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CARTA AOS EDITORES

Evasão escolar

Patrícia Menezes Baptista; Maria Eloísa Famá D'Antino; José Salomão Schwartzman

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Sr. Editor,

O artigo de Tramontina et al1 apresenta como objetivo a associação entre retardo mental estimado e evasão escolar. Sua relevância está em refletir a situação educacional de nosso país. Segundo dados apresentados pelo MEC2 (Ministério da Educação), no ano de 2000, 3,2% dos alunos da primeira a quarta séries do Ensino Fundamental foram reprovados e 3,4%dos alunos matriculados abandonaram a escola. O MEC oferece dados estatísticos sobre o número de alunos reprovados, matriculados, evadidos, etc., mas não há estudos apresentando os motivos que determinaram o abandono escolar. Os autores desse artigo ressaltam a precariedade de pesquisas na área de educação, principalmente no que diz respeito à saúde e qualidade de vida dos alunos.

A escola, por ser uma instituição social que intervém no funcionamento cognitivo de seus sujeitos, busca também promover, desenvolver, avaliar e julgar o desempenho intelectual dos alunos.3 Apesar do artigo não se propor a discutir sobre o fracasso escolar, foi apresentado nos resultados, que a repetição constante de séries gera a evasão escolar. Além disso, considera as condições sociais, tais como: pobreza, gravidez na adolescência, relações familiares e violência como elementos que influenciam no índice de abandono escolar, acrescentando-se a esses fatores outro dado importante: a motivação dos educandos.

Crianças que pertencem a famílias que costumam ler e discutir em sua rotina, acabam sendo constantemente motivadas em seu ambiente e apresentam menor dificuldade na aprendizagem escolar.4 Por outro lado, crianças que não tem o privilégio dessa realidade; que mal dominam a linguagem; que não estão familiarizadas com a língua escrita; com jogos; terão maior dificuldade em sua escolarização4 e, também, na realização de determinados testes de inteligência.

O artigo sugere uma associação entre retardo mental e evasão escolar. A mensuração do nível intelectual das crianças foi avaliada pela escala de inteligência de Wechsler – terceira edição (WISC-III). Nessa escala, alguns dos subtestes têm seu desempenho estabelecido pelo conhecimento escolar, (aritmético, por exemplo), enquanto outros não necessitam da mesma condição. A amostra foi escolhida aleatoriamente, tendo como critérios básicos serem alunos de terceiras e quartas séries do ensino fundamental, e serem matriculados em escolas públicas do Estado de Porto Alegre. Da forma como está apresentado, não fica claro se os autores puderam controlar um possível "bias" medindo a falta de escolarização como indício de retardo mental, pois não foram esclarecidos quais subtestes foram utilizados e em quais deles as crianças apresentaram maior dificuldade para responder. Consonante com esta questão, está o fato de que alguns subtestes não foram realizados por falta de possibilidade de aplicá-los nas casas dos alunos.

Essa pesquisa é relevante para a área da educação, pois apresenta a realidade brasileira e propõe maior reflexão para educadores e escola. Alertando para a necessidade dos educadores estarem aptos para reconhecer dificuldades relacionadas às capacidades cognitivas de seus educandos.

Referências

1. Tramontina S, Martins S, Michalowski MB, Ketzer CR, Eizirik M, Biederman J, et al. Retardo mental estimado e evasão escolar em uma amostra de estudantes da rede estadual de Porto Alegre. Rev Bras Psiquiatr 2002;24(4):177-81.

2. Ministério da Educação. Disponível em http://www.mec.gov.br [Acesso: 8 jan 2003].

3. Oliveira MK. Sobre diferenças individuais e diferenças culturais: o lugar da abordagem histórico-cultural. In: Aquino JG, organizador. Erro e fracasso na escola: alternativas teóricas e práticas. São Paulo: Summus; 1997. p. 45-61.

4. Cordié A. Los retrasados no existen: psicoanálisis de niños con fracaso escolar. Buenos Aires: Nueva Visión; 2000.

Silzá Tramontina responde:

Silzá Tramontina

Departamento de Psiquiatria e Medicina Forense da Faculdade de Medicina do Rio Grande do Sul

Sr. Editor,

No artigo "Retardo Mental Estimado e evasão escolar em uma amostra de estudantes da rede estadual de Porto Alegre",1 tivemos como objetivo analisar a associação entre retardo mental e evasão escolar, uma vez que observamos na prática clínica a ausência de suspeita, pelos professores de nossos pacientes, de um possível diagnóstico de retardo mental, a não ser que estes apresentassem fenótipo característico. Crianças com dificuldade de aprendizagem e com reprovações em série eram normalmente diagnosticadas pelos professores como preguiçosas ou desinteressadas.

Nossa pesquisa mostrou que estas crianças, por não terem sua dificuldade cognitiva reconhecida, acabam perdendo a motivação, devido às sucessivas reprovações e, por conseqüência, evadem.

É importante ressaltar que não foram mensuradas causas sociais e pedagógicas para explicar a evasão escolar, pois esse não era nosso objeto de pesquisa e nem nossa área de atuação. Embora possíveis confundidores como idade, transtorno de conduta, repetência escolar, renda e estrutura familiar foram controlados.

No que tange à testagem psicológica, sabemos que é muito discutida a validade da medida de inteligência (quoeficiente de inteligência - QI) pela escala utilizada WISC III,2 bem como a utilização de pontos de corte derivados de estudos com amostras americanas, em populações brasileiras. Além disso, só utilizamos dois subtestes: vocabulário e cubos. Entretanto, esse ainda é o instrumento para avaliação de inteligência com uso mais corrente e com melhor avaliação de suas propriedades psicométricas. Para pesquisas populacionais demonstrou-se que o QI Total pode ser estimado a partir dos subtestes que utilizamos (média entre eles). Não avaliamos separadamente os subtestes utilizados, uma vez que esse não era o objetivo do nosso estudo.

Uma vez que controlamos os possíveis confundidores, inclusive a repetência, a falta de escolarização não pode ser entendida como um possível "bias", embora concordamos que o teste vocabulário pode ser influenciado pelo nível sócio-econômico, o mesmo não ocorre com os cubos, que é um teste não verbal e o que menos sofre esse tipo de influência. Além disso, os alunos foram avaliados imediatamente após a evasão (15 dias de faltas consecutivas sem motivo justificado), utilizando-se critério da Secretaria de Educação e da Promotoria da Criança e do Adolescente do Rio Grande do Sul.3

Informações adicionais sobre a pesquisa realizada poderão ser obtidas no artigo "School Droupout and Conduct Disorder in Brazilian Elementary School Students" dos mesmos autores publicado no Can J Psychiatry, vol 46,December 2001.

Referências

1. Tramontina S, Martins S, Michalowski MB, Ketzer CR, Eizirik M, Biederman J, Rohde LA. Retardo mental estimado e evasão escolar em uma amostra de estudantes da rede estadual de Porto Alegre. Rev Bras Psiquiatr 2002;24:177-81.

2. Wechsler D. WISC III/ Manual. New York: The Psycological corporation; 1991.

3. Tramontina S, Martins S, Michalowski MB, Ketzer CR, Eizirik M, Biederman J, Rohde LA. School droupout and conduct disorder in Brazilian elementary school students. Can J Psychiatry 2001;46:941-7.

Modelos animais em psiquiatria

Paula J. de Moura; José Salomão Schwartzman

Universidade Presbiteriana Mackenzie

Sr. Editor,

Flora Vaccarino1 da Yale University discute, no último periódico, o uso de modelos animais para o estudo de transtornos psiquiátricos. Vaccarino levanta exemplos de modelos animais desenvolvidos nos últimos anos, discutindo as implicações do conhecimento obtido a partir desses estudos. Ressalta as limitações impostas por tais modelos, apesar da similaridade genética existente entre os agentes biológicos de experimentação e os seres humanos. Cita ainda, a dificuldade encontrada em modelos dirigidos às alterações das funções cerebrais superiores, objetivo principal dos estudos em psiquiatria.

Ao discutir-se modelos animais para o avanço do conhecimento de mecanismos neuropsicopatológicos é imprescindível considerar os aspectos neuroetológicos. Um dos modelos citados no editorial é fruto da observação de alterações comportamentais observadas em camundongos knockout para o gene da oxitocina (OTKO), um neuropeptideo envolvido numa série de comportamentos sociais como maternagem e interações entre animais da mesma espécie, etc.2 Estudos com oxitocina propõem que uma das suas funções essenciais seria modular o reconhecimento do outro através da ativação do núcleo medial da amígdala, antes do encontro social. Os autores do estudo controlaram variáveis como a preservação do olfato, audição e memória espacial, e concluíram que o modelo revelava um prejuízo na memória de reconhecimento social (MRS). Baseado nesse prejuízo na sociabilidade esse modelo passa a ser utilizado para o estudo do autismo.

No camundongo, o reconhecimento social é avaliado pela redução no tempo gasto pelo animal residente na investigação de um outro animal colocado nesse ambiente (nomeado intruso). Para que esse efeito seja mensurado, o animal intruso deve ser colocado na gaiola do residente, retirado após cinco ou quinze minutos (dependendo do protocolo) e reapresentado num intervalo inferior a uma hora. Como os camundongos habitualmente reduzem o tempo de investigação do intruso na segunda apresentação, fato não observado nos camundongos OTKO, foi considerado que esse não lembraria que já havia sido "apresentado" ao intruso, interpretando-se a falha na MRS.

Um impasse advém dos trabalhos que procuram entender o comportamento afiliativo.3 Estudos mostram que animais adultos virgens com lesão de amígdala medial adotam um comportamento "maternal".4 A compreensão resultante é que a amígdala estaria envolvida na modulação do comportamento aversivo _ comportamento adaptado para a sobrevivência em grupos. Retomando o estudo citado por Vaccarino, cria-se uma interpretação alternativa, sendo que a não redução da investigação realizada pelo animal OTKO poderia ocorrer por um prejuízo na modulação do comportamento aversivo, bem distinto de uma falha do reconhecimento pelo outro. Fica evidente que a transposição desses achados para um transtorno psiquiátrico, no caso o autismo, conta com inúmeras limitações e implica em inúmeras perguntas. Os modelos animais estariam respondendo questões acerca do comportamento aversivo ou do déficit de memória social dos autistas? Considerando a evolução das espécies qual teria sido a evolução do comportamento aversivo? Seria esse comportamento um dos sintomas do autismo? O prejuízo da memória seria de qual natureza? Seria decorrente de uma impossibilidade de significar emocionalmente o outro? As respostas a esses e a muitos outros questionamentos só poderão ser obtidas com um aprimoramento da neuroetologia.

Referências

1. Vaccarino F. Modeling thought and feelings: the why, what and whereabouts of animals in psychiatry. Rev Bras Psiquiatr 2003;25(1):3-4.

2. Insel TR. A neurobiological basis of social attachment [Review]. Am J Psychiatry 1997;154(6):726-35.

3. Leckman JF, Herman AE. Maternal behavior and developmental psychopathology. Biol Psychiatry 2002;51(1):27-43.

4. Sheehan T, Paul M, Amaral E, Numan MJ, Numan M. Evidence that the medial amygdala projects to the anterior/ventromedial hypothalamic nuclei to inhibit maternal behavior in rats. Neuroscience 2001;106(2):341-56.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2003
  • Data do Fascículo
    Jun 2003
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