Resumo
Objetivo:
Avaliar o estresse oxidativo e as defesas antioxidantes não enzimáticas em cuidadores informais, comparando os dados obtidos com indivíduos não cuidadores, correlacionando ao grau de ansiedade, satisfação com a saúde e qualidade de vida.
Método:
Estudo analítico caso-controle, onde o caso é representado pelo cuidador informal principal e o controle é pareado por indivíduos com características idênticas ao caso, exceto pelo fato de não desempenhar o papel de cuidador informal. Instrumentos utilizados: questionário sociodemográfico, escala de ansiedade de Beck e WHOQOL-bref. O estresse oxidativo foi medido por meio do sangue, com marcadores Ferric Reducing Ability of Plasma (FRAP) e Thiobarbituric Acid Reactive Substances (TBARS).
Resultados:
O cuidador informal é representado em sua maioria por indivíduos do sexo feminino. Não houve diferença no grau de ansiedade entre os grupos caso e controle. Dentre os cuidadores informais, 9,4% disseram estar muito insatisfeitos e 53,1% insatisfeitos com sua saúde. Referente à qualidade de vida, a maioria dos cuidadores (43,8%) classificou como ruim e 12,5% como muito ruim, enquanto a maior parte dos controles a classificou como boa (68,8%). Os valores de TBARS e FRAP foram menores no grupo caso em relação ao grupo controle.
Conclusão:
O cuidador informal, em sua maioria mulheres, se definem insatisfeitos ou muito insatisfeitos com sua saúde. Apesar disso, não manifestaram grau de ansiedade maior em relação à população controle. Apresentaram grau de estresse oxidativo menor em relação aos participantes não cuidadores, talvez, devido a maior mobilização das defesas antioxidantes não enzimáticas presentes no organismo.
Palavras-chave:
Cuidadores; Estresse Oxidativo; Qualidade de Vida; Ansiedade
Abstract
Objective:
to evaluate oxidative stress and non-enzymatic antioxidant defenses in informal caregivers, and correlations with anxiety, health satisfaction and quality of life.
Method:
a case-control analytical study was performed, where the case was represented by the main informal caregiver and the control was paired with individuals with identical characteristics to the case, but who were not informal caregivers. The following instruments were used: a sociodemographic questionnaire, the Beck anxiety scale and the WHOQoL-Bref. Oxidative stress was measured through blood by analysis of the Ferric Reducing Ability of Plasma (FRAP) and Thiobarbituric Acid Reactive Substances (TBARS) markets.
Results:
most informal caregivers were females. There was no difference in the degree of anxiety between the Case and Control groups. Among informal caregivers, 9.4% said they were very dissatisfied and 53.1% dissatisfied with their health. Most caregivers (43.8%) rated their quality of life as poor and 12.5% as very poor, while most controls rated it as good (68.8%). The TBARS and FRAP values were lower in the Case group than in the Control group.
Conclusion:
The informal caregivers, who were mostly women, defined themselves as dissatisfied or very dissatisfied with their health. Nevertheless, they did not manifest a higher degree of anxiety in comparison with the control population. In addition, they presented a lower degree of oxidative stress than the non-caregiving participants, perhaps due to a greater mobilization of the non-enzymatic antioxidant defenses present in the body.
Keywords:
Caregivers; Oxidative Stress; Quality of Life; Anxiety
INTRODUÇÃO
Radicais livres são continuamente formados no organismo humano, como resultado do metabolismo aeróbico ou pela ação de sistemas enzimáticos como as NAD(P)H oxidases, catalases e óxido nítrico sintases. Essas substâncias, em pequenas concentrações, desempenham importantes papeis fisiológicos na sinalização intracelular e intercelular, na produção de hormônios.
Todavia, quando a produção de radicais livres excede a capacidade dos sistemas antioxidantes tem-se uma condição fisiopatológica denominada estresse oxidativo. Para que as concentrações dos radicais livres não se elevem demasiadamente, o organismo humano dispõe de sistemas antioxidantes enzimáticos e não enzimáticos capazes de eliminá-los11 Halliwell B. The antioxidant paradox. Lancet. 2000;355(9210):1179-80.
2 Engers VK, Behling CS, Frizzo MN. A influência do estresse oxidativo no processo de envelhecimento. Rev Contexto Saúde. 2011;11(20):93-102.
3 Sies H. Oxidative stress: a concept in redox biology and medicine. Redox Biol. 2015;4:180-3.-44 Poblete-Aro C, Russell-Guzmán J, Parra P, Soto-Muñoz M, Villegas-González B, Cofré-Bolados C, et al. Exercise and oxidative stress in type 2 diabetes mellitus. Rev Med Chil. 2018;146(3):362-72.. Esses mecanismos são importantes uma vez que radicais livres em excesso reagem com proteínas, lipídeos, carboidratos e DNA, levando a muitas doenças prevalentes no envelhecimento55 Barreiros ALBS, David JM, David JP. Estresse oxidativo: relação entre geração de espécies reativas e defesa do organismo. Quím Nova. 2006;29(1):113-23.. Os produtos gerados pela reação dos radicais livres com esses constituintes celulares, dentre os quais os lipoperóxidos, são considerados importantes biomarcadores do estresse oxidativo66 Wills E. Mechanism of lipid peroxide formation in animal tissues. Biochem J. 1966;99(3):667-76.. O balanço redox pode ser estimado também pela determinação da capacidade do plasma em reduzir o íon férrico, que reflete a ação das defesas antioxidantes não enzimáticas presentes nesse fluido biológico77 Benzie IFF, Strain JJ. The Ferric Reducing Ability of Plasma (FRAP) as a measure of ''Antioxidant Power'': the frap assay. Anal Biochem. 1996;239(11):70-6..
O estresse oxidativo pode ser agravado pela exposição a agentes ambientais, como a poluição e a fumaça do cigarro, que contém radicais livres, ou pelo consumo de álcool e drogas, que aumentam a produção endógena dessas substâncias88 Aseervatham GS, Sivasudha T, Jeyadevi R, Arul Ananth D. Environmental factors and unhealthy lifestyle influence oxidative stress in humans: an overview. Environ Sci Pollut Res Int. 2013;20(7):4356-69.,99 Golbidi S, Li H, Laher I. Oxidative stress: a unifying mechanism for cell damage induced by noise, (Water-Pipe) smoking, and emotional stress-therapeutic strategies targeting redox imbalance. Antioxid Redox Signal. 2018;28(9):741-59.. Indivíduos sedentários têm maior probabilidade de apresentar maior estresse oxidativo, uma vez que esses não desenvolvem adequadamente suas defesas antioxidantes44 Poblete-Aro C, Russell-Guzmán J, Parra P, Soto-Muñoz M, Villegas-González B, Cofré-Bolados C, et al. Exercise and oxidative stress in type 2 diabetes mellitus. Rev Med Chil. 2018;146(3):362-72.. O estresse oxidativo também é mais elevado em indivíduos submetidos ao estresse mental e a doenças psiquiátricas, embora a relação de causalidade entre essas condições fisiopatológicas ainda seja precariamente conhecida99 Golbidi S, Li H, Laher I. Oxidative stress: a unifying mechanism for cell damage induced by noise, (Water-Pipe) smoking, and emotional stress-therapeutic strategies targeting redox imbalance. Antioxid Redox Signal. 2018;28(9):741-59.. Assim, a mitigação do estresse oxidativo passa por uma dieta equilibrada, pela prática de atividade física, pela redução do consumo de álcool e tabaco, pela redução do estresse mental, além da melhoria das condições ambientais.
O cuidador informal, pelo fato de se dedicar de maneira exclusiva à outra pessoa, pode ter mudanças significativas em seu estilo e hábitos de vida. Assim, pode descuidar-se de sua dieta ou da prática diária de atividade física e, com isso, esses indivíduos podem apresentar maior grau de estresse oxidativo. Os cuidadores informais também podem apresentar grau mais elevado de estresse mental e de ansiedade. De fato, estima-se que cerca de 90% da população mundial pode ser afetada pelo estresse mental, que pode ser considerado o fator mais preocupante da idade moderna1010 Anjos KF, Boery RNSO, Pereira R. Qualidade de vida de cuidadores de idosos dependentes no domicílio. Texto Contexto Enferm. 2014;23(3):600-8..
Situações que ameaçam a segurança física e emocional do indivíduo, no curto e longo prazo, que envolvem sua reputação e autoestima, estão entre os fatores que mais desencadeiam situações de estresse1111 Barcaui A, Limongi-França AC. Estresse, enfrentamento e qualidade de vida: um estudo sobre gerentes brasileiros. Rev Adm Contemp. 2014;18(5):670-94.. Neste sentido, são úteis algumas escalas, como a escala de ansiedade de Beck1212 Leyfer OT, Ruberg JL, Woodruff-Borden J. Examination of the utility of the Beck Anxiety Inventory and its factors as a screener for anxiety disorders. J Anxiety Disord. 2006;20(4):444-58. e a escala de qualidade de vida da OMS (Organização Mundial de Saúde)1313 The World Health Organization Quality of Life Assessment (WHOQOL): position paper from the health organization. Soc Sci Med. 1995;41(10):1403-9. para investigação do estresse no cotidiano1414 Prudente COM, Ribeiro MFM, Porto CC. Qualidade de vida de cuidadores familiares de adultos com lesão medular: uma revisão sistemática. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(1):123-34..
Com o envelhecimento populacional, há uma tendência de aumento do número de idosos que dependam parcialmente ou totalmente de cuidados. É cada vez mais comum a necessidade que alguém assuma o papel de cuidador informal desses idosos, geralmente um familiar. Isso vem ocasionando mudanças ou redefinições dos papéis de um ou mais membros da família. Esses cuidadores assumem a responsabilidade do cuidar, na maioria das vezes sem preparo técnico, por até 24 horas por dia. Assim, o cuidador “abre mão na maior parte das vezes de seu cotidiano, abdicando principalmente de lazer e trabalho remunerado, o que muda significativamente sua dinâmica de vida e a dinâmica do convívio familiar”1414 Prudente COM, Ribeiro MFM, Porto CC. Qualidade de vida de cuidadores familiares de adultos com lesão medular: uma revisão sistemática. Ciênc Saúde Colet. 2017;22(1):123-34..
O ato de cuidar representa um desafio ao cuidador, pois acarreta desgaste e sobrecarga física e emocional, além de custos financeiros, somados aos riscos de adoecimentos mentais e físicos. Cuidar é um ato de servidão, pois o cuidador oferece o melhor de seus talentos ao outro1515 Queiroz RS, Camacho ACLF, Gurgel JL, Assis CRC, Santos LM, Santos MLSC. Perfil sociodemográfico e qualidade de vida de cuidadores de idosos com demência. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2018;21(2):210-9.. Cuidadores comumente manifestam cansaço extremo; fadiga geral; dores; esgotamento e sobrecarga física e emocional; perda de resistência; nervosismo; irritabilidade; ansiedade; insônia; depressão, entre outros sintomas. Isso indica que, na maioria das vezes, o ato de cuidar do outro implica no ato de descuidar de si próprio, o que impacta diretamente na qualidade de vida do cuidador1616 Flesch LD, Batistoni SST, Neri AL, Cachioni M. Psychological aspects of the quality of life of caregivers of the elderly: an integrative review. Geriatr Gerontol Aging. 2017;11(3):138-49.,1717 Ornstein K, Gaugler JE, Zahodne L, Stern Y. The heterogeneous course of depressive symptoms for the dementia caregiver. Int J Aging Hum Dev. 2014;78(2):133-48..
O cuidador informal é aquele que cuida de maneira voluntária, geralmente representado por um familiar, podendo também ser um amigo ou vizinho1818 Buyck JF, Ankri J, Dugravot A, Bonnaud S, Nabi H, Kivimäki M, et al. Informal caregiving and the risk for coronary heart disease: the Whitehall II Study. J Gerontol Ser A Biol Sci Med Sci. 2013;68(10):1316-23.. No Brasil, é mais comum a família assumir o papel de cuidar1919 Perkins M, Howard VJ, Wadley VG, Crowe M, Safford MM, Haley WE, et al. Caregiving strain and all-cause mortality: evidence from the Regards Study. J Gerontol Ser B Psychol Sci Soc Sci. 2013;68(4):504-12.. Cuidar de um familiar idoso é uma experiência subjetiva. Esse cuidado diário torna-se um desafio, onde, repentinamente e, muitas vezes, sem conhecimento e/ou suporte, esse familiar agora assume um novo papel, torna-se cuidador2020 Dátilo GMPA, Horiguela MLM. Idosos dependentes: o lugar do familiar cuidador. In: Bruns MAT, Del-Masso MCS, organizadoras. Envelhecimento humano: diferentes perspectivas. Campinas: Alínea; 2007. p. 143-66..
Nesse contexto, fica claro o surgimento de uma nova esfera a ser englobada pelos serviços de saúde: a assistência domiciliária. Isso porque as famílias precisam desempenhar cada vez mais o papel de prestadores de cuidado, no intuito tanto de manter o familiar doente ou o idoso no meio familiar quanto visando melhor gerir os recursos que, muitas vezes, são limitados e impedem a contratação de um profissional da área de prestação de cuidado2121 Góis DCB. Vivências subjetivas na arte de cuidar idosos no seio familiar: o impacto psicossocial na prestação de cuidado no bem-estar subjetivo dos cuidadores informais [dissertação]. Beja: Instituto Politécnico de Beja, Escola Superior de Educação; 2017. 207 p..
Nesse sentido, o objetivo do presente estudo foi avaliar o estresse oxidativo e as defesas antioxidantes não enzimáticas em cuidadores informais, comparando os dados obtidos com indivíduos não cuidadores, correlacionando ao grau de ansiedade, satisfação com a saúde e qualidade de vida.
MÉTODO
Trata-se de um estudo analítico caso-controle, onde o caso é representado pelo cuidador informal principal e o controle é pareado por indivíduo com características de sexo e idade idênticas ao caso, exceto pelo fato de que não desempenhe o papel de cuidador informal.
O estudo foi realizado em parceria com o Programa Interdisciplinar de Internação Domiciliar (PROIID) na cidade de Marília, estado de São Paulo, Brasil. Esse programa acompanha pacientes e familiares que, apesar de não necessitarem mais de cuidados intensivos intra-hospitalares, necessitam de cuidados e orientações para melhora de seu processo de saúde-doença, bem como restauração de sua integridade física, emocional e mental. O programa é uma parceria do Hospital de Clínicas e da Secretaria Municipal de Saúde.
Foram incluídos no estudo cuidadores informais que desempenhassem este papel de maneira integral há seis meses ou mais, denominados como “caso”. Esses cuidadores foram selecionados por meio de contato direto da pesquisadora principal com a enfermeira responsável do PROIID. Neste contato, foram identificados os usuários do programa que apresentavam dependência para o cuidado, com consequente necessidade de um cuidador informal, no período mínimo de 12 horas diárias, sendo esse denominado na literatura como cuidador principal. Estes foram selecionados após consulta à base de dados do PROIID. Para o controle foram selecionados pares que possuíssem as mesmas características, como idade e sexo, porém não desempenhassem o papel de cuidador atualmente ou há, no mínimo, um ano. O pareamento entre caso e controle realizado foi de um para um. Todos os sujeitos envolvidos no estudo eram maiores de 18 anos de idade.
Aos indivíduos que aceitaram participar da pesquisa foi indagado inicialmente a idade, se esses tinham diagnóstico de hipertensão arterial sistêmica, diabetes mellitus e dislipidemia, bem como se eram tabagistas ou etilistas. Foram excluídos de ambos os grupos os fumantes ativos e etilistas, devido à reconhecida influência desses fatores nos parâmetros de avaliação do estresse oxidativo utilizados. Os participantes da pesquisa foram orientados a não consumir alimentos embutidos e não fazer uso de bebida alcóolica nos três dias que antecedessem a coleta de sangue.
A coleta de dados ocorreu de julho a novembro de 2018, exclusivamente pela pesquisadora principal. Foram aplicados aos participantes a escala de ansiedade de Beck1212 Leyfer OT, Ruberg JL, Woodruff-Borden J. Examination of the utility of the Beck Anxiety Inventory and its factors as a screener for anxiety disorders. J Anxiety Disord. 2006;20(4):444-58. e os questionários de qualidade de vida World Health Organization Quality of Life Bref (WHOQOL-bref)1313 The World Health Organization Quality of Life Assessment (WHOQOL): position paper from the health organization. Soc Sci Med. 1995;41(10):1403-9..
A escala de ansiedade de Beck é composta por 21 questões de múltipla escolha e mensura o grau de ansiedade do indivíduo, podendo indicar níveis leves, moderados e até severos. Para isso, fornece uma pontuação que varia de 0 a 63, sendo que o grau de ansiedade é proporcional à pontuação1212 Leyfer OT, Ruberg JL, Woodruff-Borden J. Examination of the utility of the Beck Anxiety Inventory and its factors as a screener for anxiety disorders. J Anxiety Disord. 2006;20(4):444-58.. Por outro lado, o WHOQOL-bref é um instrumento validado pela OMS para medir qualidade de vida, dividido em domínios, sendo eles: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente2222 Kluthcovsky ACGC, Kluthcovsky FA. O WHOQOL-bref, um instrumento para avaliar qualidade de vida: uma revisão sistemática. Rev Psiquiatr Rio Gd Sul. 2009;31(3 Supl):1-12.. Ambos os instrumentos foram aplicados individualmente.
Em seguida, foram coletadas amostras de sangue dos participantes para obtenção de plasma. Essas coletas foram feitas no período da manhã, entre oito e dez horas. As amostras de sangue foram coletadas em tubo EDTA e levadas, sob refrigeração, ao laboratório de Farmacologia da Faculdade de Medicina de Marília (Famema), em tempo não superior a uma hora. No laboratório, as amostras foram centrifugadas por 10 minutos em temperatura de 4ºC, com rotação de 3000 rpm na centrífuga Hermle. Após a centrifugação, o plasma foi recolhido por meio de uma pipeta e transferido para outro tubo, no qual foi armazenado a -80ºC para posterior análise da concentração plasmática de lipoperóxidos por meio da técnica Thiobarbituric Acid Reactive Substances (TBARS)66 Wills E. Mechanism of lipid peroxide formation in animal tissues. Biochem J. 1966;99(3):667-76.. Nessas amostras também foi feita a determinação do poder do plasma em reduzir o íon férrico por meio da técnica Ferric-Reducing Ability of Plasma (FRAP)77 Benzie IFF, Strain JJ. The Ferric Reducing Ability of Plasma (FRAP) as a measure of ''Antioxidant Power'': the frap assay. Anal Biochem. 1996;239(11):70-6..
O cálculo do tamanho da amostra foi realizado no software G*Power, version 3.1.9.2 (Franz Faul, Universität Kiel, Germany), para analisar o estresse oxidativo em estudo de caso-controle por meio do Teste t student para amostras independentes.
A distribuição de normalidade dos dados foi verificada pelo Teste de Kolmogorov-smirnov. Para comparação entre dois grupos independentes foi realizado o Teste t student para amostras não pareadas ou pelo teste não paramétrico de Mann-Whitney. Para analisar a distribuição de frequência entre as categorias das variáveis qualitativas foi utilizado o Teste do Qui-quadrado para proporção. Para analisar a relação entre duas variáveis qualitativas foi realizado o Teste do Qui-quadrado para proporção. Para todas as análises foi utilizado o software SPSS versão 19.0 for windows, sendo adotado nível de significância de 5%.
O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Famema obtendo aprovação em 14 de dezembro de 2017 por meio do parecer nº 2.439.044. Os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) para participação nessa pesquisa, com cumprimento da Resolução CNS nº 466/2012.
RESULTADOS
Observou-se, inicialmente, que não há diferença significativa entre os grupos caso e controle em relação a distribuição das variáveis sexo, diabetes mellitus, dislipidemia, hipertensão arterial sistêmica, faixa etária e sedentarismo (Tabela 1).
O grupo dos cuidadores é constituído por familiares, sendo predominantemente do sexo feminino, sobretudo filhas e esposas (Tabela 2). Para cada participante inserido no grupo caso, havia um participante do mesmo sexo, não pertencente a mesma família, no grupo controle.
Os dados obtidos também mostram que não houve diferença estatística no grau de ansiedade entre indivíduos que desenvolvem a função de cuidador informal no comparativo aos que não desenvolvem. A maioria dos indivíduos inseridos no grupo caso quanto controle apresentaram grau mínimo de ansiedade. Quanto à satisfação com a saúde, nenhum indivíduo do grupo controle se manifestou como muito insatisfeito, enquanto 9,4% dos cuidadores informais fizeram essa constatação ao responder à questão específica relacionada à saúde no WHOQOL-bref. O dado alarmante nessa questão é que a maioria dos cuidadores, ou seja, 17 (53,1%) participantes estavam insatisfeitos com sua saúde. No que se refere à qualidade de vida, a maioria dos cuidadores (43,8%) classificou a sua qualidade de vida como ruim, enquanto a maior parte dos controles (68,8%) a classificou como boa (Tabela 3).
Os dados obtidos também mostraram diferenças entre os grupos em relação aos valores de TBARS. Constatou-se que os participantes inseridos no grupo caso apresentaram valores de TBARS menos elevados se comparados àqueles inseridos no grupo controle. Em contrapartida, os valores de FRAP foram menores no grupo caso, se comparados ao grupo controle (Tabela 4).
DISCUSSÃO
No presente estudo observou-se que a população inserida no grupo caso, por exercer o papel de cuidador informal é composta predominantemente por mulheres, sendo todas familiares do indivíduo a quem se presta o cuidado2323 Araujo JS, Vidal GM, Brito FN, Gonçalves DCA, Leite DKM, Dutra CDT, et al. Perfil dos cuidadores e as dificuldades enfrentadas no cuidado ao idoso, em Ananindeua, PA. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2013;16(1):149-58.,2424 Guedes C. Itinerários do cuidar em doenças falciformes e suas repercussões na vida de mulheres. Textos Contextos. 2016;15(2):370-81.. Esses dados estão em consonância com a literatura que aponta o fato de a mulher assumir predominantemente o papel de cuidadora no cenário mundial, reflexo de uma cultura enraizada na ideia de que cuidar faz parte do universo feminino2525 Moreira ACA, Silva MJ, Darder JJT, Coutinho JFV, Vasconcelos MIO, Marques MB. Effectiveness of an educational intervention on knowledge-attitude-practice of older adults' caregivers. Rev Bras Enferm. 2018;71(3):1055-62.. Deve-se considerar que o cuidador é o alvo principal da tensão familiar causada pelo estresse e pelo cansaço envolvidos no cuidado. Assim, devido ao aumento da expectativa de vida no mundo, as famílias devem estar bem preparadas, do ponto de vista social e econômico, para perceber e apoiar o papel do cuidador informal2626 Faleiros AH, Santos CA, Martins CR, Holanda RA, Souza NLSA, Araújo CLO. Os desafios do cuidar: revisão bibliográfica, sobrecargas e satisfações do cuidador de idosos. Janus. 2015;12(22):59-68.. Esses cuidadores, predominantemente mulheres, também são responsáveis pelo elo entre a equipe de saúde e o paciente2727 Nobre IDN, Lemos CS, Pardini ACG, Carvalho J, Salles ICD. Ansiedade, depressão e desesperança no cuidador familiar de pacientes com alterações neuropsicológicas. Acta Fisiátrica. 2015;22(4):160-5., sendo figura essencial no sucesso da assistência domiciliar.
Durante a coleta de dados, era comum os participantes cuidadores relatarem perturbação no padrão de sono, pois precisavam frequentemente acordar diversas vezes durante o período da noite para verificar as condições do indivíduo sob seus cuidados (dados não quantificados). Esses cuidadores se queixavam que isso lhes comprometia o desenvolvimento de suas atividades diárias. Outro problema é o sedentarismo, que foi elevado nos participantes inseridos tanto no grupo caso quanto no controle. Além disso, era queixa frequente entre os cuidadores informais a falta de lazer, por não terem com quem deixar o familiar dependente de cuidado durante o tempo despendido para este fim.
Outro fator bastante relevante, relacionado ao vínculo da mulher ao trabalho de cuidador informal, é o entendimento equivocado, por parte da sociedade em geral, de que o cuidar é da natureza feminina. Com efeito, o trabalho relacionado ao cuidado torna-se uma imposição às mulheres. Esse entendimento decorre da organização familiar histórica no Brasil e em outros países, em que se atribui à mulher todas as responsabilidades domésticas, incluindo nestas, o ato do cuidar de um ente necessitado de cuidado. Segundo Guedes2424 Guedes C. Itinerários do cuidar em doenças falciformes e suas repercussões na vida de mulheres. Textos Contextos. 2016;15(2):370-81., durante a vida produtiva as mulheres são mais suscetíveis a abrir mão de suas carreiras em prol dos cuidados, inclusive por conta da maternidade. Desta forma, muitas vezes, se aproveita dessa desinserção no mercado de trabalho para dar continuidade ao papel de cuidadora junto a algum familiar. Ademais, as leis trabalhistas vigentes no país, com jornadas inflexíveis e que não consideram a dupla jornada, dificultam a reinserção desses cuidadores no mercado de trabalho após o período dedicado ao cuidar, levando os mesmos ao desemprego.
Diversos instrumentos voltados à avaliação da qualidade de vida foram descritos e validados na literatura, sendo o WHOQOL-bref, utilizado no presente estudo, um dos principais. Nos dados coletados por esse instrumento pôde-se identificar pontuações menores no domínio psicológico e das relações interpessoais, o que é apontado pela literatura como uns dos principais ônus de se desempenhar o papel de cuidador informal. O ato de cuidar resulta em sobrecarga física, psicológica e social. Essa sobrecarga não decorre apenas do ato de cuidar, que já é importante, mas é agravada pelo fato de que o cuidador, em sua maioria mulheres, acumula funções extras relacionadas aos afazeres domésticos. Isso aumenta ainda mais a sobrecarga física e social do cuidador informal2828 Avelar TMT, Storch AS, Castro LA, Azevedo GVMM, Ferraz L, Lopes PF. Oxidative stress in the pathophysiology of metabolic syndrome: which mechanisms are involved? J Bras Patol Med Lab. 2015;51(4):231-9..
É digno de nota o fato de que cerca de 10% dos cuidadores pesquisados se diziam muito insatisfeitos em relação à sua saúde e mais da metade se dizia insatisfeito. Esses dados são reforçados por estudo anterior no qual foi detectada relação direta entre autoavaliação negativa de saúde com o aumento da sobrecarga imposta pelo ato de cuidar, bem como diminuição da felicidade percebida pelo cuidador2929 Lutomski JE, Baars MAE, Schalk BWM, Boter H, Buurman BM, den Elzen WPJ, et al. The development of the older persons and informal caregivers survey minimum DataSet (TOPICS-MDS): a large-scale data sharing initiative. PLoS ONE. 2013;8(12):e81673 [9 p.].. Outros autores também observaram associação entre autoavaliação de saúde e bem-estar2626 Faleiros AH, Santos CA, Martins CR, Holanda RA, Souza NLSA, Araújo CLO. Os desafios do cuidar: revisão bibliográfica, sobrecargas e satisfações do cuidador de idosos. Janus. 2015;12(22):59-68.,3030 Lethin C, Renom-Guiteras A, Zwakhalen S, Soto-Martin M, Saks K, Zabalegui A, et al. Psychological well-being over time among informal caregivers caring for persons with dementia living at home. Aging Ment Health. 2017;21(11):1138-46.. Segundo esses autores, saúde é um fator multidimensional e o bem-estar psicológico pode influenciá-la. Essa proposição fundamenta-se no conceito assumido pela OMS, de que saúde não envolve apenas a ausência de doença, mas é resultante da somatória do bem-estar físico, psicológico e social. Além disso, nesse estudo, a qualidade de vida relacionada à saúde foi associada a fator preditivo para aumento do bem-estar psicológico.
No que tange a autoavaliação de qualidade de vida em geral, destaca-se o fato de que 43,8% dos cuidadores avaliaram sua qualidade de vida como ruim e 12,5% desses, como muito ruim. Os fatores relacionados à sobrecarga de trabalho no cuidado e condições de saúde são os que afetam de maneira mais significativa a autoavaliação da qualidade de vida dos indivíduos cuidadores.
Quando avaliado o TBARS dos cuidadores informais, observou-se um panorama até certo ponto inesperado. Isso porque, não obstante declararem-se insatisfeitos com sua saúde e classificarem sua qualidade de vida como ruim, os cuidadores informais apresentaram valores de TBARS inferiores em relação aos observados no grupo controle. Como já foi mencionado, o TBARS é um parâmetro que indica o grau de estresse oxidativo, uma vez que quantifica os produtos finais de lipoperoxidação66 Wills E. Mechanism of lipid peroxide formation in animal tissues. Biochem J. 1966;99(3):667-76.. Dessa maneira, pode-se dizer que apesar das condições de vida e saúde às quais os cuidadores informais estão submetidos, eles apresentam menor grau de estresse oxidativo. Cabe reforçar, nesse sentido, que o estresse oxidativo crônico pode estar na gênese de diversas doenças crônico-degenerativas altamente prevalentes e, muitas vezes, graves22 Engers VK, Behling CS, Frizzo MN. A influência do estresse oxidativo no processo de envelhecimento. Rev Contexto Saúde. 2011;11(20):93-102.,88 Aseervatham GS, Sivasudha T, Jeyadevi R, Arul Ananth D. Environmental factors and unhealthy lifestyle influence oxidative stress in humans: an overview. Environ Sci Pollut Res Int. 2013;20(7):4356-69.. Com efeito, esses dados acabam sendo de certa forma tranquilizadores, pois sugerem que o risco de adoecimento nesses cuidadores pesquisados não está elevado pelo estresse oxidativo.
Esses dados, todavia, mostram a complexidade do equilíbrio oxidativo no ser humano e o desafio que é estudá-lo em uma condição tão dinâmica como no dia a dia do cuidador informal. Se por um lado o cuidador informal está insatisfeito com sua saúde e percebe que sua qualidade de vida não está adequada, por outro, ele pode estar menos exposto a diversos fatores que são altamente pró-oxidativos. Para ilustrar essa realidade, vale observar que os cuidadores informais também não apresentaram um grau de ansiedade maior em relação ao grupo controle. Isso não quer dizer, absolutamente, que as condições de vida de um cuidador informal são pouco insalubres, apenas adverte para a possível existência de outros fatores que podem mitigar o estresse oxidativo nesses indivíduos. Descobrir quais são esses fatores e como esses se relacionam com o equilíbrio oxidativo, é um desafio que emerge do presente estudo.
Vale pontuar, nesse sentido, que a diferença no grau de estresse observado entre os grupos caso e controle não deve estar relacionada à prevalência de diabetes mellitus, dislipidemia e hipertensão arterial sistêmica nos grupos. Isso porque, embora essas doenças tenham estreita relação com estresse oxidativo3131 Korsager LM, Matchkov VV. Hypertension and physical exercise: the role of oxidative stress. Medicina (Kaunas). 2016;52(1):19-27.,3232 Oguntibeju OO. Type 2 diabetes mellitus, oxidative stress and inflammation: examining the links. Int J Physiol Pathophysiol Pharmacol. 2019;11(3):45-63., não foram observadas diferenças na prevalência das mesmas entre os grupos caso e controle. Também não se observaram diferenças entre os grupos em relação à faixa etária e ao sedentarismo, fatores que conhecidamente também agravam o estresse oxidativo22 Engers VK, Behling CS, Frizzo MN. A influência do estresse oxidativo no processo de envelhecimento. Rev Contexto Saúde. 2011;11(20):93-102.,3131 Korsager LM, Matchkov VV. Hypertension and physical exercise: the role of oxidative stress. Medicina (Kaunas). 2016;52(1):19-27..
Como mencionado, o estresse oxidativo é resultado do desequilíbrio entre a produção de substâncias oxidantes e as defesas antioxidantes. Esse desequilíbrio pode resultar, por um lado, de uma excessiva produção de radicais livres e/ou de uma elevada captação desses a partir do meio ambiente, e, por outro, de uma menor capacidade de remoção dos mesmos pelas defesas antioxidantes presentes no organismo22 Engers VK, Behling CS, Frizzo MN. A influência do estresse oxidativo no processo de envelhecimento. Rev Contexto Saúde. 2011;11(20):93-102.. Assim, quando se avalia o estresse oxidativo, uma especial atenção deve ser dada às defesas antioxidantes do organismo. Nesse sentido, no presente estudo, avaliou-se também a capacidade das defesas antioxidantes não enzimáticas presentes no plasma dos indivíduos estudados, pela técnica do FRAP. Na verdade, a capacidade antioxidante mensurada pelo FRAP reflete a somatória das ações antioxidantes de diversos componentes dos fluidos biológicos, dentre os quais, o ácido úrico e ácido ascórbico, que exercem respectivamente cerca de 60% e 20% da capacidade antioxidante avaliada. Também influenciam o FRAP a presença de vitamina E, bilirrubinas e albumina77 Benzie IFF, Strain JJ. The Ferric Reducing Ability of Plasma (FRAP) as a measure of ''Antioxidant Power'': the frap assay. Anal Biochem. 1996;239(11):70-6.. Feitas essas considerações, evidencia-se a importância de uma dieta equilibrada para o adequado funcionamento dessas defesas antioxidantes presentes no plasma. Em relação aos cuidadores informais, é interessante observar que esses apresentaram valores reduzidos de FRAP em relação ao grupo controle. Isso é interessante, pois indica que, nesses indivíduos, a redução do estresse oxidativo, caracterizada pela redução dos valores de TBARS, pode ter ocorrido em função do maior consumo das defesas antioxidantes não enzimáticas mensuradas pelo FRAP. Todavia, o motivo dessa mobilização das defesas antioxidantes ser maior nos cuidadores informais, a ponto de talvez reduzir o grau de estresse oxidativo nesses indivíduos, permanece desconhecido.
CONCLUSÃO
Com base nos dados do presente estudo pode-se concluir que os cuidadores informais são predominantemente mulheres pertencentes ao círculo familiar do indivíduo sob cuidado. Isso se justifica pela cultura enraizada na ideia de que cuidar faz parte do universo feminino. Esses cuidadores, na maioria, se definem como insatisfeitos ou muito insatisfeitos com sua saúde e mais da metade desses avaliam sua qualidade de vida como ruim ou muito ruim. Apesar disso, esses cuidadores não manifestam grau de ansiedade maior em relação à população que não exerce tarefas relacionadas ao cuidado.
Por fim, os cuidadores informais apresentaram grau de estresse oxidativo menor em relação aos participantes não cuidadores, talvez, devido a maior mobilização das defesas antioxidantes não enzimáticas presentes no organismo. Esses dados sugerem que o risco de adoecimento entre esses cuidadores parece não estar elevado em função do estresse oxidativo. Isso não quer dizer que as condições de vida de um cuidador informal são pouco insalubres, apenas adverte para a possível existência de outros fatores que podem mitigar o estresse oxidativo nesses indivíduos.
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Financiamento da pesquisa:
Programa Demanda Social Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior (CAPES). Processo número: 1758470. -
Errata
No artigo de original “Estresse oxidativo em cuidadores informais”, publicado em Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, v. 22, n. 4, p. 110-119, 2019, DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562019022.190037, na página 110, o nome de uma autora do artigo está errado.Onde se lê: Gilsenir Prevelato de Oliveira Dátilo,leia-se: Gilsenir Maria Prevelato de Almeida Dátilo, de acordo com a seguinte ordem de autores:• Natália Ramos Imamura de Vasconcelos• Gilsenir Maria Prevelato de Almeida Dátilo• Agnaldo Bruno Chies• Eduardo Federighi Baisi Chagas• Thiago José Querino de Vasconcelos• Pedro Marco Karan Barbosa
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
25 Nov 2019 -
Data do Fascículo
2019
Histórico
-
Recebido
15 Mar 2019 -
Aceito
17 Set 2019