Resumos
OBJETIVO:
Identificar os principais problemas de saúde, o perfil de utilização de medicamentos e os problemas relacionados aos medicamentos (PRMs) envolvidos no tratamento de idosos fragilizados da Zona da Mata Mineira.
MÉTODOS:
Foram avaliados prontuários de 260 idosos atendidos pelo Centro Mais Vida, Juiz de Fora-MG, entre agosto e setembro de 2010. As doenças foram agrupadas de acordo com a Classificação Internacional de Doenças - 10ª revisão, os medicamentos de acordo com o Anatomical Therapeutic Chemical Classification System e os PRMs de acordo com o Método Dáder.
RESULTADOS:
Observou-se que 73,8% dos idosos eram do sexo feminino e 42,7% possuíam entre 60 e 69 anos. Foram constatadas 1.300 doenças, sendo 31,07% do aparelho circulatório, 19,85% endócrinas, nutricionais e metabólicas e 13,46% do sistema osteomuscular e tecido conjuntivo. Dos 1.737 medicamentos, os mais prevalentes foram os do sistema cardiovascular (42,8%), seguidos pelos do trato alimentar e metabolismo (23,7%) e pelos do sistema nervoso (18,2%). Do total de medicamentos, 53,9% apresentaram algum PRM, sendo o PRM 1 (não utilização da medicação necessária) o mais frequente (37,4%).
CONCLUSÃO:
Os resultados evidenciam a necessidade da revisão dos esquemas terapêuticos dos idosos, visando o uso racional e efetivo dos medicamentos. Os dados apontam, ainda, a necessidade de aprofundar estudos de avaliação de riscos de PRM nessa população.
Avaliação de Medicamentos; Idoso Fragilizado; Polimedicação; Serviços de Saúde para Idosos
OBJECTIVE:
To identify major health problems, drug usage profile and drug-related problems (DRPs) involved in the treatment of frail elderly people of Zona da Mata of Minas Gerais state, Brazil.
METHODS:
The study assessed 260 medical records of elderly patients served by Centro Mais Vida, Juiz de Fora-MG, between August and September 2010. The diseases were grouped according to the International Classification of Diseases - 10th review, the drugs according to the Anatomical Therapeutic Chemical Classification System and the DRPs according to the Dáder method.
RESULTS:
It was observed that 73.8% of the elderly people were female and 42.7% were aged 60-69 years. We found 1,300 diseases, of which 31.07% were of circulatory system, 19.85% endocrine, nutritional and metabolic diseases and 13.46% of the musculoskeletal system and connective tissue. Among the 1,737 drugs, the ones of cardiovascular system (42.8%), followed by alimentary tract and metabolism (23.7%) and nervous system (18.2%) were the most prevalent. Among all drugs, 53.9% presented some DRPs, being DRP 1 (not using the drug needed) the most frequent (37.4%).
CONCLUSION:
The results highlight the need to review drug regimens of elderly patients, aiming to encourage rational and effective use of medicines. The data also show the need for more complete studies about the evaluation of DRP risks in the elderly population.
Drug Evaluation; Frail Elderly; Polypharmacy; Health Services for the Elderly
INTRODUÇÃO
O processo de envelhecimento é marcado por profundas mudanças no perfil de saúde e apresenta desafios para as mais variadas áreas do conhecimento. Em relação à saúde, dentre os inúmeros aspectos que devem ser explorados, inclui-se a farmacoterapia, visto que a população idosa é a faixa etária que mais consome medicamentos.11. Del Duca GF, Martinez AD, Bastos GAN. Perfil do idoso dependente de cuidado domiciliar em comunidades de baixo nível socioeconômico de Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Ciênc Saúde Coletiva 2012;17(5):1159-65. A terapia medicamentosa em idosos deve ganhar atenção e cuidado diferenciados, pois mudanças fisiológicas relacionadas ao envelhecimento - por exemplo, modificação da composição corporal, diminuição da produção do suco gástrico, menor quantidade de proteínas plasmáticas, teor de água total menor e redução das funções renal e hepática - podem alterar, de forma significativa, a farmacocinética e a farmacodinâmica de diversos fármacos. Esse fato faz com que indivíduos idosos estejam mais suscetíveis a efeitos adversos ou terapêuticos mais intensos pelo uso de medicamentos.22. Nobrega OT, Karnikowski MGO. A terapia medicamentosa no idoso: cuidados na medicação. Ciênc Saúde Coletiva 2005;10(2):309-13.
De acordo com a Linha Guia Saúde do Idoso, da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, idoso fragilizado é o indivíduo com 80 anos de idade ou mais, ou aquele com 60 anos de idade ou mais que seja incluído no mínimo em uma das seguintes condições: polipatologia, polimedicação, imobilidade parcial ou total, incontinência urinária ou fecal, instabilidade postural, incapacidade cognitiva, histórico de internações frequentes ou dependência nas atividades básicas de vida diária.33. Minas Gerais. Secretaria de Estado de Saúde. Resolução SES n. 1583 de 19 de setembro de 2008. Institui e estabelece as normas gerais do Programa Mais Vida - Rede de atenção à saúde do idoso de Minas Gerais, e dá outras providências. Belo Horizonte: SES; 2008. A definição de polimedicação é um importante indicador da qualidade de saúde dos idosos,44. Linjakumpu T, Hartikainen S, Klaukka T, Veijola J, Kivelä SL, Isoaho R. Use of medications and polypharmacy are increasing among the elderly. J Clin Epidemiol 2002;55(8):809-17. uma vez que a utilização de vários medicamentos, prescritos e/ou oriundos de automedicação, podem causar reações adversas e/ou interações medicamentosas.55. Sousa S, Pires A, Conceição C, Nascimento T, Grenha A, Braz L. Polimedicação em doentes idosos: adesão à terapêutica. Rev Port Clín Geral 2011;27(2):176-82. Entretanto, considerando a condição dos indivíduos idosos, marcada por comorbidades, em muitos casos a polimedicação é necessária.44. Linjakumpu T, Hartikainen S, Klaukka T, Veijola J, Kivelä SL, Isoaho R. Use of medications and polypharmacy are increasing among the elderly. J Clin Epidemiol 2002;55(8):809-17.
As ações de atenção primária em saúde são guiadas pelo farmacêutico, baseando-se no surgimento de um novo conceito chamado "atenção farmacêutica", cujos focos centrais são o paciente e o uso correto do medicamento, garantido e norteado pela supervisão desse profissional.66. Galato D, Alano GM, Trauthman SC, Vieira AC. A dispensação de medicamentos: uma reflexão sobre o processo para prevenção, identificação e resolução de problemas relacionados à farmacoterapia. RBCF, Rev Bras Ciênc Farm 2008;44(3):465-75. Um dos modelos de atenção farmacêutica comumente utilizado por pesquisadores e farmacêuticos em todo o mundo é o Método Dáder, elaborado no Segundo Consenso de Granada,7 7. Comité de Consenso. Segundo consenso de Granada sobre problemas relacionados con medicamentos. Ars Pharm 2002;43(3-4):179-87.o qual se baseia na classificação dos problemas relacionados aos medicamentos (PRMs). Os PRMs são relacionados a três grandes campos: necessidade de indicação, efetividade e segurança dos medicamentos.88. Serafim EOP, Del Vecchio A, Gomes J, Miranda A, Moreno AH, Loffredo LMC, et al. Qualidade dos medicamentos contendo dipirona encontrados nas residências de Araraquara e sua relação com a atenção farmacêutica. RBCF, Rev Bras Ciênc Farm 2007;43(1):127-35.
Diante do exposto, este estudo teve como objetivo identificar os principais problemas de saúde, traçar o perfil de utilização de medicamentos e identificar os PRMs envolvidos no tratamento de idosos fragilizados atendidos pelo Centro Mais Vida (CMV) da cidade de Juiz de Fora-MG.
METODOLOGIA
Foi realizado estudo observacional, descritivo e retrospectivo, com abordagem quantitativa, por meio da análise de prontuários farmacoterapêuticos de pacientes atendidos pelo Serviço de Atenção Farmacêutica do CMV da cidade de Juiz de Fora-MG. O CMV oferece atendimento especializado e apoio psicossocial aos pacientes da terceira idade com saúde fragilizada. No programa, o idoso fragilizado passa por uma avaliação funcional completa e multiprofissional - nas áreas de farmácia, serviço social, fisioterapia, psicologia, terapia ocupacional, nutrição, fonoaudiologia, enfermagem, medicina (geriatria e clínica geral) - para que possa envelhecer com qualidade de vida e autonomia.
A amostragem não foi definida seguindo critérios estatísticos. Foram considerados para este estudo todos os pacientes (n=260) atendidos durante um período aleatório (compreendido entre os dias 03 de agosto e 30 de setembro de 2010) que atendiam ao critério de inclusão: indivíduo com 80 anos de idade ou mais ou aquele com idade igual ou superior a 60 anos, considerados fragilizados pelo critério de polimedicação - uso concomitante de cinco ou mais medicamentos, de acordo com Lucchetti et al.99. Lucchetti G, Granero AL, Pires SL, Gorzoni ML. Fatores associados à polifarmácia em idosos institucionalizados. Rev Bras Geriatr Gerontol 2010;13(1):51-8. Foram considerados nessa classificação apenas os medicamentos prescritos por médicos, sendo excluídos os medicamentos de uso tópico, as formulações caseiras e os medicamentos utilizados por automedicação. Essas exclusões, pela impossibilidade do levantamento fidedigno, representam uma limitação para o estudo, uma vez que desconsideram a ocorrência de outras interações medicamentosas ou mesmo de PRMs.
Para cada paciente, foram avaliados os problemas de saúde, os medicamentos utilizados e os PRMs caracterizados pelo uso da medicação. Os dados foram obtidos nos prontuários farmacoterapêuticos de cada paciente e compilados em uma planilha do Microsoft Excel, a qual foi utilizada como objeto de estudo. As doenças verificadas foram agrupadas de acordo com a Classificação Internacional de Doenças, 10ª revisão (CID-10).1010. Organização Mundial da Saúde. Classificação estatística internacional de doenças e problemas relacionados à saúde. 10 revisão. São Paulo: Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças em Português; 1995. Os princípios ativos dos medicamentos foram classificados de acordo com o Anatomical Therapeutic Chemical Classification System (ATC), adotado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).1111. World Health Organization. Collaborating Centre for Drug Statistics Methodology. Guidelines for ATC classification and DDD assignment. Oslo: WHO; 1996. Essa classificação considera o grupo anatômico ou sistema em que o medicamento atua, além de suas propriedades químicas, terapêuticas e farmacológicas. Para identificar as substâncias mediante seus nomes comerciais, empregou-se o Dicionário de Especialidades Farmacêuticas (DEF) 2010/11.1212. Melo JMS. DEF 2010/11: Dicionário de Especialidades Farmacêuticas. 39 ed. Rio de Janeiro: EPUC; 2010. Os PRMs foram identificados pela equipe da Atenção Farmacêutica do CMV e classificados de acordo com o Método Dáder,77. Comité de Consenso. Segundo consenso de Granada sobre problemas relacionados con medicamentos. Ars Pharm 2002;43(3-4):179-87. conforme o quadro 1 Quadro 1 Classificação de problemas relacionados com medicamentos (PRMs), de acordo com o Método Dáder. Juiz de Fora-MG, 2010. Fonte: Comité de Consenso.7 . A discussão em torno dos medicamentos inapropriados aos idosos estudados foi baseada nos critérios estabelecidos por Beers et al.13 13. Beers MH, Baran RW, Frenia K. Drugs and the elderly, part 1: the problems facing managed care. Am J Manag Care 2000;6(12):1313-20.e atualizados por Fick et al.1414. Fick DM, Cooper JW, Wade WE, Waller JL, Maclean JR, Beers MH. Updating the Beers Criteria for potentially inappropriate medication use in older adults: results of a US consensus panel of experts. Arch Intern Med 2003;163(22):2716-24.
Classificação de problemas relacionados com medicamentos (PRMs), de acordo com o Método Dáder. Juiz de Fora-MG, 2010. Fonte: Comité de Consenso.77. Comité de Consenso. Segundo consenso de Granada sobre problemas relacionados con medicamentos. Ars Pharm 2002;43(3-4):179-87.
Foi realizada a análise estatística descritiva dos dados, com o auxílio do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 14.0, sendo expressos a média, o desvio-padrão (dp) e a frequência absoluta e relativa dos dados.
Os aspectos éticos da pesquisa com seres humanos foram observados. O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da Universidade Federal de Juiz de Fora, registrado sob nº 264/2010.
RESULTADOS
Durante o período estudado, foram atendidos 260 idosos fragilizados, assim considerados pelo critério de inclusão. No que se refere às características que compõem esta população, observou-se que 192 (73,8%) eram do sexo feminino e que a idade da população variou de 60 a 96 anos (média±dp=72±8 anos), sendo que 111 (42,7%) encontravam-se na faixa entre 60 e 69 anos. A distribuição etária está representada no gráfico 1.
Distribuição percentual, por faixa etária, dos pacientes idosos fragilizados atendidos no Centro Mais Vida. Juiz de Fora-MG, 2010.
Por meio da avaliação das fichas dos idosos, constatou-se a ocorrência de 1.300 doenças, das quais 404 (31,07%) foram classificadas como do aparelho circulatório, 258 (19,85%) como endócrinas, nutricionais e metabólicas e 175 (13,46%) como do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo. Estas e as demais apresentam-se na tabela 1, agrupadas de acordo com o CID-10.
Distribuição das doenças verificadas nas fichas dos pacientes idosos fragilizados atendidos no Centro Mais Vida, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças - 10ª revisão. Juiz de Fora-MG, 2010.
O número total de medicamentos utilizados pelos idosos polimedicados foi de 1.737. Pode-se observar na tabela 2 que 743 (42,8%) desses medicamentos pertenciam à classe do sistema cardiovascular. Segue-se a esta, aqueles do trato alimentar e metabolismo (n=412, 23,7%), e os do sistema nervoso (n=317, 18,2%). Os esquemas terapêuticos propostos para os idosos mostraram-se heterogêneos, dificultando agrupar os indivíduos com base na combinação das classes de medicamentos utilizadas. Ressalta-se, contudo, que 252 idosos (96,9%) utilizavam algum medicamento do sistema cardiovascular, 228 (87,7%) do trato alimentar e metabolismo e 176 (67,7%) do sistema nervoso. A soma do número de medicamentos dos três subgrupos mais utilizados corresponde a 1.472, representando 84,7% do total.
Distribuição dos medicamentos utilizados por idosos fragilizados (n=260), segundo classificação anatômica e terapêutica e número de idosos consumidores dos mesmos. Juiz de Fora-MG, 2010.
Os subgrupos terapêuticos da classe do sistema cardiovascular mais frequentemente utilizados foram os agentes que atuam no sistema renina-angiotensina, por 181 idosos (69,6%); os diuréticos, por 158 idosos (60,8%) e os agentes modificadores de lipídios, por 116 idosos (44,6%). Quanto aos fármacos com ação no trato alimentar e metabolismo, a maior parte era de suplementos minerais, utilizados por 155 idosos (59,6%); e em relação aos do sistema nervoso, destacaram-se os psicoanalépticos, utilizados por 126 (48,5%) idosos (tabela 2).
Considerando os subgrupos terapêuticos mais utilizados repetidamente pelos idosos, é interessante destacar que 44 dos 95 idosos (46,3%) utilizavam mais de um fármaco usado para o tratamento da diabetes; 25 dos 126 idosos (19,8%) usavam mais de um medicamento psicoanaléptico; e 14 dos 181 idosos (7,7%) utilizavam mais de um agente que atua no sistema renina-angiotensina.
Segundo a avaliação dos 1.737 medicamentos, observou-se que em 801 casos não havia nenhum PRM relacionado. Cada um dos demais 936 medicamentos (53,9%) foi associado a uma das seis categorias de PRM, de acordo com o gráfico 2 Gráfico 2 Distribuição dos problemas relacionados aos medicamentos encontrados entre os pacientes idosos fragilizados atendidos no Centro Mais Vida. Juiz de Fora-MG, 2010. . O PRM 1 foi o mais frequente, aparecendo em 350 (37,4%) casos. Dos 350 medicamentos que apresentaram PRM 1, 161 (46%) compreendiam fármacos do trato alimentar e metabolismo (77,7% de suplementos minerais, 17,4% de fármacos usados para diabetes e 4,9% de fármacos para distúrbios ácidos); seguidos por 63 (18,0%) de fármacos do sistema nervoso, 63 (18,0%) de fármacos do sistema vascular, 55 (15,7%) de fármacos do sistema hematopoiético, seis (1,7%) de preparações hormonais sistêmicas, excluindo hormônios sexuais e insulina, e dois (0,3%) fármacos do sistema musculoesquelético.
Distribuição dos problemas relacionados aos medicamentos encontrados entre os pacientes idosos fragilizados atendidos no Centro Mais Vida. Juiz de Fora-MG, 2010.
DISCUSSÃO
Ainda que existam outros critérios para classificar o idoso como fragilizado, no presente estudo utilizou-se a definição proposta pela Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais33. Minas Gerais. Secretaria de Estado de Saúde. Resolução SES n. 1583 de 19 de setembro de 2008. Institui e estabelece as normas gerais do Programa Mais Vida - Rede de atenção à saúde do idoso de Minas Gerais, e dá outras providências. Belo Horizonte: SES; 2008. e adotada pelo serviço de interesse (CMV).
A predominância do sexo feminino (73,8%) foi verificada, provavelmente, devido à maior busca por serviços de saúde entre mulheres, e também ao fenômeno de feminização do envelhecimento, o qual é decorrente da maior expectativa de vida da mulher no Brasil.1515. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Indicadores Sociodemográficos e de Saúde no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE; 2009. 152 p. Pinheiro et al.16 16. Pinheiro RS, Viacava F, Travassos C, Brito AS. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2002;7(4):687-707.constataram que a taxa de procura por serviços de saúde, entre a população com 65 anos ou mais, é maior entre mulheres do que entre homens; sugeriram, ainda, que as mulheres buscam mais serviços para a realização de exames de rotina e prevenção, enquanto os homens procuram serviços de saúde dominantemente por motivos de doença. É importante ressaltar que em muitos programas de promoção da saúde verificam-se fortes marcas da feminização, as quais podem tornar os homens menos frequentes e menos familiarizados com o espaço e a lógica de organização desses serviços.1717. Couto MT, Pinheiro TF, Valença O, Machin R, Silva GSN, Gomes R, et al. O homem na atenção primária à saúde: discutindo (in)visibilidade a partir da perspectiva de gênero. Interface (Botucatu) 2010;14(33):257-70. , 1818. Fochat RC, Horsth RBO, Vianna CLC, Raposo NRB, Vieira RCPA, Chicourel EL. Perfil sociodemográfico de idosos frágeis institucionalizados em Juiz de Fora - Minas Gerais. Rev APS 2012; 15(2):178-84.
Os riscos de adoecer aumentam à medida que a idade avança e, consequentemente, verifica-se maior utilização de medicamentos pela população mais idosa. O estudo de Fochat et al.1919. Fochat RC, Horsth RBO, Sette MS, Raposo NRB, Chicourel EL. Perfil de utilização de medicamentos por idosos frágeis institucionalizados na Zona da Mata Mineira, Brasil. Rev Cienc Farm Básica Apl 2012;33(3):447-54. confirma esta afirmação, já que a faixa etária de 80 anos ou mais foi a predominante (55,7%) em um estudo retrospectivo realizado com idosos institucionalizados também na Zona da Mata Mineira. Cabe destacar que 42,7% dos idosos deste estudo encontravam-se na faixa etária entre 60 e 69 anos, com idade média de 72±8 anos, o que demonstra uma tendência atual à polimedicação, e muitas vezes ao uso indiscriminado de medicamentos, já em indivíduos no início da terceira idade. Dentre os fatores que contribuem para o uso irracional e prejudicial de medicamentos, destacam-se as estratégias de propaganda, promoção e venda de medicamentos por parte das empresas farmacêuticas. Fiedler & Peres2020. Fiedler MM, Peres KG. Capacidade funcional e fatores associados em idosos do Sul do Brasil: um estudo de base populacional. Cad Saude Publica 2008;24(2):409-15. realizaram inquérito populacional sobre a capacidade funcional dos idosos em Joaçaba-SC, e verificaram que a maioria da população (57,9%) também pertencia a essa faixa etária.
Marin et al.2121. Marin MJS, Cecílio LCO, Perez AEWUF, Santella F, Silva CBA, Gonçalves Filho JR, et al. Caracterização do uso de medicamentos entre idosos de uma unidade do Programa Saúde da Família. Cad Saude Publica 2008;24(7):1545-55. avaliaram idosos residentes em uma cidade do interior paulista e constataram que as doenças mais frequentes eram as do sistema cardiovascular (44%), do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo (16,9%) e as doenças endócrinas, nutricionais e metabólicas (7,7%). Fochat et al.1919. Fochat RC, Horsth RBO, Sette MS, Raposo NRB, Chicourel EL. Perfil de utilização de medicamentos por idosos frágeis institucionalizados na Zona da Mata Mineira, Brasil. Rev Cienc Farm Básica Apl 2012;33(3):447-54. observaram a predominância das doenças do sistema cardiovascular (27%), seguidas pelas do sistema nervoso (20,5%) e dos olhos e anexos (12,2%), ao avaliarem 122 idosos fragilizados institucionalizados em Juiz de Fora-MG. Este estudo corrobora os trabalhos citados, uma vez que as doenças preponderantes foram aquelas do aparelho circulatório (31,07%).
Em 2000, no Brasil, 2.143 idosos residentes em São Paulo foram avaliados pelo programa Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (SABE), organizado pela Organização Pan-Americana da Saúde. Este verificou que as taxas de mortalidade por doenças cardiovasculares aumentavam conforme o avançar da idade; e ainda, que são estas as doenças que representam quase metade do total dos óbitos (47%) na população idosa.2222. Maia FOM, Duarte YAO, Lebrão ML. Análise dos óbitos em idosos no Estudo SABE. Rev Esc Enferm USP 2006;40(4):540-7. Segundo Marin et al.,21 21. Marin MJS, Cecílio LCO, Perez AEWUF, Santella F, Silva CBA, Gonçalves Filho JR, et al. Caracterização do uso de medicamentos entre idosos de uma unidade do Programa Saúde da Família. Cad Saude Publica 2008;24(7):1545-55.muitas dessas enfermidades, por serem crônicas, demandam alto custo na assistência à saúde, além de propiciarem o surgimento de complicações com grande interferência no grau de dependência e qualidade de vida das pessoas. Entre as pessoas idosas, é comum a ocorrência de mais de uma condição crônica simultânea, elevando o risco de complicações, de ocorrência de incapacidades e instalação de quadros de dependência, que, em última análise, comprometem a qualidade de vida tanto dos idosos quanto de seus familiares, além de representarem um desafio para as políticas públicas de saúde.2323. Oliveira SFD, Duarte YAO, Lebrão ML, Laurenti R. Demanda referida e auxílio recebido por idosos com declínio cognitivo no município de São Paulo. Saúde Soc 2007;16(1):81-9.
No presente estudo, os medicamentos mais utilizados foram aqueles do sistema cardiovascular (42,8%), seguidos pelos do trato alimentar e metabolismo (23,7%) e do sistema nervoso (18,2%). A predominância de medicamentos do sistema cardiovascular corrobora o estudo realizado por Galato et al.24 24. Galato D, Silva ES, Tiburcio LS. Estudo de utilização de medicamentos em idosos residentes em uma cidade do sul de Santa Catarina (Brasil): um olhar sobre a polimedicação. Ciênc Saúde Coletiva 2010;15(6):2899-905.com idosos residentes em uma cidade do sul de Santa Catarina e por Loyola Filho et al.2525. Loyola Filho AI, Uchoa E, Lima-Costa MF. Estudo epidemiológico de base populacional sobre uso de medicamentos entre idosos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica 2006;22(12):2657-67. com idosos da região metropolitana de Belo Horizonte-MG. No entanto, esses dois estudos encontraram, em seguida, medicamentos do sistema nervoso e do trato alimentar e metabolismo, sequência inversa à encontrada neste estudo.
Em relação aos subgrupos terapêuticos, Loyola Filho et al.25 25. Loyola Filho AI, Uchoa E, Lima-Costa MF. Estudo epidemiológico de base populacional sobre uso de medicamentos entre idosos na Região Metropolitana de Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saude Publica 2006;22(12):2657-67.verificaram que os diuréticos (14,7%), agentes sobre o sistema renina-angiotensina (12,6%) e bloqueadores dos canais de cálcio (7,3%) foram os medicamentos mais consumidos da classe do sistema cardiovascular (52%). Todavia, divergências na prevalência e na intensidade do uso de medicamentos, em relação ao presente estudo, podem ser reflexos das diferenças entre as populações quanto ao estado de saúde, utilização de serviços e modelo de atenção à saúde, além dos traços demográficos e culturais ligados ao consumo destes produtos.1919. Fochat RC, Horsth RBO, Sette MS, Raposo NRB, Chicourel EL. Perfil de utilização de medicamentos por idosos frágeis institucionalizados na Zona da Mata Mineira, Brasil. Rev Cienc Farm Básica Apl 2012;33(3):447-54.
A utilização de múltiplos fármacos pode ser necessária em muitas ocasiões, mas a polifarmacoterapia deve ser adequadamente supervisionada, uma vez que aumenta o risco de interações medicamentosas, efeitos adversos e redundância terapêutica, podendo resultar em iatrogenias, internações e gastos desnecessários.2626. Correr CJ, Pontarolo R, Ferreira LC, Baptistão SAM. Riscos de problemas relacionados com medicamentos em pacientes de uma instituição geriátrica. RBCF, Rev Bras Cienc Farm 2007;43(1):55-62. Possivelmente, os idosos representam o grupo etário mais medicalizado na sociedade, constatando-se, com frequência, o uso simultâneo de vários produtos farmacêuticos por essa população.1919. Fochat RC, Horsth RBO, Sette MS, Raposo NRB, Chicourel EL. Perfil de utilização de medicamentos por idosos frágeis institucionalizados na Zona da Mata Mineira, Brasil. Rev Cienc Farm Básica Apl 2012;33(3):447-54. , 2424. Galato D, Silva ES, Tiburcio LS. Estudo de utilização de medicamentos em idosos residentes em uma cidade do sul de Santa Catarina (Brasil): um olhar sobre a polimedicação. Ciênc Saúde Coletiva 2010;15(6):2899-905. Destaca-se, ainda, que alguns medicamentos são considerados potencialmente inadequados para pessoas acima dos 60 anos, devendo ser evitados por não serem efetivos e/ou por apresentarem risco desnecessariamente alto.2727. Fick DM, Mion LC, Beers MH, Waller J. Health outcomes associated with potentially inappropriate medication use in older adults. Res Nurs Health 2008;31(1):42-51. Rozenfeld et al.,2828. Rozenfeld S, Fonseca MJM, Acurcio FA. Drug utilization and polypharmacy among the elderly: a survey in Rio de Janeiro City, Brazil. Rev Panam Salud Publica 2008;23(1):34-43. ao analisarem idosos da cidade do Rio de Janeiro-RJ, verificaram que 10% dos medicamentos utilizados por esses indivíduos eram potencialmente inadequados, sendo que a maior parte destes possuía grau de severidade elevado. Esses resultados reforçam a existência de inadequações nos regimes medicamentosos dos idosos, as quais podem comprometer a eficácia do tratamento. Identificar esses medicamentos em prescrições destinadas a esses indivíduos, além de avaliar a complexidade do regime terapêutico quanto a sua qualidade, efetividade e segurança, constitui um desafio para os profissionais da área de saúde.
Foi verificado neste estudo que 53,9% do total de medicamentos estavam associados a algum PRM, sendo 37,4% relacionados ao PRM 1 e 27,7% relacionado ao PRM 5. O PRM 1 é constatado quando há a presença de um problema de saúde pela não utilização de uma medicação indicada. Destaca-se que esse tipo de PRM é o mais frequente na população estudada, mesmo esta sendo, pelos critérios de inclusão, uma população polimedicada. Esse fato resulta, provavelmente, de prescrições e esquemas terapêuticos inadequados. Nunes et al.2929. Nunes PHC, Pereira BMG, Nominato JCS, Albuquerque EM, Silva LFN, Castro IRS, et al. Intervenção farmacêutica e prevenção de eventos adversos. RBCF, Rev Bras Cienc Farm 2008;44(4):691-9. estudaram intervenções farmacêuticas realizadas no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia na busca da prevenção e/ou correção de problemas envolvendo medicamentos e constataram que o PRM 1 foi o principal PRM relacionado às intervenções. Correr et al.26 26. Correr CJ, Pontarolo R, Ferreira LC, Baptistão SAM. Riscos de problemas relacionados com medicamentos em pacientes de uma instituição geriátrica. RBCF, Rev Bras Cienc Farm 2007;43(1):55-62.verificaram que 90% dos riscos de PRMs avaliados estavam relacionados à segurança do tratamento (PRM 5 ou PRM 6). Dall'agnol et al.30 30. Dall'agnol RSA, Albring DV, Castro MS, Heineck I. Problemas relacionados com medicamentos em serviço de emergência de Hospital Universitário do Sul do Brasil. Estudo piloto. Acta Farm Bonaerense 2004;23(4):540-5.avaliaram pacientes atendidos pelo serviço de emergência de um hospital universitário da Região Sul do Brasil e encontraram 37,5% de casos de PRM, sendo destes 38,9% relacionados ao PRM 4. Esses autores observaram também que os PRMs foram mais frequentes em pacientes polimedicados e com 65 anos ou mais. Oliveira31 31. Oliveira MPF. Assistência farmacêutica a idosos institucionalizados do Distrito Federal [dissertação de Mestrado]. Brasília: Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília; 2008. avaliou pacientes de cinco instituições de longa permanência para idosos do Distrito Federal e identificou o PRM 2 em 54,6% dos casos e o PRM 1 em 53,3%. Apontou, assim, a urgente necessidade da inclusão do serviço de atenção farmacêutica nessas instituições para minimizar os problemas encontrados e melhorar a qualidade de vida dos idosos.
Os PRMs ocorrem com frequência e afetam negativamente a qualidade de vida dos pacientes, e considerados, atualmente, um problema de saúde pública.3030. Dall'agnol RSA, Albring DV, Castro MS, Heineck I. Problemas relacionados com medicamentos em serviço de emergência de Hospital Universitário do Sul do Brasil. Estudo piloto. Acta Farm Bonaerense 2004;23(4):540-5. As circunstâncias clínicas que podem gerar um PRM podem estar relacionadas ao próprio medicamento, paciente, prescritor, farmacêutico ou ao sistema de atenção em saúde.77. Comité de Consenso. Segundo consenso de Granada sobre problemas relacionados con medicamentos. Ars Pharm 2002;43(3-4):179-87. Essas causas podem ser controladas ou evitadas analisando-se o processo de uso dos medicamentos por meio de indicadores de qualidade e corrigindo os riscos significativos.2626. Correr CJ, Pontarolo R, Ferreira LC, Baptistão SAM. Riscos de problemas relacionados com medicamentos em pacientes de uma instituição geriátrica. RBCF, Rev Bras Cienc Farm 2007;43(1):55-62. O estímulo ao desenvolvimento de mecanismos de avaliação de processos que visem reduzir esses riscos pode ser feito por toda a equipe de saúde, aumentando a chance de resultados terapêuticos positivos e benefícios para os pacientes.
O fato de o presente estudo ter sido realizado com prontuários de idosos atendidos em um único centro de atenção à saúde, e em um período aleatório, representa uma limitação da pesquisa, visto que os resultados não representam a população geral de idosos fragilizados. Outra limitação diz respeito ao fato de o estudo não ter considerado medicamentos prescritos por outros médicos, que não aqueles do serviço do CMV, e medicamentos utilizados por automedicação, uma vez que tal exclusão desconsidera a ocorrência de possíveis interações medicamentosas ou PRMs.
Diante das questões discutidas, que dizem respeito à qualidade de vida da população idosa, estudos que abordem relevantes temáticas como as consideradas no presente trabalho são necessários para um maior aprofundamento e compreensão de ações que colaborem para a promoção da saúde dos idosos fragilizados.
CONCLUSÃO
Doenças do aparelho circulatório e medicamentos relacionados ao sistema cardiovascular foram os mais encontrados entre os idosos fragilizados da Zona da Mata Mineira, no período estudado. O PRM 1, seguido pelo PRM 5, foram os predominantes e evidenciaram, respectivamente, problemas pela falta da utilização da medicação necessária e por insegurança não quantitativa de um medicamento.
Espera-se que estes resultados reforcem a importância de pensar os medicamentos como possíveis causadores de problemas de saúde e sirva de alerta para profissionais da área sobre as inadequações da indicação e do uso de medicamentos por idosos. Evidencia-se a necessidade de ações de saúde pública, com vistas a estimular uma constante revisão dos esquemas terapêuticos administrados aos idosos, além do desenvolvimento de programas educativos para tornar a utilização de medicamentos mais racional, segura e eficaz.
AGRADECIMENTOS
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pela bolsa concedida, e a Rafael de Almeida Mesquita, pelo auxílio na coleta dos dados.
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31Oliveira MPF. Assistência farmacêutica a idosos institucionalizados do Distrito Federal [dissertação de Mestrado]. Brasília: Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília; 2008.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2013
Histórico
-
Recebido
09 Nov 2012 -
Revisado
08 Maio 2013 -
Aceito
09 Jul 2013