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Ideologia de gênero e a “defesa da língua portuguesa”: uma análise feminista sobre a supressão do debate acerca da linguagem neutra em Santa Catarina

Gender ideology and the “defense of the Portuguese language”: a feminist analysis on the suppression of the debate about neutral language in Santa Catarina

Resumo

As questões da linguagem neutra e da ideologia de gênero ganharam destaque no ano de 2021 em Santa Catarina a partir da publicação do decreto 1.329/2021 que, dentre outras questões, veda expressamente as instituições de ensino e bancas examinadoras de seleção de concursos públicos a utilização de novas formas de flexão de gênero, especialmente na linguagem escrita, uma vez que, segundo o decreto, o aumento no número de palavras da língua portuguesa é contrário às regras gramaticais consolidadas. Neste contexto, o presente artigo visa estudar, sob uma perspectiva feminista, o movimento de supressão do debate sobre flexão de gênero e a articulação de discursos como a “ideologia de gênero” e “defesa da língua portuguesa” em Santa Catarina, considerando as tensões produzidas no campo da política e do direito. Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, sob método indutivo, com técnicas de pesquisa monográfica, teórica e documental, em que se pretende responder ao problema: de que forma se articularam posicionamentos de “ideologia de gênero” e “defesa da língua portuguesa” na aprovação do decreto que suprime o debate emSanta Catarina? A partir dessa análise, que não gira em torno da qualidade da linguagem neutra em si, conclui-se que a atuação política e institucional que enfrenta o debate sobre a linguagem neutra no estado não possui caráter democrático ao tolher o debate público sobre tema referente à educação e à cidadania.

Palavras-chave:
Direito e política; Ideologia de gênero; Estudos feministas; Linguagem neutra; Santa Catarina

Abstract

Neutral language (non-binary language) and gender ideology issues have been highlighted at the state of Santa Catarina after the decree 1.329/2021 which expressly prohibits educational institutions and axamination boards from using gender inflection, especially in written language form, wich, according the decree, would increase the number of p ortuguese words, against the grammatical rules of the language. In this context, this article aims to study, from a feminist perspective, the movement to encourage the debate on gender flexion and the articulation of discourses such as “gender ideology” and “defense of the Portuguese language” in Santa Catarina, considering the tensions in the field of politics and law. This qualitative approach, under an inductive method, use monographic, theoretical and documentary research techniques, in which it is intended to answer the problem: how was the articulation of “gender ideology” and “defense of the Portuguese language” guidelines in the approval of the decree that suppresses the debate in Santa Catarina? From this analysis, which does not revolve the quality of neutral language itself, it is concluded that the political and institutional action that faces the debate on neutral language in the state does not have a democratic character.

Keywords:
Law and politics; Gender ideology; Feminist studies; Neutral language; Santa Catarina

Introdução

As questões de ideologia de gênero e de linguagem neutra têm se colocado presentes no cenário político catarinense, mobilizando agentes políticos, desde as instituições, a imporem suas agendas visando evitar diálogos sobre o tema para impedir terminantemente sua aplicação e/ou difusão, conforme se visualizou no decreto 1329/2021. A partir de um estudo de abordagem qualitativa, sob método indutivo, com técnicas de pesquisa monográfica, teórica e documental, se pretende responder ao problema: de que forma se articularam posicionamentos de “ideologia de gênero” e “defesa da língua portuguesa” na aprovação do decreto que suprime o debate em Santa Catarina?

Assim, tem-se por objetivo geral estudar, sob uma perspectiva feminista, o movimento de supressão do debate sobre flexão de gênero e a articulação de discursos como a “ideologia de gênero” e “defesa da língua portuguesa” em Santa Catarina a partir do decreto 1.329/2021.

Para isso, cada seção do artigo atenderá a um dos seguintes objetivos específicos: Identificar a atuação dos principais atores políticos na movimentação que resultou no decreto 1.329/2021, que veda as novas formas de flexão de gênero em Santa Catarina; estudar o estabelecimento do regime democrático na Constituição Federal de 1988, a atuação das mulheres e a própria definição de democracia pela perspectiva feminista e descolonial; analisar a articulação político-ideológica catarinense como uma técnologia de gênero e os riscos para o campo democrático.

O contexto da pesquisa considera o decreto 1.329/2021 publicado pelo ex-governador do Estado de Santa Catarina, na data de 15 de junho de 2021, que atende à ala de extrema-direita parlamentar da região sob a pauta de ideologia de gênero e que versa sobre as novas formas de flexão e gênero, também denominado “linguagem neutra”.

A pesquisa não tem a pretensão de analisar a qualidade da linguagem em si, que escapa ao jurídico. Tem-se como hipótese inicial, no entanto, que os discursos sustentados no enfrentamento do debate sobre a linguagem neutra não possui caráter democrático. As relações de poder estão explícitas, mas os mecanismos utilizados entre e para elas estão implícitos, o que requer demasiada atenção. Os princípios da Administração Pública devem ser observados e respeitado pois, ao tolher o debate público, o campo social e a democracia são reduzidos.

Neste sentido, as críticas feministas oferecem possibilidades de análise do tema, uma vez que são plurais, inclusive sobre a formulação acerca de democracia e, mais recentemente, têm abarcado o papel dos feminismos, das questões de gênero e de direitos das mulheres atrelando à questão do neoliberalismo1 1 Buscando desconectar-se do liberalismo clássico dos séculos XVII e XVIII, o termo “neoliberalismo” foi cunhado em 1938 no Colóquio Walter Lippmann, em uma reunião de acadêmicos que lançou as bases político-intelectuais daquilo que uma década depois se tornaria a Sociedade Mont Pèlerin (1947). como nova racionalidade2 2 O “novo” neoliberalismo se desenvolve a partir principalmente da crise mundial de 2008, que desponta nos EUA com a crise imobiliária. Gestão, lei e tecnocracia no lugar de deliberação, contestação e partilha. Espaços público e privado são confundidos, surgindo uma nova racionalidade que não apenas opera como sistema político e econômico, mas que atinge diretamente as subjetividades, individualizando as relações sociais e enfraquecendo os coletivos. Em nome da concorrência, eficiência, risco e meritocracia, cada um se torna empreendedor de si mesmo. Culminando em uma cultura política antidemocrática em que há negação do social como lugar moderno essencial da emancipação e da justiça. e os impactos diante dessas relações para o campo social. Neste sentido, Wendy Brown (2018BROWN, Wendy. Cidadania sacrificial: neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade. Coleção Pequena Biblioteca de Ensaios. Rio de Janeiro: Zazie Edições, 2018.), filósofa estadunidense, considera que no sistema neoliberal, através de soluções discursivamente “neutras”, busca-se superar os antagonismos e partidarismos na busca pelo “consenso”.

A ascensão da extrema-direita em várias localidades do globo se deu, não somente por meio da racionalidade neoliberal, como também pelo ressentimento de grupos historicamente privilegiados, resultando na antipolítica nos termos de Brown (2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. Tradução: Mario, A. Marino; Eduardo Altheman C. Santos. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019, 256p.). Na lógica dos “empreendedores de si” ficam ofuscadas as desigualdades sociais a partir das diferenças de origem, classe, raça e etnia, gênero, sexualidade, dentre outras. Nesta perspectiva, o neoliberalismo “desdemocratizou” o político (BROWN, 2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. Tradução: Mario, A. Marino; Eduardo Altheman C. Santos. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019, 256p.). Em cenários democráticos as disputas devem estar presentes, possibilitando posturas plurais de acordo com o jogo da democracia, o que o decreto em questão tentou suprimir no caso da linguagem neutra em Santa Catarina.

1. Ideologia de gênero e a defesa da língua portuguesa em Santa Catarina: a inversão do debate

O pano de fundo da presente análise é o decreto 1.329/2021 que versa sobre a “linguagem neutra”, publicado pelo ex-governador do Estado de Santa Catarina na data de 15 de junho de 2021, buscando atender à ala de extrema-direita parlamentar da região sob a justificativa da ideologia de gênero e. O decreto veda expressamente “novas formas de flexão de gênero e de números das palavras da língua portuguesa”, e abarca todas as instituições de ensino, independentemente do nível ou da natureza pública ou privada, além de estabelecer em seu artigo primeiro que “Nos ambientes formais de ensino, fica vedado o emprego em documentos oficiais de linguagem que, contrariando as regras gramaticais da língua portuguesa, pretendam se referir a gênero neutro”. Nos seguintes termos:

O Governador do Estado de Santa Catarina, no uso das atribuições privativas que lhe conferem os incisos I e III do art. 71 da Constituição do Estado e de acordo com o que consta nos autos do processo nº SED 50173/2021,

Decreta:

Art. 1º Fica vedada a todas as instituições de ensino no Estado de Santa Catarina, independentemente do nível de atuação e da natureza pública ou privada, bem como aos órgãos ligados à Administração Pública Estadual, a utilização, em documentos oficiais, de novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa, em contrariedade às regras gramaticais consolidadas e nacionalmente ensinadas.

Parágrafo único. Nos ambientes formais de ensino, fica vedado o emprego em documentos oficiais de linguagem que, contrariando as regras gramaticais da língua portuguesa, pretendam se referir a gênero neutro.

Art. 2º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Florianópolis, 15 de junho de 2021.

CARLOS MOISÉS DA SILVA; Eron Giordani; Luiz Fernando Cardoso (SANTA CATARINA, 2021, grifo nosso).

Ainda em 05 de julho de 2021 foi interposta pelo Partido dos Trabalhadores (PT) a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6925). Ao justificar o cabimento da ação, o partido, representado pela presidenta Gleisi Helena Hoffmann, argumentou que o decreto viola os direitos à igualdade, à não-discriminação, o princípio da dignidade da pessoa humana e o direito à educação3 3 Processo: ADI/6925. Relator: MIN. NUNES MARQUES Assunto: Controle de Constitucionalidade https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=6216470 Acesso em: 10 jan. 2023. . Em sede de distribuição, restou como relator o Ministro Nunes Marques, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro ao Supremo. O presidente da Corte naquele momento, Luiz Fux, via despacho, não acolheu o pedido cautelar do requerente. De acordo com o ministro, “A análise dos autos revela uma série de questões constitucionais complexas, as quais serão oportunamente objeto de análise pelo Eminente Relator, juiz natural da causa” (STF, 2023). Segundo o recorte temporal da pesquisa, a ADI aguarda julgamento.

Para além da discussão sobre a constitucionalidade ou inconstitucionalidade do decreto, cabe compreender os resultados e as nuances dessa movimentação na questão democrática e social. A título exemplificativo, em uma matéria do Conjur sobre a ADI, foi identificado um comentário anônimo dizendo o seguinte: “É inacreditável que esse partido, depois de destruir o país, ainda insista em entupir o judiciário com ações desse tipo. Lamentável que se perca tempo discutindo bobagens como essa. Imaginem o que virá a seguir... Identidade de espécie? Sim, temos que criar uma forma de tratamento para aquelas pessoas que não ‘de identificam’ com a raça humana e que preferem ser tratadas como cães ou gatos, por exemplo. Bem, já temos os candidatos a burros…” (erro de digitação fiel ao comentário)4 4 ADI questiona decreto que proíbe o uso de linguagem neutra de gênero em SC. Conjur. 09/07/21. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jul-09/adi-questiona-decreto-proibe-uso-linguagem-neutra-sc Acesso em: 10 jan. 2023. . Percebe-se que, muito além dos impactos da regulamentação ou da inconstitucionalidade do decreto, o próprio debate na seara estatal justifica e motiva posturas anti-democráticas dos cidadãos, que se materializam em ações violentas, como foi o caso do assassinato em uma festa de aniversário, em Foz do Iguaçu, que teve repercussão pela motivação explicitamente política5 5 Entenda caso de petista morto por bolsonarista em Foz do Iguaçu (PR). Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/07/entenda-caso-de-petista-morto-por-bolsonarista-em-foz-do-iguacu-pr.shtml Acesso em: 24 jan, 2023

Para essa análise propõe-se uma inversão, uma vez que, em textos feministas geralmente são estudadas as teorias feministas diversas e os direitos das mulheres pelas óticas das mulheres e isto significa que ao mesmo tempo somos sujeitas e objeto de pesquisa. A inversão se refere a troca de objeto, assim, considerando o tema alocado no presente trabalho, sugere-se o questionamento: quem são aqueles que esbravejam sobre ideologia de gênero e que sob esse argumento se colocam contrários à linguagem neutra?

Essa dinâmica foi pensada a partir da provocação de Susana Castro, filósofa brasileira, que em um de seus textos diz que “os povos encontrados são descritos a partir de um olhar que os enquadra como objetos de curiosidade e estudo, nunca como pessoas com as quais se deveria aprender algo” (p. 161). A inversão se trata de que as mulheres deixem de ser objeto de estudo e passem para o lugar de pessoas com as quais se deveria aprender.

Neste sentido, os atores políticos ativamente ligados ao decreto são o ex-governador, Carlos Moisés, e a deputada estadual, Ana Caroline Campagnolo. O governador do Estado deste período, Carlos Moisés, foi eleito na maré bolsonarista e de extrema-direita que eclodiu durante as eleições de 2018. Sob a sigla do PSL, mesmo partido que na época elegeu o ex-presidente da República Jair Bolsonaro. Servidor público de carreira, bombeiro militar, Moisés não fazia parte do cenário político tradicional do estado, mas já carrega em seu recente histórico um processo de impeachment6 6 Carlos Moisés consegue votos necessários e escapa de impeachment em SC. G1. 07/05/2021, 13:53. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/carlos-moises-consegue-votos-necessarios-e-escapa-de-impeachment-em-sc/ Acesso em: 10 jan. 2023. . Sua vice, Daniela Cristina Reinehr, foi quem carregou a bandeira bolsonarista com maior vigor7 7 SPAUTZ, Dagmara. Vice-governadora de SC usou dinheiro público para ir a atos de 7 de Setembro e a congresso de extrema-direita. NSC. 10/09/2021, 10:57. Atualizada em: 10/09/2021, 17:40. Disponível em: https://www.nsctotal.com.br/colunistas/dagmara-spautz/vice-governadora-de-sc-usou-dinheiro-publico-para-ir-a-atos-de-7-de Acesso em: 10 jan. 2023. .

Ana Caroline Campagnolo, por sua vez, deputada estadual responsável por movimentar a pauta que resultou no decreto8 8 Campagnolo e governador de SC assinam decreto proibindo liguagem neutra. Ana Caroline Campagnolo. 20/06/2021. Disponível em: https://www.anacampagnolo.com.br/noticia/campagnolo-e-governador-de-sc-assinam-decreto-proibindo Acesso em: 17 jan. 2023. foi eleita pela primeira vez no mesmo período eleitoral pelo PSL, atualmente está filiada ao PL. A deputada, além de se dizer abertamente antifeminista, também escreve livros e profere cursos livres sobre o tema a partir de um discurso de “resgate da moral e dos bons costumes”, destilando abertamente o seu ódio em relação a todas as pautas ligadas à igualdade de gênero9 9 “A deputada mais votada da história de SC é uma mulher antifeminista”. Perfil de Ana Caroline Campagnolo na rede social Instagram. Disponível em: https://www.instagram.com/p/Ck8ksL-uZ3q/ Acesso em: 23 jan. 2023. . Campagnolo recebeu projeção estadual e nacional após processar uma professora de história da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC) por ter sido reprovada no processo de defesa da dissertação10 10 “Não posso orientar quem não acredita naquilo que estuda”, afirma Marlene de Fáveri. PORTAL CATARINAS. Disponível em: https://catarinas.info/nao-posso-orientar-quem-nao-acredita-naquilo-que-estuda-afirma-marlene-de-faveri/ Acesso em: 10 jan. 2023. . A partir desse momento decidiu ingressar no contexto político-decisório, o que por si só representa uma contradição com o que a própria defende em sua perspectiva “antifeminista”.

A discussão estadual, no entanto, não se restringiu ao decreto e aos atores citados. No município de Criciúma, sul do estado, o debate sobre a linguagem neutra foi chegou à Câmara de Vereadores. No início de agosto de 2021, o vereador Obadias Benones (Avante) comemorou a aprovação do projeto de sua autoria que proíbe o uso de linguagem neutra na rede municipal de ensino na cidade. O tema foi votado na sessão do dia 02 do mês citado e obteve apoio de 14 vereadores. Houve uma abstenção e apenas um voto contrário, da jovem vereadora Giovana Mondardo (PCdoB). No projeto de lei que foi aprovado constava enquanto ementa a mensagem de ser “em defesa da língua portuguesa”11 11 CÂMARA DE VEREADORES DE CRICIÚMA/SC. Projeto PL 40/2021. Disponível em: https://www.camaracriciuma.sc.gov.br/documento/projeto-pl-40-2021-113159#:~:text=p%C3%BAblicas%20do%20munic%C3%ADpio.-,Art.,em%20editais%20de%20concursos%20p%C3%BAblicos. Acesso em: 10 jan. 2023. .

Também de Criciúma, a deputada federal Geovania de Sá (PSDB), em conjunto com a deputada federal Daniela do Waguinho (MDB/RJ - atual UNIÃO), protocolou o Projeto de Lei n. 2650/21, apenas um dia após a aprovação do texto na Câmara Municipal. O projeto de lei apresentado pelas parlamentares possui o mesmo teor da matéria aprovada em Criciúma, tendo como objetivo impedir o uso da linguagem neutra nas escolas públicas e privadas, mas agora em todo o Brasil. Especificamente, em sua ementa consta que a proposta objetiva alterar a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, para vedar a utilização de linguagem neutra por escolas públicas e privadas. A proposta das legisladoras foi apensada ao projeto de lei n. 173/2021 de autoria do deputado Lincoln Portela (PL/MG) que busca alterar artigos da lei que instituti as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Quanto ao status de tramitação, a proposição encontra-se sujeita à apreciação conclusiva pelas comissões12 12 Câmara dos Deputados. Atividade Legislativa. Projetos de Lei e outras Proposições. PL 173/2021. Inteiro teor. Projeto de Lei. Situação: Apensado ao PL 5198/2020. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao/?idProposicao=2268882 Acesso em: 11 jan. 2023. . A deputada federal catarinense também já declarou apoio ao ex-presidente da República e isso reflete o fato de que o estado catarinense se encontra fortemente entre o emaranhado bolsonarista13 13 Geovânia cumprimenta Bolsonaro e declara apoio. Engeplus. 06/11/2018. Disponível em: https://www.engeplus.com.br/noticia/politica/2018/geovania-cumprimenta-bolsonaro-e-declara-apoio Acesso em: 06 jan. 2023. .

Assim, parece razoável discorrer sobre a figura que movimenta tais proposições no ordenamento jurídico e no cenário político brasileiros. Jair Messias Bolsonaro14 14 Bolsonaro quer lei contra ideologia de gênero. E não é o único. Veja como está a batalha no Congresso. Gazeta do Povo. 17/05/2020. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/ideologia-de-genero-lei-bolsonaro-congresso/ Acesso em: 11 jan. 2023. , que segundo Letícia Kreuz:

Não valorizou na campanha o fato de ter sido deputado federal por 7 mandatos, ou seja, ter sido parte orgânica da política nacional ao longo de 27 anos. Longe de ser um verdadeiro outsider, o candidato Bolsonaro se fortaleceu da quebra da confiança do eleitorado brasileiro na própria democracia, no antipetismo, especialmente entre as classes média e alta, ainda, de uma esperança de mudança e superação da crise. A eleição de Bolsonaro é produto das manifestações de 2013, do impeachment, do desdém ao sistema político, do crescimento dos movimentos conservadores (2020, p. 250).

Estudar em profundidade figuras comoo ex-presidente ajudam a compreender os impactos e reflexos de suas atuações nas democracias contemporâneas assim como as interferências da nova racionalidade entendida neoliberal nestes contextos. No debate constitucional, termos como “constitucionalismo abusivo”, “legalismo abusivo” e “legalismo autocrático” tem sido enunciados com o objetivo de tentar elucidar os cenários políticos atuais, como no caso do Brasil, todavia, como salienta Kreuz, “são conceitos que não implicam em rupturas óbvias com as ordens constitucionais vigentes” (2020, p. 227).

Perguntas como: O que pretendem os bolsonaristas, sob o argumento da “ideologia de gênero”, ao tolherem a possibilidade de debate e desenvolvimento da linguagem no Brasil? Quais são as sujeitas ou sujeitos ocultos em seu projeto político e ideológico? Quais são os resultados para a área da educação no país? Essas perguntas remetem à passagem de Lauretis (1994LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. Tendências e Impasses. Hollanda, Heloisa Buarque de (Org.), 1994. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5673685/mod_resource/content/4/DE%20LAURETIS%2C%20Teresa.%20A%20Tecnologia%20do%20G%C3%AAnero%20%281987%29.pdf Acesso em: 10 jan. 2023.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
), teórica italiana:

Por potencial epistemológico radical quero dizer a possibilidade, já emergente nos escritos feministas dos anos 80, de conceber o sujeito social e as relações da subjetividade com a sociabilidade de uma outra forma: um sujeito constituído no gênero, sem dúvida, mas não apenas pela diferença sexual, e sim por meio de códigos linguísticos e representações culturais; um sujeito “engendrado” não só na experiência de relações de sexo, mas também nas de raça e classe: um sujeito, portanto, múltiplo em vez de único, e contraditório em vez de simplesmente dividido (LAURETIS, 1994LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. Tendências e Impasses. Hollanda, Heloisa Buarque de (Org.), 1994. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5673685/mod_resource/content/4/DE%20LAURETIS%2C%20Teresa.%20A%20Tecnologia%20do%20G%C3%AAnero%20%281987%29.pdf Acesso em: 10 jan. 2023.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
, p. 208, grifo nosso).

Os códigos linguísticos fazem parte da estrutura e tecnologia de gênero, que pode ser chamada de ideologia de gênero e que foi tomada e teve sua concepção e suas consequências políticas completamente invertidas pelo método bolsonarista. As linguistas Vallada e Pinto apresentam que a linguística feminista está em sua quinta década de atividades e trabalhos em que se busca alinhar gênero e linguagem e lecionam sobre a importância da linguagem para as teorias feministas. A publicação do texto em 1975, Language and Women’s Place, de Lakoff15 15 LAKOFF, Robin. Language and Women’s Place. Nova York: Harper and Now, 1975. , é considerado pelas especialistas como o início dos estudos de linguagem e gênero como um subcampo da linguística. Em sua pesquisa as autoras buscaram compreender sobre a relevância da questão de gênero para a linguística feminista e concluíram que:

[...] ainda que todos os artigos discutam gênero e linguagem, são poucos os artigos que abordam explicitamente a relevância do gênero para os estudos da linguagem, ou seja, a maioria dos artigos simplesmente assume como óbvia a relevância da categoria gênero para suas análises (VALLADA; PINTO, 2021VALLADA, Amanda Diniz; PINTO, Joana Plaza. Cinco décadas de linguística feminista: índices de consolidação do campo. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 1, e64988, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/46BTpY5XbsRhzNFCdDKpRcb/?lang=pt&format=pdf Acesso em: 13 jan. 2023.
https://www.scielo.br/j/ref/a/46BTpY5Xbs...
, p. 8).

A partir da contribuição teórica de uma importante autora para este campo do conhecimento, Judith Butler16 16 BUTLER, Judith. Excitable speech. Nova York: Routledge, 1997. , as linguistas argumentam que “os estudos feministas do campo de linguagem e gênero têm se mostrado um cenário produtivo para colocar em foco questões sociais e culturais de sexo e gênero que se constroem pela linguagem” (VALLADA; PINTO, 2021VALLADA, Amanda Diniz; PINTO, Joana Plaza. Cinco décadas de linguística feminista: índices de consolidação do campo. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 1, e64988, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/46BTpY5XbsRhzNFCdDKpRcb/?lang=pt&format=pdf Acesso em: 13 jan. 2023.
https://www.scielo.br/j/ref/a/46BTpY5Xbs...
, p. 10). Os estudos da linguagem pela ótica feminista tem colaborado com os demais campos de debate sobre questões sociais e culturais, como, por exemplo, no caso desta pesquisa.

Conforme alerta Heloisa Buarque de Hollanda, escritora brasileira, “o panorama político desta segunda década do século XXI é tão inesperado quanto assustador. O momento é de profunda crise do capitalismo global, de falta de políticas efetivas de controle de uma crise ambiental sem precedentes, e é marcado pelo desgaste inédito das formas da democracia representativa” (2019, p. 12). Ainda, durante a escrita deste artigo, enfrenta-se uma pandemia mundial sem precedentes. Desse modo, cabe destacar:

A democracia liberal não vem se mostrando hábil para solucionar as crises e retrocessos gerados internamente nos sistemas políticos de diversos países, com manifestação dessa condição no Brasil especialmente a partir de 2013. Embora tenha se colocado na condição de sistema universal e tenha se espalhado pelos países ocidentais como melhor (ou talvez único) meio de se organizar um Estado voltado ao ideal democrático (KREUZ, 2020KREUZ, Letícia Regina Camargo. Constitucionalismo nos tempos do cólera: neoconservadorismo e desnaturação constitucional [meio eletrônico]. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Paraná, Setor de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-graduação em Direito. Curitiba, 2020., p. 253).

Constituições são promessas que engajam um futuro comum. No debate sobre como responder os ataques ao Estado Democrático de Direito se indaga se ele pode permitir que estes ataques sejam feitos em nome do próprio Estado Democrático de Direito ou se outros meios possam ser pensados e aplicados para interromper esse processo de ataques, como, por exemplo, uma postura diferenciada com o que hoje se compreende e defende como liberdade de expressão. Bolsonaristas utilizam da liberdade de expressão para propagarem misoginia, racismo, LGTBQIAfobia, discursos de ódio diversos e vetam a pluralidade desde as estruturas e instituições via decreto de modo a cercear o debate público sobre algo que interessa para todas, todos e todes, aqui se faz referência à educação, notadamente a linguagem, ao discurso como instrumento para exercer poder.

2. Democracia: o debate feminista e descolonial e a Constituição Federal de 1988

As discussões sobre gênero e igualdade restam prejudicadas em movimentações político-ideológicas como as descritas. Esse enviesamento da pauta se apresenta como um risco à própria democracia. No entanto, como o debate já está colocado, emerge a necessidade de aprofundamento da concepção de democracia a partir da crítica feminista. Se essas discussões trarão mudanças para a pauta, como já estão trazendo, temos a oportunidade de movimentá-las no sentido feminista que propomos, e não no sentido contrário, que nos afastaria ainda mais do avanço progressista necessário.

Para fazer essa guinada, iniciaremos apresentando brevemente o contexto em que foi proposto, discutido, elaborado e promulgado a Constitução Federal de 1988, que inaugurou o período democrático no Brasil e propiciou um regime político com configuração própria. Para além da própria norma, buscamos compreender a atuação de diversos grupos de mulheres que movimentaram as estruturas no cenário constituinte com o objetivo de constar na norma máxima do país, dentre outros, o requisito ou princípio da igualdade entre homens e mulheres.

De acordo com Salete Maria da Silva (2011SILVA, Salete Maria da. A carta que elas escreveram: a participação das mulheres no processo de elaboração da Constituição Federal de 1988. 2011. Tese (doutorado) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.), no dia 26 de agosto de 1986, ocorreu na capital do país, o “Encontro Nacional Mulher e Constituinte”, em que duas mil mulheres compareceram, dividindo-se em doze grupos de trabalhos, organizados por temas, que discutidos e deliberados sobre as propostas, estas seriam encaminhadas à Assembleia Constituinte. O resultado desse momento foi a elaboração da Carta das Mulheres, que culminou no artigo quinto e inciso primeiro do texto constitucional, garantindo que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição” (BRASIL, 2023).

O texto constitucional dispõe em seu artigo terceiro e inciso quarto que “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: (...) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (BRASIL, 2021). Assim como o artigo quinto da supracitada legislação dispõe que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (BRASIL, 2023).

A Constituição da República Federativa do Brasil gerou e gera grande debate por diversos motivos. Mulheres juristas feministas engrossaram o coro da igualdade entre homens e mulheres, não apenas como simbólica. É o caso de Silvia Pimentel, que em 1985, lançou a obra “A Mulher e a Constituinte: uma contribuição ao debate” em que a autora aborda o direito da mulher na legislação constitucional brasileira, os direitos da mulher e seu reconhecimento internacional, e o espaço da mulher na nova constituição brasileira. Hoje, pouco mais de três décadas depois da promulgação do texto constitucional, os debates permanecem. O projeto e a promessa daquele período histórico esbarram em obstáculos estruturais e na própria história brasileira marcada pela colonização, escravidão e divisão de classes.

As últimas décadas têm sido palco de intensa mobilização feminista, tanto no plano das teorias quanto no plano dos movimentos, com destaque para as mulheres inicialmente marginalizadas neste contexto, como, por exemplo, as mulheres negras, de países colonizados, indígenas, lésbicas, bissexuais, com deficiência, trans e travestis etc. Sem descurar das relevantes e manifestas distinções de cada localidade, afinal, é possível conceber que os contextos da Europa, América do Norte e América Latina são distintos, assim como os demais. O fator da colonização que determinados países sofreram acarreta em consequências para suas populações hodiernamente. Esse é um ponto levantado pelas feministas descoloniais, como María Lugones17 17 Para saber mais: LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, 22(3): 935-952, setembro-dezembro/2014. e Yuderkys Espinosa Miñoso18 18 Para saber mais: MIÑOSO, Yuderkys Espinosa. Pensando la academia feminista desde una mirada co-constitutiva de la opresión. In: Nuevos desafíos para la inclusión social y la equidad en instituciones de educación superior. Rifà Valls, M.; Duarte Campderrós, L. & Ponferrada Arteaga, M. (editoras), 2014. , quando, por exemplo, discorrem acerca da colonialidade de gênero.

Ao abordar o tema da democracia pela ótica feminista é importante ter em mente que tais perspectivas podem ser distintas a depender do contexto histórico-político do qual a mulher feminista enuncia. No Brasil, exemplificativamente, antes da promulgação da Constituição Democrática, tivemos 21 anos de ditadura militar, sendo que o processo constituinte é entendido por muitos e muitas como um processo de transição entre dois regimes, ainda que atualmente algumas críticas tenham sido dirigidas para essa interpretação, isto é, questiona-se se realmente ocorreu um período de transição para uma democracia possível.

O Chile viveu um momento de extrema relevância que desde - principalmente - 2019, tem mostrado ao mundo atento grandes mobilizações, encabeçadas em grande parte, pelas mulheres feministas, contra as reformas neoliberais do ex-presidente, Sebastián Piñera19 19 O país citado passou por eleições em 2021 e elegeu presidente Gabriel Boric, ex-líder estudantil de esquerda. Seu gabinete ministerial conta com 14 mulheres e 10 homens. , e contra o legado da ditadura de Augusto Pinochet desde a década de 197020 20 TANSCHEIT, Talita São Thiago. Das ruas à constituinte: a reinvenção da ação coletiva no Chile. Revista Jacobin, 15/06/2021. Disponível em: https://jacobin.com.br/2021/06/das-ruas-a-constituinte-a-reinvencao-da-acao-coletiva-no-chile/ Acesso em: 10 jan. 2023. .

Essas mobilizações acarretaram na conquista de uma constituinte paritária21 21 MONTES, Rocío. Uma Constituição com perspectiva de gênero no Chile. Movimento feminista impulsionou protestos que abriram caminho para mudança da Carta Magna, que será redigida por um órgão paritário. El País. Santiago, 03/11/20, 08:49 BRT. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2020-11-03/uma-constituicao-com-perspectiva-de-genero-no-chile.html Acesso em: 10 jan. 2023. , e, em maio de 2021, os resultados das eleições gerais mostraram que essa organização social culminou em resultados instigantes para aquele país22 22 MONTES, Rocío. Chile conclui primeira eleição direta para governador, com menos de 20% de participação. Centro-esquerda obtém 8 dos 13 cargos em disputa, incluindo o comando de Santiago. El País. Santiago Do Chile, 14/06/21, 09:45 BRT. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-06-14/chile-conclui-primeira-eleicao-direta-para-governador-com-menos-de-20-de-participacao.html Acesso em: 10 jan. 2023. . Esse é o contexto do Chile. No Brasil, a situação é outra. A proposta de uma nova constituinte durante o governo federal bolsonarista poderia ter resultados muito discrepantes, até mesmo devastadores para a tentativa de consolidação da democracia no país. Em 2023, estreamos sob novo governo e nova proposta política para o âmbito nacional23 23 Lula é eleito novamente presidente da República do Brasil. Tribunal Superior Eleitoral. 30/10/2022. Disponível em: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Outubro/lula-e-eleito-novamente-presidente-da-republica-do-brasil Acesso em: 11 jan. 2023. .

O conceito de democracia pode ser correspondente entre os diversos feminismos, entretanto, para o emprego das práticas e mudanças sociais, econômicas, políticas, institucionais e culturais, a conjuntura do país deve ser elucubrada. As críticas feministas podem ser plurais, assim, a formulação acerca da democracia não seria diferente. Algumas teóricas e filósofas feministas têm elaborado - e por vezes aperfeiçoado - suas teses por anos e até mesmo por décadas. Para fins didáticos, as autoras podem ser divididas por escolas de pensamento, por linha do tempo e até mesmo por pontos geopolíticos. Marxistas, pós-estruturalistas, de(s)coloniais, clássicas e contemporâneas, norte-americanas, latino-americanas, africanas, indianas, feministas negras, LGBTQIA+, indígenas, feministas do cuidado e da deficiência etc. Espalhadas nas várias áreas do conhecimento. Além do que é elaborado no campo dos movimentos sociais. As construções são diversas, todavia, como bem alertado por bell hooks:

A expansão da noção de que pode haver vários “feminismos” serviu aos interesses políticos, conservadores e liberais, de mulheres à procura de status e poder de classe, que estavam no primeiro grupo que usou o termo “feministas de poder”. Também era o grupo que começou a sugerir que uma mulher poderia ser feminista e ser contra o aborto. Essa é outra noção equivocada. Garantir às mulheres o direito civil de ter controle sobre o próprio corpo é um princípio feminista básico. [...] Enquanto políticas feministas são fundamentadas em um conjunto firme de crenças sobre nosso objetivo e direção, nossas estratégias para uma mudança feminista deve ser variada (2020, p. 162-165, grifo nosso).

Mais recentemente, algumas teóricas têm discorrido sobre o papel dos feminismos, das questões de gênero e de direitos das mulheres atrelando à questão do neoliberalismo como nova racionalidade e os impactos diante dessas relações para o campo social. Nancy Fraser, teórica crítica estadunidense, aloca que:

Juntando outras forças progressistas, as feministas poderiam militar por uma nova ordem política pós-Westfaliana - uma ordem escalar múltipla que é democrática em todos os níveis. Combinando subsidiariedade com participação, a nova constelação de poderes democráticos deve ser capaz de retificar as injustiças em todas as dimensões, ao longo de todos os eixos e em todas as escalas, incluindo injustiças trans-fronteiriças. Estou sugerindo, então, que este é um momento em que as feministas devem pensar grande. Tendo observado como o violento ataque neoliberal instrumentalizou nossas melhores ideias, temos uma abertura agora para reivindicá-las. Agarrando este momento, poderíamos simplesmente dobrar o arco da transformação iminente na direção da justiça - e não apenas no que diz respeito a gênero (2009, p. 31-32, grifo nosso).

Neste sentido, em articulação ao que leciona Teresa de Lauretis, o sujeito do feminismo “é uma construção teórica, uma força de conceitualizar, de entender, de explicar certos processos e não as mulheres” (1994, p. 217), curiosamente, tal forma de conceituar e explicar certos processos têm sido feitas quase que exclusivamente por mulheres. Vislumbrar concepções de democracia é buscar compreender o processo, e, essa dinâmica pode ser feminista feita por mulheres e pode resultar em equidade para todas e todos sujeitos envolvidos.

Considerando os tópicos democráticos, Wendy Brown (2018BROWN, Wendy. Cidadania sacrificial: neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade. Coleção Pequena Biblioteca de Ensaios. Rio de Janeiro: Zazie Edições, 2018.), coloca que no sistema neoliberal, através de soluções discursivamente “neutras”, busca-se superar os antagonismos e partidarismos na busca pelo “consenso”. Ocorre que, em cenários democráticos, as disputas devem estar presentes, possibilitando, assim, as pluralidades de posturas de acordo com o jogo da democracia. Dardot e Laval (2016DARDOT, Pierre; LAVAL, Christian. A nova razão do mundo: ensaio sobre a sociedade neoliberal. Tradução de Mariana Echalar. - 1. Ed. - São Paulo: Boitempo, 2016.), explicam o desenvolvimento do neoliberalismo enquanto nova racionalidade. Segundo os autores, o que está em jogo no atual cenário é a construção de uma nova subjetividade, o que chamam de “subjetivação contábil e financeira”, que nada mais é do que a forma mais bem-acabada da subjetivação capitalista” (2016, p. 31).

Segundo o pontuado por Brown (2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. Tradução: Mario, A. Marino; Eduardo Altheman C. Santos. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019, 256p.), neste cenário neoliberal, as pesquisas redobraram a atenção aos danos sociais e econômicos decorrentes do neoliberalismo em detrimento dos danos à democracia. No mais, na lógica de que cada um é empreendedor de si, ignora-se completamente as desigualdades sociais a partir das diferenças de origem, classe, raça e etnia, gênero, sexualidade e etc. Para a autora, a crise de 2008 foi a chave de virada para ascensão da extrema-direita pelo mundo: o neoliberalismo “desdemocratizou” o político (BROWN, 2019BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. Tradução: Mario, A. Marino; Eduardo Altheman C. Santos. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019, 256p.). Atualmente, têm sido realizados estudos para travar certa compreensão acerca destes fenômenos.

Para Johanna Oksala, filósofa estadunidense, a virada neoliberal produziu um sujeito feminino ou um sujeito para o feminismo e essa perspectiva é um pouco distinta da compreensão de que o neoliberalismo se apropriou do feminismo como trazem algumas autoras. Segundo a filósofa, além da divisão generificada do trabalho, a nova racionalidade neoliberal apresenta a feminização do trabalho que é a precarização deste, isto é, a questão-chave do neoliberalismo. Nas palavras da autora: “as características historicamente presentes no trabalho feminino - precariedade, flexibilidade, natureza fragmentária, baixo status e baixo pagamento - vieram a caracterizar, cada vez mais, todo o trabalho no capitalismo global” (2019, p. 131). Neste cenário, a questão da prontidão também é colocada em evidência. Tudo isso resulta numa “mistura entre espaços privado e público, do informal e do formal, das habilidades e dos recursos” (2019, p. 132); o que pode afetar diretamente o que se entende ou se busca implementar como democracia.

Lélia González, filósofa brasileira, já na década de 1980 no Brasil, alertava sobre as armadilhas e mitos a respeito da democracia no país, sobretudo da democracia racial, que mais serviu para mascarar os racismos do que para retratar a realidade (2021 [1984]).

A vasta contribuição teórica de diversas áreas do conhecimento e escolas de pensamento pode fomentar a reflexão desde diferentes perspectivas, entretanto, é significativo reconhecer as multiplicidades epistemológicas e geopolíticas das autoras. Por exemplo, bell hooks foi professora, teórica feminista, artista e ativista antirracista estadunidense. Sua produção e sua postura acadêmicas são compreendidas enquanto feminismo interseccional. Nancy Fraser é professora e filósofa estadunidense e sua escola de pensamento é percebida como teoria crítica, muitas de suas produções possuem descrições e análises marxistas ou neomarxistas.

Teresa de Lauretis é uma teórica feminista italiana e há décadas contribui academicamente para os estudos feministas. Atualmente, tem se aprofundado sobre a teoria queer. Wendy Brown é filósofa e cientista política estadunidense que tem colaborado com os estudos feministas, principalmente através dos conceitos de democracia e neoliberalismo. Johanna Oksala é filósofa e professora estadunidense que tem trabalhado com os temas de filosofia política e feminista. Lélia González foi intelectual negra e ativista brasileira que contribuiu e contribui profundamente para os estudos acadêmicos e para o campo dos movimentos sociais. Trata-se de uma das intelectuais mais importantes para a compreensão da política nacional e da questão racial brasileira.

O caminho percorrido por grande parte destas autoras por décadas pode proporcionar reflexões contemporâneas acerca das discussões entrelaçadas sobre sexo, gênero, raça, etnia e sexualidade. Além de fornecer instrumentos para contraposições às suas próprias teorias e análises que acabam passando por revisões. Neste sentido, cabe destacar o desenvolvimento do feminismo descolonial. A precursora desta discussão é a filósofa argentina María Lugones. De acordo com a autora:

Conforme me desloco metodologicamente dos feminismos de mulheres de cor para um feminismo descolonial, penso sobre feminismo desde as bases e nelas, e desde a diferença colonial e nela, com uma forte ênfase no terreno, em uma intersubjetividade historicizada, encarnada. A questão da relação entre a resistência ou a contestação à colonialidade de gênero e a descolonialidade está mais sendo posta aqui do que sendo respondida. Mas me proponho, sim, a entender a resistência à colonialidade do gênero a partir da perspectiva da diferença colonial. Descolonizar o gênero é necessariamente uma práxis (2014, p. 940).

O feminismo descolonial ou decolonial possui como matriz as discussões elaboradas pelos teóricos descoloniais24 24 Santiago Castro-Gómez, Aníbal Quijano, Walter Mignolo, Enrique Dussel, Ramon Grosfoguel, dentre outros. que desde a década de 1980 buscam produzir intelectualmente sobre conceitos variados desde uma interpretação latino-americana, isto é, contextualizando desde as origens e bases considerando o histórico e o debate da modernidade-colonialidade. Além das colonialidades do ser, saber e poder previamente exploradas por estes autores, Lugones acrescenta a colonialidade de gênero, e suas eventuais consequências para as mulheres “localizadas”. O feminismo de(s)colonial25 25 A diferença entre “descolonial” e “decolonial” ainda é debatida entre intelectuais desta escola de pensamento. Existem duas correntes principais: (a) para a primeira, a passagem de descolonial para decolonial representaria a postura assumida diante da realidade, ou seja, além de apresentar a partir de análises acadêmicas as desigualdades e opressões distintas e históricas que sofrem as mulheres da região pelo advento da colonização, assumir-se-ia uma postura de oposição e resistência para tencionar outras maneiras de viver e estar neste território (por isso fala-se em práxis); (b) a segunda tem relação com a questão da tradução, alguns autores e autoras consideram o conceito de “descolonial” mais adequado para a produção latino-americana porque o idioma principal é o espanhol enquanto que o “decolonial” remete ao inglês. Trata-se de um debate controverso entre as e os especialistas sobre o tema. é uma proposta intelectual e de práxis política para modificar a realidade que generificou e racializou as mulheres latino-americanas.

Nesta toada, o feminismo descolonial apresenta críticas à própria democracia liberal. Yuderkys Espinosa Miñoso, reflete sobre a universalização do feminismo e como a demora à crítica a isso se deu pela “instalación de una ideología del mestizaje y de la democracia racial que ocultó durante mucho tiempo el racismo de la razón eurocéntrica de los estados nacionales latinoamericanos” (2014, p. 21). Coloca ainda que:

[ ...] vivimos un tiempo del estado nación y de instalación de una agenda de derechos donde se ha diversificado y expandido la necesidad de profundizar en las políticas de reconocimiento -de igualdad, equidad, diferenciales- dirigidas a poblaciones y grupos específicos que han sido sistemáticamente expulsados y excluidos de los llamados beneficios del estado moderno y las democracias liberales (MIÑOSO, 2014, p. 30).

É possível trazer para o debate até mesmo o questionamento se a concepção de democracia liberal foi de fato empregada no Brasil tendo em vista a sua curta vida considerando o ano de promulgação da Constituição. Diante de algumas noções de democracia por teóricas feministas, cabe uma conceituação sobre feminismo de Julieta Paredes Carvajal (2020, p. 195), poeta aimará boliviana e escritora sobre o feminismo comunitário, segundo a autora: “feminismo é a luta e a proposta política de vida de qualquer mulher em qualquer lugar do mundo, em qualquer etapa da história, que tenha se rebelado diante do patriarcado que a oprime” .

3. Tecnologia de gênero e as consequências da disputa ideológica catarinense para o campo democrático

Contestando e perseguindo direitos das minorias sociais, o “gênero” - ou “antigênero” - foi instrumentalizado pela extrema-direita brasileira para fazer política - ou antipolítica - a fim de tomar e exercer poder. Através de métodos discursivos, simbólicos e materiais se colocaram contrários ao que intitularam “ideologia de gênero” e inverteram seus sentidos:

O termo “gênero” é, na verdade, a representação de uma relação, a relação de pertencer a uma classe, um grupo, uma categoria. Gênero é a representação de uma relação, ou, se me permitirem adiantar-me para a segunda proposição, o gênero constrói uma relação entre uma entidade e outras entidades previamente constituídas como uma classe, uma relação de pertencer; assim, o gênero atribui a uma entidade, digamos a uma pessoa, certa posição dentro de uma classe, e portanto uma posição vis-à-vis outras classes pré-constituídas (LAURETIS, 1994LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. Tendências e Impasses. Hollanda, Heloisa Buarque de (Org.), 1994. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5673685/mod_resource/content/4/DE%20LAURETIS%2C%20Teresa.%20A%20Tecnologia%20do%20G%C3%AAnero%20%281987%29.pdf Acesso em: 10 jan. 2023.
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.p...
, p. 210-211).

A ideologia de gênero, como tecnologia de gênero, divide a sociedade de forma normativa e binária, entre homens e mulheres. Essa divisão tão marcada não se restringe à linguagem, mas, a partir dela, se atingem aspectos econômicos, políticos, sociais, culturais, dentre outros. Essa tecnologia de gênero tem moldado estruturalmente as condições operantes de desigualdades contra as mulheres, e, mais recentemente, serviu como mecanismo de negação dessa realidade quando invertido o seu sentido materialmente constituído pela modernidade capitalista. Nesse sentido, a arquitetura bolsonarista é a de colocar em prática a própria ideologia de gênero como tecnologia, negando-a para a impor incontestavelmente.

Como explica Michèlle Barrett, citada por Lauretis, “a ideologia de gênero teve um papel importante na construção histórica da divisão capitalista do trabalho e da reprodução do poder do trabalho” (1994 [1985], p. 214), isto porque, o gênero é como instância de uma ideologia.

O resultado da produção ideo-tecnológica da crítica feminista do gênero seria a ruptura da estrutura social e do privilégio masculino branco, ou seja, da heterocisnormatividade. Durante as eleições de 2018, na tentativa de frear os avanços reacionários das práticas bolsonaristas ao dizer que ideologia de gênero não existe, incorre-se em uma armadilha e o resultado foi o de reforço da própria prática política bolsonarista, pois, sim, existe a ideologia de gênero, mas como tecnologia que estrutura a sociedade de forma desigual para as mulheres no campo das relações em que elas (nós) são (somos) diretamente afetadas nos diferentes conjuntos.

Se a subjetividade é produzida também por meio da linguagem, a imposição proibitiva de debate acerca da linguagem - como nos casos explicitados anteriormente - incorre em diminuição e limitação das possibilidades até mesmo para os padrões de subjetividade e identidade produzidas pela modernidade. As condutas estabelecidas desde as instituições por autoridades políticas estão para além da agressão ao direito à educação previsto no artigo 205 da Constituição Federal, pois liquida o debate e espaço públicos. Como alertou Wendy Brown, o espaço social está sendo destruído pela lógica neoliberal capitalista e com ele a própria democracia.

Com relação ao direito à educação, o texto constitucional dispõe que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” e que o ensino será ministrado com base nos princípios da “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, bem como do “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”, assim como da “gestão democrática do ensino público, na forma da lei” e “garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida”, conforme artigos 205, caput, 206, caput, e incisos II, III, VI e IX, respectivamente (BRASIL, 2023).

Nos últimos anos alguns argumentos sobre a superação do patriarcado têm ganhado relevo, como se aquele sistema secular em que todos os âmbitos da vida giravam em torno do pai e proprietário e sua propriedade já não fizesse sentido na contemporaneidade. Assim, propõe-se o questionamento se tratar a Administração Pública como extensão da própria casa não seria um modelo de governo patriarcal dos tempos atuais e se o governo Bolsonaro não refletiria essa “longa sombra da casa” através da estrutura patriarcal do Estado com suporte do Direito.

Herdado do período colonial, “desse sistema de entrelaçar de forças morais - mais do que da violência direta - dependeriam, em última análise, a estrutura da casa e a própria ordem social” (SEELANDER, 2017SEELANDER, Airton C. L. A longa sombra da casa: poder doméstico, conceitos tradicionais e imaginário jurídico na transição brasileira do antigo regime à modernidade. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 2017. Disponível em: https://www.ihgb.org.br/revista-eletronica/artigos-473/item/108554-a-longa-sombra-da-casa-poder-domestico-conceitos-tradicionais-e-imaginario-juridico-na-transicao-brasileira-do-antigo-regime-a-modernidade.html Acesso em: 06 jan. 2023.
https://www.ihgb.org.br/revista-eletroni...
, p. 361). Cidadão, homem particular ou pai de família, seus interesses em qualquer espaço eram colocados sobre os interesses de quaisquer outras pessoas com outras características, essencialmente acompanhados de sua casa, ou seja, de sua propriedade. Considerando esses pontos é que se justifica o argumento de que há a sombra da casa nas questões políticas gerais estudadas e que por esse motivo há também conexão com o modo de governar bolsonarista. É importante destacar que:

Padrões patriarcais de comportamento podem estar mais difundidos nas fontes do que na realidade familiar e ter maior eficácia concreta em uns grupos sociais do que em outros.

Padrões de comportamento, porém, influenciam condutas - e podem ser reforçados pelo discurso jurídico mesmo em períodos de transformação social. A velocidade com que a família, no meio urbano, se convertia de unidade de produção em unidade de consumo não era necessariamente a mesma da alteração das concepções jurídicas tradicionais sobre as relações intrafamiliares de poder. Os papéis de pai, marido e amo podiam preexistir à sua teorização jurídica em nossas faculdades, mas estavam bem cimentados na doutrina, podendo então acomodar-se às modernizações desta e seguir tendo, na própria ideia de autonomia do Direito, um apoio para resistir a questionamentos políticos e a práticas sociais tidas por desviantes.

A Independência e a constitucionalização do país longe estiveram de causar uma ruptura total com as tradições doutrinárias herdadas do Antigo Regime (SEELANDER, 2017SEELANDER, Airton C. L. A longa sombra da casa: poder doméstico, conceitos tradicionais e imaginário jurídico na transição brasileira do antigo regime à modernidade. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 2017. Disponível em: https://www.ihgb.org.br/revista-eletronica/artigos-473/item/108554-a-longa-sombra-da-casa-poder-domestico-conceitos-tradicionais-e-imaginario-juridico-na-transicao-brasileira-do-antigo-regime-a-modernidade.html Acesso em: 06 jan. 2023.
https://www.ihgb.org.br/revista-eletroni...
, p. 371-372, grifos nosso).

As raízes coloniais dos problemas que nos cercam hoje ainda prosperam e são mais complexas do que algumas linhas podem enunciar. Refletir de maneira descolonial o cenário brasileiro é se voltar para o passado com lentes críticas e contextualizadas para que na prática se aponte as inconsistências do presente a fim de visualizar alternativas para superar as contrariedades que atingem diretamente alguns grupos sociais mais do que outros.

No antigo regime a “casa, (era o) microrreino do governo doméstico” (SEELANDER, 2017SEELANDER, Airton C. L. A longa sombra da casa: poder doméstico, conceitos tradicionais e imaginário jurídico na transição brasileira do antigo regime à modernidade. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 2017. Disponível em: https://www.ihgb.org.br/revista-eletronica/artigos-473/item/108554-a-longa-sombra-da-casa-poder-domestico-conceitos-tradicionais-e-imaginario-juridico-na-transicao-brasileira-do-antigo-regime-a-modernidade.html Acesso em: 06 jan. 2023.
https://www.ihgb.org.br/revista-eletroni...
, p. 274), nestes regime e contexto histórico-político, o Estado brasileiro através do governo bolsonarista se transformou numa espécie de reino doméstico. De todo modo, concebe-se que essa interpretação isolada não basta para explicar o atual estado de coisas, mas pode sugerir alguns caminhos.

Ochy Curiel, em crítica a categoria da interseccionalidade pontua que “não é necessário dizer que somos negras, pobres, mulheres, trata-se de entendermos por que somos racializadas, empobrecidas e sexualizadas” (2020, p. 149), a pesquisa se apoia à autora e considera que trazer essa reflexão para esta análise é crucial e a partir dela algumas provocações podem ser colocadas: Por que os sujeitos e sujeitas são quem são e por que estão inseridos/as em determinado local da estrutura social? Como se dão as relações sociais e como elas são engendradas pelo Estado com o suporte do Direito? Por que o debate sobre a linguagem neutra tomou espaço entre a atuação de autoridades políticas de modo a utilizarem as instituições para barrarem tal discussão sob o argumento invertido e inventado da ideologia de gênero? Qual tem sido o método de governo do executivo federal e qual sua influência nesse cenário?

A linguagem e seus sentido tem papel central na inversão da ideologia-tecnologia de gênero e nas consequências da disputa ideológica catarinense para o campo democrático está permeada pela questão do discurso tão bem trabalhada por autores e autoras pós-estruturalistas, pós-coloniais e descoloniais.

A questão está localizada, sobretudo, no embate das relações de poder e na produção de uma verdade. Não se trata nesse momento da qualidade da proposta de linguagem neutra, mas sim da (não) possibilidade de debate na esfera pública e como e quanto a sua ausência pode inferir na esfera privada. Trata-se também de discussão sobre a própria divisão dos âmbitos público e privado e em como tal divisão tem sido colocada à prova ou não. A partir da análise de como o instrumento discursivo tem sido utilizado é possível identificar e percorrer sobre os determinados projetos de poder.

Conclusões

Partindo da questão “de que forma se articularam posicionamentos de ‘ideologia de gênero’ e ‘defesa da língua portuguesa’ na aprovação do decreto que suprime o debate em Santa Catarina?”, o debate proposto não tratou da qualidade da linguagem neutra, que deve ser discutida entre especialistas, mas sobre a influência que o discurso pode ter em sentido democrático ou não. Compreender e registrar a realidade em um momento político complexo como o pesquisado, em que o caos é utilizado como método de governo, nos faz perceber que temos vocabulário escasso o que portanto, nos dá a oportunidade “de buscar outras maneiras de dizer sobre nós” (PELÚCIO, 2016PELÚCIO, Larissa. O Cu (de)Preciado - estratégia cucarachas para não higienizar o queer no Brasil. Revue d’études iberiques et ibéro-americaines, n. 9, Printemps, 2016, p. 123-135., p. 125).

Seguindo a abordagem qualitativa, sob método indutivo, com técnicas de pesquisa monográfica, teórica e documental, o estudo visou estudar, sob uma perspectiva feminista, o movimento de supressão do debate sobre flexão de gênero e a articulação de discursos como a “ideologia de gênero” e “defesa da língua portuguesa” em Santa Catarina a partir do decreto 1.329/2021.

Cada uma das subdivisões apresentadas se relacionam a um dos objetivos específicos propostos. Para atender ao primeiro deles e identificar a atuação dos principais atores políticos na movimentação que resultou no decreto 1.329/2021, que veda as novas formas de flexão de gênero em Santa Catarina, apresentamos os principais nomes do movimento bolsonarista em Santa Catarina, além da sua trajetória política e interesse com a pauta, ou da supressão dela.

Em um segundo momento, estudamos o estabelecimento do regime democrático na Constituição Federal de 1988, a atuação das mulheres e a própria definição de democracia pela perspectiva feminista e descolonial, tendo em vista que o conceito de democracia pode ser correspondente entre os diversos feminismos, entretanto, para o emprego das práticas e mudanças sociais, econômicas, políticas, institucionais e culturais, o contexto e conjuntura deve ser considerado. A reflexão descolonial nos permite visualizar alternativas para superar as contrariedades que atingem diretamente alguns grupos sociais mais do que outros.

Por fim, analisamos a articulação político-ideológica catarinense como uma técnologia de gênero e os riscos para o campo democrático. Essa tecnologia de gênero tem moldado estruturalmente as condições operantes de desigualdades contra as mulheres, uma vez que essa divisão binária e normativa atinge também âmbitos econômicos, políticos, sociais e culturais e se materializa de forma violenta, além de servir como mecanismo de negação dessa realidade quando invertido o seu sentido constituído pela modernidade capitalista.

O resultado da produção ideo-tecnológica da crítica feminista do gênero seria a ruptura da estrutura social e do privilégio masculino branco, ou seja, da heterocisnormatividade. O caminho proposto não é o de negação da ideologia de gênero, como foi a tentativa das eleições de 2018, o que resultou no reforço da própria prática política bolsonarista, uma vez que a ideologia de gênero existe, mas como tecnologia que estrutura a sociedade de forma desigual, colocando em risco a efetivação dos princípios democráticos vislumbrados no processo constituinte.

Se a subjetividade é produzida também por meio da linguagem, a imposição proibitiva de debate acerca dela, como foi a tentativa do decreto estudado, leva à limitação das possibilidades de subjetivação e identidade produzidas pela modernidade.

As condutas estabelecidas desde as instituições por autoridades políticas liquidam o debate e espaço públicos. Neste sentido, argumentamos que as iniciativas político-jurídicas em análise, para além das consequências materiais e subjetivas, colocam em risco os fundamentos de uma sociedade democrática uma vez que, tolher o debate público é esmagar o campo social e reduzir a democracia.

Referências

  • BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Presidência da República, [2021]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/ConstituicaoCompilado.htm Acesso em: 10 jan. 2023.
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  • BRASIL. Processo: ADI/6925. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=6216470 Acesso em: 10 jan. 2023.
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  • BROWN, Wendy. Cidadania sacrificial: neoliberalismo, capital humano e políticas de austeridade. Coleção Pequena Biblioteca de Ensaios. Rio de Janeiro: Zazie Edições, 2018.
  • BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política antidemocrática no ocidente. Tradução: Mario, A. Marino; Eduardo Altheman C. Santos. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019, 256p.
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  • CÂMARA MUNICIPAL DE CRICIÚMA. PODER LEGISLATIVO DO MUNICÍPIO DE CRICIÚMA. Projeto PL 40/2021. Autor: Obadias Benones da Silva. Disponível em: https://www.camaracriciuma.sc.gov.br/documento/projeto-pl-40-2021-113159#:~:text=p%C3%BAblicas%20do%20munic%C3%ADpio.-,Art.,em%20editais%20de%20concursos%20p%C3%BAblicos Acesso em: 10 jan. 2023.
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  • GONZALEZ, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. In: Revista Ciências Sociais Hoje, ANPOCS, 1984, p. 223-244. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4584956/mod_resource/content/1/06%20-%20GONZALES%2C%20L%C3%A9lia%20-%20Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira%20%281%29.pdf Acesso em: 11 jan. 2023.
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  • hooks, bell. o feminismo é para todo mundo: políticas arrebatadoras. Tradução de Bhuvi Libanio. 12ª edição. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2020.
  • HOLLANDA, Heloisa Buarque de. Introdução. Pensamento feminista hoje: perspectivas decoloniais. Organização e apresentação Heloisa Buarque de Hollanda. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020.
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  • LAURETIS, Teresa de. A tecnologia do gênero. Tendências e Impasses. Hollanda, Heloisa Buarque de (Org.), 1994. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5673685/mod_resource/content/4/DE%20LAURETIS%2C%20Teresa.%20A%20Tecnologia%20do%20G%C3%AAnero%20%281987%29.pdf Acesso em: 10 jan. 2023.
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  • LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, 22(3): 935-952, setembro-dezembro/2014.
  • MIÑOSO, Yuderkys Espinosa. Fazendo uma genealogia da experiência: o método rumo a uma crítica da colonialidade da razão feminista a partir da experiência histórica da América Latina. In: HOLLANDA, Heloísa B. (Org). Pensamento Feminista Hoje: perspectivas decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020.
  • OKSALA, Johanna. O sujeito neoliberal do feminismo. In: RAGO, Margareth; PELEGRINI, Maurício. Neoliberalismo, Feminismos e Contracondutas: perspectivas foucaultianas, São Paulo: Intermeios, 2019.
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  • SANTA CATARINA. Decreto nº 1.329, de 15 de junho de 2021. Veda expressamente a instituições de ensino e bancas examinadoras de seleção e concursos públicos a utilização, em documentos escolares oficiais e editais, de novas formas de flexão de gênero e de número das palavras da língua portuguesa, em contrariedade às regras gramaticais consolidadas. Disponível em: http://server03.pge.sc.gov.br/LegislacaoEstadual/2021/001329-005-0-2021-004.htm Acesso em: 05 jan. 2023.
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  • SEELANDER, Airton C. L. A longa sombra da casa: poder doméstico, conceitos tradicionais e imaginário jurídico na transição brasileira do antigo regime à modernidade. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 2017. Disponível em: https://www.ihgb.org.br/revista-eletronica/artigos-473/item/108554-a-longa-sombra-da-casa-poder-domestico-conceitos-tradicionais-e-imaginario-juridico-na-transicao-brasileira-do-antigo-regime-a-modernidade.html Acesso em: 06 jan. 2023.
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  • SILVA, Salete Maria da. A carta que elas escreveram: a participação das mulheres no processo de elaboração da Constituição Federal de 1988. 2011. Tese (doutorado) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2011.
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  • VALLADA, Amanda Diniz; PINTO, Joana Plaza. Cinco décadas de linguística feminista: índices de consolidação do campo. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 29, n. 1, e64988, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ref/a/46BTpY5XbsRhzNFCdDKpRcb/?lang=pt&format=pdf Acesso em: 13 jan. 2023.
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  • Vereadores aprovam proibição de linguagem neutra em Criciúma. NSC TOTAL. Por Denis Luciano, 03/08/2021 - 06h44. Disponível em: https://www.nsctotal.com.br/colunistas/denis-luciano/vereadores-aprovam-proibicao-de-linguagem-neutra-em-criciuma Acesso em: 10 jan. 2023.
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  • Processo: ADI/6925. Relator: MIN. NUNES MARQUES Assunto: Controle de Constitucionalidade. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=6216470 Acesso em: 10 jan. 2023.
    » https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=6216470
  • 1
    Buscando desconectar-se do liberalismo clássico dos séculos XVII e XVIII, o termo “neoliberalismo” foi cunhado em 1938 no Colóquio Walter Lippmann, em uma reunião de acadêmicos que lançou as bases político-intelectuais daquilo que uma década depois se tornaria a Sociedade Mont Pèlerin (1947).
  • 2
    O “novo” neoliberalismo se desenvolve a partir principalmente da crise mundial de 2008, que desponta nos EUA com a crise imobiliária. Gestão, lei e tecnocracia no lugar de deliberação, contestação e partilha. Espaços público e privado são confundidos, surgindo uma nova racionalidade que não apenas opera como sistema político e econômico, mas que atinge diretamente as subjetividades, individualizando as relações sociais e enfraquecendo os coletivos. Em nome da concorrência, eficiência, risco e meritocracia, cada um se torna empreendedor de si mesmo. Culminando em uma cultura política antidemocrática em que há negação do social como lugar moderno essencial da emancipação e da justiça.
  • 3
    Processo: ADI/6925. Relator: MIN. NUNES MARQUES Assunto: Controle de Constitucionalidade https://redir.stf.jus.br/estfvisualizadorpub/jsp/consultarprocessoeletronico/ConsultarProcessoEletronico.jsf?seqobjetoincidente=6216470 Acesso em: 10 jan. 2023.
  • 4
    ADI questiona decreto que proíbe o uso de linguagem neutra de gênero em SC. Conjur. 09/07/21. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-jul-09/adi-questiona-decreto-proibe-uso-linguagem-neutra-sc Acesso em: 10 jan. 2023.
  • 5
    Entenda caso de petista morto por bolsonarista em Foz do Iguaçu (PR). Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/07/entenda-caso-de-petista-morto-por-bolsonarista-em-foz-do-iguacu-pr.shtml Acesso em: 24 jan, 2023
  • 6
    Carlos Moisés consegue votos necessários e escapa de impeachment em SC. G1. 07/05/2021, 13:53. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/politica/carlos-moises-consegue-votos-necessarios-e-escapa-de-impeachment-em-sc/ Acesso em: 10 jan. 2023.
  • 7
    SPAUTZ, Dagmara. Vice-governadora de SC usou dinheiro público para ir a atos de 7 de Setembro e a congresso de extrema-direita. NSC. 10/09/2021, 10:57. Atualizada em: 10/09/2021, 17:40. Disponível em: https://www.nsctotal.com.br/colunistas/dagmara-spautz/vice-governadora-de-sc-usou-dinheiro-publico-para-ir-a-atos-de-7-de Acesso em: 10 jan. 2023.
  • 8
    Campagnolo e governador de SC assinam decreto proibindo liguagem neutra. Ana Caroline Campagnolo. 20/06/2021. Disponível em: https://www.anacampagnolo.com.br/noticia/campagnolo-e-governador-de-sc-assinam-decreto-proibindo Acesso em: 17 jan. 2023.
  • 9
    “A deputada mais votada da história de SC é uma mulher antifeminista”. Perfil de Ana Caroline Campagnolo na rede social Instagram. Disponível em: https://www.instagram.com/p/Ck8ksL-uZ3q/ Acesso em: 23 jan. 2023.
  • 10
    “Não posso orientar quem não acredita naquilo que estuda”, afirma Marlene de Fáveri. PORTAL CATARINAS. Disponível em: https://catarinas.info/nao-posso-orientar-quem-nao-acredita-naquilo-que-estuda-afirma-marlene-de-faveri/ Acesso em: 10 jan. 2023.
  • 11
    CÂMARA DE VEREADORES DE CRICIÚMA/SC. Projeto PL 40/2021. Disponível em: https://www.camaracriciuma.sc.gov.br/documento/projeto-pl-40-2021-113159#:~:text=p%C3%BAblicas%20do%20munic%C3%ADpio.-,Art.,em%20editais%20de%20concursos%20p%C3%BAblicos. Acesso em: 10 jan. 2023.
  • 12
    Câmara dos Deputados. Atividade Legislativa. Projetos de Lei e outras Proposições. PL 173/2021. Inteiro teor. Projeto de Lei. Situação: Apensado ao PL 5198/2020. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao/?idProposicao=2268882 Acesso em: 11 jan. 2023.
  • 13
    Geovânia cumprimenta Bolsonaro e declara apoio. Engeplus. 06/11/2018. Disponível em: https://www.engeplus.com.br/noticia/politica/2018/geovania-cumprimenta-bolsonaro-e-declara-apoio Acesso em: 06 jan. 2023.
  • 14
    Bolsonaro quer lei contra ideologia de gênero. E não é o único. Veja como está a batalha no Congresso. Gazeta do Povo. 17/05/2020. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/ideologia-de-genero-lei-bolsonaro-congresso/ Acesso em: 11 jan. 2023.
  • 15
    LAKOFF, Robin. Language and Women’s Place. Nova York: Harper and Now, 1975.
  • 16
    BUTLER, Judith. Excitable speech. Nova York: Routledge, 1997.
  • 17
    Para saber mais: LUGONES, María. Rumo a um feminismo descolonial. Estudos Feministas, Florianópolis, 22(3): 935-952, setembro-dezembro/2014.
  • 18
    Para saber mais: MIÑOSO, Yuderkys Espinosa. Pensando la academia feminista desde una mirada co-constitutiva de la opresión. In: Nuevos desafíos para la inclusión social y la equidad en instituciones de educación superior. Rifà Valls, M.; Duarte Campderrós, L. & Ponferrada Arteaga, M. (editoras), 2014.
  • 19
    O país citado passou por eleições em 2021 e elegeu presidente Gabriel Boric, ex-líder estudantil de esquerda. Seu gabinete ministerial conta com 14 mulheres e 10 homens.
  • 20
    TANSCHEIT, Talita São Thiago. Das ruas à constituinte: a reinvenção da ação coletiva no Chile. Revista Jacobin, 15/06/2021. Disponível em: https://jacobin.com.br/2021/06/das-ruas-a-constituinte-a-reinvencao-da-acao-coletiva-no-chile/ Acesso em: 10 jan. 2023.
  • 21
    MONTES, Rocío. Uma Constituição com perspectiva de gênero no Chile. Movimento feminista impulsionou protestos que abriram caminho para mudança da Carta Magna, que será redigida por um órgão paritário. El País. Santiago, 03/11/20, 08:49 BRT. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2020-11-03/uma-constituicao-com-perspectiva-de-genero-no-chile.html Acesso em: 10 jan. 2023.
  • 22
    MONTES, Rocío. Chile conclui primeira eleição direta para governador, com menos de 20% de participação. Centro-esquerda obtém 8 dos 13 cargos em disputa, incluindo o comando de Santiago. El País. Santiago Do Chile, 14/06/21, 09:45 BRT. Disponível em: https://brasil.elpais.com/internacional/2021-06-14/chile-conclui-primeira-eleicao-direta-para-governador-com-menos-de-20-de-participacao.html Acesso em: 10 jan. 2023.
  • 23
    Lula é eleito novamente presidente da República do Brasil. Tribunal Superior Eleitoral. 30/10/2022. Disponível em: https://www.tse.jus.br/comunicacao/noticias/2022/Outubro/lula-e-eleito-novamente-presidente-da-republica-do-brasil Acesso em: 11 jan. 2023.
  • 24
    Santiago Castro-Gómez, Aníbal Quijano, Walter Mignolo, Enrique Dussel, Ramon Grosfoguel, dentre outros.
  • 25
    A diferença entre “descolonial” e “decolonial” ainda é debatida entre intelectuais desta escola de pensamento. Existem duas correntes principais: (a) para a primeira, a passagem de descolonial para decolonial representaria a postura assumida diante da realidade, ou seja, além de apresentar a partir de análises acadêmicas as desigualdades e opressões distintas e históricas que sofrem as mulheres da região pelo advento da colonização, assumir-se-ia uma postura de oposição e resistência para tencionar outras maneiras de viver e estar neste território (por isso fala-se em práxis); (b) a segunda tem relação com a questão da tradução, alguns autores e autoras consideram o conceito de “descolonial” mais adequado para a produção latino-americana porque o idioma principal é o espanhol enquanto que o “decolonial” remete ao inglês. Trata-se de um debate controverso entre as e os especialistas sobre o tema.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2024

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2022
  • Aceito
    29 Jan 2023
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