Acessibilidade / Reportar erro

Farmacoterapia sistêmica da dor neuropática

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor neuropática envolve etiologias, síndromes, mecanismos fisiopatológicos e sintomas clínicos diversos, assim como seu tratamento. No controle da dor neuropática os fármacos mais utilizados são os antidepressivos, anticonvulsivantes e opioides, e mesmo assim, apresentam eficácia moderada, com 50% do alívio da dor em menos de um terço dos pacientes. O objetivo deste estudo foi elaborar um protocolo orientador do tratamento farmacológico da dor neuropática e apresentar outros fármacos que também podem aliviar a dor neuropática.

CONTEÚDO:

Este trabalho avaliou os protocolos atualizados da Canadian Pain Society, da International Association for the Study of Pain, da European Federation of Neurological Societies e referências relevantes sendo desenvolvido um algoritmo para a farmacoterapia sistêmica da dor neuropática composto por medicações de primeira linha (antidepressivos tricíclicos, gabapentinoides e inibidores da receptação da serotonina e noradrenalina), fármacos de segunda linha (opioides fracos e fortes) e fármacos de terceira linha (inibidores seletivos da receptação da serotonina, inibidores da recaptação da dopamina e noradrenalina e outros anticonvulsivantes). Outros fármacos (anti-inflamatórios, corticosteróides e baclofeno) e farmacoterapia venosa (lidocaína e cetamina) utilizadas no controle da dor também foram abordados. As principais ações farmacológicas, titulação, interações e efeitos adversos relevantes dos fármacos indicados no estudo foram destacados.

CONCLUSÃO:

Idealmente, a triagem inicial do controle da dor deve ser com monoterapia. Se necessário, outros fármacos podem ser combinados a fim de atingir diferentes mecanismos fisiopatológicos e melhor controle da dor neuropática. O algoritmo deve ser orientador na condução da analgesia, o tratamento deve ser individualizado e, quando indicado, combinado com terapia tópica e outras abordagens não farmacológicas.

Descritores:
Anticonvulsivantes; Antidepressivos; Dor crônica; Manuseio da dor; Neuralgia; Opioides

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Neuropathic pain involves different etiologies, syndromes, pathophysiologic mechanisms and clinical symptoms, in addition to different treatment modalities. Most commonly used drugs to control neuropathic pain are antidepressants, anticonvulsants and opioids, and even so, they have moderate efficacy, with 50% pain relief in less than one third of patients. This study aimed at developing a guiding protocol for pharmacologic neuropathic pain management and also at introducing other drugs which may also relieve neuropathic pain.

CONTENTS:

This study has evaluated updated protocols of the Canadian Pain Society, the International Association for the Study of Pain, the European Federation of Neurological Societies and relevant references, being developed an algorithm for systemic drug therapy for neuropathic pain, made up of first line medications (tricyclic antidepressants, gabapentinoids and serotonin and norepinephrine reuptake inhibitors), second line medications (weak and strong opioids) and third line medications (selective serotonin reuptake inhibitors, dopamine and norepinephrine reuptake inhibitors and other anticonvulsants). Other drugs (anti-inflammatory, steroids and baclofen) and venous drug therapy (lidocaine and ketamine) used to control pain were also addressed. Major pharmacological actions, titration, interactions and relevant adverse effects of drugs indicated in the study were highlighted.

CONCLUSION:

Ideally, initial screening for pain control should be done with single therapy. If needed, other drugs may be combined to reach different pathophysiologic mechanisms and better neuropathic pain control. The algorithm should be a guide for analgesia, treatment should be tailored and, when indicated, combined with topic therapy and other non-pharmacological approaches.

Keywords:
Anticonvulsants; Antidepressants; Chronic pain; Neuralgia; Opioids; Pain management

INTRODUÇÃO

A dor neuropática (DN) é causada por lesão ou doença do sistema nervoso somatossensorial, seja central ou periférico11 IASP, Taxonomy Working Group. Classification of chronic pain. In: Descriptions of chronic pain syndromes and definitions of pain terms [WebPage]. 2nd ed. IASP, Taxonomy Working Group; 2011. Disponível em: http://www.iasp-pain.org/Taxonomy?navItemNumber=576#Neuropathicpa in Acesso em: 01 mar 2016.
http://www.iasp-pain.org/Taxonomy?navIte...
, formando um grupo heterogêneo de etiologias, mecanismos fisiopatológicos e sintomas clínicos. A gravidade da DN e seu impacto nas atividades de vida diária são muito variáveis, assim como a resposta ao seu tratamento. O diagnóstico e tratamento específico da doença de base (p. ex.: diabetes), avaliação das comorbidades clínicas e emocionais, em especial da ansiedade e depressão, são essenciais. Muitas vezes, o objetivo primário do tratamento é tornar a dor 'tolerável', pois o alívio total é uma meta difícil. Portanto, a melhora do sono, da funcionalidade e qualidade de vida (QV) são objetivos secundários relevantes. Os objetivos do tratamento devem ser partilhados com o paciente. A abordagem multidisciplinar, tratamentos tópicos e não farmacológicos, como fisioterapia e psicoterapia, devem ser aplicados em conjunto com a farmacoterapia sistêmica.

Os fármacos comumente prescritos para o alívio da DN (antidepressivos, anticonvulsivantes, opioides) apresentam eficácia moderada - 50% do alívio da dor em menos de um terço dos pacientes22 Eisenberg E, Suzan E. Drug combinations in the treatment of neuropathic pain. Curr Pain Headache Rep. 2014;18(12):463.. Alguns tratamentos apresentam melhores evidências que outros; outros propiciam alívio numa minoria de pacientes, porém significativo. Sem uma triagem terapêutica adequada não há como se prever o fármaco mais eficaz33 Mendlik MT, Uritsky TJ. Treatment of neuropathic pain. Curr Treat Options Neurol. 2015;17(12):50..

Este estudo está embasado em consensos e recomendações revisadas da Canadian Pain Society44 Moulin D, Boulanger A, Clark AJ, Clarke H, Dao T, Finley GA, et al. Pharmacological management of chronic neuropathic pain: revised consensus statement from the Canadian Pain Society. Pain Res Manag. 2014;19(6):328-35., do NeuPSIG IASP (Grupo de Especial Interesse em Dor Neuropática da International Association for the Study of Pain)55 Dworkin RH, O'Connor AB, Backonja M, Farrar JT, Finnerup NB, Jensen TS, et al. Pharmacologic management of neuropathic pain: evidence-based recommendations. Pain. 2007;132(3):237-51. e suas revisões atualizadas66 Dworkin RH, O'Connor AB, Audette J, Baron R, Gourlay, GK, Haanpää ML, et al. Recommendations for the pharmacological management of neuropathic pain: an overview and literature update. Mayo Clin Proc. 2010;85(3Suppl):S3-14.,77 Finnerup NB, Attal N, Haroutounian S, McNicol E, Baron R, Dworkin RH, et al. Pharmacotherapy for neuropathic pain in adults: systematic review, meta-analysis. Lancet Neurol. 2015;14(2):162-73., da European Federation of Neurological Societies Task Force88 Attal N, Cruccu G, Baron R, Haanpää M, Hansson P, Jensen TS, et al. EFNS guidelines on the pharmacological treatment of neuropathic pain: 2010 revision. Eur J Neurol. 2010;17(9):1113-e88., e em referências relevantes. Os canabinóides não estão liberados para uso como analgésico no Brasil e não foram incluídos neste estudo. A figura 1 apresenta o algoritmo da farmacoterapia sistêmica da DN, que poderá ser associado ao tratamento tópico quando indicado.

Figura 1
Algoritmo da farmacoterapia sistêmica da dor neuropática

Idealmente, a triagem inicial do tratamento é com monoterapia. Muitas destes fármacos nas doses indicadas causam efeitos adversos que, frequentemente, impedem que se alcance as doses necessárias para adequada analgesia. A combinação de dois ou mais fármacos é uma das estratégias terapêuticas atrativas e comuns na prática clínica. Recentes avanços na compreensão da fisiopatologia da DN sugerem que há diferentes mecanismos, tanto periféricos quanto centrais, indicando que a farmacoterapia combinada ou multimodal, direcionada a múltiplos mecanismos simultaneamente, podem propiciar melhor eficácia analgésica. Os efeitos sinérgicos entre os fármacos podem diminuir os efeitos adversos pela redução das doses dos fármacos combinados22 Eisenberg E, Suzan E. Drug combinations in the treatment of neuropathic pain. Curr Pain Headache Rep. 2014;18(12):463.

3 Mendlik MT, Uritsky TJ. Treatment of neuropathic pain. Curr Treat Options Neurol. 2015;17(12):50.
-44 Moulin D, Boulanger A, Clark AJ, Clarke H, Dao T, Finley GA, et al. Pharmacological management of chronic neuropathic pain: revised consensus statement from the Canadian Pain Society. Pain Res Manag. 2014;19(6):328-35.,99 Attal N, Bouhassira D. Pharmacotherapy of neuropathic pain: which drugs, which treatment algorithms? Pain. 2015;156(Suppl 1):S104-14..

ANTICONVULSIVANTES

Os anticonvulsivantes têm sido utilizados como analgésicos desde 1942 quando Bergouignan1010 Bergouignan M. Cures heureuses de neurologies essentielles par le dephenyl ydantoinate de sounde. Rev Laryngol Otol Rhinol. 1942;63:34-41. publicou o primeiro artigo sobre o uso da fenitoína no tratamento da neuralgia do trigêmeo. Mais tarde a carbamazepina e a hidantoína foram utilizadas para este fim. A partir da década de 1960 estudos se intensificaram sobre as características clínicas das dores neuropáticas (lancinantes e em choques) de diversas etiologias.

Novo panorama surge com os ligantes da subunidade alfa-2-delta dos canais de cálcio voltagem-dependentes pré-sinápticos que mostraram resultados positivos nas neuropatias pós-herpéticas, diabética e outras dores neuropáticas1111 Vargas-Espinosa ML, Sanmartí-García G, Vázquez-Delgado E, Gay-Escoda C. Antiepileptic drugs for the treatment of neuropathic pain: a systematic review. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2012;17(5):e786-93..

GABAPENTINÓIDES

Os gabapentinóides, pregabalina e gabapentina, atuam como ligantes à subunidade alfa-2-delta dos canais de cálcio voltagem-dependentes pré-sinápticos. Esses fármacos regulam a entrada de cálcio no neurônio pré-sináptico diminuindo a liberação de neurotransmissores excitatórios na fenda sináptica. Ambos são bem tolerados e têm poucas interações farmacológicas, pois não fazem metabolização hepática, são excretados via renal, necessitando de ajuste de dose em nefropatas. Os gabapentinóides têm sido empregados com sucesso na DN de várias doenças, na profilaxia da dor crônica após eventos agudos, e também diminuem o consumo de opioides no intraoperatório. São fármacos de primeira linha da farmacoterapia da DN.

Gabapentina

A gabapentina não apresenta farmacocinética linear devido à saturação na absorção, o que exige cuidado na titulação.

Titulação: iniciar com doses baixas e aumentar gradualmente, conforme o controle da dor, até 3600mg/dia, dividido em 3 tomadas diárias.

Pregabalina

A pregabalina apresenta farmacocinética linear, sendo a titulação mais fácil e rápida. A maioria dos pacientes consegue iniciar o tratamento com doses que já demonstram eficácia.

Titulação: 75mg duas a três vezes ao dia. Dose máxima de 600mg/dia.

Principais efeitos adversos dos gabapentinóides: sonolência, tontura, ganho de peso, vertigem, xerostomia e edema de membros inferiores.

Fenitoína

A fenitoína tem valor histórico por ter sido o primeiro fármaco utilizado no tratamento de DN. O surgimento de fármacos mais eficazes, com farmacocinética mais simples e interações farmacológicas menores deixaram a fenitoína como opção pouco atraente. Ainda é uma opção na neuralgia do trigêmeo quando há falha com carbamazepina.

Principais efeitos adversos: hiperplasia gengival, hisurtismo, polineuropatia e hepatotoxicidade.

Carbamazepina

A carbamazepina bloqueia os canais de sódio voltagem-dependentes, retarda a recuperação iônica após a ativação e suprime a atividade espontânea sem bloquear a condução normal. Também inibe a captação de noradrenalina. Sua principal indicação é na neuralgia do trigêmeo sendo considerado padrão ouro, e neste caso fármaco de primeira linha. Vários trabalhos mostraram resultados poucos expressivos no tratamento da neuropatia diabética dolorosa, neuralgia pós-herpética, síndrome de Guilian-Barre e outras dores neuropáticas.

Titulação: deve ser lenta podendo chegar a 1200mg/dia.

Principais efeitos adversos: sonolência, náuseas, vômitos, ataxia, diplopia, vertigens são comuns. Alterações hepáticas, leucopenia e eritema cutâneo são poucos frequentes.

Oxcarbazepina

A oxcarbazepina, desenvolvida a partir da carbamazepina, é um pró-fármaco rapidamente metabolizado a 10-mono-hidróxido que exerce função farmacológica. Por ser mais segura e eficaz que a carbamazepina figura como fármaco de primeira linha em muitos países, principalmente para neuralgia do trigêmeo e do glossofaríngeo.

Lamotrigina

A lamotrigina bloqueia os canais de sódio voltagem-dependente e inibe a liberação de glutamato e aspartato. Tem sido utilizada na neuralgia do trigêmeo refratária. É considerado fármaco de 3ª linha de tratamento.

Titulação: deve ser lenta. Iniciar com 25mg/dia e aumentar esta dose a cada 2 semanas, em uma a duas tomadas diárias. O efeito analgésico, em geral, é até 400mg/dia1212 Finnerup NB, Otto M, McQuay HJ, Jensen TS, Sindrup SH. Algorithm for neuropathic pain treatment: an evidence based proposal. Pain. 2005;118(3):289-305..

Principais efeitos adversos: eritema cutâneo que pode evoluir para síndrome de Stevens-Johnson em 10% dos pacientes.

Topiramato e ácido valpróico

Bons resultados para enxaquecas, mas até o momento, têm resultados conflitantes.

ANTIDEPRESSIVOS

A história dos antidepressivos na dor é similar à dos anticonvulsivantes. A partir de 1960 observou-se que a imipramina, um antidepressivo tricíclico, apresentava eficácia analgésica na DN e na dor reumática e que sua ação analgésica era independente da ação antidepressiva. A dose analgésica era menor que as dos transtornos do humor. Desde então tem sido muito utilizada na neuralgia pós-herpética e na polineuropatia diabética. Sua ação nos distúrbios de humor e nas alterações do sono tornaram os antidepressivos tricíclicos os fármacos mais prescritos para dor após os anti-inflamatórios e os opioides.

Antidepressivos tricíclicos (ADT)

A amitriptilina e a nortriptilina são os fármacos mais utilizados deste grupo. Eles bloqueiam a recaptação da serotonina e noradrenalina, a hiperalgesia induzida pelo agonista NMDA, e bloqueiam os canais de sódio.

Titulação: dose inicial de 10mg, com aumento gradual a cada 3-7 dias até a dose máxima de 150mg em tomada única noturna, preferencialmente.

Principais efeitos adversos: sonolência, tonteiras, hipotensão ortostática, bloqueio de condução cardíaca, retenção urinária, constipação, xerostomia, visão turva, ganho de peso e redução do limiar convulsivo. A titulação lenta, com doses baixas, amenizam esses efeitos.

Contraindicações: nas anormalidades de condução ventricular, retenção urinária, glaucoma de ângulo fechado e epilepsias não controladas.

Observação: risco de crise serotoninérgica com outros antidepressivos ou tramadol.

Inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSN)

Os IRSN ou antidepressivos duais, duloxetina e venlafaxina, em doses mais baixas agem predominantemente como os inibidores seletivos da receptação da serotonina (ISRS), em doses mais altas inibem também a receptação da noradrenalina. São fármacos de primeira linha de tratamento da DN.

Duloxetina

Apresenta boa evidência na dor por neuropatia diabética, neuralgia pós-herpética e também na dor musculoesquelética e fibromialgia.

Titulação: dose inicial de 30mg, com aumento semanal até 120mg/dia. Há poucas evidências de que doses maiores que 60mg sejam mais eficazes.

Principais efeitos adversos: náusea, sedação, constipação, xerostomia, diminuição do apetite, ansiedade, tonturas, fadiga, insônia, disfunção sexual, hiper-hidrose, hipertensão arterial e ataxia.

Contraindicação: glaucoma.

Observação: uso cauteloso em pacientes com história de convulsões, retenção urinária, usando anticoagulantes, antidepressivos ou tramadol.

Venlafaxina

A venlafaxina inibe a recaptação de serotonina e noradrenalina em porcentuais diferentes - 70 e 30%. Eficaz nas polineuropatias de diferentes origens, especialmente a diabética.

Titulação: dose inicial de 37,5mg, com aumento gradual, semanal, até 375mg/ dia, em uma a duas tomadas.

Observação: efeitos adversos e riscos similares a duloxetina. Com doses altas, a suspensão abrupta pode causar síndrome de abstinência.

Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS)

Deste grupo destacam-se a paroxetina e o citalopram que mostram certa eficácia no manuseio da DN, sendo a terceira linha de tratamento.

Bupropiona

A bupropiona é um inibidor específico da receptação da noradrenalina, inibidor fraco da receptação da dopamina e sem afinidade significativa pelos receptores muscarínicos, histaminérgicos e alfa-adrenérgicos. Seu perfil de efeitos adversos é mais bem tolerado pelos pacientes que têm dificuldades com o uso de antidepressivos tricíclicos ou ISRS.

Titulação: iniciar com 150mg uma vez ao dia. Após sete dias, se necessário, fazer duas tomadas diárias.

Principais efeitos adversos: boca seca, insônia, dor de cabeça, tremores, constipação e tonteiras.

OPIOIDES

Os opioides podem ser uma opção para pacientes com nenhum ou alívio parcial da DN com fármacos de 1ª linha (gabapentinóide / ADT/IRSN) em doses adequadas. Antes da prescrição é importante avaliar os diagnósticos diferenciais, comorbidades, história de uso de álcool e outras drogas e a análise dos riscos e benefícios, pois os opioides podem não ser adequados a todos os pacientes.

Os opioides têm efeitos adversos comuns: náusea, vômitos e sedação que desenvolvem tolerância, mas para a constipação não há tolerância, sendo prudente a associação de laxantes. O controle adequado dos efeitos adversos é fundamental para a adesão ao tratamento. A prescrição de opioides de ação prolongada e em horário fixo causam menos sensações psíquicas (sedação, euforia ou intoxicação), proporcionam analgesia mais estável, maior adesão ao tratamento e menor risco de adicção ou abuso1313 Chou R, Fanciullo GJ, Fine PG, Adler JA, Ballantyne JC, Davies P, et al. Clinical guidelines for the use of chronic opioid therapy in chronic noncancer pain. J Pain. 2009;10(2):113-30..

A morfina é um fármaco protótipo e o padrão de comparação para outros opioides. Os opioides compartilham um perfil farmacológico semelhante, mas se diferenciam na dose (potência analgésica relativa), farmacocinética (meia-vida de eliminação), biotransformação (metabólicos farmacologicamente ativos) e no mecanismo de ação (receptores opioides, receptores NMDA, vias serotoninérgicas e dopaminérgicas)1414 Vallejo R, Barkin RL, Wang VC. Pharmacology of opioids in the treatment of chronic pain syndromes. Pain Physician. 2011;14(4):E343-60.. Todos os opioides podem ser eficazes na DN, mas alguns, devido ao mecanismo de ação, apresentam melhor analgesia como o tramadol, metadona, oxicodona e buprenorfina1515 Smith HS. Opioids and neuropathic pain. Pain Physician. 2012;15(1):ES93-110..

Em algumas situações clínicas os opioides são considerados como fármacos de primeira linha para a DN: para alívio imediato da dor moderada a intensa durante a titulação dos outros fármacos, nas exacerbações episódicas de dor intensa, na DN aguda ou relacionada ao câncer.

Tramadol

O tramadol é um opioide sintético fraco, indicado para dores moderadas a intensas (2º degrau da Escada Analgésica da Organização Mundial de Saúde)1616 Hennemann-Krause L. Aspectos práticos da prescrição de analgésicos na dor do câncer. Rev HUPE. 2012;11(2):38-49.. Ele apresenta duplo mecanismo de ação: tem ação seletiva no receptor opioide mu, e inibe a recaptação da noradrenalina e serotonina, modulando as vias descendentes inibitórias monoaminérgicas.

Titulação: iniciar com 50mg uma a duas vezes ao dia e, se necessário, aumentar gradualmente 50 a 100mg a cada 3 a 7 dias até 400mg/dia. Há apresentações comerciais de liberação imediata ou prolongada. Doses maiores que 400mg/dia aumentam o risco de convulsões. Pacientes idosos e com insuficiência renal ou hepática tem maior risco de acúmulo do fármaco. A ação sinérgica do tramadol com outros analgésicos anti-inflamatórios, paracetamol e dipirona, favorece a diminuição da sua dose total.

Principais reações adversas: náusea, vômito, constipação, tonteiras e sonolência.

Interações farmacológicas importantes: inibidores da monoaminooxidase (IMAO) e fármacos moduladores da serotonina por risco de crise serotoninérgica e fármacos que diminuem o limiar convulsivo.

Metadona

A metadona é um opioide sintético forte, agonista dos receptores mu e delta, antagonista dos receptores NMDA e inibidor da receptação da serotonina e noradrenalina1515 Smith HS. Opioids and neuropathic pain. Pain Physician. 2012;15(1):ES93-110.. Isto justifica sua maior eficácia no alívio da DN e menor desenvolvimento de tolerância quando comparada à morfina. A metadona tem metabolização hepática cujos metabólitos inativos são eliminados via renal, tornando o fármaco indicado na insuficiência renal e nos pacientes em diálise. A metadona é lipofílica, tem meia-vida de eliminação longa e leva 5 a 7 dias para alcançar o estado de equilíbrio plasma-tecido. A metadona é menos sedativa que a morfina em doses adequadas à intensidade da dor.

Titulação: iniciar com 2,5mg a cada 12 horas. Ajustar a dose e/ou intervalo (8 a 12 horas) a cada 5-7 dias.

Principais reações adversas: similar aos outros opioides, sendo que antes de causar sedação e depressão respiratória, a metadona causa mais náuseas, vômitos e sonolência, o que pode ser visto como um bom aviso1616 Hennemann-Krause L. Aspectos práticos da prescrição de analgésicos na dor do câncer. Rev HUPE. 2012;11(2):38-49.. Risco de prolongamento da onda QT e arritmias em doses maiores que 200mg/dia.

Interações farmacológicas importantes: no uso combinado, os fármacos devem suas ter doses reajustadas: fluoxetina, serotoninérgicos, cimetidina aumentam os efeitos da metadona; carbamazepina, fenitoína, rifampicina, cetoconazol e inibidores da protease ritonavir e indinavir e nevirapina diminuem a eficácia da metadona; warfarina tem aumento do efeito anticoagulante; os antidepressivos tricíclicos têm efeitos anticolinérgicos aumentados.

Oxicodona

A oxicodona é um opioide semissintético potente com atividade nos receptores mu, delta e kappa. Seu metabolismo é hepático e a excreção renal, o que pode causar acúmulo do fármaco e seus metabólitos nos casos de insuficiência. As apresentações comerciais no Brasil são de comprimidos de liberação controlada que não podem ser quebrados ou partidos.

Titulação: iniciar com 10mg a cada 12 horas. Se indicado, aumentar semanalmente 10mg/dose até 20 a 60mg/dose.

Principais reações adversas: euforia, náusea, vômitos, sedação e constipação.

Observação: como outros opioides pode haver risco de adicção e tolerância.

Buprenorfina

É um opioide agonista parcial mu. Administrado por via sublingual (SL) ou transdérmica ultrapassa a primeira passagem hepática. A buprenorfina é muito lipofílica com grande afinidade e lenta dissociação do receptor opioide mu levando a uma analgesia de longa duração.

Titulação: comprimidos SL de 0,2mg a cada 8 horas. Depois de estabilizada a dose, fazer manutenção com adesivos transdérmicos trocados a cada sete dias. No rodízio de outros opioides, pode ser usada apresentação transdérmica na dose equipotente.

OUTROS FÁRMACOS

Analgésicos comuns e anti-inflamatórios não esteroides (AINES)

Estes fármacos não fazem parte do algoritmo do tratamento da DN, porém em levantamentos sobre dor na neuropatia diabética, na dor pós-herpética entre outras, mostram que muitos pacientes com DN leve usam AINES, dipirona e paracetamol com boa resposta. Dor e febre respondem com doses menores que a inflamação.

Titulação: a dose varia individualmente.

Principais efeitos adversos: doença renal, insuficiência cardíaca, doença gástrica ou sangramentos e hipertensão arterial.

Interações farmacológicas relevantes: anticoagulantes, antiplaquetários, corticosteróides, ciclosporina e metotrexato.

Corticosteóides

Os corticoides sistêmicos são indicados na dor neuropática aguda, especialmente na compressão mecânica por edema como nas intervenções cirúrgicas ou no crescimento tumoral. Aplicação de corticosteroide de ação prolongada por via peridural para dores radiculares é bastante comum.

Baclofeno

Baclofeno é um derivado sintético do neurotransmissor inibitório ácido gama-amino butírico (GABA), e é comumente utilizado no tratamento da espasticidade.

Titulação: iniciar com 5mg 2 a 3 vezes ao dia, aumentando a cada 3 dias até 90mg/dia.

FARMACOTERAPIA VENOSA1717 Mendlik MT, Uritsky TJ. Treatment of neuropathic pain. Curr Treat Options Neurol. 2015;17(12):50.

Lidocaína venosa

A lidocaína é um antiarrítmico da classe 1B que inibe os canais de sódio e potássio, o receptor NMDA e o transporte de glicina1818 Deng Y, Luo L, Hu Y, Fang K, Liu J. Clinical practice guidelines for the management of neuropathic pain: a systematic review. BMC Anesthesiol. 2016;16(12):12.. Seu efeito na migração granulocítica e nas citocinas pró-inflamatórias resultam em ação anti-inflamatória. A administração por via venosa (IV) tem sido eficaz na dor crônica, inclusive nas síndromes dolorosas neuropáticas.

Titulação: carga inicial de 1 a 2mg/kg IV em 15 a 20 min. Se houver melhora da dor, considerar a infusão continua de 1 a 3mg/kg/h. O nível plasmático terapêutico é de 2 a 6µg/mL, que deve ser analisado após 8-10 horas de infusão. Administrar com cautela nos pacientes com disfunção renal em infusões de longa duração (maior que 24 horas) e nos pacientes com insuficiência hepática ou cardíaca.

Contraindicações: hipersensibilidade a qualquer anestésico local tipo amina, nas síndromes de Adams-Stokes, Wolff-Parkinson-White e bloqueios cardíacos sinoatrial, atrioventricular ou intraventricular graves.

Interações farmacológicas relevantes: inibidores da CYP3A4 e CYP1A2, betabloqueadores e amiodarona aumentam a concentração sérica de lidocaína.

Principais efeitos adversos: são relacionados ao nível plasmático de lidocaína que podem ser cardíacos ou neurológicos. Variam desde dormência perioral e da língua até contrações musculares e crise convulsiva1919 Tikuišis R, Miliauskas P, Samalavičius NE, Žurauskas A, Samalavičius R, Zabulis V. Intravenous lidocaine for post-operative pain relief after hand-assisted laparoscopic colon surgery: a randomized, placebo-controlled clinical trial. Tech Coloproct. 2014;18(4):373-80..

Observações: a lidocaína tem sido utilizada na DN de várias etiologias, e na dor nociceptiva ou neuropática refratária aos opioides. Há evidências de eficácia na dor por lesão de nervo periférico, neuropatia diabética e pós-herpética, lesão medular, síndrome da dor regional complexa (SDRC), dor fantasma e na fibromialgia.

A estratégia com o uso de lidocaína IV na dor crônica é diminuir rapidamente a intensidade da dor, enquanto ajusta-se a dose do fármaco por via oral, podendo ser realizado por semana a meses.

Cetamina

A cetamina é um agente anestésico dissociativo não barbitúrico. Atua como antagonista do receptor NMDA tem atividade nos receptores opioides e inibe a recaptação de dopamina e serotonina. Em doses subanestésicas tem efeitos analgésicos e anti-hiperalgésicos.

Titulação: dose inicial de 0,1 a 0,5mg/kg/h até a dose máxima de 600-700mg em 24 horas. Quando a formulação venosa for feita via oral, a dose é de 10-25mg 3 a 4 vezes ao dia. A conversão da dose IV para VO é de 1:1. Devido ao seu metabolismo enteral o metabólito ativo, norcetamina, aumenta a potência analgésica.

Contraindicações relativas: gravidez e amamentação, história de doença psiquiátrica (transtorno bipolar, esquizofrenia e psicoses), hipertensão grave, bradicardia, taquicardia, doença coronariana, glaucoma, hipertensão intracraniana e trauma cerebral.

Observações: eficácia documentada na SDRC. Novos estudos estão sendo realizados em diversas doenças. A analgesia com dose única de cetamina IV dura cerca de 60 minutos e é dose relativa. Quando administrada por via oral a duração pode ser de até 6 horas. Pacientes em uso de opioides devem ter sua dose reduzida em 25 a 50% pela possível diminuição da tolerância ao opioide e consequente sobredose.

CONCLUSÃO

A farmacoterapia sistêmica é a abordagem mais comum do tratamento da dor neuropática. Antidepressivos, anticonvulsivantes e opioides e outros fármacos apresentam eficácia moderada e frequentemente o escalonamento das doses são limitadas pelos efeitos adversos. Uma triagem terapêutica, monoterapia ou combinada, deve buscar o tratamento mais adequado a cada caso. A reavaliação contínua deve focar tanto no controle da dor quanto na melhora da qualidade de vida do paciente.

  • Fontes de fomento: não há.

REFERENCES

  • 1
    IASP, Taxonomy Working Group. Classification of chronic pain. In: Descriptions of chronic pain syndromes and definitions of pain terms [WebPage]. 2nd ed. IASP, Taxonomy Working Group; 2011. Disponível em: http://www.iasp-pain.org/Taxonomy?navItemNumber=576#Neuropathicpa in Acesso em: 01 mar 2016.
    » http://www.iasp-pain.org/Taxonomy?navItemNumber=576#Neuropathicpa
  • 2
    Eisenberg E, Suzan E. Drug combinations in the treatment of neuropathic pain. Curr Pain Headache Rep. 2014;18(12):463.
  • 3
    Mendlik MT, Uritsky TJ. Treatment of neuropathic pain. Curr Treat Options Neurol. 2015;17(12):50.
  • 4
    Moulin D, Boulanger A, Clark AJ, Clarke H, Dao T, Finley GA, et al. Pharmacological management of chronic neuropathic pain: revised consensus statement from the Canadian Pain Society. Pain Res Manag. 2014;19(6):328-35.
  • 5
    Dworkin RH, O'Connor AB, Backonja M, Farrar JT, Finnerup NB, Jensen TS, et al. Pharmacologic management of neuropathic pain: evidence-based recommendations. Pain. 2007;132(3):237-51.
  • 6
    Dworkin RH, O'Connor AB, Audette J, Baron R, Gourlay, GK, Haanpää ML, et al. Recommendations for the pharmacological management of neuropathic pain: an overview and literature update. Mayo Clin Proc. 2010;85(3Suppl):S3-14.
  • 7
    Finnerup NB, Attal N, Haroutounian S, McNicol E, Baron R, Dworkin RH, et al. Pharmacotherapy for neuropathic pain in adults: systematic review, meta-analysis. Lancet Neurol. 2015;14(2):162-73.
  • 8
    Attal N, Cruccu G, Baron R, Haanpää M, Hansson P, Jensen TS, et al. EFNS guidelines on the pharmacological treatment of neuropathic pain: 2010 revision. Eur J Neurol. 2010;17(9):1113-e88.
  • 9
    Attal N, Bouhassira D. Pharmacotherapy of neuropathic pain: which drugs, which treatment algorithms? Pain. 2015;156(Suppl 1):S104-14.
  • 10
    Bergouignan M. Cures heureuses de neurologies essentielles par le dephenyl ydantoinate de sounde. Rev Laryngol Otol Rhinol. 1942;63:34-41.
  • 11
    Vargas-Espinosa ML, Sanmartí-García G, Vázquez-Delgado E, Gay-Escoda C. Antiepileptic drugs for the treatment of neuropathic pain: a systematic review. Med Oral Patol Oral Cir Bucal. 2012;17(5):e786-93.
  • 12
    Finnerup NB, Otto M, McQuay HJ, Jensen TS, Sindrup SH. Algorithm for neuropathic pain treatment: an evidence based proposal. Pain. 2005;118(3):289-305.
  • 13
    Chou R, Fanciullo GJ, Fine PG, Adler JA, Ballantyne JC, Davies P, et al. Clinical guidelines for the use of chronic opioid therapy in chronic noncancer pain. J Pain. 2009;10(2):113-30.
  • 14
    Vallejo R, Barkin RL, Wang VC. Pharmacology of opioids in the treatment of chronic pain syndromes. Pain Physician. 2011;14(4):E343-60.
  • 15
    Smith HS. Opioids and neuropathic pain. Pain Physician. 2012;15(1):ES93-110.
  • 16
    Hennemann-Krause L. Aspectos práticos da prescrição de analgésicos na dor do câncer. Rev HUPE. 2012;11(2):38-49.
  • 17
    Mendlik MT, Uritsky TJ. Treatment of neuropathic pain. Curr Treat Options Neurol. 2015;17(12):50.
  • 18
    Deng Y, Luo L, Hu Y, Fang K, Liu J. Clinical practice guidelines for the management of neuropathic pain: a systematic review. BMC Anesthesiol. 2016;16(12):12.
  • 19
    Tikuišis R, Miliauskas P, Samalavičius NE, Žurauskas A, Samalavičius R, Zabulis V. Intravenous lidocaine for post-operative pain relief after hand-assisted laparoscopic colon surgery: a randomized, placebo-controlled clinical trial. Tech Coloproct. 2014;18(4):373-80.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 cj 2, 04014-012 São Paulo SP Brasil, Tel.: (55 11) 5904 3959, Fax: (55 11) 5904 2881 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br