A coinfecção tuberculose/HIV na perspectiva da qualidade de vida: revisão de escopo

RESUMO

Objetivos:

mapear e analisar as evidências sobre a qualidade de vida de pessoas que apresentam a coinfecção tuberculose/HIV.

Métodos:

revisão de escopo que seguiu as etapas propostas pela Colaboração Cochrane, com busca de publicações nas seguintes bases de dados: Embase, LILACS, PubMed e Cochrane, por meio dos descritores “HIV”, “Tuberculosis”, e “Quality of Life”, sem recorte temporal.

Resultados:

foram incluídos 15 estudos, publicados entre 2009 e 2019, na língua inglesa e, em sua maioria, com nível de evidência V. Observou-se que não há uniformização no instrumento utilizado para avaliar a qualidade de vida em participantes com coinfecção tuberculose/HIV. É necessário suporte psicológico a esse grupo e fortalecimento de ações para prevenção e manejo de ambas as infecções. A qualidade de vida desse segmento populacional está intimamente associada a fatores sociais, sendo que a produção científica sobre o tema se concentra em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento.

Conclusões:

os artigos encontrados possuem baixo nível de evidência científica, e indicam que as pessoas que vivenciam a coinfecção apresentam qualidade de vida mais comprometida quando comparadas àquelas que vivenciam a tuberculose ou o HIV como agravos únicos.

Descritores:
Tuberculose; HIV; Qualidade de Vida; Saúde Pública; Enfermagem em Saúde Comunitária

ABSTRACT

Objectives:

to analyze evidence on the quality of life of people with tuberculosis/HIV coinfection.

Methods:

review that followed steps of the Cochrane Collaboration, with the search of publications in the bases Embase, LILACS, PubMed, and Cochrane, through the descriptors “HIV,” “Tuberculosis,” and “Quality of Life,” without a temporal cut.

Results:

the results include 15 studies, published between 2009 and 2019, with the level of evidence V, in its majority. It was observed that there is no uniformity in the instrument used. Psychological support to this group and strengthening of actions to manage both infections are necessary. This segment’s quality of life is associated with social factors and scientific production on the subject concentrated in underdeveloped countries.

Conclusions:

the articles found have a low level of scientific evidence and indicate that people who experience coinfection have a more compromised quality of life when compared to those who experience tuberculosis or HIV separately.

Descriptors:
Tuberculosis; HIV; Quality of Life; Public Health; Community Health Nursing

RESUMEN

Objetivos:

mapear y analizar las evidencias sobre calidad de vida de personas que presentan la coinfección tuberculosis/VIH.

Métodos:

revisión sistemática que siguió las etapas propuestas por la Colaboración Cochrane, con búsqueda de publicaciones en las siguientes bases de datos: Embase, LILACS, PubMed y Cochrane, por medio de los descriptores “VIH”, “Tuberculosis”, y “Quality of Life”, sin recorte temporal.

Resultados:

fueron incluidos 15 estudios, publicados entre 2009 y 2019, en lengua inglesa y, en su mayoría, con nivel de evidencia V. Observó que no hay estandarización en el instrumento utilizado para evaluar la calidad de vida de los participantes.

Conclusiones:

los artículos encontrados poseen bajo nivel de evidencia científica, e indican que las personas que experimentan la coinfección presentan la calidad de vida más comprometida cuando comparadas a aquellas que experimentan la tuberculosis o el VIH como agravios únicos.

Descriptores:
Tuberculosis; VIH; Calidad de Vida; Salud Pública; Enfermería en Salud Comunitaria

INTRODUÇÃO

A tuberculose (TB) representa grave problema de saúde pública, sendo uma das primeiras causas de óbito em todo o mundo e a principal por um único agente infeccioso. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estimou que, em 2019, aproximadamente 10 milhões de pessoas adoeceram por TB e 1,4 milhão de mortes ocorreu em decorrência da doença⁽¹⁾.

A TB, quando associada à infecção pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), pode potencializar o quadro clínico e epidemiológico desse agravo. Embora a OMS recomende a realização do teste anti-HIV para toda pessoa com diagnóstico de TB, os últimos dados disponíveis e referentes a 2019 evidenciaram que, no mundo, 69% dos casos notificados realizaram a sorologia para HIV, sendo 9,5% o percentual da coinfecção TB/HIV⁽¹⁾.

No Brasil, foram notificados, em 2019, 73.864 casos novos de TB (coeficiente de incidência de 35 casos/100 mil habitantes), sendo que 8,4% apresentaram a coinfecção TB/HIV. Observou-se um aumento da testagem de HIV em pessoas com TB, passando de 62,1% em 2010 para 76,1% em 2019. No mesmo ano, a realização da terapia antirretroviral (TARV) entre os casos novos de TB com coinfecção foi de 47,5%⁽²⁾.

Vê-se divergência entre os dados internacionais e os brasileiros, pois, no mundo, embora a testagem de HIV em casos confirmados de TB tenha sido menor (69%), o percentual de coinfecção (9,5%) é superior se comparado ao Brasil (8,4%), onde a testagem apresenta um percentual maior (76,1%). Não há dados na literatura que justifiquem tal diferença. As políticas de saúde brasileiras podem ser uma explicação para isso, sendo que o manejo clínico dos casos de HIV pode impedir que a TB se desenvolva.

O diagnóstico oportuno tanto da TB quanto do HIV possibilita o início precoce dos respectivos tratamentos⁽³⁾. Com a introdução da política de acesso universal e gratuito à TARV, desde 1996, observaram-se avanços no controle da síndrome da imunodeficiência adquirida (aids), com impacto nas taxas de morbimortalidade, diminuição de internações e melhora na qualidade de vida (QV) das pessoas infectadas⁽⁴⁾.

A quantidade de medicamentos somada à sobreposição dos efeitos colaterais e interações medicamentosas podem repercutir na QV e na adesão ao tratamento de pessoas que vivem com a coinfecção TB/HIV⁽³⁾.

Segundo definição da OMS⁽⁵⁾, a QV envolve a percepção do indivíduo e o meio social em que vive. A Organização reconhece ser um conceito amplo e que “incorpora de modo complexo a saúde física, o estado psicológico, o nível de independência e as relações sociais das pessoas, bem como suas interfaces com importantes características de seu meio”.

Participantes de um estudo realizado na cidade do Rio de Janeiro caracterizaram a coinfecção TB/HIV como uma experiência difícil, que acarretava um sofrimento maior à vida e, consequentemente, afetava a QV. Como potenciais de fortalecimento e redes de apoio, destacaram-se a família, a religião e o serviço de saúde⁽⁴⁾.

Do mesmo modo que a infeção pelo HIV/aids, a TB é uma enfermidade marcada por estigma e preconceito. Observa-se que a aceitação de um novo estado de saúde é um processo árduo, em especial quando se refere a HIV/aids, frequentemente compreendido como o causador da TB. Sendo assim, a pessoa que vivencia a coinfecção TB/HIV enfrenta não apenas as consequências físicas, mas também situações estressantes, no âmbito emocional e social, as quais podem causar angústias e conflitos internos que afetam diretamente a QV^{(4,6 8)}.

Consulta prévia aos bancos de dados utilizados na presente revisão evidenciou que há ampla gama de estudos sobre a QV de pessoas com TB, ou PVHA, mas o mesmo não ocorre com a abordagem da mesma temática em pessoas com a coinfecção TB/HIV. No intuito de reunir os estudos realizados sobre a temática e preencher essa lacuna do conhecimento, este estudo apresenta a seguinte questão norteadora: Quais são as evidências científicas sobre a QV de pessoas com a coinfecção TB/HIV?

Parte-se do pressuposto de que o conhecimento dos aspectos que interferem na QV possibilita repensar as práticas de saúde voltadas para o cuidado desse grupo populacional, inclusive por meio da elaboração ou aperfeiçoamento de políticas públicas específicas.

OBJETIVOS

Mapear e analisar as evidências sobre a QV de pessoas que apresentam a coinfecção TB/HIV.

MÉTODOS

Trata-se de uma revisão de escopo que seguiu as recomendações propostas por Joanna Briggs Methods⁽⁹⁾ e PRISMA-ScR (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses Extension for Scoping Reviews)⁽¹⁰⁾. Para o delineamento da pergunta de pesquisa, foi utilizada a estratégia PICO⁽¹¹⁾, acrônimo para Paciente, Intervenção, Comparação e Outcomes (desfecho), em que: P - Pessoas que vivenciam a coinfecção TB/HIV; I - Não se aplica; C - Nenhuma intervenção; e O - QV.

Os critérios de inclusão foram: artigos que abordaram especificamente a QV de pessoas que vivenciam a coinfecção TB/HIV, publicados nos idiomas português, inglês e espanhol e que estavam disponíveis na íntegra. Os critérios de exclusão foram: estudos que abordaram populações específicas, tais como menores de 18 anos, com alterações psiquiátricas, pessoas em situação de rua ou privadas de liberdade.

A presente pesquisa analisou os desenhos dos estudos, o número de participantes avaliados e o nível de evidência de cada artigo. Foram incluídas publicações sem restrições temporais e que foram encontradas nas bases de dados Excerpta Medica data BASE (Embase) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), bem como nos portais U.S. National Library of Medicine (PubMed) e The Cochrane Library (Cochrane), entre março e abril de 2020. Os principais descritores utilizados foram “HIV” AND “Tuberculosis” AND “Quality of Life”.

Analisaram-se os títulos e resumos para verificar aqueles que se enquadravam nos critérios de inclusão. Após essa etapa, foram obtidas as publicações completas dos artigos selecionados.

Os artigos foram classificados conforme os níveis de evidência científica, com base no modelo proposto por Melnyk e Fineout-Overholt⁽¹²⁾, sendo: I - Evidências derivadas de pelo menos um ensaio clínico randomizado controlado bem delineado; II - Evidências obtidas de ensaios clínicos bem delineados sem randomização; III - Evidências provenientes de estudos de coorte e de caso-controle bem delineados; IV - Evidências originárias de revisão sistemática de estudos descritivos e qualitativos; V - Evidências derivadas de um único estudo descritivo ou qualitativo; VI - Evidências oriundas de opinião de autoridades e/ou relatório de comitês de especialistas.

Em seguida, formaram-se categorias hierarquizadas, de acordo com o desenho metodológico de cada estudo.

RESULTADOS

A Figura 1 demonstra a busca dos artigos nas bases de dados e nas demais fontes.

Figura 1
Seleção dos estudos seguindo as recomendações PRISMA⁽¹⁰⁾

Uma síntese sobre os artigos incluídos na revisão pode ser apreciada no Quadro 1, apresentados em ordem cronológica crescente de acordo com título, ano de publicação, país do estudo, método, número de participantes, instrumento de avaliação, principais resultados, conclusão e nível de evidência.

Quadro 1
Caracterização dos estudos inclusos na revisão

Título / Nível de evidência	Ano/ País	Método/Número de participantes/ Instrumento de avaliação	Principais resultados	Conclusão
Coinfection HIV/tuberculosis (Pott's disease): a case study(13) V	2009 Brasil	Estudo de caso n = 1 com coinfecção TB/HIV Não utilizou instrumento	A não adesão ao tratamento, ou o abandono, tanto da TB quanto do HIV, é um dos maiores problemas da coinfecção, que tem como consequência a diminuição da QV, devido às falhas terapêuticas e resistência às drogas utilizadas. A não aceitação dos diagnósticos, o nível socioeconômico, a baixa escolaridade e o preconceito estão intimamente relacionados a esse problema.	A interação entre HIV e TB aumentou a morbimortalidade, resultando em menor QV percebida.
Tuberculosis and HIV coinfection: its impact on quality of life(14) V	2009 Etiópia	Transversal n = 124 com coinfecção TB/HIV e 467 com HIV WHOQoL-HIV e Kessler-10	Pacientes com coinfecção TB/HIV apresentaram QV mais baixa em todos os domínios quando comparados com infectados pelo HIV sem TB. Não ter depressão, possuir fonte de renda e apoio familiar foram fortemente associados com a maioria dos domínios da QV. Em pacientes com ambas as doenças, aqueles que tiveram depressão foram 8,8 vezes mais propensos a ter problemas de saúde física.	O programa de controle da TB deve elaborar estratégias para melhorar a QV de pessoas com coinfecção TB/HIV. Depressão e autoestigma/autodesaprovação devem ser alvos de intervenção para melhorar a QV.
Aids and tuberculosis: coinfection from the perspective of the patients' quality of life(7) V	2012 Brasil	Transversal n = 57 com coinfecção TB/HIV e 58 com HIV WHOQoL-HIV brief	Na avaliação da QV, aqueles que vivenciaram a coinfecção apresentaram resultados inferiores em todos os domínios, com diferença significativa nos domínios Físico, Psicológico, Nível de Independência e Relações Sociais.	Énecessário desenvolver estratégias conjuntas de políticas que visem diminuir o impacto epidemiológico de uma doençasobre a outra, como detecção precoce, implantação da TARV, investigação da TB nas pessoas com HIV, tratamento da TB latente, ampliação do TDO e capacitação dos profissionais, possibilitando elevação da QV dos afetados pela coinfecção .
Health-related quality of life among patients with tuberculosis and HIV in Thailand(15) V	2012 Tailândia	Transversal n = 222 com coinfecção TB/HIV Questionário estruturado; EuroQol (EQ-5D); Escala Analógica Visual EuroQol (EQ-VAS)	A pontuação de QV foi mais alta entre pacientes que obtiveram cura da TB; e mais baixa para aqueles em tratamento da TB farmacorresistente.	Os tratamentos para TB e a forma resistente impactaram negativamente o estado de saúde autopercebido pelos pacientes, porém esse efeito diminuiu após o tratamento bem-sucedido. Há necessidade de pesquisas que apresentem estratégias para melhorar a QV em tais condições.
Quality of life among tuberculosis (TB), TB retreatment and/or TB-HIV coinfected primary public health care patients in three districts in South Africa(16) V	2012 África do Sul	Transversal n = 2.935 com coinfecção TB/HIV e 1.965 com tuberculose Kessler-10; AUDIT; Duas questões alternativas; Social Functioning 12	Foram encontrados efeitos positivos para QV nos domínios da saúde mental, papel emocional, energia e fadiga, função social e papel físico, enquanto efeitos negativos foram observados na saúde geral, dor corporal e função física. Maior escolaridade, menor sofrimento psíquico, menos condições crônicas, menor situação de pobreza e baixo sofrimento psicológico tiveram efeitos positivos na QV.	A TB e o HIV enfraqueceram a capacidade física dos pacientes e prejudicaram a QV, sendo assim é imperativo que os programas de controle da TB elaborem estratégias para melhorar a QV dos pacientes que vivenciam a coinfecção.
Quality of life aspects of patients with HIV/ tuberculosis coinfection(8) V	2012 Brasil	Transversal qualiquantitativo n = 34 com coinfecção TB/HIV HAT-QoL	A QV se mostrou prejudicada nos domínios relacionados às questões econômicas, sexuais e de sigilo dos diagnósticos. Ainda foi evidenciado que a coinfecção impõe mudanças no cotidiano que potencializaram o comprometimento da QV.	Vivenciar a coinfecção influenciou negativamente a QV, cujas repercussões podem ser amenizadas com intervenções que promovam a saúde.
Change in quality of life: a follow up study among patients with HIV infection with and without TB in Ethiopia(17) III	2013 Etiópia	Observacional n = 97 com coinfecção TB/HIV e 455 com HIV WHOQoL-HIV brief; Kessler-10.	Houve melhora na QV física, psicológica, social, ambiental e espiritual ao longo do tratamento, sendo que foi mais marcante em todas as dimensões para aqueles que vivenciavam a coinfecção. O transtorno mental grave estava associado com pior QV.	A TARV e o tratamento da TB melhoraram a QV, particularmente entre os pacientes que vivenciam a coinfecção. Recomendou-se integração dos serviços de saúde mental com os programas de TB/ HIV, assim como treinamento dos prestadores de cuidados para identificar e tratar oportunamente os transtornos mentais comuns e melhorar a QV.
'I cry every day': experiences of patients coinfected with HIV and multidrug-resistant tuberculosis(18) V	2013 Índia	Qualitativo n = 12 com coinfecção TB multifarmacorresistente/ HIV, 5 cuidadores leigos, 10 profissionais da saúde Não utilizou instrumento	Os efeitos colaterais das medicações foram considerados gravemente debilitantes. Os cuidadores familiares são cruciais para manter a saúde mental e física dos pacientes, mas também relatam altos níveis de fadiga e estresse. Os profissionais da saúde afirmaram que as barreiras à adesão aos tratamentos eram fundamentalmente sociais, e não médicas, e que se sentiam impotentes ante essa situação.	O tratamento da TB farmacorresistente nas PVHAs exige dedicação dos pacientes, cuidadores e família. Os tratamentos consomem muitos recursos e podem afetar negativamente a QV, por esse motivo requerem altos níveis de apoio da família e dos cuidadores para incentivar a adesão e a retenção do paciente ao tratamento.
Quality of life among people treated for tuberculosis and human immunodeficiency virus in Rio de Janeiro, Brazil(19) V	2013 Brasil	Transversal n = 9 com coinfecção TB/HIV, 45 com HIV e 44 com TB MOS-HIV e EVA	Os participantes que possuíam a coinfecção TB/HIV relataram menor saúde física em comparação com os participantes que possuíam TB ou HIV, isoladamente, porém não houve diferença entre a saúde mental. Participantes que possuíam TB ou HIV separadamente não diferiram em relação à QV ou à saúde mental, porém a TB foi associada com pior saúde física.	Há decréscimos semelhantes da QV em participantes em tratamento para HIV e TB, sem evidência de um efeito aditivo nas participantes com coinfecção TB/HIV.
'I'm fed up': experiences of prior antituberculosis treatment in patients with drugresistant tuberculosis and HIV(20) V	2014 Índia	Qualitativo n = 12 com coinfecção TB farmacorresistente/ HIV Não utilizou instrumento	Os participantes do estudo relataram itinerários terapêuticos muito longos, relacionados aos procedimentos diagnósticos e ao período de tratamento, levando à fadiga. Também expressaram preocupação com a falta de eficácia do tratamento, com base em experiências passadas.	Os participantes relataram experiências negativas com tratamentos prévios para HIV e TB, que afetaram a QV percebida. O diagnóstico e o início dos tratamentos de modo rápido e oportuno, associado a um sistema de suporte centrado no paciente, poderiam ajudar a elevar a credibilidade dos tratamentos.
Assessing Quality of Life and Depression Among People Living With HIV/AIDS and TB-HIV coinfection in Kathmandu, Nepal(21) V	2015 Nepal	Transversal n = 71 com coinfecção TB/HIV e 75 com HIV WHOQoL-HIV, Escala de Inventário de Depressão de Beck.	Participantes com coinfecção TB/HIV apresentaram menor QV, e a depressão foi mais frequente quando comparados aos participantes infectados pelo HIV. A contagem de células CD4, estado educacional, ocupação, etnia, tamanho da família e depressão foram fatores relacionados à QV.	Os programas de controle da TB devem elaborar estratégias para melhorar a QV das pessoas com coinfecção, assim como deve haver intervenções voltadas para a depressão com o objetivo de melhorar a QV das pessoas vivendo com HIV, com ou sem TB.
Longitudinal assessment of the health-related quality of life of HIV infected patients treated for tuberculosis and HIV in a high burden setting(22) III>	2016 África do Sul	Observacional n = 76 com a coinfecção TB/HIV HRQoL	Houve aumento significativo na pontuação total nos dois grupos com o passar dos meses, considerando principalmente a elevação de células CD4. Não houve diferença nas pontuações entre os participantes que realizaram a TARV e o tratamento da TB e aqueles que receberam apenas tratamento da TB. Menores eventos adversos respiratórios estavam relacionados positivamente a melhor QV referida.	Houve melhora da QV relacionada à diminuição de eventos adversos e sinais e sintomas da TB. Menor QV estava relacionada ao número e tipo de eventos adversos apesar de haver cura da TB.
Health-related quality of life of HIV patients with and without tuberculosis registered in a Tertiary Hospital in Port Harcourt, Nigeria(23) V	2018 Nigéria	Transversal n = 144 com coinfecção TB/HIV e 144 com HIV WHOQoL-HIV	Os pacientes que vivenciavam a coinfecção apresentaram menor QV nos domínios Físico, Psicológico e Global do que os pacientes com HIV. Os dois grupos não diferiram significativamente nos domínios Social e Ambiental.	A condição TB/HIV reduziu significativamente a QV; desse modo, a atenção deve ser focada no manejo da saúde física e mental dos pacientes que vivenciam a coinfecção, a fim de melhorar a QV.
Social support and quality of life of people with tuberculosis/HIV(24) V	2018 Brasil	Transversal n = 57 com coinfecção TB/HIV WHOQoL-HIV brief; Escala de Apoio Social para Pessoas Vivendo com HIV/AIDS; e questionário.	Associações positivas foram encontradas entre apoio social e QV, sendo identificada relação entre suporte instrumental e os domínios Relações Físicas e Social. O apoio emocional foi relacionado a todos os domínios, exceto Espiritualidade.	As manifestações clínicas e o medo do estigma afetaram as relações sociais das pessoas que vivenciam a coinfecção TB/HIV, ocasionando impacto negativo na QV; em contrapartida, o apoio de família, amigos e profissionais da saúde aumentou a autoestima e a adesão ao tratamento, atuando positivamente na QV.
Quality of life among HIVtuberculosis coinfected patients(25) III	2019 Índia	Transversal n = 26 com coinfecção TB/HIV e 78 com HIV WHOQoL-HIV; Escala de Inventário de Depressão de Beck.	Os participantes com a coinfecção TB/HIV obtiveram pontuação mais baixa em todos os domínios em comparação com participantes que vivenciavam o HIV exclusivamente, sugerindo que os pacientes com coinfecção têm uma QV inferior.	É imperativo identificar os determinantes e trabalhar para a melhoria da QV das pessoas que vivem com HIV .

• Nota: TB - Tuberculose; QV - Qualidade de Vida; TARV - Tratamento Antirretroviral; TDO - Tratamento Diretamente Observado; PVHA - Pessoas Vivendo com HIV/Aids.

Os 15 artigos selecionados foram publicados entre 2009 e 2019, sendo duas publicações em 2009^(13-14), quatro em 2012^(7-8,15-16), três em 2013^(17-19), uma em 2014⁽²⁰⁾, uma em 2015⁽²¹⁾, uma em 2016⁽²²⁾, duas em 2018^(23-24)e uma em 2019⁽²⁵⁾. Quanto ao periódico, os artigos foram publicados em 13 diferentes, com destaque para: Health and Quality of Life Outcomes ^(14,16) e The International Journal of Tuberculosis and Lung Disease ^(19-20), com duas publicações cada. Destacam-se cinco publicações do Brasil^{(7-8,13,19,24)}; em seguida, Índia, com três publicações^(18,20,25); África do Sul^(16,22) e Etiópia^(14,17), com duas cada país; e Nepal⁽²¹⁾, Nigéria⁽²³⁾ e Tailândia⁽¹⁵⁾, com uma publicação cada. Do total dos estudos, a maioria (n = 14) foi publicada na língua inglesa, sendo que dois^(7-8)deles possuíam variação para a língua portuguesa e um para o espanhol⁽²⁴⁾, e outro encontrava-se exclusivamente em português⁽¹³⁾.

A seguir, são apresentados os principais achados, segundo grandes temas.

Tipos de estudo

Dez estudos eram transversais^{(7-8,14-16,19,21,23-25)}; dois, qualitativos^(18,20); dois, observacionais^(17,22); um, transversal-qualitativo⁽⁸⁾; e um, estudo de caso⁽¹³⁾. É evidente o predomínio de trabalhos com abordagem quantitativa, sendo que apenas três utilizaram método qualitativo^(8,18,20).

Instrumentos utilizados

Observou-se variação de instrumentos utilizados para a avaliação da QV, com evidência do Instrumento de Qualidade de Vida da OMS para pessoas com HIV, na versão estendida (WHOQoL-HIV)^{(14,21,23,25)} e abreviada (WHOQoL-HIV brief)^(7,17,24), em sete estudos; na sequência, a escala de estresse psicológico Kessler-10, usada em três estudos^(14,16-17); a Escala de Inventário de Depressão de Beck, em dois^(21,25); e HRQoL⁽²²⁾, EuroQoL⁽¹⁵⁾, AUDIT⁽¹⁶⁾, Social Functioning⁽¹⁶⁾, Hat-QoL⁽⁸⁾, Escala de Apoio Social para Pessoas Vivendo com HIV/AIDS⁽²⁴⁾, MOS-HIV⁽¹⁹⁾ e EVA⁽¹⁹⁾ foram empregados uma única vez. Ressalta-se a utilização de mais de uma escala em algumas publicações^{(14,16-17,19,21,24-25)}.

Intervenções para melhorar a Qualidade de Vida

Os artigos demonstraram que a coinfecção TB/HIV pode comprometer mais a QV do que vivenciar uma das enfermidades^(7,14,17,23). Ressalta-se a importância do desenvolvimento e aperfeiçoamento de programas e políticas de rastreio e manejo de ambas as infecções^(7,14,16,24), sendo sugerido enfoque em algumas ações, como a melhoria da detecção precoce do HIV e da TB, a implantação da TARV, a investigação da TB nos indivíduos soropositivos, o tratamento da TB latente, assim como a ampliação do Tratamento Diretamente Observado (TDO).

Além disso, foram sugeridas intervenções focadas na saúde mental, trabalhando com questões de autoestigma, ou seja, a desaprovação de si mesmo, e a depressão, sendo recomendada a integração de serviços de saúde mental com os programas de TB/HIV, assim como a capacitação dos profissionais prestadores do cuidado para identificar e tratar oportunamente os transtornos mentais comuns, melhorando, dessa forma, a QV das pessoas que vivenciam a coinfecção TB/HIV^(7,17,23).

Os artigos apontaram a necessidade de suporte psicológico a esse grupo que se demonstra emocionalmente fragilizado e vulnerável aos transtornos mentais e a outros agravos à saúde^(7,17,23). Também se mostrou que é preciso realizar outras pesquisas a fim de conhecer com maior profundidade a QV desse grupo específico^{(14-15,17,23)}.

Fatores relacionados à piora ou elevação da qualidade de vida

Foram elencados como contribuintes para uma melhor QV nessa população: fonte de renda, maior escolaridade, apoio familiar e social, bem como tratamento bem-sucedido da TB e da TARV^(14-16,24).

No que diz respeito às barreiras para melhorar a QV, destacaram-se a associação com doenças crônicas, pobreza, sofrimento psíquico, depressão, transtornos mentais graves, autoestigma/autodesaprovação, tratamento da TB, assim como o da TB farmacorresistente, em decorrência dos diversos efeitos colaterais^(14-17).

DISCUSSÃO

A literatura nacional e internacional apresentou estudos relacionados à QV de PVHA^(26-29)e de pessoas que vivenciam a TB^(6,30-32) separadamente.

Observou-se, nesta revisão, uma não regularidade temporal dos estudos publicados, com maior concentração em 2012. O baixo número de publicações a cada ano pode sugerir falta de interesse no tema em questão.

Sabe-se que a TB é uma doença socialmente determinada, sendo a sua ocorrência relacionada às precárias condições de vida. Viu-se que os estudos desta revisão foram realizados em países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, os quais albergam casos que evidenciam a coinfecção TB/HIV.

Ressalta-se que 10 dos 15 artigos incluídos na revisão são transversais, mostrando, além da baixa quantidade de publicações sobre a temática, que os estudos apresentam baixo nível de evidência, haja vista pesquisas transversais ocuparem o nível V⁽¹²⁾. Assim, além da necessidade do desenvolvimento de estudos sobre a QV de pessoas que vivenciam a coinfecção TB/HIV, é fundamental avançar naqueles com maior nível de confiabilidade, que exponham evidências científicas sobre o tema em questão. O escopo da compreensão da QV pode estar em outro tipo de método que não os transversais, sendo necessários trabalhos que sintetizem outros parâmetros não alcançados até o momento.

Outro fato importante a se discutir é o predomínio da metodologia quantitativa, demonstrando que é preciso desenvolver investigações com abordagem qualitativa, no intuito de desvelar os significados e as percepções da coinfecção para as pessoas afetadas, algo a ser mais bem compreendido com estudos que possibilitam dar voz a esse grupo.

Os artigos incluídos na revisão se apropriaram da definição de QV proposta pela OMS⁽⁵⁾, que transcende os aspectos físicos, ao abordar a importância dos aspectos psíquicos e sociais para a manutenção da QV. Esses estudos demonstraram como a experiência de vivenciar a coinfecção pode impactar a saúde mental dessas pessoas, sendo necessária a articulação de serviços desse campo de práticas e de conhecimento com os centros de referência e tratamento do HIV e da TB.

A síntese dos artigos evidenciou que o tratamento tanto da TB quanto do HIV é fundamental para a cura da TB e manutenção da QV. Porém, a baixa adesão ao tratamento representou um impeditivo para o controle da doença. Os estudos demonstraram que os participantes e suas famílias vivenciaram o impacto do diagnóstico com sentimentos de desesperança e desilusão, associado com os efeitos colaterais das medicações. Salienta-se que os próprios tratamentos representam fatores associados ao comprometimento da QV; assim, há necessidade de investimento para a produção de novos medicamentos que minimizem os efeitos colaterais e que exijam menor tempo para a finalização do tratamento da TB, com o objetivo de aumentar a adesão ao tratamento e a QV.

Os estudos revelaram a necessidade de aprofundar conhecimentos sobre a influência dos determinantes sociais de saúde em pessoas que vivem com a coinfecção TB/HIV. Os artigos possuem resultados convergentes, demonstrando que vivenciar a coinfecção resultou em um decréscimo maior na QV do que vivenciar o HIV ou a TB isoladamente, porém os mesmos estudos mostraram que a QV sofreu influência igualmente significativa quando associada com a pobreza, doenças crônicas, sofrimentos mentais, menor renda, escolaridade, bem como suporte social e familiar.

A associação da TB com o HIV impõe desafios, principalmente relacionados à adesão ao tratamento. Também se verificou distribuição geográfica variável dos estudos, mas concentrada especialmente em países em desenvolvimento. As questões sociais foram os maiores impeditivos para a elevação da QV, portanto é necessário transformar as condições de vida e de acesso aos serviços de saúde, bem como disseminar o conhecimento em relação a tais agravos, de forma que represente sentido para o cotidiano dos indivíduos. Requer-se o fortalecimento das políticas públicas de apoio social para ofertar recursos essenciais - tais como alimentação, moradia, transporte, segurança e educação - à grande maioria da população que enfrenta essas doenças.

Os resultados demonstraram produção científica pouco expressiva a respeito do tema. A ausência de uniformização quanto ao instrumento de avaliação e à padronização da avaliação da QV de pessoas com a coinfecção TB/ HIV, por um lado, torna mais complexa a avaliação das necessidades propiciadoras da QV que permita o desenvolvimento de um cotidiano saudável. Entretanto, é necessário ponderar que, não raro, os instrumentos fechados, os quais não viabilizam a assunção de questões de ordem mais subjetiva e que revelem os desgastes e os fortalecimentos para a condução da vida, podem limitar a compreensão do processo saúdedoença e suas repercussões na rotina diária. Também, tais instrumentos precisam proporcionar uma visão ampla, de ordem multiprofissional e interdisciplinar, de forma coerente com o conceito de QV, para instrumentalizar o trabalho dos profissionais de saúde a fim de repensar as múltiplas facetas constitutivas da QV, a qual é permeada por processos culturais, políticos, sociais, transcendendo a abordagem que restringe a sua compreensão ao componente volitivo e de cunho individual.

Limitações do estudo

A estratégia de busca pode ter sido limitada, haja vista a possibilidade de publicações em bases de dados locais não terem sido englobadas na presente revisão, o que pode ter gerado um viés.

Contribuições para a área da Enfermagem, Saúde e Políticas Públicas.

A presente revisão ressalta a necessidade de investigações sobre a QV das pessoas que vivenciam a coinfecção TB/HIV. Os estudos demonstraram que ambas as enfermidades afetam prioritariamente participantes vítimas de exclusão social ou que apresentam vulnerabilidades tanto de cunho individual e social, quais sejam o baixo nível socioeconômico e escolar, quanto relativas ao acesso aos serviços, o que perfaz a dimensão programática do conceito de Vulnerabilidade.

Dentre uma série de outras atribuições, destaca-se a fundamental participação do enfermeiro na prevenção e controle da TB e do HIV, além da promoção de ações que apoiem o aprimoramento da QV das pessoas que convivem com tais enfermidades. Compondo a equipe de saúde, numa perspectiva que possibilite reconhecer as necessidades de saúde e proporcionar respostas para o aprimoramento da QV, vislumbra-se um trabalho que pode levar à superação das fragilidades e dificuldades vivenciadas por essas pessoas.

CONCLUSÕES

As publicações selecionadas apresentam baixo nível de evidência científica. A presente revisão destacou a variabilidade de instrumentos utilizados para analisar e avaliar a QV, o que pode limitar a compreensão dos processos vivenciados pelas pessoas com tais enfermidades, indicando ser, esta, uma área do conhecimento que necessita de mais investigação.

Além disso, advoga-se que pesquisas de cunho qualitativo podem trazer contribuições ao possibilitar às pessoas com a coinfecção o compartilhamento das necessidades e dificuldades da vivência do processo saúde-doença, incluindo a percepção sobre a QV. Isso permite avançar no desenvolvimento de estratégias para o aprimoramento da prevenção e do controle de ambas as doenças, bem como na promoção da saúde física, mental e social desse grupo populacional.

• FOMENTO
  Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), pela concessão de bolsa de Iniciação Científica.

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Editado por

EDITOR CHEFE: Antonio José de Almeida Filho

EDITOR ASSOCIADO: Fátima Helena Espírito Santo

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  07 Jun 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  03 Ago 2020
• Aceito
  19 Jan 2021