa do Universo” no qual é possível visualizar as galáxias se organizando em filamentos. Sendo que, um dos desfechos notáveis desse estudo reside na constatação de que o Universo parece conter precisamente a quantidade de matéria necessária para assumir uma geometria plana [17]. Matematicamente, o problema de planura pode ser visualizado partindo da famosa equação de Friedmann:(2)H2=8πG3c2ε−kc2a2 No contexto da planura, é interessante utilizar a equação em sua forma adimensional. Para isso, é preciso utilizar o parâmetro de densidade [15, 16]:(3)Ω(t)=8πG3c2εH2 Usando essa definição na equação de Friedmann:(4)Ω(t)−1=kc2Ha2 Fazendo uma razão entre essas expressões no tempo atual (t = 0) e em um tempo primordial (t = i):(5)Ω(i)−1Ω(0)−1=H0a0Hiai2=a˙0a˙i2 As observações mais recentes fornecem que [18]:(6)a˙0a˙i2≤10−56⇒Ω(t)≈1Chegamos à conclusão de que o parâmetro cosmológico no estágio primordial do Universo exibia uma proximidade excepcional em relação à unidade, o que denota um Universo essencialmente plano em termos espaciais. O problema de Horizonte está relacionado ao fato de que o Universo em larga escala é praticamente homogêneo e isotrópico. Podemos simplificar isso em uma única afirmação: se o Universo é praticamente homogêneo e isotrópico, no passado, essas propriedades eram ainda mais intensas. Em termos observacionais, devido aos dados provenientes da Radiação Cósmica de Fundo (CMB), temos ciência de que distintas áreas do Universo exibem uma temperatura equivalente, apresentando variações da ordem de 1 em 100 mil, ou seja, as variações na temperatura da CMB estão na faixa de 0,001% de sua temperatura média [19]. Em outras palavras, quando observamos os dados da CMB, conseguimos notar que diversas regiões do cosmos possuem a mesma temperatura, porém, essas regiões não estão em contato para ocorrer o equilíbrio térmico. Como é possível que essas regiões do Universo possuam a mesma temperatura se não estavam em contato causal? Matematicamente podemos abordar esses questionamentos através do raio de Hubble. O raio de Hubble, também conhecido como “raio do Universo observável” ou “horizonte de Hubble”, é uma medida da distância máxima até a qual podemos observar objetos no Universo devido à expansão do espaço. Um exemplo conceitual para entender o raio de Hubble é imaginar um balão sendo inflado com pontos desenhados nele. Cada ponto representa uma galáxia no Universo em expansão. À medida que o balão é inflado, todos os pontos (galáxias) se afastam uns dos outros, como mostrado na Figura 1. Figura 1 Representação esquemática do raio de Hubble. Agora, imagine que você é um “observador” em um dos pontos e está acompanhando o afastamento dos outros pontos. À medida que o balão é inflado, você perceberá que os pontos mais distantes se afastam de você a velocidades maiores, até que, em algum momento, os pontos estão tão longe e se afastando tão rapidamente que a luz que eles emitem não consegue mais chegar até você, porque o espaço entre vocês está se expandindo mais rápido do que a luz pode percorrer. Esse limite, além do qual você não pode mais receber luz, representa o raio de Hubble e sua expressão matemática é dada por:(7)RH=cH0Inicialmente (t=i), o tamanho desse domínio foi menor pela razão dos fatores de escala correspondentes:(8)RH,i=RHaia0=cH0aia0 O próximo passo consiste em elaborar a região causal no Universo primordial (t = i). A região causal, no contexto da cosmologia, refere-se à parte do Universo em que eventos ou informações podem ter uma influência direta uns sobre os outros, devido à velocidade finita da propagação da luz. Em outras palavras, é a região dentro da qual um evento pode afetar outro devido à comunicação através de sinais e perturbações que viajam à velocidade da luz ou mais devagar. No contexto da Teoria da Relatividade, a região causal é delimitada pelo cone de luz de um evento específico. Esse cone de luz representa todas as direções em que a luz (ou qualquer outra influência física) pode se propagar a partir desse evento e alcançar outros pontos no espaço. Dentro do cone de luz, os eventos são “causalmente conectados”, o que significa que as informações podem ser trocadas entre eles, uma vez que essas informações podem viajar a velocidades limitadas [3, 4]. A sua expressão é dada por:(9)Rc=cHi Fazendo a razão entre o raio de Hubble e a região causal:(10)RH,iRc=a˙ia˙0Assim, a razão é da ordem de grandeza das taxas de expansão correspondentes e que a escala de homogeneidade e isotropia sempre foi maior que a escala de causalidade. O problema dos Monopolos Magnéticos não está ligado somente a cosmologia, mas sim a física de altas energias. O questionamento sobre a existência dos monopolos magnéticos é algo já antigo, que ficou mais evidente quando Maxwell unificou o eletromagnetismo e a seguinte equação entrou para história da humanidade:(11)∇⋅B=0 A busca por monopolos magnéticos ganhou força no século passado quando Paul Dirac demonstrou que a existência de monopolos é consistente com a teoria eletromagnética desde que as cargas elétricas sejam quantizadas, ou seja, só poderiam assumir valores discretos em múltiplos de uma carga elementar [20]. Conforme mencionado anteriormente, a ausência de monopolos magnéticos não é um desafio intrínseco à cosmologia, mas sim um aspecto ligado à física de altas energias. Para ser mais preciso, esse problema tem suas raízes em teorias de grande unificação. Por essa razão, o escopo deste trabalho não abordará essa questão específica. Para obter mais informações, recomenda-se consultar [21,22,23,24]. , destacando seus efeitos na cosmologia. Finalmente, nas Seções 6 6. As Flutuações Primordiais Uma antiga questão da cosmologia consiste em compreender a formação das galáxias e outras estruturas cósmicas, como os aglomerados de galáxias. Buscamos compreender a origem das discrepâncias na distribuição da matéria, as quais, ao sofrerem instabilidades gravitacionais, evoluíram e deram origem a essas complexas estruturas. Tais flutuações deixaram marcas na radiação cósmica de fundo em micro-ondas (CMB), na forma de pequenas variações de temperatura. No contexto do Big Bang, ainda não dispomos de uma explicação que abarque a gênese dessas variações na densidade de energia, mas o mecanismo inflacionário consegue fornecer uma explicação para tal proeza. Durante esse período inflacionário, as flutuações quânticas nos campos de energia geraram perturbações na densidade do espaço-tempo. Essas perturbações podem ser divididas em três categorias: perturbações escalares, vetoriais e tensoriais [34, 35]. Sua caracterização envolve duas grandezas fundamentais: sua amplitude A (quão grandes são) e seu índice espectral n (quão rápido elas mudam com a escala). As perturbações escalares (caracterizadas pela amplitude escalar As e pelo índice espectral escalar ns), predominantemente relevantes, são responsáveis pela geração das estruturas em larga escala que observamos no Universo atual. Elas influenciam a distribuição de matéria e energia, contribuindo para a formação de galáxias, aglomerados de galáxias e outros elementos estruturais em grande escala. Por outro lado, as perturbações tensoriais (caraterizadas pela amplitude tensorial At e pelo índice espectral tensorial nt) desempenham um papel crucial na geração das tão procuradas ondas gravitacionais. Essas ondas, que representam a curvatura do espaço-tempo, carregam consigo informações valiosas sobre os eventos cósmicos primordiais e será discutida com mais detalhes na seção 7. Já a parte vetorial decai em escalar devido a conservação do momento angular [36]. O elemento responsável pelas anisotropias escalares – ou seja, as disparidades na distribuição da matéria que são responsáveis pela formação das estruturas em larga escala do Universo – age como um tipo de fluido de matéria que se atenua à medida que o Universo se expande, seguindo uma taxa de decaimento proporcional ao inverso do fator de escala (em alguns modelos inflacionários temos que esse decaimento é ∝ a−6). Isso significa que as anisotropias diminuem consideravelmente à medida que a expansão do Universo progride, assim, assegurando uma concordância com as observações contemporâneas. Note que existem outros mecanismos na literatura que tentam explicar essas anisotropias escalares [37,38,39,40,41]. Alguns modelos anteriores à inflação cósmica consideravam espectros de densidade adiabáticos, o que significa que as flutuações de densidade não dependiam da escala (ns = 1). No entanto, a inflação previu que ns deveria ser ligeiramente menor do que 1, indicando que as flutuações de densidade são ligeiramente mais pronunciadas em escalas maiores do que em escalas menores. Observações posteriores da Radiação Cósmica de Fundo confirmaram essa previsão da inflação, mostrando que o índice espectral é de fato menor do que 1 e isso significa que as anisotropias diminuem consideravelmente à medida que a expansão do Universo progride. A seguir, temos o valor de ns obtido por diferentes mecanismos observacionais e que são condizentes com o mecânismo inflacionária [42,43,44,45]: Planck 2018 [46]: ns = 0,9626 ± 0,0057 ACT+WMAP [47]: ns = 0,9729 ± 0,0061 SPT+WMAP [48]: ns = 0,9671 ± 0,0063 Essa correspondência entre as previsões da inflação cósmica e as observações detalhadas da CMB é uma das razões pelas quais a inflação ganhou reconhecimento e aceitação significativos na cosmologia como uma explicação plausível para a origem das flutuações cósmicas e a formação das estruturas no Universo. e 7 7. Ondas Gravitacionais Primordiais Como discutido na seção passada, a inflação cósmica gera ondas gravitacionais primordiais através do mesmo processo que semeia toda a formação de estrutura no Universo observável. Essa característica confere à inflação uma previsão crucial: a existência de um fundo estocástico de ondas gravitacionais primordiais [49]. Vale ressaltar que, ao longo de 15 anos, o conjunto de dados de temporização do pulsar coletado pelo North American Nanohertz Observatory for Gravitational Waves (NANOGrav) fornece fortes indícios da existência desse fundo estocástico [50]. Até o momento, apesar dos notáveis avanços tecnológicos e observacionais, não conseguimos realizar uma medição direta das ondas gravitacionais cosmológicas. A ausência dessa detecção direta resultou na estipulação de limites superiores para uma quantidade denominada razão tensorial-escalar (r). Essa razão expressa a amplitude das perturbações tensoriais em relação às perturbações escalares, sendo uma medida que quantifica a contribuição relativa das ondas gravitacionais em comparação com as flutuações na densidade de matéria e energia. O limite superior para a razão tensorial-escalar, derivado da não detecção das ondas gravitacionais primordiais, impõe restrições significativas aos modelos de inflação como pode ser visto em [46], influenciando nossas compreensões sobre a escala de energia durante o período inflacionário. , discutiremos como as observações contemporâneas fortalecem a credibilidade de um regime inflacionário, especialmente no que diz respeito à origem das flutuações cósmicas e à formação das estruturas complexas que permeiam o Universo.

2. Relatividade Geral e o Modelo Cosmológico de Einstein

Em 1916, Albert Einstein (1879–1955) mudou a forma como a sociedade interpretava a gravidade ao publicar seus trabalhos sobre a Relatividade Geral (RG). Essa teoria da gravitação consiste em tratar a interação gravitacional, não como uma força, como estabelecia a teoria Newtoniana, mas como uma consequência da curvatura do espaço-tempo [3[3] H.C. Ohanian e R. Ruffini, Gravitation and Spacetime (Cambridge University, Cambridge, 2013)., 4[4] R.M. Wald, General Relativity (University of Chicago, Chicago, 1984).]. Além de fornecer essa nova forma de interpretar a gravidade, a RG estabelece um conjunto de equações de campo que permitem descrever o passado, o presente e o futuro do Universo:

(1)Gμν=8πGc4Tμν

Devido à presença do formalismo tensorial, a equação é na verdade um conjunto de 16 equações onde μ e ν variam de 0 a 3. Contudo, tanto o tensor de Einstein quanto o tensor de energia-momento são simétricos, resultando em 10 equações.

As previsões geradas por esse conjunto de equações foram experimentalmente verificadas por muitas observações, tais como: a precessão da órbita de mercúrio, a detecção de ondas gravitacionais pela fusão de dois buracos negros, o desvio da luz, o redshift gravitacional, o funcionamento das lentes gravitacionais e até a dilatação temporal de relógios atômicos [5[5] C.M. Will, arXiv: 1403.7377 (2014)., 6[6] S.L. Shapiro e J.S. Walker, Black Holes, White Dwarfs and Neutron Stars: The Physics of Compact Objects (Wiley-Vch, New York, 1991).]. Assim, a RG estabeleceu-se como uma teoria extraordinariamente bem-sucedida da gravitação e se tornou um pilar fundamental para a física.

Um fato curioso é que o próprio Einstein inicialmente acreditava que as equações de campo da Relatividade Geral não tinham soluções exatas e devido aos pressupostos científicos predominantes daquela época, sustentava a ideia de um Universo homogêneo, estático e eterno. Contudo, pouco tempo após Einstein publicar seus trabalhos sobre a RG, o matemático e cientista russo Aleksander Friedmann (1888–1925), conseguiu obter as primeiras soluções dinâmicas das equações, considerando cenários geométricos diferentes e que são de extrema relevância para o final da inflação cósmica. Discutiremos este aspecto em mais detalhes na seção 4 4. O Mecanismo Inflacionário Com o objetivo de resolver esses três questionamentos sobre o Universo, Alan Guth (1947–) estabeleceu o mecanismo denominado de inflação cósmica [25]. Além de Guth, importantes contribuições para a inflação cósmica foram feitas de forma independe por cientistas como: Andrei Linde, Alexei Starobinsky, Paul J. Steinhardt, Englert Higgs, Robert Brout, entre outros [26,27,28]. A ideia central desse fenômeno é que em frações de segundos após o Big Bang (aproximadamente entre 10−36 a 10−32 segundos após o Big Bang), ocorreu uma expansão quase acelerada que esticou o espaço-tempo de maneira uniforme e devido a esse esticamento, tanto o problema de planura quanto o de horizonte são resolvidos. Mas antes de explicarmos como a inflação consegue resolver o problema das condições iniciais, será demonstrado o que é a inflação cósmica, como ela funciona e quais critérios ela precisa obedecer para ser um fenômeno físico e não apenas matemático. No contexto acadêmico, a inflação cósmica é definida como uma expansão quase acelerada que ocorreu frações de segundo após o Big Bang. Durante essa fase, o fator de escala aumentou exponencialmente, o que significa que o Universo cresceu de maneira extraordinariamente rápida:(12)a∝eHt Como temos um período marcado por uma expansão quase acelerada, surge a imposição da seguinte condição para o fator de escala:(13)ä>0 Uma outra característica da inflação é o fato de que o parâmetro de Hubble H se mantem praticamente constante. Essa aparente contradição pode ser esclarecida pela forma como o parâmetro de Hubble é definido:(14)H≡a˙a=Constante Tanto o numerador quanto o denominador estão crescendo e devido a isso, o aumento de a˙ é compensado pelo crescimento correspondente de a. Agora, para ter ideia do que acontece com o Universo, é interessante analisar o raio de Hubble comóvel (levando em consideração a expansão do próprio Universo):(15)RH,COMÓVEL=caH Utilizando a condição imposta pela equação 13:(16)a¨>0⇒ddt1RH,COMÓVEL>0Ou seja, o raio de Hubble comóvel decresce ao longo do regime inflacionário. Um fator importante sobre esse regime que ainda não foi mencionado, é justamente o que causa essa expansão acelerada. Para isso, é necessário analisar a segunda equação de Friedmann (equação da aceleração):(17)a¨a=4πG3c2(ε+3P) Onde temos a densidade de energia (ε) e a densidade de pressão (P). Impondo a condição de expansão acelerada (a¨>0) na equação 17:(18)P<−13ε Esse resultado demonstra que o fator responsável pela aceleração do Universo durante o período inflacionário possui uma pressão negativa. O problema acontece pelo fato de que nem a radiação e muito menos a matéria possuem uma densidade de pressão negativa [14, 15] e devido a isso, nenhuma delas consegue acelerar a expansão. O mecanismo físico responsável por essa pressão ainda não é conhecido. Contudo, uma das formas mais simples de implementar o período inflacionário é através de um único campo escalar massivo denominado de Inflaton (ϕ) e sua dinâmica é dada pela equação de Klein-Gordon [15]:(19)ϕ¨+3Hϕ˙+dV(ϕ)dϕ=0Onde o último termo da equação representa a variação do potencial do campo escalar, ou seja, a forma do potencial do Inflaton desempenha um papel crucial na dinâmica do sistema. Agora que sua definição foi realizada, é preciso verificar quais as condições que geram uma inflação cósmica condizente com as observações. Ou seja, existem condições gerais que devem ser satisfeitas para termos um modelo inflacionário bem-sucedido. A primeira delas é que a inflação seja uma expansão quase exponencial (se for totalmente exponencial ela nunca acabará) e que ela tenha durado o tempo suficiente para gerar um número suficientes de e-folds (número de vezes que o Universo cresceu pelo fator do seu tamanho original) [14, 15]. Essas duas condições são impostas em dois parâmetros matemáticos que são denominados de parâmetros de slow-roll. O primeiro parâmetro irá garantir uma expansão quase exponencial:(20)ε≡−H˙H2≪1 E o segundo garantirá que esta expansão dure por um tempo razoável:(21)η≡−ε˙Hε≪1Vale observar que estas duas condições são independentes do mecanismo que gera a inflação. De fato, estas condições são inclusive independentes da teoria de gravitação utilizada, bastando ser condizente com a métrica de Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker. Além das condições derivadas dos parâmetros de slow-roll, existe uma outra condição que está vinculada ao término do período inflacionário denominada de saída elegante: o fim do regime inflacionário tem que ocorrer de tal forma que a transição entre o período inflacionário e o subsequente estágio de expansão desacelerada ocorra sem perturbações drásticas ou eventos disruptivos. Isto é uma condição necessária para que o Universo entre em uma fase desacelerada e de reaquecimento, preservando assim, além da homogeneidade e isotropia, as previsões bem-sucedidas do modelo padrão2. [7[7] A. Friedman, Physik Z., 10 377 (1922)., 8[8] A. Friedman, Z. Physik 21, 326 (1924).].

Em 1922, Friedmann propôs um Universo em expansão com curvatura espacial positiva e, em 1924, um Universo dinâmico com curvatura espacial negativa. Três anos mais tarde, em 1927, o astrônomo e padre belga Georges Lemaître (1894–1966) contribuiu de maneira independente ao publicar um estudo no qual derivou soluções equivalentes às encontradas por Friedmann. No entanto, diferenciando-se do primeiro autor, Lemaître direcionou sua atenção para as implicações físicas desse resultado matemático, que apontava para um Universo em expansão [9[9] I. Steer, arXiv: 1212.6566 (2012).]. Em 1929, com o trabalho pioneiro do astrônomo Edwin Hubble (1889–1953), as soluções encontradas por Friedmann e Lemaître foram confirmadas através de observações [10[10] L. Knox e M. Millea, Physical Review D 101, 043533 (2020).].

Em virtude desses resultados e também de outros que não discutiremos em neste trabalho (como exemplo à inferência da existência da matéria escura por Fritz Zwick), o modelo cosmológico de Einstein não conseguia mais descrever as observações sobre o Universo, o que levou à necessidade de adotar uma nova estrutura cosmológica para descrever o cosmos: o modelo do Big Bang.

O Big Bang, além de conseguir descrever a expansão do Universo, a escuridão do céu noturno (conhecido como Paradoxo de Olbers), a produção de elementos leves como hidrogênio e hélio (nucleossíntese primordial), conseguiu prever a existência da Radiação Cósmica de Fundo detectada em 1965 [11[11] S. Sarkar, arXiv: 9602260 (1996).,12[12] J.P. Uzan, arXiv: 1606.06112 (2016).,13[13] T.A. Koslowski, F. Mercati e D. Sloan, arXiv: 1607.02460 (2016).,14[14] M.S. Turner, arXiv: 9503017 (1995).]. Contudo, mesmo se tornando o modelo padrão para descrever o cosmos, existiam alguns questionamentos que o Big Bang não conseguia responder.

3. Os Problemas das Condições Iniciais

Nessa seção discutimos o que os cosmólogos chamam de Problema das Condições Iniciais, que é o conjunto de três questionamentos que o modelo do Big Bang não conseguia explicar: o problema da planura, do horizonte e da não existência de monopolos magnéticos [15[15] V. Mukhanov, Physical Foundations of Cosmology (Cambridge University Press, Cambridge, 2005)., 16[16] B. Ryden, Introduction to Cosmology (Cambridge University Press, Cambridge, 2016).].

O problema de Planura está diretamente ligado a densidade do Universo em si. Podemos simplificar a ideia em uma única afirmação: se o Universo é praticamente plano1 1 Note que aqui estamos nos referindo a curvatura da seção espacial do Universo, e não à curvatura do espaço-tempo. atualmente, no passado, essa característica era acentuada em um grau ainda mais elevado. Em termos observacionais, essa problemática pode ser visualizada através do resultado de um estudo realizado por uma equipe de astrônomos intitulado “2dF Galaxy Redshift Survey”.

O Estudo teve como objetivo determinar a localização e as distâncias relativas das galáxias, gerando uma espécie de “mapa do Universo” no qual é possível visualizar as galáxias se organizando em filamentos. Sendo que, um dos desfechos notáveis desse estudo reside na constatação de que o Universo parece conter precisamente a quantidade de matéria necessária para assumir uma geometria plana [17[17] S. Cole, W.J. Percival, J.A. Peacock, P. Norberg, C.M. Baugh, C.S. Frenk, I. Baldry, J. Bland-Hawthorn, T. Bridges, R. Cannon et al., arXiv: 0501174 (2005).].

Matematicamente, o problema de planura pode ser visualizado partindo da famosa equação de Friedmann:

(2)H2=8πG3c2εkc2a2

No contexto da planura, é interessante utilizar a equação em sua forma adimensional. Para isso, é preciso utilizar o parâmetro de densidade [15[15] V. Mukhanov, Physical Foundations of Cosmology (Cambridge University Press, Cambridge, 2005)., 16[16] B. Ryden, Introduction to Cosmology (Cambridge University Press, Cambridge, 2016).]:

(3)Ω(t)=8πG3c2εH2

Usando essa definição na equação de Friedmann:

(4)Ω(t)1=kc2Ha2

Fazendo uma razão entre essas expressões no tempo atual (t = 0) e em um tempo primordial (t = i):

(5)Ω(i)1Ω(0)1=H0a0Hiai2=a˙0a˙i2

As observações mais recentes fornecem que [18[18] PLANCK COLLABORATION, arXiv: 1807.06211 (2018).]:

(6)a˙0a˙i21056Ω(t)1
Chegamos à conclusão de que o parâmetro cosmológico no estágio primordial do Universo exibia uma proximidade excepcional em relação à unidade, o que denota um Universo essencialmente plano em termos espaciais.

O problema de Horizonte está relacionado ao fato de que o Universo em larga escala é praticamente homogêneo e isotrópico. Podemos simplificar isso em uma única afirmação: se o Universo é praticamente homogêneo e isotrópico, no passado, essas propriedades eram ainda mais intensas. Em termos observacionais, devido aos dados provenientes da Radiação Cósmica de Fundo (CMB), temos ciência de que distintas áreas do Universo exibem uma temperatura equivalente, apresentando variações da ordem de 1 em 100 mil, ou seja, as variações na temperatura da CMB estão na faixa de 0,001% de sua temperatura média [19[19] R. Durrer, The cosmic microwave background (Cambridge University Press, Cambridge, 2020).].

Em outras palavras, quando observamos os dados da CMB, conseguimos notar que diversas regiões do cosmos possuem a mesma temperatura, porém, essas regiões não estão em contato para ocorrer o equilíbrio térmico. Como é possível que essas regiões do Universo possuam a mesma temperatura se não estavam em contato causal?

Matematicamente podemos abordar esses questionamentos através do raio de Hubble. O raio de Hubble, também conhecido como “raio do Universo observável” ou “horizonte de Hubble”, é uma medida da distância máxima até a qual podemos observar objetos no Universo devido à expansão do espaço. Um exemplo conceitual para entender o raio de Hubble é imaginar um balão sendo inflado com pontos desenhados nele. Cada ponto representa uma galáxia no Universo em expansão. À medida que o balão é inflado, todos os pontos (galáxias) se afastam uns dos outros, como mostrado na Figura 1.

Figura 1
Representação esquemática do raio de Hubble.

Agora, imagine que você é um “observador” em um dos pontos e está acompanhando o afastamento dos outros pontos. À medida que o balão é inflado, você perceberá que os pontos mais distantes se afastam de você a velocidades maiores, até que, em algum momento, os pontos estão tão longe e se afastando tão rapidamente que a luz que eles emitem não consegue mais chegar até você, porque o espaço entre vocês está se expandindo mais rápido do que a luz pode percorrer. Esse limite, além do qual você não pode mais receber luz, representa o raio de Hubble e sua expressão matemática é dada por:

(7)RH=cH0
Inicialmente (t=i), o tamanho desse domínio foi menor pela razão dos fatores de escala correspondentes:
(8)RH,i=RHaia0=cH0aia0

O próximo passo consiste em elaborar a região causal no Universo primordial (t = i). A região causal, no contexto da cosmologia, refere-se à parte do Universo em que eventos ou informações podem ter uma influência direta uns sobre os outros, devido à velocidade finita da propagação da luz. Em outras palavras, é a região dentro da qual um evento pode afetar outro devido à comunicação através de sinais e perturbações que viajam à velocidade da luz ou mais devagar.

No contexto da Teoria da Relatividade, a região causal é delimitada pelo cone de luz de um evento específico. Esse cone de luz representa todas as direções em que a luz (ou qualquer outra influência física) pode se propagar a partir desse evento e alcançar outros pontos no espaço. Dentro do cone de luz, os eventos são “causalmente conectados”, o que significa que as informações podem ser trocadas entre eles, uma vez que essas informações podem viajar a velocidades limitadas [3[3] H.C. Ohanian e R. Ruffini, Gravitation and Spacetime (Cambridge University, Cambridge, 2013)., 4[4] R.M. Wald, General Relativity (University of Chicago, Chicago, 1984).]. A sua expressão é dada por:

(9)Rc=cHi

Fazendo a razão entre o raio de Hubble e a região causal:

(10)RH,iRc=a˙ia˙0
Assim, a razão é da ordem de grandeza das taxas de expansão correspondentes e que a escala de homogeneidade e isotropia sempre foi maior que a escala de causalidade.

O problema dos Monopolos Magnéticos não está ligado somente a cosmologia, mas sim a física de altas energias. O questionamento sobre a existência dos monopolos magnéticos é algo já antigo, que ficou mais evidente quando Maxwell unificou o eletromagnetismo e a seguinte equação entrou para história da humanidade:

(11)B=0

A busca por monopolos magnéticos ganhou força no século passado quando Paul Dirac demonstrou que a existência de monopolos é consistente com a teoria eletromagnética desde que as cargas elétricas sejam quantizadas, ou seja, só poderiam assumir valores discretos em múltiplos de uma carga elementar [20[20] R. Heras, arXiv: 1810.13403 (2018).].

Conforme mencionado anteriormente, a ausência de monopolos magnéticos não é um desafio intrínseco à cosmologia, mas sim um aspecto ligado à física de altas energias. Para ser mais preciso, esse problema tem suas raízes em teorias de grande unificação. Por essa razão, o escopo deste trabalho não abordará essa questão específica. Para obter mais informações, recomenda-se consultar [21[21] L.J. Hall, Y. Nomura e S. Shirai, arXiv: 1403.8138 (2014).,22[22] R. Maji e Q. Shafi, arXiv: 2208.08137 (2022).,23[23] B.A. Bassett e F. Tamburini, arXiv: 9804453 (1998).,24[24] K. Schmitz, arXiv: 1910.08837 (2019).].

4. O Mecanismo Inflacionário

Com o objetivo de resolver esses três questionamentos sobre o Universo, Alan Guth (1947–) estabeleceu o mecanismo denominado de inflação cósmica [25[25] A.H. Guth, Phys. Rev. D 23, 347 (1981).]. Além de Guth, importantes contribuições para a inflação cósmica foram feitas de forma independe por cientistas como: Andrei Linde, Alexei Starobinsky, Paul J. Steinhardt, Englert Higgs, Robert Brout, entre outros [26[26] K. Sato, Monthly Notices of the Royal Astronomical Society 195, 467 (1981).,27[27] A.A. Starobinsky, JETP Lett. 30, 682 (1979).,28[28] A. Albrecht e P.J. Steinhardt, Phys. Rev. Lett. 48, 1220 (1982).].

A ideia central desse fenômeno é que em frações de segundos após o Big Bang (aproximadamente entre 10−36 a 10−32 segundos após o Big Bang), ocorreu uma expansão quase acelerada que esticou o espaço-tempo de maneira uniforme e devido a esse esticamento, tanto o problema de planura quanto o de horizonte são resolvidos. Mas antes de explicarmos como a inflação consegue resolver o problema das condições iniciais, será demonstrado o que é a inflação cósmica, como ela funciona e quais critérios ela precisa obedecer para ser um fenômeno físico e não apenas matemático.

No contexto acadêmico, a inflação cósmica é definida como uma expansão quase acelerada que ocorreu frações de segundo após o Big Bang. Durante essa fase, o fator de escala aumentou exponencialmente, o que significa que o Universo cresceu de maneira extraordinariamente rápida:

(12)aeHt

Como temos um período marcado por uma expansão quase acelerada, surge a imposição da seguinte condição para o fator de escala:

(13)ä>0

Uma outra característica da inflação é o fato de que o parâmetro de Hubble H se mantem praticamente constante. Essa aparente contradição pode ser esclarecida pela forma como o parâmetro de Hubble é definido:

(14)Ha˙a=Constante

Tanto o numerador quanto o denominador estão crescendo e devido a isso, o aumento de a˙ é compensado pelo crescimento correspondente de a. Agora, para ter ideia do que acontece com o Universo, é interessante analisar o raio de Hubble comóvel (levando em consideração a expansão do próprio Universo):

(15)RH,COMÓVEL=caH

Utilizando a condição imposta pela equação 13:

(16)a¨>0ddt1RH,COMÓVEL>0
Ou seja, o raio de Hubble comóvel decresce ao longo do regime inflacionário.

Um fator importante sobre esse regime que ainda não foi mencionado, é justamente o que causa essa expansão acelerada. Para isso, é necessário analisar a segunda equação de Friedmann (equação da aceleração):

(17)a¨a=4πG3c2(ε+3P)

Onde temos a densidade de energia (ε) e a densidade de pressão (P). Impondo a condição de expansão acelerada (a¨>0) na equação 17:

(18)P<13ε

Esse resultado demonstra que o fator responsável pela aceleração do Universo durante o período inflacionário possui uma pressão negativa. O problema acontece pelo fato de que nem a radiação e muito menos a matéria possuem uma densidade de pressão negativa [14[14] M.S. Turner, arXiv: 9503017 (1995)., 15[15] V. Mukhanov, Physical Foundations of Cosmology (Cambridge University Press, Cambridge, 2005).] e devido a isso, nenhuma delas consegue acelerar a expansão.

O mecanismo físico responsável por essa pressão ainda não é conhecido. Contudo, uma das formas mais simples de implementar o período inflacionário é através de um único campo escalar massivo denominado de Inflaton (ϕ) e sua dinâmica é dada pela equação de Klein-Gordon [15[15] V. Mukhanov, Physical Foundations of Cosmology (Cambridge University Press, Cambridge, 2005).]:

(19)ϕ¨+3Hϕ˙+dV(ϕ)dϕ=0
Onde o último termo da equação representa a variação do potencial do campo escalar, ou seja, a forma do potencial do Inflaton desempenha um papel crucial na dinâmica do sistema.

Agora que sua definição foi realizada, é preciso verificar quais as condições que geram uma inflação cósmica condizente com as observações. Ou seja, existem condições gerais que devem ser satisfeitas para termos um modelo inflacionário bem-sucedido. A primeira delas é que a inflação seja uma expansão quase exponencial (se for totalmente exponencial ela nunca acabará) e que ela tenha durado o tempo suficiente para gerar um número suficientes de e-folds (número de vezes que o Universo cresceu pelo fator do seu tamanho original) [14[14] M.S. Turner, arXiv: 9503017 (1995)., 15[15] V. Mukhanov, Physical Foundations of Cosmology (Cambridge University Press, Cambridge, 2005).].

Essas duas condições são impostas em dois parâmetros matemáticos que são denominados de parâmetros de slow-roll. O primeiro parâmetro irá garantir uma expansão quase exponencial:

(20)εH˙H21

E o segundo garantirá que esta expansão dure por um tempo razoável:

(21)ηε˙Hε1
Vale observar que estas duas condições são independentes do mecanismo que gera a inflação. De fato, estas condições são inclusive independentes da teoria de gravitação utilizada, bastando ser condizente com a métrica de Friedmann-Lemaître-Robertson-Walker.

Além das condições derivadas dos parâmetros de slow-roll, existe uma outra condição que está vinculada ao término do período inflacionário denominada de saída elegante: o fim do regime inflacionário tem que ocorrer de tal forma que a transição entre o período inflacionário e o subsequente estágio de expansão desacelerada ocorra sem perturbações drásticas ou eventos disruptivos. Isto é uma condição necessária para que o Universo entre em uma fase desacelerada e de reaquecimento, preservando assim, além da homogeneidade e isotropia, as previsões bem-sucedidas do modelo padrão2 2 Por exemplo: a existência de elementos leves no meio intergaláctico, produzidos durante a nucleossíntese primordial, fornece um limite inferior para a temperatura no Universo inicial. Para preservar a nucleossíntese primordial, a inflação deve iniciar e terminar suficientemente cedo, ficando assim, restrita a uma escala de energia especifica (T > 10MeV). .

5. O Mecanismo Inflacionário como Solução

Como descrito na seção anterior, a inflação cósmica é definida justamente como uma expansão quase acelerada e a ideia central desse fenômeno é que a rápida expansão que ocorreu no início do Universo (tempo em que isso ocorreu) esticou a curvatura espacial de maneira uniforme e extremamente eficaz. Isso significa que qualquer curvatura inicial teria sido “esticada” a um ponto em que se tornaria praticamente indetectável em escalas cosmológicas. O Universo pareceria plano mesmo que tivesse começado com uma curvatura espacial ligeiramente diferente de zero.

Uma analogia que frequentemente é usada para entender a ideia é a de um balão sendo inflado. Imagine que você tem um balão muito pequeno e infla-o rapidamente. Qualquer desenho ou marca na superfície do balão seria esticado e nivelado à medida que o balão se expande. Da mesma forma, a inflação cósmica “esticou” qualquer curvatura espacial inicial, tornando-a virtualmente imperceptível em escalas cósmicas maiores. Resolvendo assim, o problema de planura.

Podemos visualizar essa solução em termos matemáticos usando a condição da equação 13 na equação 5:

(22)Ω(i)1Ω(0)1=a˙0a˙i2=e2Hi(t0ti)

Supondo que o Universo antes da inflação é fortemente curvado (|Ω(i) − 1| = 1):

(23)Ω(0)1=e−2Hi(t0ti)

Note que o termo do lado direito decai rapidamente gerando um Universo atual praticamente plano.

Além disso, devido ao fato de que o Universo se expandiu de maneira extremamente rápida e acelerada, temos que regiões que antes estavam em contato direto se afastaram muito mais rápido do que o esperado no cenário padrão do Big Bang. Como resultado, mesmo que essas regiões estejam agora muito distantes umas das outras, elas teriam tido tempo suficiente para trocar informações durante a fase inflacionária, estabelecendo uma maior uniformidade na distribuição da radiação cósmica de fundo e resolvendo assim, o problema de horizonte.

Para visualizar isso matematicamente basta utilizar a condição da equação 13 na equação 10:

(24)RH,iRc=a˙ia˙0=e2Hi(t0ti)

Onde o lado direito decai rapidamente fazendo com que a escala de causalidade seja maior que o raio de Hubble.

Ao examinarmos o lado direito da equação 23 e da equação 24, torna-se evidente que a solução para ambos os problemas está intrinsecamente ligada à quantidade Hi(t0ti), onde Hi fixa a escala de energia na qual a inflação ocorre e Δt = (t0ti) fixa a duração do período inflacionário. Além disso, é importante ressaltar que a escala de energia está diretamente vinculada ao modelo de inflação utilizado. No entanto, uma ampla gama de modelos inflacionários coincide com uma faixa entre 50 e 60 para essa quantia. Por exemplo, quando consideramos Hi(t0ti) = 60 obtemos que:

(25)e2(60)1053
Fazendo com que o lado direito das equações 23 e 24 decaia rapidamente, resolvendo tanto o problema de planura quanto o do horizonte.

De forma geral, é suficiente considerar uma pequena região homogênea e isotrópica e permitir que a inflação ocorra por um tempo suficientemente longo para que ela seja capaz de transformá-la em uma região de amplo domínio de homogeneidade e isotropia, resolvendo tanto o problema da planura quanto o do horizonte.

Agora que toda essa discussão sobre o problema de planura e de horizonte foi realizada, é interessante notar que alguns físicos contestam a relevância desses problemas e, em consequência, questionam a necessidade da inflação cósmica [29[29] A. Ijjas e J. Steinhardt, arXiv: 1803.01961 (2018)., 30[30] D. Garfinklea, A. Ijjas e J. Steinhardt, arXiv: 2304.12150 (2023).]. Por exemplo, o questionamento sobre a planura pode não ser um obstáculo para a física, e sim uma característica fundamental do Universo que não precisa de uma solução. Ou seja, a planura não seria um problema físico e sim uma característica esteticamente interessante do Universo. Contudo, o mecanismo inflacionário consegue justificar essa característica estética considerando casos bem gerais. Como demonstrado na literatura, é possível partir de um campo não homogêneo ou considerar uma métrica não homogênea e ainda obter um Universo observável homogêneo em larga escala [31[31] A.L. Berkin, Phys. Rev. D 42, 1016 (1990)., 32[32] S. Nojiri, S.D. Odintsov, V.K. Oikonomou e A. Constantini, arXiv: 2210.16383 (2022).]. Em consonância com as afirmações de Steven Weinberg sobre a equação 5:

“Tal circunstância não constitui um paradoxo, uma vez que não existem fundamentos para que a curvatura do espaço-tempo não tenha sido infinitesimalmente reduzida. No entanto, trata-se do tipo de fenômeno que os estudiosos da física gostariam de esclarecer.”

[33, p. 203 – tradução nossa].

Independente do fato de que o problema de planura e de horizonte tenha sido parte das motivações iniciais para a inflação cósmica, a teoria evoluiu ao longo do tempo e atualmente, a inflação é mais reconhecida por sua capacidade de explicar as flutuações primordiais.

6. As Flutuações Primordiais

Uma antiga questão da cosmologia consiste em compreender a formação das galáxias e outras estruturas cósmicas, como os aglomerados de galáxias. Buscamos compreender a origem das discrepâncias na distribuição da matéria, as quais, ao sofrerem instabilidades gravitacionais, evoluíram e deram origem a essas complexas estruturas. Tais flutuações deixaram marcas na radiação cósmica de fundo em micro-ondas (CMB), na forma de pequenas variações de temperatura.

No contexto do Big Bang, ainda não dispomos de uma explicação que abarque a gênese dessas variações na densidade de energia, mas o mecanismo inflacionário consegue fornecer uma explicação para tal proeza. Durante esse período inflacionário, as flutuações quânticas nos campos de energia geraram perturbações na densidade do espaço-tempo. Essas perturbações podem ser divididas em três categorias: perturbações escalares, vetoriais e tensoriais [34[34] L. Sriramkumar, arXiv: 0904.4584 (2009)., 35[35] S. Tsujikawa, arXiv: 0304257 (2003).]. Sua caracterização envolve duas grandezas fundamentais: sua amplitude A (quão grandes são) e seu índice espectral n (quão rápido elas mudam com a escala).

As perturbações escalares (caracterizadas pela amplitude escalar As e pelo índice espectral escalar ns), predominantemente relevantes, são responsáveis pela geração das estruturas em larga escala que observamos no Universo atual. Elas influenciam a distribuição de matéria e energia, contribuindo para a formação de galáxias, aglomerados de galáxias e outros elementos estruturais em grande escala. Por outro lado, as perturbações tensoriais (caraterizadas pela amplitude tensorial At e pelo índice espectral tensorial nt) desempenham um papel crucial na geração das tão procuradas ondas gravitacionais. Essas ondas, que representam a curvatura do espaço-tempo, carregam consigo informações valiosas sobre os eventos cósmicos primordiais e será discutida com mais detalhes na seção 7 7. Ondas Gravitacionais Primordiais Como discutido na seção passada, a inflação cósmica gera ondas gravitacionais primordiais através do mesmo processo que semeia toda a formação de estrutura no Universo observável. Essa característica confere à inflação uma previsão crucial: a existência de um fundo estocástico de ondas gravitacionais primordiais [49]. Vale ressaltar que, ao longo de 15 anos, o conjunto de dados de temporização do pulsar coletado pelo North American Nanohertz Observatory for Gravitational Waves (NANOGrav) fornece fortes indícios da existência desse fundo estocástico [50]. Até o momento, apesar dos notáveis avanços tecnológicos e observacionais, não conseguimos realizar uma medição direta das ondas gravitacionais cosmológicas. A ausência dessa detecção direta resultou na estipulação de limites superiores para uma quantidade denominada razão tensorial-escalar (r). Essa razão expressa a amplitude das perturbações tensoriais em relação às perturbações escalares, sendo uma medida que quantifica a contribuição relativa das ondas gravitacionais em comparação com as flutuações na densidade de matéria e energia. O limite superior para a razão tensorial-escalar, derivado da não detecção das ondas gravitacionais primordiais, impõe restrições significativas aos modelos de inflação como pode ser visto em [46], influenciando nossas compreensões sobre a escala de energia durante o período inflacionário. . Já a parte vetorial decai em escalar devido a conservação do momento angular [36[36] W. Hu e M. White, arXiv: 9702170 (1997).].

O elemento responsável pelas anisotropias escalares – ou seja, as disparidades na distribuição da matéria que são responsáveis pela formação das estruturas em larga escala do Universo – age como um tipo de fluido de matéria que se atenua à medida que o Universo se expande, seguindo uma taxa de decaimento proporcional ao inverso do fator de escala (em alguns modelos inflacionários temos que esse decaimento é ∝ a−6). Isso significa que as anisotropias diminuem consideravelmente à medida que a expansão do Universo progride, assim, assegurando uma concordância com as observações contemporâneas.

Note que existem outros mecanismos na literatura que tentam explicar essas anisotropias escalares [37[37] F. Finelli e R. Brandenberger, Phys. Rev. D 65, 103522 (2002).,38[38] R.H. Brandenberger, Phys. Rev. D 80, 043516 (2009).,39[39] R.H. Brandenberger e P. Peter, Found. Phys. 47, 797 (2017).,40[40] R.H. Brandenberger, C. Vafa, Nucl. Phys. B 316, 391 (1989).,41[41] G.F.R. Ellis, J. Murugan e C.G. Tsagas, Class. Quant. Grav. 21, 233 (2004).]. Alguns modelos anteriores à inflação cósmica consideravam espectros de densidade adiabáticos, o que significa que as flutuações de densidade não dependiam da escala (ns = 1). No entanto, a inflação previu que ns deveria ser ligeiramente menor do que 1, indicando que as flutuações de densidade são ligeiramente mais pronunciadas em escalas maiores do que em escalas menores. Observações posteriores da Radiação Cósmica de Fundo confirmaram essa previsão da inflação, mostrando que o índice espectral é de fato menor do que 1 e isso significa que as anisotropias diminuem consideravelmente à medida que a expansão do Universo progride.

A seguir, temos o valor de ns obtido por diferentes mecanismos observacionais e que são condizentes com o mecânismo inflacionária [42[42] J. Bezerra-Sobrinho e L.G. Medeiros, arXiv: 2202.13308 (2022).,43[43] D. Chowdhury, J. Martin, C. Ringeval e V. Vennin, arXiv: 1902.03951 (2019).,44[44] G. Rodrigues-da-Silva, J. Bezerra-Sobrinho e L.G. Medeiros, arXiv: 2110.15502 (2021).,45[45] L.G. Vazquezw, L.E. Padilla e T. Matos, arXiv: 1810.09934 (2018).]:

Planck 2018 [46[46] PLANCK COLLABORATION, arXiv: 1807.06209 (2018).]: ns = 0,9626 ± 0,0057

ACT+WMAP [47[47] S. Aiola, E. Calabrese, L. Maurin, S. Naess, B.L. Schmitt, M.H. Abitbol, G.E. Addison, P.A.R. Ade, D. Alonso, M. Amiri et al., arXiv: 2007.07288 (2020).]: ns = 0,9729 ± 0,0061

SPT+WMAP [48[48] L. Balkenhol, D. Dutcher, A.S. Mancini, A. Doussot, K. Benabed, S. Galli, P.A.R. Ade, A.J. Anderson, B. Ansarinejad, M. Archipley, arXiv: 2212.05642 (2022).]: ns = 0,9671 ± 0,0063

Essa correspondência entre as previsões da inflação cósmica e as observações detalhadas da CMB é uma das razões pelas quais a inflação ganhou reconhecimento e aceitação significativos na cosmologia como uma explicação plausível para a origem das flutuações cósmicas e a formação das estruturas no Universo.

7. Ondas Gravitacionais Primordiais

Como discutido na seção passada, a inflação cósmica gera ondas gravitacionais primordiais através do mesmo processo que semeia toda a formação de estrutura no Universo observável. Essa característica confere à inflação uma previsão crucial: a existência de um fundo estocástico de ondas gravitacionais primordiais [49[49] M.C. Guzzetti, N. Bartolo, M. Liguori e S. Matarrese, arXiv:1605.01615 (2016).]. Vale ressaltar que, ao longo de 15 anos, o conjunto de dados de temporização do pulsar coletado pelo North American Nanohertz Observatory for Gravitational Waves (NANOGrav) fornece fortes indícios da existência desse fundo estocástico [50[50] A. Afzal, G. Agazie, A. Anumarlapudi, A.M. Archibald, Z. Arzoumanian, P.T. Baker, B. Bécsy, J.J. Blanco-Pillado, L. Blecha, K.K. Boddy, arXiv: 2306.16219 (2023).].

Até o momento, apesar dos notáveis avanços tecnológicos e observacionais, não conseguimos realizar uma medição direta das ondas gravitacionais cosmológicas. A ausência dessa detecção direta resultou na estipulação de limites superiores para uma quantidade denominada razão tensorial-escalar (r). Essa razão expressa a amplitude das perturbações tensoriais em relação às perturbações escalares, sendo uma medida que quantifica a contribuição relativa das ondas gravitacionais em comparação com as flutuações na densidade de matéria e energia.

O limite superior para a razão tensorial-escalar, derivado da não detecção das ondas gravitacionais primordiais, impõe restrições significativas aos modelos de inflação como pode ser visto em [46[46] PLANCK COLLABORATION, arXiv: 1807.06209 (2018).], influenciando nossas compreensões sobre a escala de energia durante o período inflacionário.

8. Conclusão

Neste artigo, exploramos a Inflação Cósmica, destacando sua relevância fundamental para a cosmologia moderna. Nas duas primeiras seções, apresentamos o contexto histórico no qual a inflação foi formulada, ressaltando as lacunas conceituais enfrentadas pelo modelo padrão. Foi esse cenário desafiador que impulsionou cientistas, incluindo Alan Guth, a propor o ousado período inflacionário como solução, conforme discutido naseção 3 3. Os Problemas das Condições Iniciais Nessa seção discutimos o que os cosmólogos chamam de Problema das Condições Iniciais, que é o conjunto de três questionamentos que o modelo do Big Bang não conseguia explicar: o problema da planura, do horizonte e da não existência de monopolos magnéticos [15, 16]. O problema de Planura está diretamente ligado a densidade do Universo em si. Podemos simplificar a ideia em uma única afirmação: se o Universo é praticamente plano1 atualmente, no passado, essa característica era acentuada em um grau ainda mais elevado. Em termos observacionais, essa problemática pode ser visualizada através do resultado de um estudo realizado por uma equipe de astrônomos intitulado “2dF Galaxy Redshift Survey”. O Estudo teve como objetivo determinar a localização e as distâncias relativas das galáxias, gerando uma espécie de “mapa do Universo” no qual é possível visualizar as galáxias se organizando em filamentos. Sendo que, um dos desfechos notáveis desse estudo reside na constatação de que o Universo parece conter precisamente a quantidade de matéria necessária para assumir uma geometria plana [17]. Matematicamente, o problema de planura pode ser visualizado partindo da famosa equação de Friedmann:(2)H2=8πG3c2ε−kc2a2 No contexto da planura, é interessante utilizar a equação em sua forma adimensional. Para isso, é preciso utilizar o parâmetro de densidade [15, 16]:(3)Ω(t)=8πG3c2εH2 Usando essa definição na equação de Friedmann:(4)Ω(t)−1=kc2Ha2 Fazendo uma razão entre essas expressões no tempo atual (t = 0) e em um tempo primordial (t = i):(5)Ω(i)−1Ω(0)−1=H0a0Hiai2=a˙0a˙i2 As observações mais recentes fornecem que [18]:(6)a˙0a˙i2≤10−56⇒Ω(t)≈1Chegamos à conclusão de que o parâmetro cosmológico no estágio primordial do Universo exibia uma proximidade excepcional em relação à unidade, o que denota um Universo essencialmente plano em termos espaciais. O problema de Horizonte está relacionado ao fato de que o Universo em larga escala é praticamente homogêneo e isotrópico. Podemos simplificar isso em uma única afirmação: se o Universo é praticamente homogêneo e isotrópico, no passado, essas propriedades eram ainda mais intensas. Em termos observacionais, devido aos dados provenientes da Radiação Cósmica de Fundo (CMB), temos ciência de que distintas áreas do Universo exibem uma temperatura equivalente, apresentando variações da ordem de 1 em 100 mil, ou seja, as variações na temperatura da CMB estão na faixa de 0,001% de sua temperatura média [19]. Em outras palavras, quando observamos os dados da CMB, conseguimos notar que diversas regiões do cosmos possuem a mesma temperatura, porém, essas regiões não estão em contato para ocorrer o equilíbrio térmico. Como é possível que essas regiões do Universo possuam a mesma temperatura se não estavam em contato causal? Matematicamente podemos abordar esses questionamentos através do raio de Hubble. O raio de Hubble, também conhecido como “raio do Universo observável” ou “horizonte de Hubble”, é uma medida da distância máxima até a qual podemos observar objetos no Universo devido à expansão do espaço. Um exemplo conceitual para entender o raio de Hubble é imaginar um balão sendo inflado com pontos desenhados nele. Cada ponto representa uma galáxia no Universo em expansão. À medida que o balão é inflado, todos os pontos (galáxias) se afastam uns dos outros, como mostrado na Figura 1. Figura 1 Representação esquemática do raio de Hubble. Agora, imagine que você é um “observador” em um dos pontos e está acompanhando o afastamento dos outros pontos. À medida que o balão é inflado, você perceberá que os pontos mais distantes se afastam de você a velocidades maiores, até que, em algum momento, os pontos estão tão longe e se afastando tão rapidamente que a luz que eles emitem não consegue mais chegar até você, porque o espaço entre vocês está se expandindo mais rápido do que a luz pode percorrer. Esse limite, além do qual você não pode mais receber luz, representa o raio de Hubble e sua expressão matemática é dada por:(7)RH=cH0Inicialmente (t=i), o tamanho desse domínio foi menor pela razão dos fatores de escala correspondentes:(8)RH,i=RHaia0=cH0aia0 O próximo passo consiste em elaborar a região causal no Universo primordial (t = i). A região causal, no contexto da cosmologia, refere-se à parte do Universo em que eventos ou informações podem ter uma influência direta uns sobre os outros, devido à velocidade finita da propagação da luz. Em outras palavras, é a região dentro da qual um evento pode afetar outro devido à comunicação através de sinais e perturbações que viajam à velocidade da luz ou mais devagar. No contexto da Teoria da Relatividade, a região causal é delimitada pelo cone de luz de um evento específico. Esse cone de luz representa todas as direções em que a luz (ou qualquer outra influência física) pode se propagar a partir desse evento e alcançar outros pontos no espaço. Dentro do cone de luz, os eventos são “causalmente conectados”, o que significa que as informações podem ser trocadas entre eles, uma vez que essas informações podem viajar a velocidades limitadas [3, 4]. A sua expressão é dada por:(9)Rc=cHi Fazendo a razão entre o raio de Hubble e a região causal:(10)RH,iRc=a˙ia˙0Assim, a razão é da ordem de grandeza das taxas de expansão correspondentes e que a escala de homogeneidade e isotropia sempre foi maior que a escala de causalidade. O problema dos Monopolos Magnéticos não está ligado somente a cosmologia, mas sim a física de altas energias. O questionamento sobre a existência dos monopolos magnéticos é algo já antigo, que ficou mais evidente quando Maxwell unificou o eletromagnetismo e a seguinte equação entrou para história da humanidade:(11)∇⋅B=0 A busca por monopolos magnéticos ganhou força no século passado quando Paul Dirac demonstrou que a existência de monopolos é consistente com a teoria eletromagnética desde que as cargas elétricas sejam quantizadas, ou seja, só poderiam assumir valores discretos em múltiplos de uma carga elementar [20]. Conforme mencionado anteriormente, a ausência de monopolos magnéticos não é um desafio intrínseco à cosmologia, mas sim um aspecto ligado à física de altas energias. Para ser mais preciso, esse problema tem suas raízes em teorias de grande unificação. Por essa razão, o escopo deste trabalho não abordará essa questão específica. Para obter mais informações, recomenda-se consultar [21,22,23,24]. .

Posteriormente, na seção seguinte, delineamos as condições necessárias para a ocorrência da inflação cósmica, explorando os parâmetros que a descrevem de maneira precisa. A abordagem matemática apresentada na seção 5 5. O Mecanismo Inflacionário como Solução Como descrito na seção anterior, a inflação cósmica é definida justamente como uma expansão quase acelerada e a ideia central desse fenômeno é que a rápida expansão que ocorreu no início do Universo (tempo em que isso ocorreu) esticou a curvatura espacial de maneira uniforme e extremamente eficaz. Isso significa que qualquer curvatura inicial teria sido “esticada” a um ponto em que se tornaria praticamente indetectável em escalas cosmológicas. O Universo pareceria plano mesmo que tivesse começado com uma curvatura espacial ligeiramente diferente de zero. Uma analogia que frequentemente é usada para entender a ideia é a de um balão sendo inflado. Imagine que você tem um balão muito pequeno e infla-o rapidamente. Qualquer desenho ou marca na superfície do balão seria esticado e nivelado à medida que o balão se expande. Da mesma forma, a inflação cósmica “esticou” qualquer curvatura espacial inicial, tornando-a virtualmente imperceptível em escalas cósmicas maiores. Resolvendo assim, o problema de planura. Podemos visualizar essa solução em termos matemáticos usando a condição da equação 13 na equação 5:(22)Ω(i)−1Ω(0)−1=a˙0a˙i2=e2Hi(t0−ti) Supondo que o Universo antes da inflação é fortemente curvado (|Ω(i) − 1| = 1):(23)Ω(0)−1=e−2Hi(t0−ti) Note que o termo do lado direito decai rapidamente gerando um Universo atual praticamente plano. Além disso, devido ao fato de que o Universo se expandiu de maneira extremamente rápida e acelerada, temos que regiões que antes estavam em contato direto se afastaram muito mais rápido do que o esperado no cenário padrão do Big Bang. Como resultado, mesmo que essas regiões estejam agora muito distantes umas das outras, elas teriam tido tempo suficiente para trocar informações durante a fase inflacionária, estabelecendo uma maior uniformidade na distribuição da radiação cósmica de fundo e resolvendo assim, o problema de horizonte. Para visualizar isso matematicamente basta utilizar a condição da equação 13 na equação 10:(24)RH,iRc=a˙ia˙0=e−2Hi(t0−ti) Onde o lado direito decai rapidamente fazendo com que a escala de causalidade seja maior que o raio de Hubble. Ao examinarmos o lado direito da equação 23 e da equação 24, torna-se evidente que a solução para ambos os problemas está intrinsecamente ligada à quantidade Hi(t0 − ti), onde Hi fixa a escala de energia na qual a inflação ocorre e Δt = (t0 − ti) fixa a duração do período inflacionário. Além disso, é importante ressaltar que a escala de energia está diretamente vinculada ao modelo de inflação utilizado. No entanto, uma ampla gama de modelos inflacionários coincide com uma faixa entre 50 e 60 para essa quantia. Por exemplo, quando consideramos Hi(t0 − ti) = 60 obtemos que:(25)e−2(60)∝10−53Fazendo com que o lado direito das equações 23 e 24 decaia rapidamente, resolvendo tanto o problema de planura quanto o do horizonte. De forma geral, é suficiente considerar uma pequena região homogênea e isotrópica e permitir que a inflação ocorra por um tempo suficientemente longo para que ela seja capaz de transformá-la em uma região de amplo domínio de homogeneidade e isotropia, resolvendo tanto o problema da planura quanto o do horizonte. Agora que toda essa discussão sobre o problema de planura e de horizonte foi realizada, é interessante notar que alguns físicos contestam a relevância desses problemas e, em consequência, questionam a necessidade da inflação cósmica [29, 30]. Por exemplo, o questionamento sobre a planura pode não ser um obstáculo para a física, e sim uma característica fundamental do Universo que não precisa de uma solução. Ou seja, a planura não seria um problema físico e sim uma característica esteticamente interessante do Universo. Contudo, o mecanismo inflacionário consegue justificar essa característica estética considerando casos bem gerais. Como demonstrado na literatura, é possível partir de um campo não homogêneo ou considerar uma métrica não homogênea e ainda obter um Universo observável homogêneo em larga escala [31, 32]. Em consonância com as afirmações de Steven Weinberg sobre a equação 5: “Tal circunstância não constitui um paradoxo, uma vez que não existem fundamentos para que a curvatura do espaço-tempo não tenha sido infinitesimalmente reduzida. No entanto, trata-se do tipo de fenômeno que os estudiosos da física gostariam de esclarecer.” [33, p. 203 – tradução nossa]. Independente do fato de que o problema de planura e de horizonte tenha sido parte das motivações iniciais para a inflação cósmica, a teoria evoluiu ao longo do tempo e atualmente, a inflação é mais reconhecida por sua capacidade de explicar as flutuações primordiais. oferece uma compreensão clara de como o mecanismo inflacionário supera os desafios do problema de planura e de horizonte.

A Inflação, ao resolver os desafios propostos pelo problema do horizonte e da planura, evoluiu para além de suas motivações iniciais. Ao longo do tempo, destacouse por sua contribuição essencial na compreensão da origem das flutuações cósmicas e na geração de ondas gravitacionais primordiais, conforme discutido nas duas últimas seções deste trabalho.

No horizonte do futuro da cosmologia, experimentos inovadores estão prestes a redefinir o cenário científico. Destacam-se o LiteBIRD, uma missão espacial, e o Einstein Telescope, um observatório terrestre. Ambos programados para iniciar operações no final dessa década. Esses projetos prometem desempenhar papéis cruciais na investigação das ondas gravitacionais primordiais, elevando nossa compreensão da inflação cósmica e dos primórdios do Universo.

Agradecimentos

Agradecemos à Escola de Ciências e Tecnologia (ECT) e ao Departamento de Física Teórica e Experimental (DFTE) da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). Jeremias Bezerra agradece a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela bolsa de mestrado que tornou possível esta pesquisa.

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  • 1
    Note que aqui estamos nos referindo a curvatura da seção espacial do Universo, e não à curvatura do espaço-tempo.
  • 2
    Por exemplo: a existência de elementos leves no meio intergaláctico, produzidos durante a nucleossíntese primordial, fornece um limite inferior para a temperatura no Universo inicial. Para preservar a nucleossíntese primordial, a inflação deve iniciar e terminar suficientemente cedo, ficando assim, restrita a uma escala de energia especifica (T > 10MeV).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    31 Maio 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2023
  • Revisado
    12 Abr 2024
  • Aceito
    14 Abr 2024
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