Acessibilidade / Reportar erro

Os mecanismos de othering no combate à corrupção política

Resumo

Este artigo analisa a corrupção como uma nova versão de othering. O objetivo é distinguir, com base em pesquisa teórica, a dimensão linguístico-discursiva da construção do outro corrupto, tendo em vista os interesses neoliberais de acumulação de capital. Primeiro é realizado um estudo sobre o conceito de othering, com base no referencial teórico central de Spivak (1985) e Said (1995), além de outros complementares, como a literatura que discute o latino-americanismo. Em seguida, são analisados os mecanismos e as versões do othering, como a missão humanitária, civilizatória, dos Direitos Humanos, da terra degradada e do desenvolvimento, a partir dos estudos de Backhouse (2013), Chimni (2003), Gonçalves (2017; 2015; 2012) e outros. Posteriormente, a corrupção é estudada enquanto nova versão de othering, com base em Bratsis (2014), Hindess (2005), dentre outros. Por fim, é analisada a operação Lava Jato enquanto experiência de othering na história política brasileira recente, com base nas pesquisas de Ramina (2020 e 2021), Proner (2019), Romano (2021), Koheler (2015), dentre outras autoras e autores latino-americanos.

Palavras-chave:
Corrupção; Othering; Neoliberalismo

Abstract

This article analyzes corruption as a new version of othering. Based on theoretical research, the objective is to investigate the linguistic-discursive dimension of constructing the corrupt other given the neoliberal interests of capital accumulation. First, a study is carried out on the concept of othering, based on the theoretical framework of Spivak (1985) and Said (1995), among others complementary, such as the literature that discusses Latin Americanism. Then, the mechanisms and versions of othering are analyzed, such as the humanitarian, civilizing, Human Rights, degraded land, and development mission, based on studies by Backhouse (2013), Chimni (2003), Costa and Gonçalves (2016; 2011) and Gonçalves (2017; 2015; 2012). Afterward, corruption is studied as a new version of othering, based on Bratsis (2014) and Hindess (2005), among others. Finally, the Lava Jato operation is analyzed as an othering experience in recent Brazilian political history, based on research by Ramina (2020 and 2021), Proner (2019), Romano (2021), Koheler (2015), in addition to other Latin American authors.

Keywords:
Corruption; Othering; Neoliberalism

Introdução

Não é de hoje que a temática da corrupção política do Estado vem ocupando espaço central nas discussões políticas, entre as organizações internacionais e nas pesquisas acadêmicas (BRATSIS, 2014BRATSIS, Peter. Political Corruption in the Age of Transnational Capitalism. Historical Materialism, Londres, v. 22, p. 105-128, 6 maio 2014. DOI https://doi.org/10.1163/1569206X-12341334. Disponível em: https://brill.com/view/journals/hima/22/1/article-p105_4.xml?ebody=article%20details. Acesso em: 6 de julho de 2021.
https://doi.org/10.1163/1569206X-1234133...
, 2006 e 2003; JOHNSTON, 2005JOHNSTON, Michel. Syndromes of Corruption:Wealth, Power, and Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.). Geralmente as análises sobre a corrupção limitam-se a relacioná-la à causa central dos problemas econômicos e sociais, notadamente nos países considerados em desenvolvimento (BRATSIS, 2014, p. 106; WEI, 1999WEI, Shang-Jin. Corruption in Economic Development: Beneficial Grease, Minor Annoyance, or Major Obstacle?. In: THE WORLD BANK. Policy Research Working Paper. [S. l.], 1999. Disponível em: https://ideas.repec.org/p/wbk/wbrwps/2048.html. Acesso em: 20 out. 2021.
https://ideas.repec.org/p/wbk/wbrwps/204...
, p. 25). Ao se imputar à corrupção de governos a culpa de todos os problemas econômicos, sociais e políticos nos países latino-americanos, especialmente dos governos mais voltados aos anseios sociais nacionais, ocultam as responsabilidades do sistema internacional assimétrico, bem como as injustiças provocadas pela expansão do capitalismo às periferias globais (ROMANO, 2020ROMANO, Silvina. Lawfare y neoliberalismo en América Latina: una aproximación. Sudamérica: Revista de Ciencias Sociales, Mar del Plata, n. 13, p. 14-40, dez. 2020, p. 22). Por isto, percebe Bratsis (2014BRATSIS, Peter. Political Corruption in the Age of Transnational Capitalism. Historical Materialism, Londres, v. 22, p. 105-128, 6 maio 2014. DOI https://doi.org/10.1163/1569206X-12341334. Disponível em: https://brill.com/view/journals/hima/22/1/article-p105_4.xml?ebody=article%20details. Acesso em: 6 de julho de 2021.
https://doi.org/10.1163/1569206X-1234133...
, p. 108) que a “internacionalização da questão da corrupção também funciona como a mais recente repetição do ponto de vista colonialista” (tradução minha)1 1 No original: “this internationalisation of the question of corruption also functions as the most recent repetition of the colonialist point of view”. . Também funciona como mais um “White Man’s Burden” (BRATSIS, 2014, p. 118), em que os países capitalistas centrais, através de suas organizações internacionais, precisam enfrentar a falta de probidade administrativa dos países periféricos com o aparente intuito idílico de desenvolver nestes Estados a democracia, bom uso dos bens públicos e o desenvolvimento.

Durante muito tempo, o problema da corrupção era uma preocupação fundamentalmente interna, de cada nação. Com o fim da Guerra Fria, o aprofundamento das políticas neoliberais e a pressão pela superação das barreiras nacionais à estratégia do capitalismo global, a corrupção política dos Estados passou a ser uma preocupação internacional (TANZI, 1998TANZI, Vito. Corruption Around the World: Causes, Consequences, Scope, and Cures. International Monetary Fund, [s. l.], v. 45, n. 4, p. 559-594, 1 maio 1998. Disponível em: https://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2016/12/30/Corruption#Around-the-World-Causes-Consequences-Scope-and-Cures-2583. Acesso em: 15 set. 2021.
https://www.imf.org/en/Publications/WP/I...
). Neste sentido, observa Miranda uma mudança de postura na literatura sobre a corrupção nas décadas de 1980 e 1990, onde o tema da reforma do Estado ganhou corpo devido ao apoio substantivo das agências multilaterais internacionais (MIRANDA, 2018MIRANDA, Luiz Fernando. Unificando os conceitos de corrupção: uma abordagem através da nova metodologia dos conceitos. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 25, p. 237-272, Jan. 2018. DOI 10.1590/0103-335220182507. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/VPBTRQmsPqT8KLqJJmcnqpn/abstract/?lang=pt. Acesso em: 24 nov. 2021.
https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/VPBTRQm...
, p. 241). Bukovansky (2006) examina detalhadamente o recente protagonismo dos agentes e representantes do capitalismo transnacional, como Usaid, Banco Mundial, The Open Society Institute, Nações Unidas, FMI e OCDE, no combate à corrupção política dos Estados em desenvolvimento. Neste mesmo período, em 1993, foi fundada a Transparência Internacional, importante organização internacional de combate à corrupção. Se anteriormente a corrupção era vista como uma graxa “necessária para fazer funcionar uma inevitável e ineficaz burocracia do Estado” (MIRANDA, 2018, p. 241), nesta nova conjuntura, autores como Lambsdorff (2007) passam a perceber a corrupção como um fator que restringe o espaço contratual disponível aos agentes e os impede de comprometerem-se com negociações honestas. Esta corrupção, classificada pela literatura como corrupção burocrática (JAIN, 2001JAIN, Arvind K. Corruption: A Review. Journal of Economic Surveys, Oxford, v. 15, n. 1, p. 71-121, fev 2001. DOI https://doi.org/10.1111/1467-6419.00133. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/1467-6419.00133. Acesso em: 15 Jan. 2023.
https://doi.org/10.1111/1467-6419.00133...
; BRATSIS, 2014BRATSIS, Peter. Political Corruption in the Age of Transnational Capitalism. Historical Materialism, Londres, v. 22, p. 105-128, 6 maio 2014. DOI https://doi.org/10.1163/1569206X-12341334. Disponível em: https://brill.com/view/journals/hima/22/1/article-p105_4.xml?ebody=article%20details. Acesso em: 6 de julho de 2021.
https://doi.org/10.1163/1569206X-1234133...
), é um empecilho à transparência nas transações e à imparcialidade dos agentes públicos. Conforme Bratsis (2014BRATSIS, Peter. Political Corruption in the Age of Transnational Capitalism. Historical Materialism, Londres, v. 22, p. 105-128, 6 maio 2014. DOI https://doi.org/10.1163/1569206X-12341334. Disponível em: https://brill.com/view/journals/hima/22/1/article-p105_4.xml?ebody=article%20details. Acesso em: 6 de julho de 2021.
https://doi.org/10.1163/1569206X-1234133...
, p. 111), “Transparency International, Exxon, Shell e o FMI não parecem particularmente preocupados com o papel dos interesses privados, especialmente os seus próprios, dentro do processo de formulação de políticas” (minha tradução)2 2 Em suas palavras: “Transparency International, Exxon, Shell, and the IMF do not seem particularly concerned about the role of private interests, especially their own, within the policy-making process and certainly are not out to challenge the influence of the economically powerful within politics.” . A preocupação é com a corrupção prejudicial à previsibilidade e à calculabilidade fundamentais para o desenvolvimento do setor privado, especialmente o transnacional.

Dentre os vários estudos sobre a corrupção política, poucos são os que investigam sua função e significado nas sociedades capitalistas numa análise crítica do Estado, investigando as construções especulativas em torno dela.3 3 Tal como Kaarl von Holdt (2019), que, em sua pesquisa sobre a economia política da corrupção da África do Sul, reconhece que "Corruption is a mechanism of class formation, rather than primarily a moral or criminal issue" (HOLDT, 2019, p. 03). Escassos são os estudos que pesquisam a militância das organizações internacionais de combate à corrupção política nos países não desenvolvidos, relacionando-a com os mecanismos de othering, tendo em vista os interesses do capital transnacional no atual contexto neoliberal. Este é o objetivo deste artigo. Inegavelmente, a corrupção causa impacto devastador, notadamente para a manutenção de políticas públicas sociais, impactando severamente as camadas sociais mais vulneráveis4 4 Só no Estado do Rio de Janeiro há uma variedade de escândalos de corrupção, envolvendo diferentes grupos políticos, em que seis ex-governadores já foram acusados pelo crime (até a edição deste texto). Só na saúde pública, de 2007 até 2020, esquemas de corrupção e fraude na gestão da Saúde desviaram pelo menos R$1,8 bilhão dos cofres públicos do Estado (COELHO; BRITO, 2020 / COELHO, Henrique; BRITO, Carlos. Esquemas de corrupção desviaram quase R$ 1,8 bilhão da Saúde do RJ desde 2007; valor supera gastos com a pandemia. G1 Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/09/29/esquemas-de-corrupcao-desviaram-quase-r-18-bilhao-da-saude-do-rj-desde-2007-valor-supera-gastos-com-a-pandemia.ghtml>. Acesso em: 30, dez 2022). Em plano nacional, o Presidente Bolsonaro e sua família negociaram 107 imóveis nas últimas três décadas, sendo 51 adquiridos total ou parcialmente com uso de dinheiro em espécie, segundo declarações dos próprios (HERDY; PIVA, 2022 / HERDY, Thiago; PIVA, Juliana Dal. Metade do patrimônio do clã Bolsonaro foi comprada em dinheiro vivo.UOL Política, 2022. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/08/30/patrimonio-familia-jair-bolsonaro-dinheiro-vivo.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso em: 30, dez 2022). No atual momento de transição do fim do governo Bolsonaro e início do novo governo Lula, discute-se como reverter R$ 20 bilhões das emendas do relator, conhecidas como orçamento secreto, usadas para compra de votos de parlamentares, declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal. . Sem dúvida, ela deve ser combatida. Por outro lado, é igualmente importante problematizar a atuação das organizações de combate à corrupção, especialmente as internacionais. Há algum paralelo entre a concomitante ascensão da teoria e políticas neoliberais com os programas anticorrupção das organizações internacionais? Por que a corrupção de repente entrou no centro das atenções depois de 1996? É possível perceber alguma relação com os mecanismos de othering?

Visando alcançar o objetivo de distinguir, com base em pesquisa teórica, a dimensão linguístico-discursiva da construção do outro corrupto, tendo em vista os interesses neoliberais de acumulação de capital, preliminarmente é feito um estudo sobre o conceito othering. Esta parte tem como base teórica central Spivak (1985) e Said (1995SAID, E. Orientalism. London: Penguin Books, 1995.), além de outros complementares, todos voltados à análise de othering, como a literatura que discute o latino-americanismo (MENDIETA, 2005MENDIETA, Eduardo. Re-mapping Latin American studies: postcolonialism, subaltern studies, post-occi#dentalism and globalization theory. American Journal of Cultural Histories and Theories. vol. 25, n. 52, 2005. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/41491795>. Acesso em: 19 Jan 2023.
https://www.jstor.org/stable/41491795...
; CORONIL, 1996CORONIL, Fernando. Beyond Occidentalism: Toward Nonimperial Geohistorical Categories. Cultural Anthropology 11, No. 1:52-87. 1996.; MIGNOLO, 2003; CASTRO-GÓMEZ, 1996CASTRO-GÓMEZ, Santiago. Crítica de la razón latinoamericana. Barcelona: Puvill Libros, S.A. 1996.; CAMAYD-FREIXAS, 2013CAMAYD-FREIXAS, Erik (ed.): Orientalism and Identity in Latin America. Fashioning Self and other from the (Post) Colonial Margin. Tucson: The University of Arizona Press, 2013.; LÓPEZ-CALVO, 2012LÓPEZ-CALVO, Ignacio. Peripheral Transmodernities: South-to-South Intercultural Dialogues Between the Luso-Hispanic World and “the Orient”. New Castle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2012.; NAGY-ZEKMI, 2008NAGY-ZEKMI, S. Buscando el este en el oeste: prácticas orientalistas en la literatura latinoamericana. In: Nagy-Zekmi, S. ed. Moros en la costa: Orientalismo en Latinoamérica. Frankfurt a. M., Madrid: Vervuert Verlagsgesellschaft, 2008. Doi: https://doi.org/10.31819/9783964566065-002. Disponível em: <https://www.degruyter.com/document/doi/10.31819/9783964566065-002/html#Harvard>. Acesso em: 19 Jan. 2023.
https://doi.org/10.31819/9783964566065-0...
; CIVANTOS, 2013CIVANTOS, Christina. Orientalism Criollo Style: Sarmiento’s ‘Orient’ and the Formation of an Argentine Identity. Em: Camayd-Freixas, Erik (ed.): Orientalism and Identity in Latin America. Fashioning Self and Other from the (Post) Colonial Margin. Tucson: The University of Arizona Press, 2013.; RAMOS, 2012RAMOS, Alcinda Rita. Indigenismo, um orientalismo americano. Anuário Antropológico [Online], v.37 n.1 | 2012, posto online no dia 01 outubro 2013. DOI: <https://doi.org/10.4000/aa.268> Disponível em: <http://journals.openedition.org/aa/268>; Visto em: 20 de Jan. 2023.
https://doi.org/10.4000/aa.268...
). Em seguida, são estudados os mecanismos de othering e suas versões, como a missão humanitária ou civilizatória, dos Direitos Humanos, da terra degradada e do desenvolvimento. Os referenciais teóricos deste momento são Anghie (2005ANGHIE, Antony. Imperialism, Sovereignty and the Making of International Law. Cambridge: University Press. 2005.), Backhouse (2013), Chimni (2003CHIMNI, Bhupinder. Post-conflict Peace Building and the Repatriation and Return of Refugees: Concepts Practices and Institutions. In Edward Newman and Joanne van Selm (org), Refugees and Forced Displacement: International Security, Human Vulnerability, and the State. United Nations University Press, 2003.) e Gonçalves (2017; 2015; 2012). Com estes pressupostos, analiso o processo de othering pelo discurso anticorrupção, isto é, a formação do outro corrupto e os seus desdobramentos, como o discurso do desenvolvimento, da boa governança e a apresentação da agenda neoliberal5 5 Genericamente e de forma breve, o neoliberalismo relaciona-se à variedade de projetos governamentais voltados à privatização de instituições do setor público, com o intuito de incorporar este espaço que estava fora dos circuitos do capital, expandir a esfera de competição, aquecer o mercado e promover o individualismo e competição no lugar da provisão pública. como solução. Aqui, o estudo tem como referencial teórico as análises de Bratsis (2014BRATSIS, Peter. Political Corruption in the Age of Transnational Capitalism. Historical Materialism, Londres, v. 22, p. 105-128, 6 maio 2014. DOI https://doi.org/10.1163/1569206X-12341334. Disponível em: https://brill.com/view/journals/hima/22/1/article-p105_4.xml?ebody=article%20details. Acesso em: 6 de julho de 2021.
https://doi.org/10.1163/1569206X-1234133...
), Dowbor (2012DOWBOR, Ladislau. Os descaminhos do dinheiro: a compra das eleições. Dowbor.org, 2012. Disponível em: <https://dowbor.org/2012/10/os-descaminhos-do-dinheiro-a-compra-das-eleicoes-parte-i-outubro-2012-5p.html>. Acesso em 02 Jan 2023.
https://dowbor.org/2012/10/os-descaminho...
) e Hindess (2005HINDESS, Barry. Investigating International Anti-corruption. Third World Quarterly, [s. l.], v. 28, p. 1389-1398, 2005. DOI https://doi.org/10.1080/01436590500336864. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01436590500336864?journalCode=ctwq20. Acesso em: 22 jun. 2021.
https://doi.org/10.1080/0143659050033686...
). Antes das considerações finais, é analisada a operação Lava Jato enquanto experiência de othering na história política recente brasileira, com base nas pesquisas de Ramina (2020RAMINA, Larissa. Quando a Parcialidade-Perversidade do Sistema de Justiça Abre Caminho para a Violação do Direito Internacional: um Ensaio sobre a Responsabilidade Internacional dos EUA. In: Lênio Streck; Marco Aurélio de Carvalho. (Org.). O livro das suspeições: o que fazer quando sabemos que Moro era parcial e suspeito? 1ed.Rio de Janeiro: Editora Telha, 2020, p. 284-299. Disponível em: https://www.prerro.com.br/baixe-agora-o-livro-das-suspeicoes/ Acesso em 04 jan. 2023.
https://www.prerro.com.br/baixe-agora-o-...
e 2021), Proner (2019PRONER, Carol. Lawfare como herramienta de los neofascismos. In GUAMÁN, Adoración; Aragoneses ALFONS Y MARTÍN, Sebastián (org.). Neofascismo: bestia neoliberal. Madrid: Siglo XXI Editores. 2019.), Romano (2021ROMANO, Silvina; LONDOÑO, Rafael Britto. Ley anticorrupción de EUA y lawfare en América Latina. 2021. Disponível em: https://www.celag.org/ley-anticorrupcion-de-estados-unidos-y-lawfare-en-america-latina/ Acesso em: 10 fev. 2023
https://www.celag.org/ley-anticorrupcion...
), Koheler (2015KOHELER, M. The Uncomfortable Truths and Double Standards of Bribery Enforcement. Fordham Law Review, v.82, n.4, 2015), dentre outras autoras e autores latino-americanos.

O que é othering

A situação de desigualdade estabelecida através das expropriações imperialistas é justificada racionalmente através da dimensão linguístico-discursiva do outro como inferior, prejudicado, atrasado, corrupto. A elaboração da ideia de um Outro é instrumento utilizado para criar “a representação de um diferente pelo recurso a figuras estereotipadas com o fim de se estabelecer valores positivos para a própria identidade cultural” (GONÇALVES, 2017, p. 1055). Othering pode ser traduzido ao português pelos neologismos outremização, outramento, ou outerização, isto é, o processo de construção de um outro.Ashcroft et al. (2007ASHCROF, Bill; GRIFFITHS, Gareth; TIFFIN, Helen. Post colonial studies: the key concepts. 2. ed. London and New York: Routledge Taylor & Francis Group, 2007. Disponível em: http://staff.uny.ac.id/sites/default/files/pendidikan/else-liliani-ssmhum/postcolonialstudiesthekeyconceptsroutledgekeyguides.pdf. Acesso em: 2 de junho de 2021.
http://staff.uny.ac.id/sites/default/fil...
, p. 156) expõem que o termo se refere ao processo pelo qual o discurso imperial cria seu outro e serve para descrever os vários meios em que o discurso colonial produz seus sujeitos. “Na explicação de Spivak, o outro é um processo dialético porque o Outro colonizador é estabelecido ao mesmo tempo que seus outros colonizados são produzidos como sujeitos” (ASHCROFT et al. 2007ASHCROF, Bill; GRIFFITHS, Gareth; TIFFIN, Helen. Post colonial studies: the key concepts. 2. ed. London and New York: Routledge Taylor & Francis Group, 2007. Disponível em: http://staff.uny.ac.id/sites/default/files/pendidikan/else-liliani-ssmhum/postcolonialstudiesthekeyconceptsroutledgekeyguides.pdf. Acesso em: 2 de junho de 2021.
http://staff.uny.ac.id/sites/default/fil...
, p. 156). Ele foi utilizado como um conceito teórico sistematizado por G. C. Spivak, em seu artigo de 1985 The Rani of Sirmur: An Essay in Reading the Archive (1985). Porém, ele foi elaborado com base em diversas tradições filosóficas e teóricas, remontando, fundamentalmente Hegel6 6 Em Hegel (1992), no Capítulo IV da Fenomenologia do Espírito (1807), desdobra A Consciência-de-si na dialética do senhor e do escravo. Esta consciência-de-si, na relação do senhor e do escravo, é desenvolvida mediante a exclusão do Outro: Eu não sou o Outro (CHAGAS, 2008). Hegel trabalha esta dialética do reconhecimento até que, através da mediação do trabalho, a consciência-de-si torna-se consciências-para-si. , Beauvoir7 7 Beauvoir transporta esta leitura do movimento da dialética do reconhecimento de Hegel na relação entre a compreensão do homem e da mulher em O Segundo Sexo (2009), expandindo a teoria do eu e do outro para a relação de gênero e outras diferenças sociais. , Lacan8 8 A teoria Lacaniana também utiliza o conceito de outro para explicar a formação da subjetividade. Ele faz uma distinção entre Outro e outro, em que o primeiro, com “O” maiúsculo, também chamado por Lacan de grande-autre (o grande outro), é o Eu, o sujeito, o parâmetro de subjetividade, o homem, o pai, o colonizador, o senhor, etc. O outro, com “o” minúsculo, é o objeto, o imperfeito, o estrangeiro, a mulher, o escravo, o colono. O Outro desempenha papel fundamental na formação da subjetividade do outro, visto que “o sujeito depende do significante e o significante está primeiro no campo do Outro” (LACAN, 1979, p. 196). A identidade é formada pelo olhar deste Outro poderoso, que pode ser o pai, outro sujeito próximo e inclusive o próprio eu inconsciente. (JENSEN, 2009, p.7-9) e na abordagem pós-colonial de Edward Said (1995SAID, E. Orientalism. London: Penguin Books, 1995.). Neste momento, é estudado este conceito com base em Spivak e Said, além de outros complementares, inclusive da literatura latino-americana..

A relação hierarquizada entre Outro/outro - teorizada por Hegel (1992HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do Espírito. Tradução: Paulo Meneses. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1992.), na dialética do senhor e do escravo, expandida por Beauvoir (2009BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Tradução: Sérgio Milliet. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.) para a relação de gênero e utilizada por Lacan (1979LACAN, J. O seminário: livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1979.) para explicar a formação da subjetividade - é transposta para os estudos pós-coloniais. O colonizador é percebido como o Outro, enquanto o colonizado é o outro. O clássico livro Orientalism do crítico literário palestino Edward Said (1995SAID, E. Orientalism. London: Penguin Books, 1995.) é reconhecido como “manifesto de fundação” do pós-colonialismo (CONRAD; RANDERIA, 2002CONRAD, S.; RANDERIA, R. (orgs.) Einleitung, in CONRAD, S.; RANDERIA, Jenseits des Eurozentrismus, Frankfurt/M, Campus. 2002, p. 22). Filipa Lowndes Vicente (2009) ressalta o mérito de Said na construção de um saber político sobre o outro9 9 As críticas ao Orientalism de Said são sobre a limitação de sua atenção à experiência orientalista da França e Inglaterra, a redução de seu Oriente à porção territorial localizada a leste e sul do Mar Mediterrâneo, isto é, o Oriente Médio (LEWIS 1982; IRWIN 2007). . A obra Orientalism contribui para a crítica à historiografia congratulatória europeia dos estudos sobre culturas das colônias. Ele desenvolve uma percepção peculiar da história moderna, partindo do estabelecimento a priori de uma distinção binária entre Ocidente e Oriente. Nesta relação, ao que se autorrepresenta como Ocidente cabe a função de substantivar o que se entende por Oriente. Percebe Said (1995) que o orientalismo é um estilo de pensamento baseado numa distinção ontológica e epistemológica realizada entre o Oriente e o Ocidente. Deste modo, a construção do orientalismo corresponde à produção de uma forma de compreensão do mundo, bem como, ao mesmo tempo, é consolidada historicamente através da produção de conhecimentos pautados na distinção binária original. Caracteriza o orientalismo como uma forma de produção de representação sobre uma região do mundo estabelecida de forma institucionalizada. Esta produção é retroalimentada, confirmada e atualizada pelas próprias imagens e dos conhecimentos que cria e recria. Mesmo remetendo vagamente a um lugar geográfico, o Oriente de Orientalism expõe uma fronteira cultural que define o sentido entre um nós e um outros. Esta fronteira é estabelecida com base numa relação que produz e reproduz o outro como inferior, caricaturado e estereotipado. Concomitantemente, define o nós, em oposição a este outro que sintetiza e reúno todas as características opostas às dos nós, isto é, tudo aquilo que o nós não é e nem quer ser. Assim, é constituída a fronteira entre o Ocidente - civilizado, adiantado, desenvolvido, bom - e o Oriente - selvagem, atrasado, subdesenvolvido, ruim. O que é perto deste outro oriental é reduzido, incompleto, defeituoso. O ocidente elabora um sistema onde:

o Oriente ("lá fora" em direção ao Oriente) é corrigido, até mesmo penalizado, por estar fora das fronteiras da sociedade europeia, "nosso" mundo; o Oriente é assim Orientalizado, um processo que não apenas marca o Oriente como a província do orientalista, mas também força o leitor ocidental não iniciado a aceitar as codificações orientalistas (como a Bibliotheque em ordem alfabética de d'Herbelot) como o verdadeiro Oriente. A verdade, em suma, torna-se uma função do julgamento erudito, não do material em si, que com o tempo parece dever até mesmo sua existência ao orientalista (SAID, 1995SAID, E. Orientalism. London: Penguin Books, 1995., p. 67) (tradução minha)10 10 No original: For the Orient ("out there" towards the East) is corrected, even penalized, for lying outside the boundaries of European society, "our" world; the Orient is thus Orientalized, a process that not only marks the Orient as the province of the Orientalist but also forces the un-initiated Western reader to accept Orientalist codifications (like d'Herbelot's alphabetized Bibliotheque) as the true Orient. Truth, in short, becomes a function of learned judgment, not of the material itself, which in time seems to owe even its existence to the Orientalist. .

O discurso europeu de criação do oriente auxilia nos anseios coloniais e imperialistas, justificando a invasão de territórios e povos considerados inferiores, legitimando sua subjugação. Dessa forma, a relação entre Ocidente e Oriente é marcada pelo poder, domínio, hegemonia e opressão do primeiro sobre o segundo. Esta relação, produto de uma construção europeia para legitimar sua dominação no oriente, não pode ser estável.

A tese de Said foi importante para a elaboração do discurso conhecido hoje como latino-amerianismo, conforme análises de Eduardo Mendieta (2005MENDIETA, Eduardo. Re-mapping Latin American studies: postcolonialism, subaltern studies, post-occi#dentalism and globalization theory. American Journal of Cultural Histories and Theories. vol. 25, n. 52, 2005. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/41491795>. Acesso em: 19 Jan 2023.
https://www.jstor.org/stable/41491795...
), desenvolvido por autores como Fernando Coronil (1996CORONIL, Fernando. Beyond Occidentalism: Toward Nonimperial Geohistorical Categories. Cultural Anthropology 11, No. 1:52-87. 1996.), Walter Mignolo (2003) e Santiago Castro-Gómez (1996)11 11 Para uma visão das obras desse grupo de intelectuais, ver POBLETE, Juan (ed). Critical Latinamerican and Latino Studies. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2003. . Mais recentemente, existe uma pluralidade de olhares latino-americanos críticos sobre o orientalismo de Said como os volumes editados por Camayd-Freixas (2013), López-Calvo (2012), Nagy-Zekmi (2008), Christina Civantos (2013CIVANTOS, Christina. Orientalism Criollo Style: Sarmiento’s ‘Orient’ and the Formation of an Argentine Identity. Em: Camayd-Freixas, Erik (ed.): Orientalism and Identity in Latin America. Fashioning Self and Other from the (Post) Colonial Margin. Tucson: The University of Arizona Press, 2013.), dentre outros. No Brasil, a antropóloga Alcinda Rita Ramos (2012RAMOS, Alcinda Rita. Indigenismo, um orientalismo americano. Anuário Antropológico [Online], v.37 n.1 | 2012, posto online no dia 01 outubro 2013. DOI: <https://doi.org/10.4000/aa.268> Disponível em: <http://journals.openedition.org/aa/268>; Visto em: 20 de Jan. 2023.
https://doi.org/10.4000/aa.268...
) relacionou o orientalismo descrito por Said e o indigenismo, percebendo que “assim como ‘o Oriente é orientalizado’, segundo Said, também o índio é indianizado” (RAMOS, 2012RAMOS, Alcinda Rita. Indigenismo, um orientalismo americano. Anuário Antropológico [Online], v.37 n.1 | 2012, posto online no dia 01 outubro 2013. DOI: <https://doi.org/10.4000/aa.268> Disponível em: <http://journals.openedition.org/aa/268>; Visto em: 20 de Jan. 2023.
https://doi.org/10.4000/aa.268...
. p, 28). Deste modo, “o Indigenismo pode ser visto como uma elaborada construção ideológica sobre alteridade e mesmidade em contextos étnicos e nacionais” (RAMOS, 2012, p. 29). Há também a pesquisa desenvolvida por Adriano Mafra e Christiane Stalleart (2016MAFRA, Adriano; STALLAERT, Christiane. Orientalismo Crioulo: Dom Pedro II eo Brasil do Segundo Império. Iberoamericana Editorial Vervuert, América Latina; España; Portugal, 2016.) sobre o orientalismo crioulo, discutindo os mecanismos que regeram a inserção do Brasil do Segundo Império no movimento orientalista europeu durante o século XIX.

Com a pós-colonial Gayatri Chakravorty Spivak foi desenvolvida de forma sistemática a noção de othering. Em pertinente diálogo com Said, a distinção entre Outro e outro é estabelecida através da imposição da superioridade do colonizador sobre o colonizado, em que a relação entre as partes é hierarquizada. O sujeito colonizado é inferiorizado, isto é, sofre o processo de othering. Spivak exemplifica as três vias que esta produção do outro pode ser percebida. A primeira é através do processo de expansão territorial, isto é, expropriação das terras dos outros, momento que o Outro colonizador produz a subjetividade dos outros, usando o seu próprio parâmetro, o Eu europeu. O segundo exemplo é a utilização do processo de aviltamento. Ela exemplifica citando as considerações do General Ochterlony: “Eu os vejo possuindo apenas toda a brutalidade e perfídia dos tempos mais rudes, mas sem a coragem, e toda a depravação e traição dos dias modernos, sem o conhecimento ou refinamento” (tradução minha)12 12 No original: (…) I see them only possessing all the brutality and purfidy [sic] of the rudest times without the courage and all the depravity and treachery of the modern days without the knowledge or refinement. (SPIVAK, 1985, p. 224-5). Por isto, ele considera ser um dever a entrega das terras destes outros à coroa, tornando-os objetos do imperialismo. O terceiro exemplo é a segregação entre Estados nativos e o governo do império, entre o não-europeu e o europeu.

Othering, portanto, envolve posição hierárquica através do discurso imperial. Dentre as estratégias, como a imposição colonial por meio da força e do idioma europeu nas colônias, as estratégias ideológicas são as mais eficazes. Elas são utilizadas através do discurso depreciativo do outro colonizado, da criação de estereótipos de forma a inferiorizá-lo diante do Outro colonizador. Em geral, elas almejam legitimar as expropriações imperialistas, são subterfúgios do colonizador pela máxima acumulação de capital13 13 Envolvendo a acumulação primitiva de capital, exposta por Karl Marx (2013) no Capítulo XXIV de O Capital I e pelo outro aspecto da acumulação do capital que se realiza entre o capital e as formas de produção não-capitalistas, tal como trabalha Rosa Luxemburgo (1970) no livro A Acumulação de Capital. . Este processo de legitimação e justificação é capaz de incutir na própria consciência do outro, ao ponto deste concordar com a superioridade do Outro e aceitar a intervenção deste para ser um outro melhor. Por exemplo:

Até mesmo muitos gregos agora se consideram incapazes de organizar e administrar adequadamente sua economia. Afinal, os alemães são muito mais diligentes, organizados e autocontrolados. Essa é a linha que muitos seguiram quando se tratou de compreender a vitória da Grécia em 2004 na Eurocopa. Parece que a Grécia sempre teve alguns jogadores talentosos, mas foi preciso um técnico alemão para fornecer a disciplina e a organização necessárias para o sucesso (minha tradução)14 14 Em versão original: Even many Greeks now perceive themselves as incapable of properly organizing and managing their economy. Germans, after all, are much more diligent, organized, and self-controlled. Such is the line many took when it came to understanding the 2004 Greek victory in the European Cup. It seems that Greece always had some talented players but it took a German manager to provide the necessary discipline and organization for success. (BRATSIS, 2014BRATSIS, Peter. Political Corruption in the Age of Transnational Capitalism. Historical Materialism, Londres, v. 22, p. 105-128, 6 maio 2014. DOI https://doi.org/10.1163/1569206X-12341334. Disponível em: https://brill.com/view/journals/hima/22/1/article-p105_4.xml?ebody=article%20details. Acesso em: 6 de julho de 2021.
https://doi.org/10.1163/1569206X-1234133...
, p. 124).

Outro exemplo, em defesa do combate à corrupção, o então presidente dos Estados Unidos da América, George W. Bush assinou em janeiro de 2004 a proclamação contra corrupção em que, conforme relatou a Associeted Press, uma de suas medidas foi impedir a entrada nos EUA de funcionários públicos latino-americanos acusados de corrupção. De forma mais clara, impedir a contaminação do povo latino corrupto. Por qual motivo não estendeu a todos os funcionários públicos estrangeiros? Só os latino-americanos são capazes de serem corruptos? Nas próximas páginas deste artigo será analisada a postura moralizante do movimento internacional anticorrupção enquanto nova versão de othering.

Os mecanismos de othering e suas versões

Esta dimensão linguístico-discursiva para legitimar e justificar a expropriação capitalista e o consequente estabelecimento ou aprofundamento da desigualdade econômica é utilizada há muitos anos e de diversas formas. Conforme lembra Chimni (2006CHIMNI, B.S. Third World Approaches to International Law: A Manifesto. International Community Law Review, [s. l.], v. 8, p. 3-27, 2006. Disponível em: https://www.jnu.ac.in/sites/default/files/Third%20World%20Manifesto%20BSChimni.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
https://www.jnu.ac.in/sites/default/file...
, p. 16), “o colonialismo foi justificado com base em argumentos humanitários (a missão civilizadora). Não é diferente hoje” (minha tradução)15 15 No original: “It is therefore worth reminding ourselves that colonialism was justified on the basis of humanitarian arguments (the civilizing mission). It is no different today” . A racionalidade moderna ocidental capitalista foi apresentada como superior às outras formas de organização da sociedade. Este argumento foi largamente usado nas invasões coloniais europeias do século XIX, conhecida como “Era do Império”16 16 Ver: Hobsbawm, Eric. The Age of Empire, 1875 -1914. New York: Pantheon Books, 1987. . A universalização da racionalidade jurídica moderna foi uma consequência da expansão imperial que ocorreu a partir deste período (GONÇALVES, 2015GONÇALVES, Guilherme Leite. O iluminismo no banco dos réus: direitos universais, hierarquias regionais e recolonização. Rev. direito GV, São Paulo, v. 11, n. 1, p. 277-293, June 2015. Disponíevel em <http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-24322015000100277&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 13 de junho de 2021. Doi: https://doi.org/10.1590/1808-2432201512.
http://old.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 21; ANGHIE, 2005ANGHIE, Antony. Imperialism, Sovereignty and the Making of International Law. Cambridge: University Press. 2005., p. 32). Esta racionalidade, tida como baluarte da civilização e progresso, precisa ser levada aos povos não civilizados, atrasados e corruptos, os outros. Foi, assim, “o grande projeto que justificou o colonialismo como um meio de redimir os povos atrasados, aberrantes, violentos, oprimidos e subdesenvolvidos do mundo não europeu, incorporando-os à civilização universal da Europa” (minha tradução)17 17 “the civilizing mission, the grand project that has justified colonialism as a means of redeeming the backward, aberrant, violent, oppressed, undeveloped people of the non-European world by incorporating them into the universal civilization of Europe.” (ANGHIE, 2005, p. 3).

A cultura jurídica das potências capitalistas é considerada paradigma de desenvolvimento humano, moralidade e modernidade. Ela é uma das versões de othering. A segurança jurídica das transações é garantida através de um arranjo institucional racional, elaborado segundo método científico, obedecendo estruturas lógicas de dedução e indução, aptas a viabilizar a generalização de regras a serem aplicadas em casos concretos. Ela aparece, então, como neutra, puramente racional, justa, dotada de qualidade ética ou moral e, portanto, defendida como superior e de aplicabilidade universal. As nações que não reproduzem esta racionalidade são consideradas corruptas, atrasadas, carentes de desenvolvimento. Desse modo, é construído “um campo de comparação em que o desenvolvimento sociojurídico do Norte é tido como único válido, de modo a gerar uma pretensa superioridade que se torna critério para julgar e excluir práticas jurídicas do resto do mundo” (GONÇALVES, 2015GONÇALVES, Guilherme Leite. O iluminismo no banco dos réus: direitos universais, hierarquias regionais e recolonização. Rev. direito GV, São Paulo, v. 11, n. 1, p. 277-293, June 2015. Disponíevel em <http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-24322015000100277&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 13 de junho de 2021. Doi: https://doi.org/10.1590/1808-2432201512.
http://old.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 288). A cultura jurídica dos desenvolvidos tornou-se instrumento “ideológico que declara que a internacionalização dos direitos de propriedade é o caminho mais seguro para levar bem-estar aos povos do terceiro mundo”18 18 “the ideological onslaught which declares that the internationalization of property rights is the surest way to bring welfare to third world peoples.” (CHIMNI, 2006CHIMNI, B.S. Third World Approaches to International Law: A Manifesto. International Community Law Review, [s. l.], v. 8, p. 3-27, 2006. Disponível em: https://www.jnu.ac.in/sites/default/files/Third%20World%20Manifesto%20BSChimni.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
https://www.jnu.ac.in/sites/default/file...
, p. 18). Assim, é criada e alimentada a imagem da colonização como um processo de propagação da civilidade moderna, que promove o desenvolvimento dos povos atrasados. A exploração violenta e injusta da colonização é ocultada.

Paradoxalmente, a defesa dos Direitos Humanos pode ser instrumentalizada para fins neoliberais19 19 São evidentes as contradições existentes no empenho dos Direitos Humanos, tendo em vista a utilização dessa categoria pelos diversos grupos subalternizados em suas lutas por direitos, inclusive confrontando o ascenso neoliberal, em defesa dos direitos sociais. Em 1843 o jovem Karl Marx (2010), em Sobre a Questão Judaica, já denunciava a instrumentalização dos Direitos Humanos na sociedade capitalista. Ainda hoje, conforme Douzinas (2007), o entendimento destes direitos deve partir dos seus paradoxos. Por um lado, estão relacionados à imposição de padrões dominantes, definindo o grau de civilidade e desenvolvimento de uma nação, povo ou grupo social (BARRETO, 2013), tendo como padrão o ocidente. Atualmente, conforme ressalta Douzinas (2007), face ao discurso de ordem internacional das democracias ocidentais pelos valores estruturantes do direito e da política, como liberdade, igualdade, democracia, combate à corrupção, etc, pode-se perceber a imposição cultural e política do ocidente, as invasões neocoloniais, a exploração econômica, a criminalização de imigrantes, as intervenções humanitárias, dentre outros componentes constitutivos do atual cenário político. Por outro lado, estão as lutas sociais dos subalternos atreladas a esses direitos, em resistência contra dominação e opressão. Deste modo, a compreensão dos Direitos Humanos e seus paradoxos perpassa as relações de poder, afirmação política e contornos de violência (HOFFMAM, MORAIS, ROMAGUERA, 2017). Reconhecendo a complexidade de linguagens e usos dos Direitos Humanos, este trabalho dá ênfase ao seu uso como versão de othering. , numa outra versão de othering. O discurso de defesa dos Direitos Humanos pode ser utilizado para ocultar a realidade da expropriação capitalista. Gonçalves (2017, p. 1062) identifica os Direitos Humanos como instrumento clássico utilizado por meio do othering para legitimar a expropriação, através da abertura de novos mercados de investimento, especialmente do setor financeiro. Gonçalves (2017, p. 1062) explana que, “no que se refere a criação do fora não-capitalista por meio de othering, os direitos humanos são um instrumento clássico, cujo emprego pode ser amplamente constatado desde o início do colonialismo europeu até os processos contemporâneos de financeirização”. Através do discurso dos Direitos Humanos, os povos originários da África, da Ásia ou da América foram caracterizados como irracionais, sua natureza como selvagem, tendo como objetivo motivar as conquistas e colonizações para a acumulação primitiva (GONÇALVES, 2018, p. 120). O foco no mantra dos Direitos Humanos permite a prossecução da agenda neoliberal ao privilegiar os direitos privados sobre os direitos sociais e econômicos (CHIMNI, 2006CHIMNI, B.S. Third World Approaches to International Law: A Manifesto. International Community Law Review, [s. l.], v. 8, p. 3-27, 2006. Disponível em: https://www.jnu.ac.in/sites/default/files/Third%20World%20Manifesto%20BSChimni.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
https://www.jnu.ac.in/sites/default/file...
, p. 17). O fracasso da aplicação destes na realização do bem-estar das populações carentes e o sucesso em assegurar os direitos de propriedade, faz transparecer que a linguagem dos direitos civis e políticos mistifica as relações de poder e fortalece os direitos privados. Deste modo,

Essa crença é reforçada pelo fato de que o discurso oficial dos direitos humanos internacionais evita qualquer discussão sobre a responsabilidade das instituições internacionais, como o FMI, Banco Mundial ou a OMC, que promovem políticas com graves implicações para os direitos civis e políticos, bem como os direitos sociais e econômicos dos pobres (CHIMNI, 2006CHIMNI, B.S. Third World Approaches to International Law: A Manifesto. International Community Law Review, [s. l.], v. 8, p. 3-27, 2006. Disponível em: https://www.jnu.ac.in/sites/default/files/Third%20World%20Manifesto%20BSChimni.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
https://www.jnu.ac.in/sites/default/file...
, p. 17)20 20 Em original: “This belief is strengthened by the fact that official international human rights discourse eschews any discussion of the accountability of international institutions such as the IMF/ World Bank combine or the WTO which promote policies with grave implications for both the civil and political rights as well as the social and economic rights of the poor.” .

Outro exemplo é a missão ecológica no outro degradado. A necessidade do capital incorporar espaços que estavam fora de seus circuitos de valor esbarra, dentre outros, no atual movimento de defesa ambiental. Para ultrapassar este problema, é possível perceber o uso da dimensão linguístico-discursiva para legitimar a expropriação dos recursos naturais. As pesquisas de Maria Backhouse (2013) demonstram os processos de apropriação de terras impulsionados por estratégias de proteção ao clima e ao meio ambiente. Ela observa que, com as denúncias de que a produção industrial de agrocombustíveis acarreta a destruição de florestas, aumenta as emissões de carbono e força o deslocamento de comunidades locais21 21 Ver: DUDLEY, Nigel. The Year the World Caught Fire. Disponível em: <http://www.equilibriumconsultants.com/upload/document/theyeartheworldcaughtfire.pdf>; HOOIJER, Aljosja; SILVIUS, Marcel; WÖSTEN, Henk; PAGE, Susan. PEAT-CO2. Assessment of CO2 emissions from drained peatlands in SE Asia. MH Delft, 2006. 41 p; FRIENDS OF THE EARTH. Briefing: The use of palm oil for biofuel and as biomass for energy. Friends of the Earth's position. London, 2006; GREENPEACE. How Unilever palm oil suppliers are Burning up Borneo. 2007. Disponível em: <http://www.greenpeace.org/international/Global/international/planet-2/report/2009/10/how-unilever-palm-oil-supplier.pdf> e GREENPEACE. The hidden Carbon Liability of Indonesian Palm Oil. 2008. Disponível em: <http://www.greenpeace.org/international/Global/international/planet-2/report/2008/5/hidden-carbon-liability-of-palm-oil.pdf> Todos acessados em: 06 de maio de 2021. , os governos da Europa deparam-se com a rejeição ao financiamento estatal neste tipo de produção. Os efeitos das críticas impactaram os governos e os levaram a revestir a expropriação com a ideia de sustentabilidade, isto é, a produção de agrocombustíveis em áreas consideradas degradadas com a inclusão das comunidades locais na cadeia produtiva (DEININGER et al. 2011; EMBRAPA, MAPA, 2010). Backhouse (2013) observa que esta estratégia está sendo utilizada para produção de óleo de palma no Brasil, justificando o financiamento do governo federal brasileiro para expansão do setor. O Banco Mundial elogia a iniciativa do governo brasileiro por incentivar este cultivo diante do “potencial do óleo de palma para beneficiar agricultores pobres”22 22 No original e completa: “In the case of Brazil, the potential of palm oil to benefit poor farmers has been well established beginning in 2002, when the Agropalma company and the state government of Pará introduced a new program for poor rural farmers, many of them women.” (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 15) em “terras abandonadas, degradadas e há muito desmatadas”23 23 No original e completa: “Brazil‘s experience in providing additional incentives to restrict oil palm cultivation to abandoned, degraded and long deforested lands demonstrates the potential of these approaches.” (BANCO MUNDIAL, 2011, p. 18). Backhouse (2013) através de trabalho de campo desenvolvido no Estado do Pará, percebeu que na prática este programa vem “intensificando um fenômeno que há décadas tem tido lugar na região: o controle sobre acesso à terra e uso dela através do agronegócio transnacional” (BACKHOUSE, 2013, p. 6). Segundo ela, nos anos 80 este processo era empregado através da violência explícita, mas atualmente ele se reveste do discurso de sustentabilidade ecológica, através de desenvolvimento de áreas desmatadas, livrando o agronegócio dos questionamentos públicos. Em nome da missão ecológica através da sustentabilidade da comunidade local, são estabelecidas novas alianças entre empresas transnacionais, Estado, elites locais e, em alguns casos, ONGs ambientalistas, legitimando a exploração agroindustrial de áreas supostamente degradadas. Gonçalves (2017, p. 1055) sintetiza:

a introdução da figura retórica áreas degradadas (degradierte Flächen) em legislações de proteção ambiental foi essencial para justificar a transferência da propriedade rural de pequenos proprietários para grandes empresas. Trata-se aqui de um processo simbólico, em que o grupo social e o espaço a serem expropriados são retórica e discursivamente estabelecidos como um Outro prejudicado, inferiorizado e atrasado. Nesse processo, o discurso jurídico não é o único, mas um fator fundamental na concepção desse Outro.

Outro mecanismo de othering é o discurso de desenvolvimento. Chimni (2006CHIMNI, B.S. Third World Approaches to International Law: A Manifesto. International Community Law Review, [s. l.], v. 8, p. 3-27, 2006. Disponível em: https://www.jnu.ac.in/sites/default/files/Third%20World%20Manifesto%20BSChimni.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
https://www.jnu.ac.in/sites/default/file...
, p. 18) destaca que, nos últimos anos, o desenvolvimento é considerado um cavalo de troia em forma de ideologia que esconde em seu interior os anseios imperialistas, fazendo com que povos e Estados da periferia do capitalismo sejam voluntariamente atraídos à expropriação e exploração.24 24 Ver: BLANEY D.L.; INAYATULLAH, N. The Third World and a Problem with Borders. In DENHAM, Mark E.; LOMBARDI, Mark Owen (Orgs.). Perspectives on Third World Sovereignty: The Postmodern Paradox. (1996), and SCHRIJVER, N. Sovereignty over Natural Resources: Balancing Rights and Duties (1997). O desenvolvimento é oferecido como presente dos países ricos para que seja implementado no mundo pobre. O objetivo real é deslocar as aspirações dos povos deste mundo a fim de reduzir este desenvolvimento a níveis toleráveis (CHIMNI, 2006CHIMNI, B.S. Third World Approaches to International Law: A Manifesto. International Community Law Review, [s. l.], v. 8, p. 3-27, 2006. Disponível em: https://www.jnu.ac.in/sites/default/files/Third%20World%20Manifesto%20BSChimni.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
https://www.jnu.ac.in/sites/default/file...
, p. 18). Também é possível evitar que o discurso do desenvolvimento sustentável não atinja os países do Norte, mantendo seus altos padrões de consumo sem resistência.

O desenvolvimento oferecido aos países pobres, os outros, não é o mesmo dos países ricos, os Outros, muito menos corresponde às necessidades dos outros povos. Para as outras nações do mundo, ele é aquele através de programas de ajuste estrutural ou políticas neoliberais, acarretando retirada de direitos sociais, trabalhistas, previdenciários, privatizações e expropriações de bens e serviços comuns para aumentar a remessa de lucros para os países de capitalismo central. “Se ao menos os países do terceiro mundo escolhessem o não-desenvolvimento (de qualquer variedade local), seu povo seria poupado de grande parte da miséria que sofreu na era pós-colonial” (CHIMNI, 2006CHIMNI, B.S. Third World Approaches to International Law: A Manifesto. International Community Law Review, [s. l.], v. 8, p. 3-27, 2006. Disponível em: https://www.jnu.ac.in/sites/default/files/Third%20World%20Manifesto%20BSChimni.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
https://www.jnu.ac.in/sites/default/file...
, p. 18). Deste modo, o problema não é o desenvolvimento em si, mas aquele oferecido às outras nações. É legítimo que elas almejem elevar seu padrão de vida, de forma a desfrutá-la com mais conforto e possibilidades de escolha. Porém, em nome do desenvolvimento, a era pós-colonial testemunhou a violação massiva dos direitos humanos sociais dos povos da periferia do capitalismo global.

A produção do outro corrupto

Atualmente é possível perceber a utilização destes mecanismos de othering na internacionalização do combate à corrupção política dos países considerados não desenvolvidos, isto é, a construção do que eu chamo por outro corrupto. A utilização dos mecanismos de othering pode ser percebida na atuação dos Outros desenvolvidos, cultos, civilizados e probos contra os outros corruptos, subdesenvolvidos, carentes de civilidade e cultura. A construção do outro corrupto pode ser observado através de um processo que se desenvolve em três momentos. Primeiro, ao colocar o padrão europeu e norte-americano de gestão transparente e leis eficientes; segundo, ao confrontar este padrão com os outros corruptos; o terceiro é através da ideia de que o governo dos outros corruptos precisa ser gerido pelos Outros países. Estes três momentos são analisados nas próximas páginas.

Neste momento do artigo, portanto, será problematizada a internacionalização do combate à corrupção a partir dos anos de 1990. Há algum paralelo entre a ascensão da teoria e políticas neoliberais com os programas anticorrupção das organizações internacionais? Também são questionadas as dimensões linguístico-discursivas que utilizam a corrupção para explicar as diferenças globais de riqueza e desenvolvimento.

Para a utilização do othering nos discursos de combate à corrupção, foi necessária uma mudança de abordagem sobre ela. Até os anos de 1990, a problemática da corrupção estava majoritariamente restrita ao âmbito doméstico (BRATSIS, 2014BRATSIS, Peter. Political Corruption in the Age of Transnational Capitalism. Historical Materialism, Londres, v. 22, p. 105-128, 6 maio 2014. DOI https://doi.org/10.1163/1569206X-12341334. Disponível em: https://brill.com/view/journals/hima/22/1/article-p105_4.xml?ebody=article%20details. Acesso em: 6 de julho de 2021.
https://doi.org/10.1163/1569206X-1234133...
; COOLEY; SHARMAN, 2015COOLEY, A.; SHARMAN, J. C. Blurring the line between licit and illicit: transnational corruption networks in Central Asia and beyond. Central Asian Survey, 2015.; WARE; NOONE, 2005WARE, G. T.; NOONE, G. P. The anatomy of transnational corruption. International Affairs Review, 14, n.2, 2005.; WILLIAMS; BEARE, 1999WILLIAMS, J. W.; BEARE, M. E. The business of bribery: globalization, economic liberalization, and the “problem” of corruption. Crime, Law & Social Change, 32(2), 115-146, 1999.), isto é, havia pouca preocupação e ingerência internacional sobre esta temática. “Anteriormente, a questão da corrupção era uma questão estritamente local ou, pelo menos, sua importância era muito mais significativa para os regimes políticos nacionais e suas populações do que para qualquer um de fora desse contexto” (BRATSIS, 2014, p. 109). Outro fator interessante é o protagonismo dos agentes do capital. Por exemplo, Bratsis (2014BRATSIS, Peter. Political Corruption in the Age of Transnational Capitalism. Historical Materialism, Londres, v. 22, p. 105-128, 6 maio 2014. DOI https://doi.org/10.1163/1569206X-12341334. Disponível em: https://brill.com/view/journals/hima/22/1/article-p105_4.xml?ebody=article%20details. Acesso em: 6 de julho de 2021.
https://doi.org/10.1163/1569206X-1234133...
) destaca que a constituição da Transparência Internacional teve patrocínio25 25 Luis Nassif observa a pouca transparência da organização Transparency Internacional - Secretariat (TI-S) e a Transparência Internacional - Brasil. Especialmente a TI-Brasil, que não divulga qualquer informação financeira. Ver mais: NASSIF, Luis. A pouca transparência da Transparência Internacional. GGN, 2019. Disponível em: <https://jornalggn.com.br/justica/compliance/a-pouca-transparencia-da-transparencia-internacional/>. Acesso em: 11, jan 2023. da Exxon, Shell, Wal-Mart, Procter & Gamble, dentre outros, e o seu fundador, ex-funcionário do Banco Mundial, contou com o capital inicial de sua antiga instituição. As organizações privadas, tais como Usaid, FMI, OCDE, Banco Mundial, etc., têm conduzido a internacionalização do combate à corrupção, mas esta é por elas concebida de forma bastante estreita, reduzindo-a a suborno (JOHNSTON, 2000). “O grosso dos esforços anticorrupção apresentados pela comunidade internacional envolveu a questão da ‘transparência’ e da ‘governabilidade’; isto é, quão limitada por regras, previsível e consistente é a implementação de leis e políticas” (tradução minha)26 26 No original: “The bulk of anti-corruption efforts put forward by the international community have involved the question of ‘transparency’ and ‘governance’; that is, how rule-bound, predictable and consistent the implementation of laws and policies are”. (BRATSIS, 2014, p. 110). A preocupação concentra-se na corrupção burocrática27 27 Conforme a classificação de Jain (2001) existem três tipos de corrupção, de acordo com a relação entre a população e o cargo público envolvido. Ele chama de grande corrupção a que envolve atos da elite política que abusam de seu poder visando criar políticas econômicas que os beneficiam. A corrupção legislativa ocorre pela influência ilegal do voto, como pela compra de voto, para aprovar determinada legislação em benefício político ou econômico de um grupo determinado da sociedade. A corrupção burocrática envolve os atos da burocracia com a elite política ou com o público, como no suborno. . Porém, o financiamento de campanhas é percebida por Dowbor (2012DOWBOR, Ladislau. Os descaminhos do dinheiro: a compra das eleições. Dowbor.org, 2012. Disponível em: <https://dowbor.org/2012/10/os-descaminhos-do-dinheiro-a-compra-das-eleicoes-parte-i-outubro-2012-5p.html>. Acesso em 02 Jan 2023.
https://dowbor.org/2012/10/os-descaminho...
) como “a grande corrupção, a grande mesmo, aquela que é tão grande que se torna legal”. Conforme Dowbor, um assento de deputado federal custa, em média, 2,5 milhões de reais. A empresa que financia um candidato vai cobrar a fatura, que se consubstancia em políticas a serem aprovadas ao seu interesse privado que, em geral, são opostas aos interesses legítimos do povo. “A apropriação dos mecanismos decisórios sobre a alocação de recursos públicos está no centro dos processos de corrupção, envolvendo as grandes bancadas corporativas, por sua vez ancoradas no financiamento privado das campanhas” (DOWBOR, 2017DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo: Por que oito famílias tem mais riqueza do que a metade da população do mundo? São Paulo: Autonomia Literária, 2017.). A atenção das organizações internacionais no combate à corrupção não é voltada para diminuir a influência econômica dos grandes capitalistas nas tomadas de decisões políticas. O capital transnacional almeja conferir previsibilidade e calculabilidade para seus investimentos envolvendo relações com os Estados, por isto precisa prever o impacto econômico das “taxas” da corrupção. A internacionalização da corrupção “funciona como parte da justificativa normativa para a dominação política e econômica desfrutada pelas nações ‘avançadas’ do coração global capitalista” (tradução minha)28 28 Em redação original: “Thus, it also functions as part of the normative justification for the political and economic domination enjoyed by the ‘advanced’ nations of the capitalist global heartland.” (BRATSIS, 2014, p. 108). Importante destacar a observação de Miranda que, até 1980 e 1990, isto é, antes da internacionalização e mudança de abordagem sobre a corrupção:

os autores da “primeira geração” acreditavam que alguma corrupção seria necessária para fazer funcionar uma inevitável e ineficaz burocracia do Estado. A corrupção era, portanto, vista como uma “graxa”. Após a consolidação do tema da reforma do Estado, selado no Consenso de Washington, a corrupção passa a ser vista como total inimiga de um bom regime democrático. A corrupção passa, então, a ser encarada como “areia” (MIRANDA, 2018MIRANDA, Luiz Fernando. Unificando os conceitos de corrupção: uma abordagem através da nova metodologia dos conceitos. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 25, p. 237-272, Jan. 2018. DOI 10.1590/0103-335220182507. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/VPBTRQmsPqT8KLqJJmcnqpn/abstract/?lang=pt. Acesso em: 24 nov. 2021.
https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/VPBTRQm...
, p. 241).

Como nota Bratsis (2014BRATSIS, Peter. Political Corruption in the Age of Transnational Capitalism. Historical Materialism, Londres, v. 22, p. 105-128, 6 maio 2014. DOI https://doi.org/10.1163/1569206X-12341334. Disponível em: https://brill.com/view/journals/hima/22/1/article-p105_4.xml?ebody=article%20details. Acesso em: 6 de julho de 2021.
https://doi.org/10.1163/1569206X-1234133...
, p. 118), outra mudança acarretada pela internacionalização do combate à corrupção política é a ideia de que isto significa promover o desenvolvimento econômico e político no mundo. A corrupção política dos países não desenvolvidos passa a ser vista como obstáculo central ao desenvolvimento humano, responsável por distorcer os mercados competitivos, acarretar a ineficiente alocação dos recursos e onerar desmedidamente os mais pobres e vulneráveis do mundo. Neste sentido, Peter Eigen, presidente da Transparência Internacional, afirma que “A corrupção zomba dos direitos, alimenta culturas de sigilo, priva os mais necessitados de serviços públicos vitais, aprofunda a pobreza e mina a esperança” (minha tradução)29 29 Em versão original: “Corruption makes a mockery of rights, breeds cultures of secrecy, deprives the neediest of vital public services, deepens poverty, and undermines hope.” (EIGEN, 2008EIGEN, Peter. Removing a Roadblock to Development: Transparency International Mobilizes Coalitions Against Corruption. Innovations, [s. l.], v. 3, n. 2, p. 19-33, mar. 2008. Disponível em: https://eiti.org/files/documents/itgg2e20082e32e22e19.pdf. Acesso em: 20 maio 2021.
https://eiti.org/files/documents/itgg2e2...
, p.19).

A ideia de combate à corrupção política para fomentar o desenvolvimento é a outra face do othering. Neste aspecto, Hindess (2005HINDESS, Barry. Investigating International Anti-corruption. Third World Quarterly, [s. l.], v. 28, p. 1389-1398, 2005. DOI https://doi.org/10.1080/01436590500336864. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01436590500336864?journalCode=ctwq20. Acesso em: 22 jun. 2021.
https://doi.org/10.1080/0143659050033686...
) faz uma interessante análise crítica do Source Book da Transparência Internacional (POPER, 2000POPER, Jeremy. Confronting corruption: the elements of a national integrity system. London: Transparency International (TI). 2000.), livro que oferece um relato sistemático dos problemas colocados pela corrupção e o que pode ser feito para resolvê-los. Peter Eigen, agradecendo a Fundação Ford pelo patrocínio para a criação deste manual, destaca que o Source Book “é uma ferramenta inestimável para criar controles contra a corrupção, fortalecendo o sistema de integridade das sociedades como um todo, em vez de focar em leis individuais ou instituições de forma isolada” (tradução livre)30 30 No original: This is an invaluable tool to build controls against corruption by strengthening the integrity system of societies as a whole, rather than focussing on individual laws or institutions in isolation. We are grateful for the support of the Ford Foundation for the creation of this sourcebook. (POPE, 1997). O Source Book frisa que a corrupção é responsável pelo aprofundamento da pobreza extrema e fere o coração da economia de mercado, provocando negativas consequências para o crescimento econômico do país. Por isto, a Transparência Internacional propõe a substituição do Estado pelo setor privado na realização de tarefas em que este setor pode executar com mais eficiência, em nome do objetivo maior de promover um futuro para o mundo em desenvolvimento. Desse modo, são unidos o discurso de combate à corrupção e a promoção do desenvolvimento nos outros países, formando uma nova versão de othering para legitimar a substituição do Estado pelo setor privado.

Ladislau Dowbor (2017DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo: Por que oito famílias tem mais riqueza do que a metade da população do mundo? São Paulo: Autonomia Literária, 2017., p. 61), demonstra que a corrupção nas grandes corporações do setor privado é muito maior do que a existente no setor público. Ele também denuncia que, quando essas empresas são flagradas em atos criminosos, elas são premiadas pelo mercado financeiro, além de ser um dos grandes responsáveis pela fome, desigualdade e crises econômicas no mundo inteiro (DOWBOR, 2017DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo: Por que oito famílias tem mais riqueza do que a metade da população do mundo? São Paulo: Autonomia Literária, 2017., p. 72). Conforme Dowbor, as instituições financeiras estão diretamente ligadas a essas grandes corporações. Porém, os liberais que lucram com o mercado financeiro divulgam a ideia de que é o setor público que é extremamente corrupto e ineficiente.

Esta concepção de corrupção política como culpada pelos problemas sociais e econômicos passou a ser hegemônica nas pesquisas científicas. Conforme Wei (1999WEI, Shang-Jin. Corruption in Economic Development: Beneficial Grease, Minor Annoyance, or Major Obstacle?. In: THE WORLD BANK. Policy Research Working Paper. [S. l.], 1999. Disponível em: https://ideas.repec.org/p/wbk/wbrwps/2048.html. Acesso em: 20 out. 2021.
https://ideas.repec.org/p/wbk/wbrwps/204...
, p.25), “Uma pesquisa sistêmica conduzida recentemente por vários autores descobriu que quanto mais corrupto é um país, mais devagar ele cresce” (tradução minha)31 31 No original: “Systemic research conducted recently by a number of authors finds that the more corrupt a country, the slower it grows.” . Susan Rose-Ackerman (1999) e Paolo Mauro (1995) protagonizam os argumentos basilares desta concepção.

Porém, há casos suficientes de crescimento econômico em países sob corrupção, capazes de desmentir esta relação entre corrupção e desenvolvimento econômico. Bratsis (2014BRATSIS, Peter. Political Corruption in the Age of Transnational Capitalism. Historical Materialism, Londres, v. 22, p. 105-128, 6 maio 2014. DOI https://doi.org/10.1163/1569206X-12341334. Disponível em: https://brill.com/view/journals/hima/22/1/article-p105_4.xml?ebody=article%20details. Acesso em: 6 de julho de 2021.
https://doi.org/10.1163/1569206X-1234133...
) exemplifica através de uma análise comparativa entre três países com péssimos índices de corrupção, i.e., China, Índia e Grécia, e seus Produtos Internos Brutos (PIBs) num período de 10 anos. Constatou que “os três países desfrutaram de um crescimento econômico na década anterior que, de longe, desmente qualquer poder preditivo ou explicativo para medidas de corrupção” (minha tradução)32 32 All three countries have enjoyed economic growth in the previous decade that far and away belies any predictive or explanatory power for measures of corruption. , em dois deles “as taxas de crescimento estavam bem acima das de todas as economias avaliadas como relativamente livres de corrupção” (BRATSIS, 2014BRATSIS, Peter. Political Corruption in the Age of Transnational Capitalism. Historical Materialism, Londres, v. 22, p. 105-128, 6 maio 2014. DOI https://doi.org/10.1163/1569206X-12341334. Disponível em: https://brill.com/view/journals/hima/22/1/article-p105_4.xml?ebody=article%20details. Acesso em: 6 de julho de 2021.
https://doi.org/10.1163/1569206X-1234133...
, p, 120-1). Isto sugere que esta relação é menos direta do que suposto pelos estudos apontados pela Transparência Internacional.

Os estudos hegemônicos caracterizam que a corrupção age como um imposto não oficial sobre os investimentos, provocando reações dos investidores estrangeiros. Assim, conforme Source Book, para um país atrair investimentos estrangeiros ele deve minimizar a corrupção e sua taxa extra ilícita sobre os investidores. Entretanto, é possível questionar a incidência real da corrupção, visto que os envolvidos nela não têm interesse em assumir suas práticas corruptas. Ademais, nas pesquisas das agências internacionais é desconsiderado o protagonismo das próprias empresas em subornar o agente público para ter vantagem na concorrência.

Essas medidas de incidência de corrupção são baseadas na opinião de empresários e setores voltados aos interesses de mercado. Os resultados destas pesquisas “refletem o impacto da corrupção no setor público conforme percebidos pelas empresas privadas e tendem a negligenciar seu impacto em outras áreas da sociedade” (HINDESS, 2005HINDESS, Barry. Investigating International Anti-corruption. Third World Quarterly, [s. l.], v. 28, p. 1389-1398, 2005. DOI https://doi.org/10.1080/01436590500336864. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01436590500336864?journalCode=ctwq20. Acesso em: 22 jun. 2021.
https://doi.org/10.1080/0143659050033686...
, p. 1395). Os países com dificuldade em atrair investimento estrangeiro são, tautologicamente, considerados lugares ruins para fazer negócios, segundo a opinião das empresas estrangeiras. Hindess (2005HINDESS, Barry. Investigating International Anti-corruption. Third World Quarterly, [s. l.], v. 28, p. 1389-1398, 2005. DOI https://doi.org/10.1080/01436590500336864. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01436590500336864?journalCode=ctwq20. Acesso em: 22 jun. 2021.
https://doi.org/10.1080/0143659050033686...
, p. 1395) supõe que a solução para o problema da corrupção talvez devesse ser tratada em termos semelhantes, através da influência sobre a visão dos investidores internacionais, de forma que estes possam perceber nos países em desenvolvimento um ambiente institucional no qual possam se sentir capazes de negociar. É importante também considerar a autodeterminação dos povos e o respeito à soberania da nação que eventualmente não opte por atrair investimentos estrangeiros.

Percebe Gayatri Spivak que o poder está mais fortemente presente no discurso do que na ação ou na violência física. Neste discurso sobressai o autorizado, o da autoridade, dentre eles o discurso acadêmico. Tal como Said, em Orientalism (1995SAID, E. Orientalism. London: Penguin Books, 1995.), Spivak denuncia os problemas do conhecimento imposto, como os revestidos de cientificidade por aparentar ser apolítico e imparcial, pois é o meio mais efetivo de opressão por parte da elite intelectual. A voz política da autoridade, através do intelectual ou acadêmico ocidental, molda o outro. “O exemplo mais claro disponível de tal violência epistêmica é o projeto remotamente orquestrado, extenso e heterogêneo para constituir o sujeito colonial como Outro” (tradução minha)33 33 “The clearest available example of such epistemic violence is the remotely orchestrated, far-flung, and heterogeneous project to constitute the colonial subject as Other.” (SPIVAK, 1988SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak?. In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence (org.). Marxism and the Interpretation of Culture. London: Urbana : University of Illinois Press, 1988., p. 25). Spivak (1990, p. 108-9) reconhece que o silêncio é uma das condições do subalterno, relacionando esta condição à Vertretung e Darstellung utilizados por Karl Marx em Dezoito Brumário de Luís Bonaparte. Vertretung refere-se à representação no sentido de procuração em que os poderes são transferidos a outra pessoa, no mesmo sentido que a representação política das minorias perante o Estado. Darstellung diz respeito à representação no sentido de retratação dos sujeitos feita pelo seu porta-voz, que, diante desta condição, deve simultaneamente representar a si mesmo como sujeito deste processo, identificando-se como parte da categoria genérica dos seus representados. Vertretung retrata a necessidade de as camadas oprimidas necessitarem de mediadores para que suas reivindicações sejam consideradas, tal como o subalterno, tendo em vista sua condição de silenciamento. Consequentemente, o subalterno torna-se objeto do seu procurador na exploração capitalista e nos âmbitos de poder, impossibilitando sua plena subjetividade. Nestas condições, Outra pessoa confere sua legitimidade, o seu lugar no espaço público é por ele protagonizado, tornando este lugar do Outro do poder (CARVALHO, 2001CARVALHO, José Jorge de. O olhar etnográfico e a voz subalterna. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 7, n. 15, p. 107-147, Julho de 2001 2001. DOI https://doi.org/10.1590/S0104-71832001000100005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ha/a/kNnShbTR3wLSWgCspyx8JBv/?lang=pt#. Acesso em: 22 maio 2020.
https://doi.org/10.1590/S0104-7183200100...
).34 34 Carvalho (2001) destaca a necessidade de “capturar o momento em que a re-presentação se funde à a-presentação, pois ele é especialmente propício para o surgimento de processos de insurreição e de movimentos sociais não cooptados e revolucionários, na medida em que as classes subalternas tentarão controlar o modo como serão representadas”. Estes recursos são amplamente utilizados na construção do outro corrupto. Os pesquisadores que têm autoridade para conferir hegemonia às conclusões de suas pesquisas são aqueles que coincidem com os interesses do capital internacional, notadamente os escritos em inglês.

O outro corrupto incapaz de se governar e a boa governança neoliberal

Com base nestes estudos hegemônicos, são apontadas duas condições que possibilitam o desenvolvimento do fenômeno da corrupção política. Uma delas é a que reconhece na falta de civilidade de um povo a responsabilidade pela sua propensão à corrupção. As agências internacionais em geral promovem esta ideia a ponto de construir programas com objetivo de ensinar comportamentos éticos e de autocontrole. “Por exemplo, o Anti-Corruption Tool Kit da Transparência Internacional contém planos de aulas para professores instruírem seus alunos em comportamento ético, com desenhos animados e assim por diante”35 35 “For example, Transparency International’s Anti-Corruption Tool Kit contains lesson plans for teachers to instruct their students on ethical behaviour, sample cartoons, and so on.” (BRATSIS, 2014BRATSIS, Peter. Political Corruption in the Age of Transnational Capitalism. Historical Materialism, Londres, v. 22, p. 105-128, 6 maio 2014. DOI https://doi.org/10.1163/1569206X-12341334. Disponível em: https://brill.com/view/journals/hima/22/1/article-p105_4.xml?ebody=article%20details. Acesso em: 6 de julho de 2021.
https://doi.org/10.1163/1569206X-1234133...
, p. 120). Outra condição apontada é a falta de leis e instituições políticas eficientes. Rose-Ackerman (1999) ainda relaciona a questão do crescimento econômico com o efeito deletério da política, isto é, o impacto negativo da política para a economia. Esta ideia, presente na nova literatura econômica sobre a corrupção, fomenta a preferência à gestão tecnocrática ou “governance” em relação à política. Nesta perspectiva, a política está mais sujeita às pressões de grupos de interesse nacionais. Isto pode ser visto como um entrave para o avanço do capital transnacional. Em geral, eles indicam que a política confere espaço que possibilita a corrupção. Este espaço, tendo em vista as pressões de grupos de interesses locais, propicia vantagens às empresas nacionais, próximas aos agentes do Estado. Nesta perspectiva, é construída a caracterização do outro corrupto como incapaz de governar, tema desenvolvido neste momento do artigo.

Conforme demonstra Chimni (2006CHIMNI, B.S. Third World Approaches to International Law: A Manifesto. International Community Law Review, [s. l.], v. 8, p. 3-27, 2006. Disponível em: https://www.jnu.ac.in/sites/default/files/Third%20World%20Manifesto%20BSChimni.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
https://www.jnu.ac.in/sites/default/file...
, p. 16), os países do Norte global buscam ocupar uma posição moral elevada em relação aos outros países. “A incapacidade de governar é projetada como a causa raiz de conflitos internos frequentes e da violação dos direitos humanos que as acompanha, necessitando de assistência humanitária e intervenção do Norte”36 36 “The inability to govern is projected as the root cause of frequent internal conflicts and the accompanying violation of human rights necessitating humanitarian assistance and intervention by the North.” (CHIMNI, 2006CHIMNI, B.S. Third World Approaches to International Law: A Manifesto. International Community Law Review, [s. l.], v. 8, p. 3-27, 2006. Disponível em: https://www.jnu.ac.in/sites/default/files/Third%20World%20Manifesto%20BSChimni.pdf. Acesso em: 4 out. 2021.
https://www.jnu.ac.in/sites/default/file...
, p. 16). Ocultando os circuitos globais do capitalismo, com sua história de acumulação através de guerra colonial e poder imperialista, a corrupção, subdesenvolvimento e pobreza dos outros países são considerados como decorrentes de sua própria incapacidade de governar. O bom governo é o dos países desenvolvidos. A corrupção política é tratada como um sintoma da falta de leis e instituições eficientes para combatê-la.

Para a construção da boa governança capaz de barrar o problema da corrupção, o Source Book da Transparência Internacional apresenta como solução a ideia de um Sistema de Integridade Nacional (National Integrity System - NIS). Hindess (2005HINDESS, Barry. Investigating International Anti-corruption. Third World Quarterly, [s. l.], v. 28, p. 1389-1398, 2005. DOI https://doi.org/10.1080/01436590500336864. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01436590500336864?journalCode=ctwq20. Acesso em: 22 jun. 2021.
https://doi.org/10.1080/0143659050033686...
, p. 1391) percebe que a ideia tem como referência as fontes tradicionais da cultura ocidental, tanto clássica quanto moderna. A organização social que não se molda à estrutura de organização institucional ocidental é considerada não como uma organização social alternativa, mas o próprio caos. A normatização institucional proposta pelo Fundo Monetário Mundial (FMI) à crise financeira asiática, por exemplo, foi criticada por vários estudos por ter deslocado os padrões asiáticos de organização de negócios e finanças em favor de um modelo anglo-americano.37 37 Ver: CHANG, H-J; PALMA, G; et al. The Asian crisis: introduction. Cambridge Journal of Economics. 22 (6), 1998, pp 649 - 652; VESTERGAARD, J. The Asian crisis and the shaping of ‘‘proper’’ economies. Cambridge Journal of Economics, 28, 2004, pp 809 - 827; e WADE, R; VENEROSO, F. The Asian crisis: the high debt model versus the Wall Street - Treasury - IMF complex. New Left Review. 228. 1998 pp 3 - 23. Nos pilares da estrutura proposta está o setor privado e os atores internacionais. A localização do setor privado como fundamental na estrutura proposta, em vez de estar sujeito a supervisão, reflete o imaginário de muitas agências internacionais de que ele, devidamente organizado, tem uma capacidade inata de autorregulação. No que se refere à participação dos atores internacionais, Hindess (2005, p. 1392) observa que os Estados ocidentais reagem negativamente a qualquer sugestão de que sua própria integridade requer a intrusão tutelar de agências internacionais. Hindess (2005, p. 1392) questiona a relação entre as diferentes etapas deste argumento, percebendo que é enganoso tanto considerar a corrupção como responsável por todos os problemas de desenvolvimento econômico, a relação destes problemas com as soluções drásticas apontadas, bem como não há razão para supor que o desenvolvimento do Sistema de Integridade Nacional proposto terá impacto significante sobre o problema. Conforme Hindess, em essência, ele é uma representação idealizada e distintamente neoliberal da estrutura institucional ocidental.

O TI Book Source advoga a favor da construção de coalizões entre agências governamentais, ONGs e o setor privado destinado a prevenir a ocorrência de corrupção. Hindess (2005HINDESS, Barry. Investigating International Anti-corruption. Third World Quarterly, [s. l.], v. 28, p. 1389-1398, 2005. DOI https://doi.org/10.1080/01436590500336864. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01436590500336864?journalCode=ctwq20. Acesso em: 22 jun. 2021.
https://doi.org/10.1080/0143659050033686...
, p. 1392) observa que esta tática não é capaz de combater a corrupção patrocinada por membros da cúpula do poder, indivíduos poderosos e forças políticas importantes, pois seu foco é na corrupção burocrática. Porém, as forças políticas importantes são responsáveis pela criação, manutenção, modificação ou exclusão de políticas públicas fundamentais para a população. Portanto, a corrupção que ameaça a legitimidade popular do governo não é resolvida através desta estratégia. Hindess (2005, p. 1392) retoma a pesquisa de Tim Lindsey e Howard Dick (2002LINDSEY, T; DICK, H (org.). Corruption in Asia: Rethinking the Governance Paradigm. Sydney: Federation Press, 2002.) sobre as condições na Indonésia e no Vietnã, em que argumentam que as reformas da “boa governança” não podem ter sucesso, a menos que também enfrentem a corrupção dos indivíduos poderosos e forças políticas importantes. Porém, a estratégia da construção de coalizões dificulta isto.

Então, “por que as agências internacionais, patrocinadores e ONGs continuam a promover com tanta veemência uma nova agenda de reforma que não pode atingir seus objetivos?” (HINDESS, 2005HINDESS, Barry. Investigating International Anti-corruption. Third World Quarterly, [s. l.], v. 28, p. 1389-1398, 2005. DOI https://doi.org/10.1080/01436590500336864. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01436590500336864?journalCode=ctwq20. Acesso em: 22 jun. 2021.
https://doi.org/10.1080/0143659050033686...
, p. 1392). Tal como o Banco Mundial usa o problema da pobreza no mundo em desenvolvimento para legitimar suas iniciativas de boa governança e promover sua versão da agenda neoliberal38 38 Ver: Larner & Walters, Global Governmentality: governing international spaces. London and New York: Routledge. 2004. a TI usa o problema da corrupção para promover o Sistema de Integridade Nacional como um meio de legitimação e aplicação de um impactante programa de reforma social (HINDESS, 2005, p. 1391). É o othering através do combate à corrupção. Assim como o Banco Mundial insiste que o problema da pobreza nos países em desenvolvimento não deve ser enfrentado diretamente, mas através das condições políticas e econômicas sugeridas pela escola de economia neoclássica, da mesma forma é a proposta das instituições internacionais de combate à corrupção política. É propagandeada a ideia de que através de uma abordagem indireta, pelo estabelecimento de uma proposta de bom governo, notadamente através de políticas econômicas neoliberais, é possível combater a corrupção e levar os países em desenvolvimento a um crescimento econômico estável e confiável, melhorando as condições de vida da população. Tanto o Banco Mundial quanto o Sistema de Integridade Nacional do TI Source Book, propõem uma estrutura institucional ocidental para os Estados em desenvolvimento, privilegiando o setor privado e a sociedade civil no governo geral da sociedade, bem como propõem o papel tutelar das agências internacionais. Objetiva-se criar um ambiente institucional em que os investidores internacionais sintam-se livres para fazer negócios sem desembaraços nestes países em desenvolvimento.

Apesar de ser um problema sério em todos os países, incluindo os industrializados, nos países em desenvolvimento e em transição a corrupção é vista como mais grave, tendo em vista sua já precária situação econômica e social. Conforme percebe o TI Source Book (POPER, 2000POPER, Jeremy. Confronting corruption: the elements of a national integrity system. London: Transparency International (TI). 2000., p. 2), “a corrupção está aprofundando níveis indefensáveis de pobreza extrema” (tradução minha)39 39 No original: “corruption is deepening already indefensible levels of extreme poverty” . Além disto, apesar de ela aparecer tanto no setor privado quanto no público, concentra-se principalmente no impacto da corrupção no setor público. Estas são as duas características centrais da internacionalização do combate à corrupção presentes no Source Book da Transparência Internacional. Hindess (2002, p. 1394) percebe que, na realidade, “As análises das maneiras pelas quais a corrupção distorce os mercados, recompensa o improdutivo e reduz o bem-estar geral da população são a moeda comum do discurso neoliberal” (minha tradução)40 40 Em suas palavras: “Analyses of the ways in which corruption distorts markets, rewards the unproductive and reduces the general welfare of the population are the common currency of neoliberal discourse.” . Em regra, as organizações internacionais de combate à corrupção, tal como no livro da Transparência Internacional, incitam os outros países à promoção do programa de alinhamento neoliberal. Os projetos neoliberais almejam governar indiretamente certos tipos de atividades através de campos organizados de interação livre (HINDESS, 2004; ROSE, 1999). Esse governo indireto é característico do neoliberalismo, diferente das formas anteriores. Assim, em vez do controle direto na política econômica local, o controle pode ser observado através dos arranjos de mercado ou similares ao mercado e de auditoria, regulamentando, assim, a conduta de indivíduos, órgãos privados e públicos. Já na política econômica internacional, este controle pode ser notado na promoção do comércio, da uniformidade do direito comercial, das disciplinas de mercado associadas às restrições indiretas sobre as condutas dos Estados, bem como através de mercados financeiros consolidados e suas poderosas instituições financeiras internacionais (HINDESS, 2004). Portanto, um aspecto peculiar do neoliberalismo, diferenciando-o do liberalismo clássico, é a aposta no controle indireto do mercado com vistas aos seus interesses.

Os discursos de boa governança anticorrupção auxiliam na legitimação de reformas que servem a um propósito diverso. Pagden (1998PAGDEN, Anthony. The Genesis of "Governance" and Enlightenment Inceptions of the Cosmopolitan World Order. International Social Science Journal , [s. l.], v. 50, n. 155, p. 7-15, 1998. DOI 10.1111/1468-2451.00105. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/228037009_The_Genesis_of_Governance_and_Enlightenment_Inceptions_of_the_Cosmopolitan_World_Order. Acesso em: 23 jul. 2021.
https://www.researchgate.net/publication...
, pp 7-15) explica que este discurso da boa governança, associado ao desenvolvimento em estados pós-coloniais, é um mecanismo de legitimação de uma determinada perspectiva das relações internacionais, conforme os interesses das agências financeiras internacionais e empresas multinacionais. O objetivo real é assegurar a posição das agências financeiras internacionais, empresas multinacionais e agências de crédito no cerne do regime internacional.

Há, então, a relação entre a aparência do discurso da boa governança e a essência das práticas predatórias. Na aparência há um idioma cosmopolita de reconhecimento das particularidades culturais dos Estados e identificando valores comuns nesta diversidade. Na essência esse valor comum é a agenda neoliberal, porfiando nos outros Estados um conjunto de valores, instituições e práticas de governança segundo os Outros Estados. O movimento anticorrupção global promove o mesmo tipo de universalismo. O programa neoliberal prefere se impor através de ações menos coercitivas possíveis. As agências, como a Transparência Internacional, que não têm poderes coercitivos próprios, operam por meio de persuasão e exemplos, sugerindo aos ativistas, Estados e outras agências a forma que se deve combater o problema da corrupção política, insistindo no papel do setor privado, ONGs e agências internacionais em função tutelar (HINDESS, 2005HINDESS, Barry. Investigating International Anti-corruption. Third World Quarterly, [s. l.], v. 28, p. 1389-1398, 2005. DOI https://doi.org/10.1080/01436590500336864. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01436590500336864?journalCode=ctwq20. Acesso em: 22 jun. 2021.
https://doi.org/10.1080/0143659050033686...
, p. 1397). O Sistema de Integridade Nacional do TI Source Book e a boa governança representa a versão atual do antigo sistema de capitulações, quando era exigido dos países independentes o reconhecimento da jurisdição extraterritorial dos Estados ocidentais, notadamente na área do direito comercial.

A experiência brasileira com a Operação Lava Jato

É possível perceber a utilização dos mecanismos de othering no combate à corrupção no Brasil durante a Operação Lava Jato, assim como em outros países latinos americanos, através da implementação de uma guerra jurídica41 41 Esta guerra jurídica é uma guerra híbrida, alternativa às guerras tradicionais. Também conhecida como Lawfare, ela aparece como politicamente neutra, mas em essência consiste no uso estratégico do direito para a consecução de fins geopolíticos. No contexto da América Latina, Romano (2020, p. 35) reconhece que “El lawfare es la guerra por otros medios para garantizar la libertad de los mercado y la naturalización de un sistema internacional asimétrico”. Reconhece Celso Amorim que o Lawfare é utilizado por alguns setores da justiça para tornar algo legítimo, como o combate à corrupção, em algo seletivo e partidário, com o objetivo de manter o modelo político de dependência latino-americano ao capital internacional, conforme expõe no documentário La Guerra Judicial en Latinoamerica - Lawfare In the Backyard, no canal NuestrAmerica Audiovisual, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Oi5fEkK77ok>. com fins geopolíticos. A grande Operação Lava Jato, iniciada em 2014, serve de exemplo, pois aparece como algo legítimo: o combate à corrupção. Porém, ela foi utilizada visando tornar as acusações de corrupção em “pânicos morais” (WEIS, 2020WEIS, Valeria Vegh. La destrucción de la criminologia. In: ZAFFARONI, Eugenio Raúl; CAAMAÑO, Cristina; WEIS, Valeria Vegh. ¡Bienvenidos al lawfare!: manual de pasos básicos para demoler el derecho penal. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2020.) para legitimar o deslocamento de oponentes políticos e aprofundar políticas neoliberais, conforme é desenvolvido nesta parte do artigo.

Os Estados Unidos da América vem demonstrando grande interesse em combater a corrupção, especialmente a dos latino-americanos. Por isso, a corrupção passou a ser por eles considerada crime transnacional e ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos (RAMINA, 2021RAMINA, L. La guerra jurídica: lawfare en Brasil. NODAL, marzo 2021. Disponível em: <https://www.nodal.am/2021/03/la-guerra-juridica-lawfare-en-brasil-por-larissa-ramina/> . Acesso em: 20 Jan. 2023.
https://www.nodal.am/2021/03/la-guerra-j...
). Então, foi editado um sofisticado marco legislativo e institucional securitizando o combate à corrupção, assegurando a investigação e a sanção judicial contra atos de corrupção transnacional na América Latina pela jurisdição estadunidense (RAMINA, 2021). Surge, neste contexto, o Foreign Corrupt Practices Act (FCPA) ou Lei de Práticas de Corrupção no Exterior, lei federal dos Estados Unidos da América de 1977 com a finalidade de combater o suborno de funcionários públicos no exterior. Inicialmente, o FCPA era restrito às empresas estadunidenses. Após a emenda de 1998, alargou o seu alcance para as empresas e pessoas estrangeiras que promovam atos de corrupção dentro dos EUA; tenham valores na bolsas de valores dos EUA ou façam parte, mesmo que indiretamente, de operações indevidas com efeitos sobre o território estadunidense. O FCPA foi novamente ampliado após 11 de setembro 200142 42 Neste contexto, em 2001, o Patriot Act, notadamente o título 3º International Money Laudering Abatement and Financial Anti-Terrorism Act of 2001, voltado ao combate da lavagem de dinheiro internacional e do financiamento ao terrorismo, concedeu a adoção de medidas extremas aos órgãos de segurança dos Estados Unidos da América sem necessidade de autorização judicial especial, tais como interceptação telefônica e acesso a e-mails de pessoas ou organizações de qualquer país suspeitas de ligação com o terrorismo internacional. Para mais informações, ver: <https://www.congress.gov/bill/107th-congress/senate-bill/1511?s=1&r=4> Acesso em 20 jan. 2023. , considerando a corrupção um mal sistêmico supranacional vinculado ao terrorismo. O entendimento é que o criminoso corrupto pode compor organização criminosa e movimentar dinheiro no sistema financeiro transnacional (PRONER, 2019PRONER, Carol. Lawfare como herramienta de los neofascismos. In GUAMÁN, Adoración; Aragoneses ALFONS Y MARTÍN, Sebastián (org.). Neofascismo: bestia neoliberal. Madrid: Siglo XXI Editores. 2019.). O FCPA, portanto, confere extraterritorialidade à jurisdição estadunidense no combate à corrupção (ROMANO, 2021ROMANO, Silvina; LONDOÑO, Rafael Britto. Ley anticorrupción de EUA y lawfare en América Latina. 2021. Disponível em: https://www.celag.org/ley-anticorrupcion-de-estados-unidos-y-lawfare-en-america-latina/ Acesso em: 10 fev. 2023
https://www.celag.org/ley-anticorrupcion...
), elevando os EUA ao patamar de “juiz global” no combate à corrupção (ROMANO; LONDOÑO, 2021). A justificativa da extraterritorialidade do FCPA é proteger os interesses nacionais dos países das consequências nefastas da corrupção, que tornam os outros Estados espaços inseguros, impedem seu desenvolvimento, condena suas populações à pobreza e demonstra que seus sistemas de justiça são ineficientes (KOHELER, 2015KOHELER, M. The Uncomfortable Truths and Double Standards of Bribery Enforcement. Fordham Law Review, v.82, n.4, 2015). Assim, é possível perceber aqui a repetição da dimensão linguístico-discursiva de othering, conforme analisada nos tópicos anteriores, notadamente o outro corrupto incapaz de governar, carente de leis e instituições eficientes.

Uma de suas estratégias de combate à corrupção é a United States Agency for International Development (USAID)43 43 Ver mais em: <https://www.usaid.gov/> Acesso em 20 Jan. 2023. . O documento trata dos desafios da corrupção e dos recursos que devem ser direcionados para combatê-la. O treinamento judicial e processual integra esta estratégia desde 2005 (USAID, 2022), afinal, em sua perspectiva, o outro corrupto é incapaz de ter uma jurisdição eficaz. Assim, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos se incumbiu de assessorar membros do judiciário da América Latina, a fim de ensinar técnicas e mecanismos contra a corrupção, terrorismo e lavagem de dinheiro. O juiz que mais obteve destaque na Operação Lava Jato, Sérgio Moro, foi um dos assessorados (RAMINA, 2020RAMINA, Larissa. Quando a Parcialidade-Perversidade do Sistema de Justiça Abre Caminho para a Violação do Direito Internacional: um Ensaio sobre a Responsabilidade Internacional dos EUA. In: Lênio Streck; Marco Aurélio de Carvalho. (Org.). O livro das suspeições: o que fazer quando sabemos que Moro era parcial e suspeito? 1ed.Rio de Janeiro: Editora Telha, 2020, p. 284-299. Disponível em: https://www.prerro.com.br/baixe-agora-o-livro-das-suspeicoes/ Acesso em 04 jan. 2023.
https://www.prerro.com.br/baixe-agora-o-...
). Da mesma forma, o Office of Overseas Prosecutorial Development, Assistance and Training (OPDAT)44 44 Mais informações: <https://www.justice.gov/criminal-opdat> Acesso em 20 Jan 2023. capacita agentes do judiciário de outros países, especialmente destinando promotores estadunidenses às embaixadas dos outros países para aconselhar e treinar seus promotores, juízes e demais juristas. Existe também o International Criminal Investigative Training Assistance Program (ICITAP)45 45 Para mais informações, ver: <https://www.justice.gov/criminal-icitap> Acesso em 20 Jan. 2023. , que funciona com a cooperação dos órgãos policiais de governos parceiros no combate à corrupção, ao crime transnacional e ao terrorismo. A delação premiada foi um instituto amplamente usada pelos cursos promovidos na América Latina (OROÑO, 2019OROÑO, Amílcar Salas. Juristocracia y ámbitos de aplicación en el lawfare brasileño. In: ROMANO, Silvina (comp.). Lawfare: guerra judicial y neoliberalismo en américa latina. Buenos Aires: Marmol Izquierdo Editores, 2019., p. 37). Nela, o delator pode continuar com parte da riqueza obtida ilegitimamente, entregando a parte do fisco, como prêmio pela colaboração, bem como ter pena drasticamente reduzida, podendo permanecer com sua vida de elevado padrão. Aragão (2020ARAGÃO, Eugênio. Ministério Público no Lawfare: a arquitetura institucional em crise? In FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer; CITTADINO, Gisele; LIZIERO, Leonan (org.). Lawfare: o calvário da democracia brasileira. Andradina: Meraki, 2020., p. 183) critica este mecanismo, pois confere margem de manobra da autoridade persecutória para perseguir o grupo político alvo, com vistas à desmoralizá-lo, puni-lo e, assim, excluí-lo das disputas políticas.

Assim como o combate à corrupção na América Latina, a competição por recursos naturais, especialmente os estratégicos, é considerada questão de segurança nacional para os Estados norte-americanos (LATJMAN; FERNANDÉZ, 2021LATJMAN, Tamara; FERNANDÉZ, Aníbal Garcia. Dependencia estratégica: EE.UU., recursos naturales en América Latina y el Caribe y conexión energética. In: ROMANO, Silvina (comp.). Trumperalismo: la guerra permanente contra américa latina. Buenos Aires: Mármol Izquierdo Editores, 2021). A América Latina é a mais próxima fonte de abastecimento, possuindo 20% das reservas mundiais de petróleo e gás natural (LATJMAN; FERNANDÉZ, 2021). Coincidentemente, desde a promulgação da FCPA, os processos judiciais e as ações coercitivas que predominam são contra o setor de energia, notadamente óleo e gás, com o montante de 89 ações (ROMANO; LONDOÑO, 2021ROMANO, Silvina; LONDOÑO, Rafael Britto. Ley anticorrupción de EUA y lawfare en América Latina. 2021. Disponível em: https://www.celag.org/ley-anticorrupcion-de-estados-unidos-y-lawfare-en-america-latina/ Acesso em: 10 fev. 2023
https://www.celag.org/ley-anticorrupcion...
). Entre 1977 e 2013, dos 141 processos movidos pela Securities and Exchange Commission (SEC) e o Departamento de Justiça norte-americano (DOJ), 41 foram ações contra corrupções relacionadas ao setor de óleo e gás (NOZAKI, 2020NOZAKI, William Vella. Capitalismo e corrupção: o caso da petrobras e a operação lava jato. Texto Para Discussão INEEP, Rio de Janeiro, v. 1, n. 16, p. 1-21, abr. 2020. Disponível em: <https://ineep.org.br/textos_discussao/capitalismo-e-corrupc%CC%A7a%CC%83o/> Acesso em: 19 Jan. 2023.
https://ineep.org.br/textos_discussao/ca...
, p.5.).

É também de interesse dos Estados norte-americanos a abertura para o mercado transnacional dos poucos setores industriais brasileiros com predominância de capital nacional, como os setores de petróleo, gás e construção civil (MOURA, PAULA, 2021MOURA, R.; DE PAULA, L. F. A Operação Lava Jato e as Mudanças na Gestão da Petrobras: Uma avaliação dos impactos econômicos gerais e locais. 2021. Disponível em: <https://www.academia.edu/45440397/A_Opera%C3%A7%C3%A3o_Lava_Jato_e_as_Mudan%C3%A7as_na_Gest%C3%A3o_da_Petrobr%C3%A1s_Uma_avalia%C3%A7%C3%A3o_dos_impactos_econ%C3%B4micos_gerais_e_locais>. Acesso em 18 Jan. 2023
https://www.academia.edu/45440397/A_Oper...
). Em decorrência da Operação Lava Jato, 30% do montante angariado pelo Tesouro dos Estados Unidos da América com base no FCPA foi retirado do Brasil (RICOBOM, 2020RICOBOM, Gisele. Fundação Lava Jato e as Estratégias de Ampliação do Poder Político do Ministério Público Federal. In: STRECK, Lenio Luizet al (Org.). O livro das parcialidades: o que fazer quando sabemos que Moro era parcial e suspeito? 1ed. Rio de Janeiro: Editora Telha, 2020, p. 284-299. Disponível em: https://www.prerro.com.br/o-livro-das-parcialidades-baixe-o-e-book/ Acesso em 10 fev. 2023.
https://www.prerro.com.br/o-livro-das-pa...
, p. 134). Só à translatina Odebrecht46 46 Pedro Henrique Campos destaca que Thomas Shannon, ex-embaixador dos EUA no Brasil, expôs a preocupação do governo dos EUA com a formação do bloco sul-americano de esquerda, bem como com o papel da Odebrecht neste processo, dificultando o acordo de livre comércio no plano continental. Ver mais em: CAMPOS, Pedro Henrique. Os efeitos da crise econômica e da operação Lava Jato sobre a indústria da construção pesada no Brasil: falências, desnacionalização e desestruturação produtiva. Mediações, Londrina, v. 24, n. 1, p. 127-158, abr. 2019. Disponível em: <https://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/viewFile/35617/pdf>. Acesso em: 19 ago. 2021. p. 143. S.A. foi imposta penalidade monetária no valor de 3,6 bilhões de dólares, considerada a maior sanção monetária imposta a Entity Groups aplicada pelas autoridades judiciais dos EUA na história do FCPA47 47 Veja a lista das maiores sanções monetárias dos EUA por grupo de entidades disponível em: <https://fcpa.stanford.edu/statistics-top-ten.html>. Acesso em 28 jan. 2023. . Em decorrência dessas multas, a Odebrecht ruiu, desmoronando junto o desenvolvimento em infraestrutura da região e abrindo espaço para empresas estrangeiras (ROMANO, 2021ROMANO, Silvina; LONDOÑO, Rafael Britto. Ley anticorrupción de EUA y lawfare en América Latina. 2021. Disponível em: https://www.celag.org/ley-anticorrupcion-de-estados-unidos-y-lawfare-en-america-latina/ Acesso em: 10 fev. 2023
https://www.celag.org/ley-anticorrupcion...
). Este resultado foi benéfico aos EUA, tanto que, em 2019, Wilbur Ross, secretário do Tesouro estadunidense, assinou um Memorando de Entendimento para favorecer investimentos norte-americanos nessa área (ROMANO, 2021).

Já contra a Petrobras foi cominada pena de 1,8 bilhão de dólares, a quarta maior penalidade aplicada pelo judiciário dos EUA na história do FCPA48 48 Veja a lista das maiores sanções monetárias dos EUA por grupo de entidades disponível em: <https://fcpa.stanford.edu/statistics-top-ten.html>. Acesso em 28 jan. 2023. . Conseguintemente, de 2014 à 2019 a Petrobras desceu do 28º para o 74º lugar no ranking Global 500 da Revista Forbes. É estimado que a operação impactou negativamente em 2,5% do produto interno bruto (PIB) em 2015, bem como reduziu a 2,0% do PIB em investimentos da Petrobras (NOZAKI, 2021, p. 13). Com a mudança política proporcionada pela Lava Jato, isto é, o Impeachment de Rousseff em 31 de agosto de 2016, a Petrobras passou a ser gerida por Pedro Parente, durante o governo Temer. Eles reorientaram as prioridades corporativas da Petrobras, com base no retórico argumento de superação da gestão corrupta do mandato anterior (MOURA; PAULA, 2021MOURA, R.; DE PAULA, L. F. A Operação Lava Jato e as Mudanças na Gestão da Petrobras: Uma avaliação dos impactos econômicos gerais e locais. 2021. Disponível em: <https://www.academia.edu/45440397/A_Opera%C3%A7%C3%A3o_Lava_Jato_e_as_Mudan%C3%A7as_na_Gest%C3%A3o_da_Petrobr%C3%A1s_Uma_avalia%C3%A7%C3%A3o_dos_impactos_econ%C3%B4micos_gerais_e_locais>. Acesso em 18 Jan. 2023
https://www.academia.edu/45440397/A_Oper...
). Na prática, foi imediatamente impulsionado o recolhimento do monopólio das reservas do Pré-Sal, possibilitando investimentos em licitações de blocos offshore de petróleo em plataformas submarinas brasileiras às empresas estrangeiras Chevron, Exxon Mobil, Repsol, Statoil, Royal Dutch Shell (ROMANO, 2020ROMANO, Silvina. Lawfare y neoliberalismo en América Latina: una aproximación. Sudamérica: Revista de Ciencias Sociales, Mar del Plata, n. 13, p. 14-40, dez. 2020). Na segunda metade de 2017 houve um drástico encarecimento da estrutura de custos nacionais, provocado pela aplicação na Petrobras da lógica de reajustes de preços automáticos conforme determinantes exógenos. A gestão de Parente e Temer priorizou o shareholder value, isto é, a maximização do valor aos acionistas e a lógica de gestão fundamentalmente financeira como eixo principal de acumulação. Esta lógica não visa os interesses sociais, autossuficiência energética e estratégias nacionais, apenas prioriza a meta financeira de desalavancagem e remuneração dos acionistas em curto prazo (GUTTMANN, 2009; MURA; PAULA, 2021). Isto foi possível com a nova política de preços, privatização de refinarias, gasoduto, parte da subsidiária BR distribuidora e outros ativos, bem como o abandono dos investimentos e aprimoramentos do parque de refino, concentrando a exploração de petróleo e exportações de óleo cru para refino no exterior e reimportação como combustível no Brasil (MOURA; PAULA, 2021). A Petrobras, então, recuou enquanto operadora monopolista do Pré-Sal, deixando de ser um pilar estratégico industrial de desenvolvimento nacional e local no setor de petróleo, gás e de engenharia. Como consequência, a estatal e todo o país ficaram mais expostos à taxa de câmbio e demanda estrangeira (MOURA, PAULA, 2021).

Em janeiro de 2019, no primeiro ano do governo Bolsonaro49 49 Convém ressaltar que o Juiz Sérgio Moro compôs o governo Bolsonaro como Ministro da Justiça. Ele é o mesmo Juiz que foi assessorado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos como estratégia de combate à corrupção instruída pela United States Agency for International Development (USAID) e o responsável pela prisão de Lula, mais forte adversário político do Bolsonaro. Em 2021 o Superior Tribunal de Justiça anulou as condenações de Lula, que pode participar das eleições de 2022 e vencer Bolsonaro. , com a gestão de Roberto Castello Branco na Petrobras, foi adotada a política de preços conforme o mercado internacional, bem como aplicados mais cortes de custos, venda de ativos e pagamento de dividendos aos acionistas. Só em 2019 a Petrobras se desfez de cerca de 50% do seu parque de refino e unidades produtivas, bem como perdeu R$ 70,3 bilhões de ativos através da privatização de suas subsidiárias, como a BR Distribuidora, TAG Liquigás, etc (MOURA; PAULA, 2021MOURA, R.; DE PAULA, L. F. A Operação Lava Jato e as Mudanças na Gestão da Petrobras: Uma avaliação dos impactos econômicos gerais e locais. 2021. Disponível em: <https://www.academia.edu/45440397/A_Opera%C3%A7%C3%A3o_Lava_Jato_e_as_Mudan%C3%A7as_na_Gest%C3%A3o_da_Petrobr%C3%A1s_Uma_avalia%C3%A7%C3%A3o_dos_impactos_econ%C3%B4micos_gerais_e_locais>. Acesso em 18 Jan. 2023
https://www.academia.edu/45440397/A_Oper...
). Apenas no primeiro três meses de 2020, as refinarias da Petrobras foram colocadas à venda e contratado o Citigroup para vender 50% de sua capacidade de refino, isto é, 1,1 milhão de barris por dia, comprometendo a soberania e segurança energética do Brasil (LATJMAN; FERNANDÉZ, 2021LATJMAN, Tamara; FERNANDÉZ, Aníbal Garcia. Dependencia estratégica: EE.UU., recursos naturales en América Latina y el Caribe y conexión energética. In: ROMANO, Silvina (comp.). Trumperalismo: la guerra permanente contra américa latina. Buenos Aires: Mármol Izquierdo Editores, 2021). A política de preços da Petrobras e a venda das suas subsidiárias acarretou grande carestia para a população brasileira, elevando os preços dos combustíveis e do botijão de gás, mesmo diante do contexto de recordes em produção de petróleo nacional (PINTO, 2019PINTO, Eduardo Costa. Financeirização e desintegração vertical da Petrobras: quem ganha com isso. In: LEÃO, Rodrigo; NOZAKI, William (org.). Geopolítica, estratégia e petróleo: transformações internacionais e nacionais. Rio de Janeiro: Ineep/Flacso, 2019. Disponível em: <https://ineep.org.br/geopolitica-estrategia-e-petroleo-transformacoes-internacionais-e-nacionais/> Acesso em: 20 jan 2023.
https://ineep.org.br/geopolitica-estrate...
). Observa Ladislau Dowbor (2017DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo: Por que oito famílias tem mais riqueza do que a metade da população do mundo? São Paulo: Autonomia Literária, 2017., p. 265) que “Atacar e desorganizar as empresas, para facilitar a sua aquisição por outros grupos, constitui apenas outro grau de corrupção”.

Além da competição por recursos naturais e ampliação do capital transnacional sobre o nacional, é importante para os EUA a manutenção de sua hegemonia sobre os países da América Latina. Ela foi agravada pela maior presença de países como China e Rússia50 50 Uma dessas influências é o projeto de construção da Ferrovia Transoceânica, proposta ao Brasil, Chile, Colômbia e Peru pelo ministro chinês Li Keqiang em sua visita à América do Sul no início de 2015. A proposta visa aproximar o mundo da economia chinesa através de políticas de investimentos em infraestrutura global, como a One Belt One Road (OBOR) chinesa, também conhecida como a Nova Rota da Seda. Sendo concretizada, ela mudará a geopolítica continental, auxiliando o Brasil no contato com o Oceano Pacífico e possibilitando a formação de uma plataforma de cooperação entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico (KORYBKO, 2017). na região (TIRADO; ESCALANTE, 2021TIRADO, Arantxa; ESCALANTE, Félix Caballero. Rusia em América Latina y el Caribe: ¿amenaza para EE.UU.? In: ROMANO, Silvina (comp.). Trumperalismo: la guerra permanente contra américa latina. Buenos Aires: Mármol Izquierdo Editores, 2021.). Diante disto, no dia 1º de fevereiro de 2018, o então secretário de Estado Rex Tillerson discursou na Universidade do Texas defendendo o direito dos EUA bloquear interferência externa no hemisfério e a importância atual da Doutrina Monroe51 51 O jornalista do The New York Times, Christopher Sabatine, escreveu: “He kicked off the tour last week with a stop at his alma mater, the University of Texas, Austin, where he gave a tin-eared endorsement of the 1823 Monroe Doctrine, saying that America’s right to block outside interference in the hemisphere is ‘as relevant today as it was the day it was written’.” Disponível em: <https://www.nytimes.com/2018/02/09/opinion/tillerson-latin-america.html>. SABATINE, Christopher. Tillerson’s Attempt to Mend Ties in Latin America. The New York Times. Nova Iorque, 9 fev. 2018. Acesso em 27 de jan. 2023. . A maior presença da China e Rússia na região latino-americana é considerada um desafio estratégico para os EUA, conforme presente no documento Global Theater Strategy 2017-2027, da United States Southern Command: Partnership for the Americas (USA, 2017, p. 2-3). Para combater as “ameaças” estrangeiras, é reavivado o senso comum anticomunista, utilizada como estratégia política de intervenção nos processos eleitorais dos países estratégicos através do forte uso de novas técnicas. Esta estratégia é incrementada com o discurso de combate à corrupção. Nas eleições brasileiras em que Bolsonaro participou como candidato à presidente, os discursos de combate à corrupção e ao comunismo estavam profundamente presentes.

Conforme dados vazados por Edward Snowden da National Security Agency (NSA), tendo em vista o interesse estratégico norte-americano, o governo brasileiro e a Petrobras estiveram entre os mais vigiados pelo sistema de espionagem dos EUA. Um ano após a descoberta do pré-sal foi recriada a IV Frota da Marina dos EUA, inicialmente criada no contexto da Segunda Guerra Mundial visando monitorar as águas do Atlântico Sul (CAMPOS, 2019CAMPOS, Pedro Henrique. Os efeitos da crise econômica e da operação Lava Jato sobre a indústria da construção pesada no Brasil: falências, desnacionalização e desestruturação produtiva. Mediações, Londrina, v. 24, n. 1, p. 127-158, abr. 2019. Disponível em: https://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/viewFile/35617/pdf. Acesso em: 19 jan. 2023.
https://www.uel.br/revistas/uel/index.ph...
, p. 143). Em 2009, no ano seguinte, começaram as trocas de informações sobre lavagem de dinheiro e combate à corrupção entre o Departamento de Justiça dos EUA e integrantes do Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal brasileiras. Em 2014 inicia a Operação Lava Jato (NOZAKI, 2019NOZAKI, William Vella. A nova geopolítica do petróleo no século XX. In: LEÃO, Rodrigo; NOZAKI, William (org.). Geopolítica, estratégia e petróleo: transformações internacionais e nacionais. Rio de Janeiro: Ineep/Flacso, 2019. Disponível em: https://ineep.org.br/geopolitica-estrategia-e-petroleo-transforma#coes-internacionais-e-nacionais/. Acesso em: 19 jan. 2023.
https://ineep.org.br/geopolitica-estrate...
, p. 9-10). Conforme carta enviada em 2021 pelos congressistas norte-americanos ao então Procurador Geral dos EUA, William P. Barr, em outubro de 2015, 17 membros do DOJ, do FBI e do Departamento de Segurança Interna visitaram Curitiba para coletar informações dos promotores da Lava Jato sobre suas investigações e procedimentos em andamento52 52 Originalmente: “It is a matter of public record that US DOJ agents provided support to Brazilian prosecutors that were part of the Lava Jato operation. It has also come to light that in October of 2015, 17 members of DOJ, the FBI, and the Department of Homeland Security visited Curitiba to receive a full briefing from Lava Jato prosecutors regarding their ongoing investigations and proceedings” (USA, 2019). (USA, 2019). O Diálogo Interamericano (IAD), que atuou preparando reportagens e concedendo declarações à imprensa durante a operação, fez várias propostas e recomendações ao Congresso em 2019 , tais como o uso do FCPA, o monitoramento dos julgamentos importantes na América Latina pelos embaixadores estadunidenses e auxílio ao jornalismo investigativo e à sociedade civil (THE DIALOGUE, 2019). Sérgio Mouro, na época juiz federal de Curitiba, palestrou no curso de aconselhamento sobre lavagem de dinheiro do Departamento de Justiça dos EUA, no Projeto Pontes de 2009.

É possível perceber forte ação de agentes do governo dos EUA, com base no FCPA, na Operação Lava Jato, inclusive fora da legalidade, esquivando-se dos tratados multilaterais, que demandariam mais tempo e procedimentos burocráticos (ROMANO, 2021ROMANO, Silvina; LONDOÑO, Rafael Britto. Ley anticorrupción de EUA y lawfare en América Latina. 2021. Disponível em: https://www.celag.org/ley-anticorrupcion-de-estados-unidos-y-lawfare-en-america-latina/ Acesso em: 10 fev. 2023
https://www.celag.org/ley-anticorrupcion...
). The Intercept Brasil relevou que os agentes norte-americanos receberam informações sobre delatores, bem como se reuniram com seus advogados durante a visita ao Brasil, obtendo informações sigilosas e negociando a cooperação dos delatores com as investigações em curso nos EUA. Em diversos pontos foi desrespeitado o Tratado de Assistência Jurídica Mútua, ou Mutal Legal Assistance Treaty (MLAT), que rege o processo de cooperação judiciária internacional e salvaguarda a soberania nacional. Dentre elas, não foi comunicada ao então Ministro da Justiça a “parceria” na operação entre as autoridades brasileiras e estadunidenses, estabelecida de forma clandestina, criminosa e em desrespeito ao tratado bilateral. Em outro ponto, as informações obtidas ilegalmente foram usadas em desrespeito ao princípio da não intervenção e violando a soberania nacional (RAMINA, 2020RAMINA, Larissa. Quando a Parcialidade-Perversidade do Sistema de Justiça Abre Caminho para a Violação do Direito Internacional: um Ensaio sobre a Responsabilidade Internacional dos EUA. In: Lênio Streck; Marco Aurélio de Carvalho. (Org.). O livro das suspeições: o que fazer quando sabemos que Moro era parcial e suspeito? 1ed.Rio de Janeiro: Editora Telha, 2020, p. 284-299. Disponível em: https://www.prerro.com.br/baixe-agora-o-livro-das-suspeicoes/ Acesso em 04 jan. 2023.
https://www.prerro.com.br/baixe-agora-o-...
, 163-165). O parágrafo primeiro do artigo onze do referido tratado foi violado tendo em vista a atuação da Lava Jato em “pressionar” os investigados à colaborar com os EUA sem o consentimento das autoridades centrais dos dois países. As testemunhas brasileiras ingressaram em solo norte-americano sem salvo-conduto. Portanto, foram violados os princípios do processo justo, imparcial e usadas provas ilícitas. The Intercept tornou público os diálogos entre Sérgio Moro e os promotores. Nesses diálogos reiteradamente ressaltam a importância da espetacularização da Lava Jato para manter a opinião pública contrária ao Partido dos Trabalhadores (OROÑO, 2019OROÑO, Amílcar Salas. Juristocracia y ámbitos de aplicación en el lawfare brasileño. In: ROMANO, Silvina (comp.). Lawfare: guerra judicial y neoliberalismo en américa latina. Buenos Aires: Marmol Izquierdo Editores, 2019., p. 31; BENTES, 2020BENTES, Marlize da S; ANJOS; Leonardo F dos; CAVALCANTI FILHO, Jorge Luiz de M. Lawfare como instrumento de dominação e ameaça às instituições democráticas brasileiras. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer; CITTADINO, Gisele; LIZIERO, Leonan (org.). Lawfare: o calvário da democracia brasileira. Andradina: Meraki, 2020., p. 141), ressaltando narrativas que despertam emoções e exploram sentimentos do espectador em detrimento do racional.

Diante de tais evidências, em 2019, membros do Congresso norte-americano enviaram correspondência ao Procurador-Geral dos EUA da época, William P. Barr, a fim de receber explicações sobre o envolvimento de agentes do DOJ dos EUA na Lava Jato e a série de indicações significativas de irregularidades e ações tendenciosas visando minar as perspectivas eleitoras do Partido dos Trabalhadores do Brasil, numa ameaça à democracia e ao Estado de Direito (USA, 2019). Em 2021 foi enviada nova carta reiterando os questionamentos anteriores, pois não obtiveram respostas substantivas, bem como indagando sobre a receita gerada pela aplicação da FCPA para fins incompatíveis com a democracia, o estado de direito, igualdade de justiça perante a lei e devido processo legal (SANCHES, 2021SANCHES, M. Congressistas dos EUA pedem que governo Biden explique como foi cooperação entre americanos e Lava Jato. BBC News Brasil: Washington, jun. 2021. Disponível em: . Acesso em: 11 fev. 2023.).

Analisando a Lava Jato, é possível reconhecer que, conforme Valeria Weis percebe, os tribunais são os novos campos de batalha, em que as armas usadas são as acusações de corrupção, sendo o poder punitivo o aliado fundamental da neocolonização financeira e neoliberal (WEIS, 2020WEIS, Valeria Vegh. La destrucción de la criminologia. In: ZAFFARONI, Eugenio Raúl; CAAMAÑO, Cristina; WEIS, Valeria Vegh. ¡Bienvenidos al lawfare!: manual de pasos básicos para demoler el derecho penal. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2020., p. 100). Alejandro Médici argumenta que a luta anticorrupção pode ser compreendida como um dispositivo de colonialidade do poder, uma continuidade do colonialismo por outros meios, relacionado à legitimação das elites neoliberais na região e ao domínio hegemônico continental (MEDICI, 2021MEDICI, Alejandro. La guerra jurídica asimétrica como dispositivo de colonialidad del poders. In: CLACSO. Crítica jurídica y política en Nuestra América: lawfare: un concepto en disputa. Buenos Aires: Clacso, 2021. p. 46-61. Disponível em: https://www.clacso.org/wp-content/ uploads/2021/04/V1_Critica-juridica-y-politica_N7.pdf. Acesso em: 19 jan 2023.
https://www.clacso.org/wp-content/ uploa...
, p. 60). Andrew Korybko (2017KORYBKO, Andrew. 21st century geopolitics of Latin America. Seattle: Kindle Independent Publishing, 2017.) denomina Operação Condor 2.0 a estratégia norte-americana de manutenção do controle hegemônico, se valendo especialmente da guerra jurídica para neutralizar a independência regional e deslegitimar governantes que não se alinham aos seus interesses. As guerras tradicionais são substituídas por um novo tipo de guerra, como a híbrida através da guerra jurídica, também conhecida como lawfare (RAMINA, 2021RAMINA, L. La guerra jurídica: lawfare en Brasil. NODAL, marzo 2021. Disponível em: <https://www.nodal.am/2021/03/la-guerra-juridica-lawfare-en-brasil-por-larissa-ramina/> . Acesso em: 20 Jan. 2023.
https://www.nodal.am/2021/03/la-guerra-j...
, p. 162). A guerra híbrida, conforme define a OTAN, consiste no uso de táticas assimétricas, através da investigação e exploração abusiva das fraquezas do alvo por meio não militar, mas apoiadas pela ameaça de meios militares convencionais ou não (TIRADO, 2021TIRADO, Arantxa; ESCALANTE, Félix Caballero. Rusia em América Latina y el Caribe: ¿amenaza para EE.UU.? In: ROMANO, Silvina (comp.). Trumperalismo: la guerra permanente contra américa latina. Buenos Aires: Mármol Izquierdo Editores, 2021.). A complexa intervenção através de guerra híbrida, ou guerra de quarta geração, é capaz de alcançar seu objetivo de destruir lideranças políticas locais não alinhadas aos interesses do capital transnacional, através de sua desmoralização e desestabilização diante das acusações de corrupção, substantivada por Zaffaroni (2015ZAFFARONI, Eugenio Raúl. El derecho latinoamericano en la fase superior del colonialismo. Buenos Aires: Ediciones Madres Plaza de Mayo, 2015., p. 48) como fase superior do colonialismo. A guerra jurídica é a atual estratégia adotada especialmente na América Latina para garantir a liberdade de mercado e neutralizar o sistema internacional assimétrico (ROMANO, 2020ROMANO, Silvina. Lawfare y neoliberalismo en América Latina: una aproximación. Sudamérica: Revista de Ciencias Sociales, Mar del Plata, n. 13, p. 14-40, dez. 2020, p. 35). Nas palavras de Proner (2019PRONER, Carol. Lawfare como herramienta de los neofascismos. In GUAMÁN, Adoración; Aragoneses ALFONS Y MARTÍN, Sebastián (org.). Neofascismo: bestia neoliberal. Madrid: Siglo XXI Editores. 2019., p. 220), “La lucha contra la corrupción, enmarcada ahora como el mal del siglo XXI, se formula de manera abstracta, sirviendo perfectamente al argumento ‘populista cualitativo’ del que habla Umberto Eco cuando describe el Ur-Fascismo en 14 principios, ‘un populismo cualitativo en oposición a los podridos y corrompidos parlamentos’.” Além de todos estes vieses, é possível também perceber a operação Lava Jato como um exemplo brasileiro da utilização do que chamo de o outro corrupto, isto é, o emprego de othering no combate à corrupção.

Considerações finais

É inegável que a corrupção impacta negativamente a vida da população, especialmente a parte mais carente de assistência estatal. Portanto, ela deve ser combatida. Porém, é igualmente importante problematizar a atuação das organizações internacionais e países estrangeiros no combate à corrupção nacional. Inclusive nacionalmente o discurso de combate à corrupção pode ser utilizado apenas com o escopo de retirar um grupo político do poder para substituí-lo por outro, igualmente corrupto ou pior53 53 A história política brasileira é permeada de exemplos, muitos com participação importante dos EUA. Por exemplo, o golpe militar de 1964, apoiado pelos EUA, utilizou fortemente o discurso de combate à corrupção, conforme demonstra Motta (2016) em seu artigo Os expurgos de 1964 e o discurso anticorrupção na caricatura da grande imprensa. Campos (2014), em seu livro Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar de 1964-1985, denuncia vários casos de corrupção durante o período. . A corrupção é complexa, podendo estar presente inclusive nos mecanismos que se propõe combatê-la.

Assim como as outras manifestações de othering, tal como as ideologias imperialistas anteriores de missão humanitária, civilizatória, em defesa dos direitos humanos e do meio ambiante, as denúncias de corrupção do outro não servem apenas para culpabilizar os outros países por seu atraso econômico. Fundamentalmente, assim como já foi utilizada a raça, pode servir para legitimar as expropriações imperialistas. A corrupção política em si não tem utilidade analítica para compreender as disparidades mundiais. “O discurso sobre a corrupção como causa da pobreza e do subdesenvolvimento é puramente ideológico e de forma alguma consegue explicar o crescimento relativo ou a pobreza” (BRATSIS, 2014BRATSIS, Peter. Political Corruption in the Age of Transnational Capitalism. Historical Materialism, Londres, v. 22, p. 105-128, 6 maio 2014. DOI https://doi.org/10.1163/1569206X-12341334. Disponível em: https://brill.com/view/journals/hima/22/1/article-p105_4.xml?ebody=article%20details. Acesso em: 6 de julho de 2021.
https://doi.org/10.1163/1569206X-1234133...
, 120). Além de não ser instrumento de compreensão, ele vem servindo para validar a implantação da agenda política neoliberal e aprofundar os problemas apontados como causa. Pode, portanto, ser instrumento de manipulação ideológica e dominação política, bem como evita uma análise séria que considere a história das guerras coloniais, do poder imperialista, o impacto social do capital financeiro e os mecanismos de dominação e expropriação da dívida pública nos países em desenvolvimento. O discurso internacional anticorrupção inibe a análise ampla e histórica capazes de compreender os desenvolvimentos políticos e econômicos, que envolve a força, a fraude, a corrupção e a opressão exercidas pelos Outros Estados, os de capitalismo central.

A operação Lava Jato foi utilizada neste artigo como exemplo de utilização dos mecanismos de othering. Nela, o combate à corrupção serviu para ocultar os interesses geopolíticos relacionados aos recursos energéticos e manutenção da hegemonia dos Estados Unidos da América na América Latina. O sociólogo potiguar Jessé Souza distingue “corrupção real” da “corrupção dos tolos” (SOUZA, 2017Souza, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: LeYa, 2017.). A primeira é engendrada pelo mercado para apropriação de empresas estatais, recursos naturais, etc, muitas vezes por custo irrisório. Os meios de comunicação monopolizados valeu-se do que Jessé Souza chama de "corrupção dos tolos" (SOUZA, 2017) para formar a opinião pública favorável aos anseios do capital financeiro transnacional pelo afastamento dos governos de modelo social inclusivo na América Latina, considerados obstáculos ao neoliberalismo (ZAFFARONI, 2015ZAFFARONI, Eugenio Raúl. El derecho latinoamericano en la fase superior del colonialismo. Buenos Aires: Ediciones Madres Plaza de Mayo, 2015.). Carol Proner (2019PRONER, Carol. Lawfare como herramienta de los neofascismos. In GUAMÁN, Adoración; Aragoneses ALFONS Y MARTÍN, Sebastián (org.). Neofascismo: bestia neoliberal. Madrid: Siglo XXI Editores. 2019.) destaca que o ataque seletivo à esquerda é acompanhado de elogios à gestão privada, asséptica e profissional da direita em oposição ao setor público intervencionista e estatista de esquerda. Desse modo, a opinião pública é direcionada a apoiar estratégias neoliberais, como o ajuste financeiro do Estado através de privatizações, bem como a defender a ideia de que o setor privado é capaz de promover a boa governança e eliminar a corrupção. Porém, conforme Dowbor (2017DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo: Por que oito famílias tem mais riqueza do que a metade da população do mundo? São Paulo: Autonomia Literária, 2017.), a corrupção é ainda maior quando investigada nas empresas privadas. É perceptível nas corporações “problema de governança, fraudes, corrupção e desorganização de dar inveja a qualquer setor público” (DOWBOR, 2017DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo: Por que oito famílias tem mais riqueza do que a metade da população do mundo? São Paulo: Autonomia Literária, 2017.).

Na análise de Silvina Romano (2020ROMANO, Silvina. Lawfare y neoliberalismo en América Latina: una aproximación. Sudamérica: Revista de Ciencias Sociales, Mar del Plata, n. 13, p. 14-40, dez. 2020), contemporaneamente as sociedades pós-coloniais estão expostas a um sistema internacional assimétrico. Esse sistema conta com a influência dos EUA pela extensão da sua própria jurisdição, legitimada pelos mecanismos de othering, como o discurso de superioridade legal e jurídica dos países centrais. As práticas propostas para combater a corrupção dos outros países levam ao aprofundamento das relações coloniais de dependência através do neoliberalismo, bem como fomentam visões políticas despolitizadas (ROMANO, 2020ROMANO, Silvina. Lawfare y neoliberalismo en América Latina: una aproximación. Sudamérica: Revista de Ciencias Sociales, Mar del Plata, n. 13, p. 14-40, dez. 2020). São, conforme desenvolvido neste artigo, manejadas novas versões de othering, sendo o combate à corrupção a mais utilizada na história recente da América Latina.

Conclui-se que a luta contra a corrupção é uma tarefa democrática de extrema importância. No entanto, para que seja legítima e benéfica, é imprescindível que seja garantida a soberania nacional dos países, afastando interferências externas. É igualmente relevante a participação popular, com investigações transparentes no sentido de demonstrar indícios de interesses políticos e econômicos ocultos, bem como a ampla defesa e contraditório entre os grupos políticos envolvidos. Para diminuir as chances de manipulação, a imprensa deve ser obrigada a dar igual tempo e ênfase nos argumentos da acusação e da defesa. Sobretudo, é fundamental um estudo sistêmico da corrupção, compreendendo o protagonismo do setor privado e os interesses econômicos envolvidos. Deste modo, é possível diminuir as possibilidades de o combate à corrupção ser utilizado como mecanismo de othering, instrumento de guerra jurídica e de fabricação de consentimentos pautados na mídia hegemônica, notadamente nos âmbitos menos perceptíveis para a opinião pública, isto é, a dos interesses geopolíticos e geoeconômicos.

Referências bibliográficas

  • ANGHIE, Antony. Imperialism, Sovereignty and the Making of International Law. Cambridge: University Press. 2005.
  • ARAGÃO, Eugênio. Ministério Público no Lawfare: a arquitetura institucional em crise? In FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer; CITTADINO, Gisele; LIZIERO, Leonan (org.). Lawfare: o calvário da democracia brasileira. Andradina: Meraki, 2020.
  • ASHCROF, Bill; GRIFFITHS, Gareth; TIFFIN, Helen. Post colonial studies: the key concepts. 2. ed. London and New York: Routledge Taylor & Francis Group, 2007. Disponível em: http://staff.uny.ac.id/sites/default/files/pendidikan/else-liliani-ssmhum/postcolonialstudiesthekeyconceptsroutledgekeyguides.pdf. Acesso em: 2 de junho de 2021.
    » http://staff.uny.ac.id/sites/default/files/pendidikan/else-liliani-ssmhum/postcolonialstudiesthekeyconceptsroutledgekeyguides.pdf.
  • BACKHOUSE, Maria. A desapropriação sustentável da Amazônia: O caso dos investimentos em dendê no Pará. Berlin: Fair Fuels? Working Paper 6, 8 mar. 2022. Disponível em: https://www.fair-fuels.de/data/user/Download/Ver%C3%B6ffentlichungen/FairFuels-Working_Paper_6_Portuguese.pdf. Acesso em: 14 de julho de 2021.
    » https://www.fair-fuels.de/data/user/Download/Ver%C3%B6ffentlichungen/FairFuels-Working_Paper_6_Portuguese.pdf.
  • BANCO MUNDIAL. The World Bank Group Framework and IFC Strategy for Engagement in the Palm Oil Sector. Disponível em: <https://www.ifc.org/wps/wcm/connect/industry_ext_content/ifc_external_corporate_site/agribusiness/resources/palmoil_strategydocument>. Acesso em 21 de julho de 2021.
    » https://www.ifc.org/wps/wcm/connect/industry_ext_content/ifc_external_corporate_site/agribusiness/resources/palmoil_strategydocument
  • BARRETO, José-Manuel. Human Rights from a Third World Perspective: Critique, History and International Law. Newcastle: Cambridge Scholars Publishing, 2013.
  • BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Tradução: Sérgio Milliet. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2009.
  • BENTES, Marlize da S; ANJOS; Leonardo F dos; CAVALCANTI FILHO, Jorge Luiz de M. Lawfare como instrumento de dominação e ameaça às instituições democráticas brasileiras. In: FEITOSA, Maria Luiza Alencar Mayer; CITTADINO, Gisele; LIZIERO, Leonan (org.). Lawfare: o calvário da democracia brasileira. Andradina: Meraki, 2020.
  • BRATSIS, Peter. Political Corruption in the Age of Transnational Capitalism. Historical Materialism, Londres, v. 22, p. 105-128, 6 maio 2014. DOI https://doi.org/10.1163/1569206X-12341334. Disponível em: https://brill.com/view/journals/hima/22/1/article-p105_4.xml?ebody=article%20details. Acesso em: 6 de julho de 2021.
    » https://doi.org/10.1163/1569206X-12341334. Disponível em: https://brill.com/view/journals/hima/22/1/article-p105_4.xml?ebody=article%20details.
  • CAMAYD-FREIXAS, Erik (ed.): Orientalism and Identity in Latin America. Fashioning Self and other from the (Post) Colonial Margin. Tucson: The University of Arizona Press, 2013.
  • CAMPOS, Pedro Henrique. Os efeitos da crise econômica e da operação Lava Jato sobre a indústria da construção pesada no Brasil: falências, desnacionalização e desestruturação produtiva. Mediações, Londrina, v. 24, n. 1, p. 127-158, abr. 2019. Disponível em: https://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/viewFile/35617/pdf Acesso em: 19 jan. 2023.
    » https://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/viewFile/35617/pdf
  • CARVALHO, José Jorge de. O olhar etnográfico e a voz subalterna. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 7, n. 15, p. 107-147, Julho de 2001 2001. DOI https://doi.org/10.1590/S0104-71832001000100005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ha/a/kNnShbTR3wLSWgCspyx8JBv/?lang=pt# Acesso em: 22 maio 2020.
    » https://doi.org/10.1590/S0104-71832001000100005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ha/a/kNnShbTR3wLSWgCspyx8JBv/?lang=pt#
  • CASTRO-GÓMEZ, Santiago. Crítica de la razón latinoamericana. Barcelona: Puvill Libros, S.A. 1996.
  • CHAGAS, Eduardo F. Para uma explicitação da dialética Hegeliana entre o senhor e o escravo na Fenomenologia do Espírito. EDUCAÇÃO E FILOSOFIA, [S. l.], v. 9, n. 17, p. 11-15, 2008. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/1001 Acesso em: 12 fev. 2022.
    » https://seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/1001
  • CHIMNI, Bhupinder. Post-conflict Peace Building and the Repatriation and Return of Refugees: Concepts Practices and Institutions. In Edward Newman and Joanne van Selm (org), Refugees and Forced Displacement: International Security, Human Vulnerability, and the State. United Nations University Press, 2003.
  • CHIMNI, B.S. Third World Approaches to International Law: A Manifesto. International Community Law Review, [s. l.], v. 8, p. 3-27, 2006. Disponível em: https://www.jnu.ac.in/sites/default/files/Third%20World%20Manifesto%20BSChimni.pdf Acesso em: 4 out. 2021.
    » https://www.jnu.ac.in/sites/default/files/Third%20World%20Manifesto%20BSChimni.pdf
  • CIVANTOS, Christina. Orientalism Criollo Style: Sarmiento’s ‘Orient’ and the Formation of an Argentine Identity. Em: Camayd-Freixas, Erik (ed.): Orientalism and Identity in Latin America. Fashioning Self and Other from the (Post) Colonial Margin. Tucson: The University of Arizona Press, 2013.
  • CONRAD, S.; RANDERIA, R. (orgs.) Einleitung, in CONRAD, S.; RANDERIA, Jenseits des Eurozentrismus, Frankfurt/M, Campus. 2002
  • COOLEY, A.; SHARMAN, J. C. Blurring the line between licit and illicit: transnational corruption networks in Central Asia and beyond. Central Asian Survey, 2015.
  • CORONIL, Fernando. Beyond Occidentalism: Toward Nonimperial Geohistorical Categories. Cultural Anthropology 11, No. 1:52-87. 1996.
  • DEININGER, Klaus et al. Rising Global Interest in Farmland: Can it Yield Sustainable and Equitable Benefits?. AGRICULTURE AND RURAL DEVELOPMENT, Washington, D.C, 1 fev. 2013. DOI https://doi.org/10.1596/978-0-8213-8591-3. Disponível em: https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/2263 Acesso em: 6 maio 2021.
    » https://doi.org/10.1596/978-0-8213-8591-3. Disponível em: https://openknowledge.worldbank.org/handle/10986/2263
  • DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2007.
  • DOWBOR, Ladislau. Os descaminhos do dinheiro: a compra das eleições. Dowbor.org, 2012. Disponível em: <https://dowbor.org/2012/10/os-descaminhos-do-dinheiro-a-compra-das-eleicoes-parte-i-outubro-2012-5p.html>. Acesso em 02 Jan 2023.
    » https://dowbor.org/2012/10/os-descaminhos-do-dinheiro-a-compra-das-eleicoes-parte-i-outubro-2012-5p.html
  • DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo: Por que oito famílias tem mais riqueza do que a metade da população do mundo? São Paulo: Autonomia Literária, 2017.
  • EIGEN, Peter. Removing a Roadblock to Development: Transparency International Mobilizes Coalitions Against Corruption. Innovations, [s. l.], v. 3, n. 2, p. 19-33, mar. 2008. Disponível em: https://eiti.org/files/documents/itgg2e20082e32e22e19.pdf Acesso em: 20 maio 2021.
    » https://eiti.org/files/documents/itgg2e20082e32e22e19.pdf
  • GONÇALVES, Guilherme Leite. O iluminismo no banco dos réus: direitos universais, hierarquias regionais e recolonização. Rev. direito GV, São Paulo, v. 11, n. 1, p. 277-293, June 2015. Disponíevel em <http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-24322015000100277&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 13 de junho de 2021. Doi: https://doi.org/10.1590/1808-2432201512
    » http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-24322015000100277&lng=en&nrm=iso» https://doi.org/10.1590/1808-2432201512
  • GONCALVES, Guilherme Leite. Acumulação primitiva, expropriação e violência jurídica: expandindo as fronteiras da sociologia crítica do direito. Rev. Direito Práx., Rio de Janeiro, v. 8, n. 2, p. 1028-1082, June 2017. Available from <http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2179-89662017000201028&lng=en&nrm=iso>. access on 20 May 2021. Doi: https://doi.org/10.12957/dep.2017.28770
    » http://old.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2179-89662017000201028&lng=en&nrm=iso» https://doi.org/10.12957/dep.2017.28770
  • GONÇALVES, Guilherme Leite. Are We Aware of the Current Recolonisation of the South? This Century Review. Journal for Rational Legal Debate. 2012.
  • HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do Espírito. Tradução: Paulo Meneses. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1992.
  • HINDESS, Barry. Investigating International Anti-corruption. Third World Quarterly, [s. l.], v. 28, p. 1389-1398, 2005. DOI https://doi.org/10.1080/01436590500336864. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01436590500336864?journalCode=ctwq20 Acesso em: 22 jun. 2021.
    » https://doi.org/10.1080/01436590500336864. Disponível em: https://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/01436590500336864?journalCode=ctwq20
  • HOFFMAM, F., MORAIS, J. L. B. DE ., ROMAGUERA, D. C. L. Direitos humanos na sociedade contemporânea: neoliberalismo e (pós)modernidade. Revista Direito E Práxis, 2019. DOI: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2018/30740 Disponível em: https://www.scielo.br/j/rdp/a/4nH4Jcq567XjD8B56jMW7gn/?lang=pt&format=html# Acesso em: 20 Jan 2023.
    » https://doi.org/10.1590/2179-8966/2018/30740» https://www.scielo.br/j/rdp/a/4nH4Jcq567XjD8B56jMW7gn/?lang=pt&format=html#
  • HOLDT, Karl von. The political economy of corruption: elite-formation, factions and violence. In: SOCIETY, WORK & POLITICS INSTITUTE. Working Paper 10. Johannesburg: University of the Witwatersrand, 18 fev. 2019. Disponível em: https://www.swop.org.za/post/2019/02/18/working-paper-10-the-political-economy-of#corruption-open-access Acesso em: 29 jan. 2022.
    » https://www.swop.org.za/post/2019/02/18/working-paper-10-the-political-economy-of#corruption-open-access
  • HUGHES, Alex; WITZ, Anne. Feminism and the Matter of Bodies: From de Beauvoir to Butler. Body & Society, London, Thousand Oaks and new Delhi, v. 3, p. 47-60, mar. 1997. DOI doi.org/10.1177/1357034X97003001004. Disponível em: https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1357034X97003001004 Acesso em: 9 mar. 2022.
    » https://doi.org/10.1177/1357034X97003001004» https://journals.sagepub.com/doi/10.1177/1357034X97003001004
  • IRWIN, Robert. For lust of knowing: The Orientalists and their enemies. London: Penguin Books, 2007.
  • JAIN, Arvind K. Corruption: A Review. Journal of Economic Surveys, Oxford, v. 15, n. 1, p. 71-121, fev 2001. DOI https://doi.org/10.1111/1467-6419.00133 Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/1467-6419.00133 Acesso em: 15 Jan. 2023.
    » https://doi.org/10.1111/1467-6419.00133» https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/1467-6419.00133
  • JOHNSTON, Michel. Syndromes of Corruption:Wealth, Power, and Democracy. Cambridge: Cambridge University Press, 2005.
  • KOHELER, M. The Uncomfortable Truths and Double Standards of Bribery Enforcement. Fordham Law Review, v.82, n.4, 2015
  • KORYBKO, Andrew. 21st century geopolitics of Latin America. Seattle: Kindle Independent Publishing, 2017.
  • LACAN, J. O seminário: livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1979.
  • LAMBSDORFF, Johann Graf. Consequences and Causes of Corruption: - What do We Know from a Cross-Section of Countries?. Passauer Diskussionspapiere: Volkswirtschaftliche Reihe, Passau, v. 34, 2005. Disponível em: https://www.econstor.eu/bitstream/10419/55031/1/684238772.pdf Acesso em: 20 jun. 2020.
    » https://www.econstor.eu/bitstream/10419/55031/1/684238772.pdf
  • LAMBSDORFF, Johann Graf. Measuring Corruption: - TheValidity and Precision of Subjective Indicators (CPI). In: SAMPFORD, Charles. Measuring corruption. Aldershot: Ashgate, 2006. p. 81-100. ISBN 9780754624059.
  • LATJMAN, Tamara; FERNANDÉZ, Aníbal Garcia. Dependencia estratégica: EE.UU., recursos naturales en América Latina y el Caribe y conexión energética. In: ROMANO, Silvina (comp.). Trumperalismo: la guerra permanente contra américa latina. Buenos Aires: Mármol Izquierdo Editores, 2021
  • LINDSEY, T; DICK, H (org.). Corruption in Asia: Rethinking the Governance Paradigm. Sydney: Federation Press, 2002.
  • LÓPEZ-CALVO, Ignacio. Peripheral Transmodernities: South-to-South Intercultural Dialogues Between the Luso-Hispanic World and “the Orient”. New Castle upon Tyne: Cambridge Scholars Publishing, 2012.
  • LUXEMBURGO, Rosa. Acumulação do capital: Estudo sobre a Interpretação Econômica do Imperialismo. Zahar Editores: Rio de Janeiro, 1970.
  • MAFRA, Adriano; STALLAERT, Christiane. Orientalismo Crioulo: Dom Pedro II eo Brasil do Segundo Império. Iberoamericana Editorial Vervuert, América Latina; España; Portugal, 2016.
  • MARX, Karl. O Capital. Crítica Da Economia Política. Livro I. O Processo De Produção Do Capital. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.
  • MARX, Karl. Sobre a Questão Judaica. Trad. Daniel Bensaïd, Wanda Caldeira Brant. São Paulo: Boitempo, 2010.
  • MEDICI, Alejandro. La guerra jurídica asimétrica como dispositivo de colonialidad del poders. In: CLACSO. Crítica jurídica y política en Nuestra América: lawfare: un concepto en disputa. Buenos Aires: Clacso, 2021. p. 46-61. Disponível em: https://www.clacso.org/wp-content/ uploads/2021/04/V1_Critica-juridica-y-politica_N7.pdf Acesso em: 19 jan 2023.
    » https://www.clacso.org/wp-content/ uploads/2021/04/V1_Critica-juridica-y-politica_N7.pdf
  • MENDIETA, Eduardo. Re-mapping Latin American studies: postcolonialism, subaltern studies, post-occi#dentalism and globalization theory. American Journal of Cultural Histories and Theories. vol. 25, n. 52, 2005. Disponível em: <https://www.jstor.org/stable/41491795>. Acesso em: 19 Jan 2023.
    » https://www.jstor.org/stable/41491795
  • MIGNOLO, Walter. Colonial and postcolonial discourse: cultural critique or academic colonialism. Latin American Research Review, Vol 38, No. 3: 120-134, 1993. doi:10.1017/S0023879100016988. Disponível em: <https://www.cambridge.org/core/journals/latin-american-research-review/article/colonial-and-postcolonial-discourse-cultural-critique-or-academic-colonialism/1096F6D371811A67DC443A5D0A74C29F> Acesso em: 18 Jan. 2023.
    » https://doi.org/10.1017/S0023879100016988» https://www.cambridge.org/core/journals/latin-american-research-review/article/colonial-and-postcolonial-discourse-cultural-critique-or-academic-colonialism/1096F6D371811A67DC443A5D0A74C29F
  • MIRANDA, Luiz Fernando. Unificando os conceitos de corrupção: uma abordagem através da nova metodologia dos conceitos. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 25, p. 237-272, Jan. 2018. DOI 10.1590/0103-335220182507. Disponível em: https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/VPBTRQmsPqT8KLqJJmcnqpn/abstract/?lang=pt Acesso em: 24 nov. 2021.
    » https://www.scielo.br/j/rbcpol/a/VPBTRQmsPqT8KLqJJmcnqpn/abstract/?lang=pt
  • MOURA, R.; DE PAULA, L. F. A Operação Lava Jato e as Mudanças na Gestão da Petrobras: Uma avaliação dos impactos econômicos gerais e locais. 2021. Disponível em: <https://www.academia.edu/45440397/A_Opera%C3%A7%C3%A3o_Lava_Jato_e_as_Mudan%C3%A7as_na_Gest%C3%A3o_da_Petrobr%C3%A1s_Uma_avalia%C3%A7%C3%A3o_dos_impactos_econ%C3%B4micos_gerais_e_locais>. Acesso em 18 Jan. 2023
    » https://www.academia.edu/45440397/A_Opera%C3%A7%C3%A3o_Lava_Jato_e_as_Mudan%C3%A7as_na_Gest%C3%A3o_da_Petrobr%C3%A1s_Uma_avalia%C3%A7%C3%A3o_dos_impactos_econ%C3%B4micos_gerais_e_locais
  • NAGY-ZEKMI, S. Buscando el este en el oeste: prácticas orientalistas en la literatura latinoamericana. In: Nagy-Zekmi, S. ed. Moros en la costa: Orientalismo en Latinoamérica. Frankfurt a. M., Madrid: Vervuert Verlagsgesellschaft, 2008. Doi: https://doi.org/10.31819/9783964566065-002 Disponível em: <https://www.degruyter.com/document/doi/10.31819/9783964566065-002/html#Harvard>. Acesso em: 19 Jan. 2023.
    » https://doi.org/10.31819/9783964566065-002» https://www.degruyter.com/document/doi/10.31819/9783964566065-002/html#Harvard
  • NOZAKI, William Vella. A nova geopolítica do petróleo no século XX. In: LEÃO, Rodrigo; NOZAKI, William (org.). Geopolítica, estratégia e petróleo: transformações internacionais e nacionais. Rio de Janeiro: Ineep/Flacso, 2019. Disponível em: https://ineep.org.br/geopolitica-estrategia-e-petroleo-transforma#coes-internacionais-e-nacionais/. Acesso em: 19 jan. 2023.
    » https://ineep.org.br/geopolitica-estrategia-e-petroleo-transforma#coes-internacionais-e-nacionais
  • NOZAKI, William Vella. Capitalismo e corrupção: o caso da petrobras e a operação lava jato. Texto Para Discussão INEEP, Rio de Janeiro, v. 1, n. 16, p. 1-21, abr. 2020. Disponível em: <https://ineep.org.br/textos_discussao/capitalismo-e-corrupc%CC%A7a%CC%83o/> Acesso em: 19 Jan. 2023.
    » https://ineep.org.br/textos_discussao/capitalismo-e-corrupc%CC%A7a%CC%83o
  • OROÑO, Amílcar Salas. Juristocracia y ámbitos de aplicación en el lawfare brasileño. In: ROMANO, Silvina (comp.). Lawfare: guerra judicial y neoliberalismo en américa latina. Buenos Aires: Marmol Izquierdo Editores, 2019.
  • PAGDEN, Anthony. The Genesis of "Governance" and Enlightenment Inceptions of the Cosmopolitan World Order. International Social Science Journal , [s. l.], v. 50, n. 155, p. 7-15, 1998. DOI 10.1111/1468-2451.00105. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/228037009_The_Genesis_of_Governance_and_Enlightenment_Inceptions_of_the_Cosmopolitan_World_Order Acesso em: 23 jul. 2021.
    » https://doi.org/10.1111/1468-2451.00105» https://www.researchgate.net/publication/228037009_The_Genesis_of_Governance_and_Enlightenment_Inceptions_of_the_Cosmopolitan_World_Order
  • PINTO, Eduardo Costa. Financeirização e desintegração vertical da Petrobras: quem ganha com isso. In: LEÃO, Rodrigo; NOZAKI, William (org.). Geopolítica, estratégia e petróleo: transformações internacionais e nacionais. Rio de Janeiro: Ineep/Flacso, 2019. Disponível em: <https://ineep.org.br/geopolitica-estrategia-e-petroleo-transformacoes-internacionais-e-nacionais/> Acesso em: 20 jan 2023.
    » https://ineep.org.br/geopolitica-estrategia-e-petroleo-transformacoes-internacionais-e-nacionais
  • POPE, Jeremy. TI Souce Book is now on internet: Manual spells out systematic strategies against corruption. In: Transparency International. [S. l.], 1997. Disponível em: https://www.transparency.org/en/press/ti-source-book-now-on-internet Acesso em: 22 maio 2021.
    » https://www.transparency.org/en/press/ti-source-book-now-on-internet
  • PRONER, Carol. Lawfare como herramienta de los neofascismos. In GUAMÁN, Adoración; Aragoneses ALFONS Y MARTÍN, Sebastián (org.). Neofascismo: bestia neoliberal. Madrid: Siglo XXI Editores. 2019.
  • RAMINA, L. La guerra jurídica: lawfare en Brasil. NODAL, marzo 2021. Disponível em: <https://www.nodal.am/2021/03/la-guerra-juridica-lawfare-en-brasil-por-larissa-ramina/> . Acesso em: 20 Jan. 2023.
    » https://www.nodal.am/2021/03/la-guerra-juridica-lawfare-en-brasil-por-larissa-ramina
  • RAMINA, Larissa. Quando a Parcialidade-Perversidade do Sistema de Justiça Abre Caminho para a Violação do Direito Internacional: um Ensaio sobre a Responsabilidade Internacional dos EUA. In: Lênio Streck; Marco Aurélio de Carvalho. (Org.). O livro das suspeições: o que fazer quando sabemos que Moro era parcial e suspeito? 1ed.Rio de Janeiro: Editora Telha, 2020, p. 284-299. Disponível em: https://www.prerro.com.br/baixe-agora-o-livro-das-suspeicoes/ Acesso em 04 jan. 2023.
    » https://www.prerro.com.br/baixe-agora-o-livro-das-suspeicoes
  • RAMOS, Alcinda Rita. Indigenismo, um orientalismo americano. Anuário Antropológico [Online], v.37 n.1 | 2012, posto online no dia 01 outubro 2013. DOI: <https://doi.org/10.4000/aa.268> Disponível em: <http://journals.openedition.org/aa/268>; Visto em: 20 de Jan. 2023.
    » https://doi.org/10.4000/aa.268» http://journals.openedition.org/aa/268
  • RICOBOM, Gisele. Fundação Lava Jato e as Estratégias de Ampliação do Poder Político do Ministério Público Federal. In: STRECK, Lenio Luizet al (Org.). O livro das parcialidades: o que fazer quando sabemos que Moro era parcial e suspeito? 1ed. Rio de Janeiro: Editora Telha, 2020, p. 284-299. Disponível em: https://www.prerro.com.br/o-livro-das-parcialidades-baixe-o-e-book/ Acesso em 10 fev. 2023.
    » https://www.prerro.com.br/o-livro-das-parcialidades-baixe-o-e-book
  • ROMANO, Silvina. Lawfare y neoliberalismo en América Latina: una aproximación. Sudamérica: Revista de Ciencias Sociales, Mar del Plata, n. 13, p. 14-40, dez. 2020
  • ROMANO, Silvina et al. La era Trump y la dependencia económica, política y militar de América Latina in ROMANO, Silvina (comp.). Trumperalismo: la guerra permanente contra américa latina. Buenos Aires: Mármol Izquierdo Editores, 2021.
  • ROMANO, Silvina; LONDOÑO, Rafael Britto. Ley anticorrupción de EUA y lawfare en América Latina. 2021. Disponível em: https://www.celag.org/ley-anticorrupcion-de-estados-unidos-y-lawfare-en-america-latina/ Acesso em: 10 fev. 2023
    » https://www.celag.org/ley-anticorrupcion-de-estados-unidos-y-lawfare-en-america-latina
  • ROSE-ACKERMAN, Susan. Corruption and Government: Causes, Consequences, and Reform. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
  • SAID, E. Orientalism. London: Penguin Books, 1995.
  • SANCHES, M. Congressistas dos EUA pedem que governo Biden explique como foi cooperação entre americanos e Lava Jato. BBC News Brasil: Washington, jun. 2021. Disponível em: . Acesso em: 11 fev. 2023.
  • Souza, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: LeYa, 2017.
  • SPIVAK, Gayatri Chakravorty. Can the Subaltern Speak?. In: NELSON, Cary; GROSSBERG, Lawrence (org.). Marxism and the Interpretation of Culture. London: Urbana : University of Illinois Press, 1988.
  • TANZI, Vito. Corruption Around the World: Causes, Consequences, Scope, and Cures. International Monetary Fund, [s. l.], v. 45, n. 4, p. 559-594, 1 maio 1998. Disponível em: https://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2016/12/30/Corruption#Around-the-World-Causes-Consequences-Scope-and-Cures-2583 Acesso em: 15 set. 2021.
    » https://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2016/12/30/Corruption#Around-the-World-Causes-Consequences-Scope-and-Cures-2583
  • POPER, Jeremy. Confronting corruption: the elements of a national integrity system. London: Transparency International (TI). 2000.
  • THE DIALOGUE. Congressional Testimony: Understanding Odebrecht - Lessons for Combating Corruption in the Americas. 2019. Disponível em: <https://www.thedialogue.org/analysis/congressional-testimony-understanding-odebrecht-lessons-for-combating-corruption-in-the-americas/> Acesso em: 10 fev 2023.
    » https://www.thedialogue.org/analysis/congressional-testimony-understanding-odebrecht-lessons-for-combating-corruption-in-the-americas
  • TIRADO, Arantxa. Guerra híbrida: la no tan nueva guerra de EE.UU. contra Venezuela. In: ROMANO, Silvina (comp.). Trumperalismo: la guerra permanente contra américa latina. Buenos Aires: Mármol Izquierdo Editores, 2021
  • TIRADO, Arantxa; ESCALANTE, Félix Caballero. Rusia em América Latina y el Caribe: ¿amenaza para EE.UU.? In: ROMANO, Silvina (comp.). Trumperalismo: la guerra permanente contra américa latina. Buenos Aires: Mármol Izquierdo Editores, 2021.
  • USA. Department of defense. National Security Strategy 2017. 2017 Disponível em: < https://trumpwhitehouse.archives.gov/wp-content/uploads/2017/12/NSS-Final-12-18-2017-0905.pdf> Acesso em 10 jan 2023.
    » https://trumpwhitehouse.archives.gov/wp-content/uploads/2017/12/NSS-Final-12-18-2017-0905.pdf
  • USA. USSOUTHCOM. National Strategy 2019. 2019 Disponível em: <https://www.southcom.mil/Portals/7/Documents/SOUTHCOM_Strategy_2019.pdf?ver=2019-05-15-131647-353> Acesso em: 11 de jan 2023.
    » https://www.southcom.mil/Portals/7/Documents/SOUTHCOM_Strategy_2019.pdf?ver=2019-05-15-131647-353
  • USAID. Usaid Rule of Law Achievements Review, 2005-2020 - Final report. June 2022. Disponível em: <https://pdf.usaid.gov/pdf_docs/PA00ZHVD.pdf>. Acesso em 15 jan. 2023.
    » https://pdf.usaid.gov/pdf_docs/PA00ZHVD.pdf
  • WARE, G. T.; NOONE, G. P. The anatomy of transnational corruption. International Affairs Review, 14, n.2, 2005.
  • WEI, Shang-Jin. Corruption in Economic Development: Beneficial Grease, Minor Annoyance, or Major Obstacle?. In: THE WORLD BANK. Policy Research Working Paper. [S. l.], 1999. Disponível em: https://ideas.repec.org/p/wbk/wbrwps/2048.html Acesso em: 20 out. 2021.
    » https://ideas.repec.org/p/wbk/wbrwps/2048.html
  • WEIS, Valeria Vegh. La destrucción de la criminologia. In: ZAFFARONI, Eugenio Raúl; CAAMAÑO, Cristina; WEIS, Valeria Vegh. ¡Bienvenidos al lawfare!: manual de pasos básicos para demoler el derecho penal. Buenos Aires: Capital Intelectual, 2020.
  • WILLIAMS, J. W.; BEARE, M. E. The business of bribery: globalization, economic liberalization, and the “problem” of corruption. Crime, Law & Social Change, 32(2), 115-146, 1999.
  • ZAFFARONI, Eugenio Raúl. El derecho latinoamericano en la fase superior del colonialismo. Buenos Aires: Ediciones Madres Plaza de Mayo, 2015.
  • 1
    No original: “this internationalisation of the question of corruption also functions as the most recent repetition of the colonialist point of view”.
  • 2
    Em suas palavras: “Transparency International, Exxon, Shell, and the IMF do not seem particularly concerned about the role of private interests, especially their own, within the policy-making process and certainly are not out to challenge the influence of the economically powerful within politics.”
  • 3
    Tal como Kaarl von Holdt (2019HOLDT, Karl von. The political economy of corruption: elite-formation, factions and violence. In: SOCIETY, WORK & POLITICS INSTITUTE. Working Paper 10. Johannesburg: University of the Witwatersrand, 18 fev. 2019. Disponível em: https://www.swop.org.za/post/2019/02/18/working-paper-10-the-political-economy-of#corruption-open-access. Acesso em: 29 jan. 2022.
    https://www.swop.org.za/post/2019/02/18/...
    ), que, em sua pesquisa sobre a economia política da corrupção da África do Sul, reconhece que "Corruption is a mechanism of class formation, rather than primarily a moral or criminal issue" (HOLDT, 2019HOLDT, Karl von. The political economy of corruption: elite-formation, factions and violence. In: SOCIETY, WORK & POLITICS INSTITUTE. Working Paper 10. Johannesburg: University of the Witwatersrand, 18 fev. 2019. Disponível em: https://www.swop.org.za/post/2019/02/18/working-paper-10-the-political-economy-of#corruption-open-access. Acesso em: 29 jan. 2022.
    https://www.swop.org.za/post/2019/02/18/...
    , p. 03).
  • 4
    Só no Estado do Rio de Janeiro há uma variedade de escândalos de corrupção, envolvendo diferentes grupos políticos, em que seis ex-governadores já foram acusados pelo crime (até a edição deste texto). Só na saúde pública, de 2007 até 2020, esquemas de corrupção e fraude na gestão da Saúde desviaram pelo menos R$1,8 bilhão dos cofres públicos do Estado (COELHO; BRITO, 2020 / COELHO, Henrique; BRITO, Carlos. Esquemas de corrupção desviaram quase R$ 1,8 bilhão da Saúde do RJ desde 2007; valor supera gastos com a pandemia. G1 Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/09/29/esquemas-de-corrupcao-desviaram-quase-r-18-bilhao-da-saude-do-rj-desde-2007-valor-supera-gastos-com-a-pandemia.ghtml>. Acesso em: 30, dez 2022). Em plano nacional, o Presidente Bolsonaro e sua família negociaram 107 imóveis nas últimas três décadas, sendo 51 adquiridos total ou parcialmente com uso de dinheiro em espécie, segundo declarações dos próprios (HERDY; PIVA, 2022 / HERDY, Thiago; PIVA, Juliana Dal. Metade do patrimônio do clã Bolsonaro foi comprada em dinheiro vivo.UOL Política, 2022. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2022/08/30/patrimonio-familia-jair-bolsonaro-dinheiro-vivo.htm?cmpid=copiaecola>. Acesso em: 30, dez 2022). No atual momento de transição do fim do governo Bolsonaro e início do novo governo Lula, discute-se como reverter R$ 20 bilhões das emendas do relator, conhecidas como orçamento secreto, usadas para compra de votos de parlamentares, declaradas inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal.
  • 5
    Genericamente e de forma breve, o neoliberalismo relaciona-se à variedade de projetos governamentais voltados à privatização de instituições do setor público, com o intuito de incorporar este espaço que estava fora dos circuitos do capital, expandir a esfera de competição, aquecer o mercado e promover o individualismo e competição no lugar da provisão pública.
  • 6
    Em Hegel (1992HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Fenomenologia do Espírito. Tradução: Paulo Meneses. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1992.), no Capítulo IV da Fenomenologia do Espírito (1807), desdobra A Consciência-de-si na dialética do senhor e do escravo. Esta consciência-de-si, na relação do senhor e do escravo, é desenvolvida mediante a exclusão do Outro: Eu não sou o Outro (CHAGAS, 2008CHAGAS, Eduardo F. Para uma explicitação da dialética Hegeliana entre o senhor e o escravo na Fenomenologia do Espírito. EDUCAÇÃO E FILOSOFIA, [S. l.], v. 9, n. 17, p. 11-15, 2008. Disponível em: https://seer.ufu.br/index.php/EducacaoFilosofia/article/view/1001. Acesso em: 12 fev. 2022.
    https://seer.ufu.br/index.php/EducacaoFi...
    ). Hegel trabalha esta dialética do reconhecimento até que, através da mediação do trabalho, a consciência-de-si torna-se consciências-para-si.
  • 7
    Beauvoir transporta esta leitura do movimento da dialética do reconhecimento de Hegel na relação entre a compreensão do homem e da mulher em O Segundo Sexo (2009), expandindo a teoria do eu e do outro para a relação de gênero e outras diferenças sociais.
  • 8
    A teoria Lacaniana também utiliza o conceito de outro para explicar a formação da subjetividade. Ele faz uma distinção entre Outro e outro, em que o primeiro, com “O” maiúsculo, também chamado por Lacan de grande-autre (o grande outro), é o Eu, o sujeito, o parâmetro de subjetividade, o homem, o pai, o colonizador, o senhor, etc. O outro, com “o” minúsculo, é o objeto, o imperfeito, o estrangeiro, a mulher, o escravo, o colono. O Outro desempenha papel fundamental na formação da subjetividade do outro, visto que “o sujeito depende do significante e o significante está primeiro no campo do Outro” (LACAN, 1979LACAN, J. O seminário: livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1979., p. 196). A identidade é formada pelo olhar deste Outro poderoso, que pode ser o pai, outro sujeito próximo e inclusive o próprio eu inconsciente.
  • 9
    As críticas ao Orientalism de Said são sobre a limitação de sua atenção à experiência orientalista da França e Inglaterra, a redução de seu Oriente à porção territorial localizada a leste e sul do Mar Mediterrâneo, isto é, o Oriente Médio (LEWIS 1982; IRWIN 2007IRWIN, Robert. For lust of knowing: The Orientalists and their enemies. London: Penguin Books, 2007.).
  • 10
    No original: For the Orient ("out there" towards the East) is corrected, even penalized, for lying outside the boundaries of European society, "our" world; the Orient is thus Orientalized, a process that not only marks the Orient as the province of the Orientalist but also forces the un-initiated Western reader to accept Orientalist codifications (like d'Herbelot's alphabetized Bibliotheque) as the true Orient. Truth, in short, becomes a function of learned judgment, not of the material itself, which in time seems to owe even its existence to the Orientalist.
  • 11
    Para uma visão das obras desse grupo de intelectuais, ver POBLETE, Juan (ed). Critical Latinamerican and Latino Studies. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2003.
  • 12
    No original: (…) I see them only possessing all the brutality and purfidy [sic] of the rudest times without the courage and all the depravity and treachery of the modern days without the knowledge or refinement.
  • 13
    Envolvendo a acumulação primitiva de capital, exposta por Karl Marx (2013MARX, Karl. O Capital. Crítica Da Economia Política. Livro I. O Processo De Produção Do Capital. Trad. Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2013.) no Capítulo XXIV de O Capital I e pelo outro aspecto da acumulação do capital que se realiza entre o capital e as formas de produção não-capitalistas, tal como trabalha Rosa Luxemburgo (1970LUXEMBURGO, Rosa. Acumulação do capital: Estudo sobre a Interpretação Econômica do Imperialismo. Zahar Editores: Rio de Janeiro, 1970.) no livro A Acumulação de Capital.
  • 14
    Em versão original: Even many Greeks now perceive themselves as incapable of properly organizing and managing their economy. Germans, after all, are much more diligent, organized, and self-controlled. Such is the line many took when it came to understanding the 2004 Greek victory in the European Cup. It seems that Greece always had some talented players but it took a German manager to provide the necessary discipline and organization for success.
  • 15
    No original: “It is therefore worth reminding ourselves that colonialism was justified on the basis of humanitarian arguments (the civilizing mission). It is no different today”
  • 16
    Ver: Hobsbawm, Eric. The Age of Empire, 1875 -1914. New York: Pantheon Books, 1987.
  • 17
    “the civilizing mission, the grand project that has justified colonialism as a means of redeeming the backward, aberrant, violent, oppressed, undeveloped people of the non-European world by incorporating them into the universal civilization of Europe.”
  • 18
    “the ideological onslaught which declares that the internationalization of property rights is the surest way to bring welfare to third world peoples.”
  • 19
    São evidentes as contradições existentes no empenho dos Direitos Humanos, tendo em vista a utilização dessa categoria pelos diversos grupos subalternizados em suas lutas por direitos, inclusive confrontando o ascenso neoliberal, em defesa dos direitos sociais. Em 1843 o jovem Karl Marx (2010MARX, Karl. Sobre a Questão Judaica. Trad. Daniel Bensaïd, Wanda Caldeira Brant. São Paulo: Boitempo, 2010.), em Sobre a Questão Judaica, já denunciava a instrumentalização dos Direitos Humanos na sociedade capitalista. Ainda hoje, conforme Douzinas (2007DOUZINAS, Costas. O fim dos direitos humanos. São Leopoldo: Unisinos, 2007.), o entendimento destes direitos deve partir dos seus paradoxos. Por um lado, estão relacionados à imposição de padrões dominantes, definindo o grau de civilidade e desenvolvimento de uma nação, povo ou grupo social (BARRETO, 2013BARRETO, José-Manuel. Human Rights from a Third World Perspective: Critique, History and International Law. Newcastle: Cambridge Scholars Publishing, 2013.), tendo como padrão o ocidente. Atualmente, conforme ressalta Douzinas (2007), face ao discurso de ordem internacional das democracias ocidentais pelos valores estruturantes do direito e da política, como liberdade, igualdade, democracia, combate à corrupção, etc, pode-se perceber a imposição cultural e política do ocidente, as invasões neocoloniais, a exploração econômica, a criminalização de imigrantes, as intervenções humanitárias, dentre outros componentes constitutivos do atual cenário político. Por outro lado, estão as lutas sociais dos subalternos atreladas a esses direitos, em resistência contra dominação e opressão. Deste modo, a compreensão dos Direitos Humanos e seus paradoxos perpassa as relações de poder, afirmação política e contornos de violência (HOFFMAM, MORAIS, ROMAGUERA, 2017). Reconhecendo a complexidade de linguagens e usos dos Direitos Humanos, este trabalho dá ênfase ao seu uso como versão de othering.
  • 20
    Em original: “This belief is strengthened by the fact that official international human rights discourse eschews any discussion of the accountability of international institutions such as the IMF/ World Bank combine or the WTO which promote policies with grave implications for both the civil and political rights as well as the social and economic rights of the poor.”
  • 21
    Ver: DUDLEY, Nigel. The Year the World Caught Fire. Disponível em: <http://www.equilibriumconsultants.com/upload/document/theyeartheworldcaughtfire.pdf>; HOOIJER, Aljosja; SILVIUS, Marcel; WÖSTEN, Henk; PAGE, Susan. PEAT-CO2. Assessment of CO2 emissions from drained peatlands in SE Asia. MH Delft, 2006. 41 p; FRIENDS OF THE EARTH. Briefing: The use of palm oil for biofuel and as biomass for energy. Friends of the Earth's position. London, 2006; GREENPEACE. How Unilever palm oil suppliers are Burning up Borneo. 2007. Disponível em: <http://www.greenpeace.org/international/Global/international/planet-2/report/2009/10/how-unilever-palm-oil-supplier.pdf> e GREENPEACE. The hidden Carbon Liability of Indonesian Palm Oil. 2008. Disponível em: <http://www.greenpeace.org/international/Global/international/planet-2/report/2008/5/hidden-carbon-liability-of-palm-oil.pdf> Todos acessados em: 06 de maio de 2021.
  • 22
    No original e completa: “In the case of Brazil, the potential of palm oil to benefit poor farmers has been well established beginning in 2002, when the Agropalma company and the state government of Pará introduced a new program for poor rural farmers, many of them women.”
  • 23
    No original e completa: “Brazil‘s experience in providing additional incentives to restrict oil palm cultivation to abandoned, degraded and long deforested lands demonstrates the potential of these approaches.”
  • 24
    Ver: BLANEY D.L.; INAYATULLAH, N. The Third World and a Problem with Borders. In DENHAM, Mark E.; LOMBARDI, Mark Owen (Orgs.). Perspectives on Third World Sovereignty: The Postmodern Paradox. (1996), and SCHRIJVER, N. Sovereignty over Natural Resources: Balancing Rights and Duties (1997).
  • 25
    Luis Nassif observa a pouca transparência da organização Transparency Internacional - Secretariat (TI-S) e a Transparência Internacional - Brasil. Especialmente a TI-Brasil, que não divulga qualquer informação financeira. Ver mais: NASSIF, Luis. A pouca transparência da Transparência Internacional. GGN, 2019. Disponível em: <https://jornalggn.com.br/justica/compliance/a-pouca-transparencia-da-transparencia-internacional/>. Acesso em: 11, jan 2023.
  • 26
    No original: “The bulk of anti-corruption efforts put forward by the international community have involved the question of ‘transparency’ and ‘governance’; that is, how rule-bound, predictable and consistent the implementation of laws and policies are”.
  • 27
    Conforme a classificação de Jain (2001JAIN, Arvind K. Corruption: A Review. Journal of Economic Surveys, Oxford, v. 15, n. 1, p. 71-121, fev 2001. DOI https://doi.org/10.1111/1467-6419.00133. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/epdf/10.1111/1467-6419.00133. Acesso em: 15 Jan. 2023.
    https://doi.org/10.1111/1467-6419.00133...
    ) existem três tipos de corrupção, de acordo com a relação entre a população e o cargo público envolvido. Ele chama de grande corrupção a que envolve atos da elite política que abusam de seu poder visando criar políticas econômicas que os beneficiam. A corrupção legislativa ocorre pela influência ilegal do voto, como pela compra de voto, para aprovar determinada legislação em benefício político ou econômico de um grupo determinado da sociedade. A corrupção burocrática envolve os atos da burocracia com a elite política ou com o público, como no suborno.
  • 28
    Em redação original: “Thus, it also functions as part of the normative justification for the political and economic domination enjoyed by the ‘advanced’ nations of the capitalist global heartland.”
  • 29
    Em versão original: “Corruption makes a mockery of rights, breeds cultures of secrecy, deprives the neediest of vital public services, deepens poverty, and undermines hope.”
  • 30
    No original: This is an invaluable tool to build controls against corruption by strengthening the integrity system of societies as a whole, rather than focussing on individual laws or institutions in isolation. We are grateful for the support of the Ford Foundation for the creation of this sourcebook.
  • 31
    No original: “Systemic research conducted recently by a number of authors finds that the more corrupt a country, the slower it grows.”
  • 32
    All three countries have enjoyed economic growth in the previous decade that far and away belies any predictive or explanatory power for measures of corruption.
  • 33
    “The clearest available example of such epistemic violence is the remotely orchestrated, far-flung, and heterogeneous project to constitute the colonial subject as Other.”
  • 34
    Carvalho (2001CARVALHO, José Jorge de. O olhar etnográfico e a voz subalterna. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, v. 7, n. 15, p. 107-147, Julho de 2001 2001. DOI https://doi.org/10.1590/S0104-71832001000100005. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ha/a/kNnShbTR3wLSWgCspyx8JBv/?lang=pt#. Acesso em: 22 maio 2020.
    https://doi.org/10.1590/S0104-7183200100...
    ) destaca a necessidade de “capturar o momento em que a re-presentação se funde à a-presentação, pois ele é especialmente propício para o surgimento de processos de insurreição e de movimentos sociais não cooptados e revolucionários, na medida em que as classes subalternas tentarão controlar o modo como serão representadas”.
  • 35
    “For example, Transparency International’s Anti-Corruption Tool Kit contains lesson plans for teachers to instruct their students on ethical behaviour, sample cartoons, and so on.”
  • 36
    “The inability to govern is projected as the root cause of frequent internal conflicts and the accompanying violation of human rights necessitating humanitarian assistance and intervention by the North.”
  • 37
    Ver: CHANG, H-J; PALMA, G; et al. The Asian crisis: introduction. Cambridge Journal of Economics. 22 (6), 1998, pp 649 - 652; VESTERGAARD, J. The Asian crisis and the shaping of ‘‘proper’’ economies. Cambridge Journal of Economics, 28, 2004, pp 809 - 827; e WADE, R; VENEROSO, F. The Asian crisis: the high debt model versus the Wall Street - Treasury - IMF complex. New Left Review. 228. 1998 pp 3 - 23.
  • 38
    Ver: Larner & Walters, Global Governmentality: governing international spaces. London and New York: Routledge. 2004.
  • 39
    No original: “corruption is deepening already indefensible levels of extreme poverty”
  • 40
    Em suas palavras: “Analyses of the ways in which corruption distorts markets, rewards the unproductive and reduces the general welfare of the population are the common currency of neoliberal discourse.”
  • 41
    Esta guerra jurídica é uma guerra híbrida, alternativa às guerras tradicionais. Também conhecida como Lawfare, ela aparece como politicamente neutra, mas em essência consiste no uso estratégico do direito para a consecução de fins geopolíticos. No contexto da América Latina, Romano (2020ROMANO, Silvina. Lawfare y neoliberalismo en América Latina: una aproximación. Sudamérica: Revista de Ciencias Sociales, Mar del Plata, n. 13, p. 14-40, dez. 2020, p. 35) reconhece que “El lawfare es la guerra por otros medios para garantizar la libertad de los mercado y la naturalización de un sistema internacional asimétrico”. Reconhece Celso Amorim que o Lawfare é utilizado por alguns setores da justiça para tornar algo legítimo, como o combate à corrupção, em algo seletivo e partidário, com o objetivo de manter o modelo político de dependência latino-americano ao capital internacional, conforme expõe no documentário La Guerra Judicial en Latinoamerica - Lawfare In the Backyard, no canal NuestrAmerica Audiovisual, disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Oi5fEkK77ok>.
  • 42
    Neste contexto, em 2001, o Patriot Act, notadamente o título 3º International Money Laudering Abatement and Financial Anti-Terrorism Act of 2001, voltado ao combate da lavagem de dinheiro internacional e do financiamento ao terrorismo, concedeu a adoção de medidas extremas aos órgãos de segurança dos Estados Unidos da América sem necessidade de autorização judicial especial, tais como interceptação telefônica e acesso a e-mails de pessoas ou organizações de qualquer país suspeitas de ligação com o terrorismo internacional. Para mais informações, ver: <https://www.congress.gov/bill/107th-congress/senate-bill/1511?s=1&r=4> Acesso em 20 jan. 2023.
  • 43
    Ver mais em: <https://www.usaid.gov/> Acesso em 20 Jan. 2023.
  • 44
    Mais informações: <https://www.justice.gov/criminal-opdat> Acesso em 20 Jan 2023.
  • 45
    Para mais informações, ver: <https://www.justice.gov/criminal-icitap> Acesso em 20 Jan. 2023.
  • 46
    Pedro Henrique Campos destaca que Thomas Shannon, ex-embaixador dos EUA no Brasil, expôs a preocupação do governo dos EUA com a formação do bloco sul-americano de esquerda, bem como com o papel da Odebrecht neste processo, dificultando o acordo de livre comércio no plano continental. Ver mais em: CAMPOS, Pedro Henrique. Os efeitos da crise econômica e da operação Lava Jato sobre a indústria da construção pesada no Brasil: falências, desnacionalização e desestruturação produtiva. Mediações, Londrina, v. 24, n. 1, p. 127-158, abr. 2019. Disponível em: <https://www.uel.br/revistas/uel/index.php/mediacoes/article/viewFile/35617/pdf>. Acesso em: 19 ago. 2021. p. 143.
  • 47
    Veja a lista das maiores sanções monetárias dos EUA por grupo de entidades disponível em: <https://fcpa.stanford.edu/statistics-top-ten.html>. Acesso em 28 jan. 2023.
  • 48
    Veja a lista das maiores sanções monetárias dos EUA por grupo de entidades disponível em: <https://fcpa.stanford.edu/statistics-top-ten.html>. Acesso em 28 jan. 2023.
  • 49
    Convém ressaltar que o Juiz Sérgio Moro compôs o governo Bolsonaro como Ministro da Justiça. Ele é o mesmo Juiz que foi assessorado pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos como estratégia de combate à corrupção instruída pela United States Agency for International Development (USAID) e o responsável pela prisão de Lula, mais forte adversário político do Bolsonaro. Em 2021 o Superior Tribunal de Justiça anulou as condenações de Lula, que pode participar das eleições de 2022 e vencer Bolsonaro.
  • 50
    Uma dessas influências é o projeto de construção da Ferrovia Transoceânica, proposta ao Brasil, Chile, Colômbia e Peru pelo ministro chinês Li Keqiang em sua visita à América do Sul no início de 2015. A proposta visa aproximar o mundo da economia chinesa através de políticas de investimentos em infraestrutura global, como a One Belt One Road (OBOR) chinesa, também conhecida como a Nova Rota da Seda. Sendo concretizada, ela mudará a geopolítica continental, auxiliando o Brasil no contato com o Oceano Pacífico e possibilitando a formação de uma plataforma de cooperação entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico (KORYBKO, 2017KORYBKO, Andrew. 21st century geopolitics of Latin America. Seattle: Kindle Independent Publishing, 2017.).
  • 51
    O jornalista do The New York Times, Christopher Sabatine, escreveu: “He kicked off the tour last week with a stop at his alma mater, the University of Texas, Austin, where he gave a tin-eared endorsement of the 1823 Monroe Doctrine, saying that America’s right to block outside interference in the hemisphere is ‘as relevant today as it was the day it was written’.” Disponível em: <https://www.nytimes.com/2018/02/09/opinion/tillerson-latin-america.html>. SABATINE, Christopher. Tillerson’s Attempt to Mend Ties in Latin America. The New York Times. Nova Iorque, 9 fev. 2018. Acesso em 27 de jan. 2023.
  • 52
    Originalmente: “It is a matter of public record that US DOJ agents provided support to Brazilian prosecutors that were part of the Lava Jato operation. It has also come to light that in October of 2015, 17 members of DOJ, the FBI, and the Department of Homeland Security visited Curitiba to receive a full briefing from Lava Jato prosecutors regarding their ongoing investigations and proceedings” (USA, 2019).
  • 53
    A história política brasileira é permeada de exemplos, muitos com participação importante dos EUA. Por exemplo, o golpe militar de 1964, apoiado pelos EUA, utilizou fortemente o discurso de combate à corrupção, conforme demonstra Motta (2016) em seu artigo Os expurgos de 1964 e o discurso anticorrupção na caricatura da grande imprensa. Campos (2014), em seu livro Estranhas Catedrais: as empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar de 1964-1985, denuncia vários casos de corrupção durante o período.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    21 Maio 2022
  • Aceito
    24 Fev 2023
Universidade do Estado do Rio de Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - 7º Andar, CEP: 20.550-013, (21) 2334-0507 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: direitoepraxis@gmail.com