Desafios da pesquisa em enfermagem com populações imigrantes e refugiadas: considerações metodológicas e pragmáticas

RESUMO

O objetivo do estudo foi identificar os principais desafios na condução de pesquisas com imigrantes e refugiados e fornecer sete estratégias metodológicas e pragmáticas. As análises apresentadas, embasadas na Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural, são extraídas de insights das experiências dos autores enquanto pesquisadores e da literatura. Os principais desafios relacionam-se a diferenças culturais, morais, políticas e educacionais entre pesquisador e pesquisado; identificação do universo e amostragem; acesso aos informantes pela barreira da desconfiança; e dificuldade de comunicação e idioma. As estratégias para tornar a pesquisa mais exitosa envolvem: desenvolver um minucioso protocolo de pesquisa; recrutar participantes de forma criativa; elaborar estratégias para facilitar a comunicação; ter olhar sensível; oferecer uma estrutura de reciprocidade; ampliar a confiança e triangular a pesquisa. Foram exploradas as principais questões metodológicas e pragmáticas nos estudos com imigrantes e refugiados, fornecendo orientações valiosas para projetos futuros. Entretanto, em diferentes situações de migração, os pesquisadores devem atentar-se para a possibilidade de surgirem outros desafios durante o processo investigativo.

DESCRITORES
Emigrantes e Imigrantes; Refugiados; Enfermagem; Pesquisa em Enfermagem; Promoção da Pesquisa

ABSTRACT

The objective of the study was to identify the main challenges in conducting research with immigrants and refugees and to provide seven methodological and pragmatic strategies. The analyses presented, based on the Theory of Culture Care Diversity and Universality, are extracted from insights of the authors’ experiences as researchers and the literature. The main challenges are related to cultural, moral, political, and educational differences between researcher and researched; identification of the universe and sampling; access to informants through the barrier of distrust; and communication and language difficulties. Strategies to make research more successful involve: developing a thorough research protocol; creatively recruiting participants; developing strategies to facilitate communication; having a sensitive look; offering a structure of reciprocity; increasing trust, and triangulating research. The main methodological and pragmatic issues in studies with immigrants and refugees were explored, providing valuable guidance for future projects. However, in different migration situations, researchers must be aware of the possibility of other challenges arising during the investigative process.

DESCRIPTORS
Emigrants and Immigrants; Refugees; Nursing; Nursing Research; Research Promotion

RESUMEN

El objetivo del estudio fue identificar los principales desafíos al realizar investigaciones con inmigrantes y refugiados y proporcionar siete estrategias metodológicas y pragmáticas. Los análisis presentados, basados en la Teoría de Diversidad y Universalidad de la Atención Cultural, se extraen de insights de las experiencias de los autores como investigadores y de la literatura. Los principales desafíos están relacionados con las diferencias culturales, morales, políticas y educativas entre investigador e investigado; identificación del universo y muestreo; acceso a informantes a través de la barrera de la desconfianza; y dificultades de comunicación y lenguaje. Las estrategias para lograr que la investigación sea más exitosa implican: desarrollar un protocolo de investigación exhaustivo; reclutar participantes de forma creativa; desarrollar estrategias para facilitar la comunicación; tener una mirada sensible; ofrecer una estructura de reciprocidad; aumentar la confianza y triangular la investigación. Se exploraron las principales cuestiones metodológicas y pragmáticas en los estudios con inmigrantes y refugiados, proporcionando una valiosa orientación para proyectos futuros. Sin embargo, en diferentes situaciones migratorias, los investigadores deben ser conscientes de la posibilidad de que surjan otros desafíos durante el proceso de investigación.

DESCRIPTORES
Emigrantes e Inmigrantes; Refugiados; Enfermería; Investigación en Enfermería; Promoción de la Investigación

INTRODUÇÃO

O processo de imigração e refúgio é um fenômeno contemporâneo de amplitude global e para caracterizá-lo é necessário destacar a distância, a motivação e a ruptura. A imigração é entendida como um processo voluntário, no qual pessoas cruzam fronteiras com a perspectiva de obter melhores oportunidades econômicas, educacionais, sociais e culturais. Por outro lado, refúgio (ou imigração forçada) caracteriza-se como a fuga do país de origem por temor à perseguição, violência, conflitos ou distintas circunstâncias que perturbam a ordem pública. Nessa perspectiva, refugiados necessitam de proteção internacional(¹).

Em 2022 estimativas apontavam que uma a cada 30 pessoas no mundo era imigrante. Isto corresponde a 281 milhões de pessoas deslocadas de seus países(²). Segundo o Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, ao final de 2022, cerca de 108,4 milhões de pessoas estavam em situação de refúgio, sendo o maior contingente registrado na história da humanidade(¹). Fatos como a guerra entre Rússia e Ucrânia, guerras civis em Israel, no Afeganistão, na Síria e na Etiópia, mudanças climáticas e a extensa crise econômica e política na Venezuela cooperam para impulsionar o atual número de pessoas deslocadas de seus países de origem(¹,²).

Não há espaço para dúvidas que imigrantes e refugiados conformam um grupo particularmente vulnerável por vivenciar diversos fatores (pregressos e atuais) que determinam sua condição de saúde. Pobreza, falta de emprego, baixos níveis educacionais, precárias condições de moradia, insegurança alimentar, entre outros, são os principais obstáculos no processo de integração a uma nova sociedade(³). Além disso, enfrentam barreiras linguísticas, culturais, sociais, políticas e econômicas – que repercutem em maior morbidade e mortalidade – fazendo com que imigrantes e refugiados necessitem mais dos serviços de assistência social e de saúde(⁴). Contudo, ao buscar os serviços de saúde, deparam-se com fragilidades na assistência que não levam em consideração as necessidades específicas para um cuidado culturalmente sensível(⁵,⁶).

Para superar tal lacuna, enfermeiros e outros profissionais podem basear a sua prática na Teoria da Diversidade e Universalidade do Cuidado Cultural (TDUCC), proposta por Madeleine Leininger(⁷). Isso porque tal teoria apresenta grande preocupação com o cuidado baseado no respeito às crenças, valores e atitudes de cada pessoa, dentro de um contexto cultural. Ademais, destaca-se que a TDUCC combina teoria e método de pesquisa, distinguindo-se em diferentes níveis de abstração e análise(⁷); por isso, ela também pode ser empregada no âmbito da pesquisa em enfermagem. Nesse sentido, seu objetivo é igualmente fundamentar o processo investigativo, auxiliando no desenvolvimento de um corpo de conhecimento científico e humanizado capaz de promover práticas de cuidado culturalmente embasadas, conceituadas, planejadas e operacionalizadas(⁷).

Fica evidente que a abordagem teórica e metodológica da TDUCC auxilia na geração de conhecimentos básicos e aplicados à ciência da enfermagem, tendo em vista seu potencial de abstração conceitual e sua proximidade com o contexto cultural no qual as pessoas vivem e os fenômenos acontecem. Portanto, ela foi escolhida para sustentar este estudo teórico em tela, porque seus pressupostos possibilitam ancorar a proposição de estratégias para o adequado desenvolvimento das pesquisas realizadas por enfermeiros, considerando fortemente a influência que os aspectos das crenças e da cultura dos imigrantes e refugiados têm sobre a produção e análise de dados.

Frente à complexidade do fenômeno das migrações e suas consequências nos aspectos políticos, culturais e econômicos das sociedades contemporâneas, este tema figura como recorrente no contexto científico-acadêmico(³). Um grande foco da literatura da enfermagem atual trata de questões de saúde-doença dos imigrantes e refugiados, incluindo qualidade de vida(⁸), saúde mental(⁹,¹⁰), gestação e nascimento(⁸), cuidados em saúde no âmbito da Atenção Primária(¹¹), das emergências(¹²) e dos hospitais(⁹). Tais estudos têm adotado diferentes enfoques teórico-metodológicos, como desenhos exploratórios(⁸), transversais(¹³) e descritivos(⁹,¹⁰), e abordagens qualitativa(³,⁹,¹²), quantitativa(¹⁰–¹³) e de métodos mistos(⁸,¹¹). Todavia, há décadas observa-se uma série de desafios (especialmente para investigadores iniciantes) associados à pesquisa sobre o tema da saúde do imigrante e do refugiado(¹⁴), sem contudo serem discutidas, de forma mais aprofundada, as perspectivas metodológicas e pragmáticas acerca das melhores estratégias para promover a pesquisa e potencializar a atual produção científica da enfermagem no campo dos estudos migratórios.

Nesse sentido, questiona-se quais os principais desafios que pesquisadores enfermeiros encontram ao desenvolver estudos com a população imigrante e refugiada? Quais estratégias podem ser empregadas para potencializar a realização de pesquisas exitosas e válidas com esse público? A fim de responder a essas questões o desenvolvimento desse estudo foi proposto, cujos objetivos foram identificar os principais desafios na condução de pesquisas com imigrantes e refugiados e fornecer sete estratégias metodológicas e pragmáticas.

MÉTODO

As análises aqui apresentadas estão pautadas no pensamento crítico, insights e experiências dos autores na pesquisa em enfermagem com populações imigrantes e refugiadas, bem como ancoradas na TDUCC(⁷) e na literatura científica acerca das temáticas migrações, saúde e pesquisa em enfermagem. A literatura relevante foi identificada por meio de buscas nas bases de dados Pubmed/MEDLINE, SCOPUS (Elsevier), CINAHL (EBSCOhost) e Web of Science (Clarivate Analytics). Foram empregadas as seguintes palavras-chave: “Emigrantes e Imigrantes”; “Refugiados”; “Enfermagem”; “Pesquisa em Enfermagem”; “Promoção da Pesquisa”. Os operadores booleanos AND e OR foram utilizados para estruturar as buscas.

A pesquisa ocorreu em junho de 2023 e limitou-se a artigos em português, inglês e espanhol, tendo em vista a fluência dos pesquisadores nestes idiomas. Foram considerados os textos publicados entre 2010 e 2022 e que tivessem como foco a descrição de processos de coleta e análise de dados em pesquisas com imigrantes e/ou refugiados no contexto da saúde. Uma busca manual foi realizada para ampliar o alcance dos estudos selecionados. Isso permitiu adicionar artigos relevantes que contribuíram para os resultados dessa discussão teórica e que não haviam sido identificados no levantamento anteriormente realizado nas bases de dados.

Após a identificação dos textos relevantes foi realizada uma leitura atentiva com o intuito de buscar informações sobre quais os principais desafios e as distintas estratégias utilizadas pelos pesquisadores no desenvolvimento dos estudos. A informação foi sumarizada por três dos autores dessa reflexão que posteriormente se uniram para aglutinar e comparar o processo de síntese textual. Durante todo o processo de seleção, leitura e análise dos textos, os pesquisadores elaboraram notas teórico-reflexivas que registravam as principais decisões e interpretações analíticas. Em caso de divergências ou dúvidas sobre os desafios e as estratégias na pesquisa com imigrantes, os membros mais experientes do grupo foram consultados para o consenso. Durante esse processo, uma trilha de auditoria foi mantida, registrando-se em notas teóricas e reflexivas as afirmações e proposições que surgiram e foram debatidas entre os autores.

O texto reflexivo está estruturado em dois eixos temáticos, a saber: “desafios inerentes às pesquisas de enfermagem com imigrantes e refugiados” e “estratégias para potencializar a pesquisa em enfermagem com imigrantes e refugiados”. Nessa seção, serão apresentadas as questões metodológicas e pragmáticas, ou seja, considerações de ordem prática e realistas que podem fazer com que os pesquisadores em enfermagem desenvolvam metodologicamente, de forma mais exitosa, suas pesquisas com essa parcela populacional.

Por se tratar de um estudo secundário que não envolveu coleta de dados com seres humanos, não foi necessária a análise do Comitê de Ética, mas foram considerados procedimentos para garantir que os estudos primários utilizados para a construção da reflexão tivessem respeitado os princípios éticos.

DESENVOLVIMENTO

Pesquisas de enfermagem e saúde para populações minoritárias, como imigrantes e refugiados, são uma latente exigência da ciência, em âmbito global, nos tempos atuais. A partir da experiência dos autores como estudiosos da área, da literatura vigente sobre o tema e da TDUCC foi possível identificar os principais desafios que os pesquisadores vivenciam na prática ao desenvolver estudos com imigrantes e refugiados, os quais envolvem, do mais amplo para o mais específico (de fora para dentro na Figura 1), primeiro as diferenças culturais, morais, políticas e educacionais entre pesquisador e pesquisado; em seguida, as dificuldades para a identificação do universo e amostragem; após, dificuldades para o acesso aos informantes pela barreira da desconfiança; e, por fim, quando se acessa essa população, há a dificuldade de comunicação e idioma.

Figura 1
Desafios e estratégias para a pesquisa em enfermagem com imigrantes e refugiados, 2023.

A partir desses desafios, estratégias pragmáticas (ou seja, práticas e exequíveis) foram identificadas e pensadas para potencializar a pesquisa, a saber: desenvolver um minucioso protocolo de pesquisa; recrutar participantes de maneira criativa; adotar estratégias para facilitar a comunicação; ter olhar sensível; oferecer uma estrutura de reciprocidade; ampliar a confiança; e triangular o processo de pesquisa. A representação das estratégias em círculo aponta que não há hierarquia entre elas; na verdade, elas se interligam e complementam (Figura 1).

1) Desafios Inerentes às Pesquisas de Enfermagem com Imigrantes e Refugiados

Diferenças Culturais, Morais, Políticas e Educacionais

O choque cultural, decorrente das diferenças morais, políticas, culturais e educacionais entre os distintos países é um importante aspecto a ser considerado como desafiador no estabelecimento da relação entre pesquisador e pesquisado. A TDUCC aponta que a diversidade cultural consiste na variedade de padrões, valores e símbolos entre os diferentes grupos, sociedades e culturas(⁷), sendo que a estrutura social influencia fortemente na diversidade. A estrutura social é um processo dinâmico, de relacionamento interdependente, de diferentes elementos estruturais ou organizacionais da sociedade (i.e. sistema religioso, militar, político, educacional, tecnológico, cultural, ambiental e linguístico) que balizam as relações(⁷).

Em algumas situações as pessoas imigrantes e refugiadas podem sentir receio de que, ao contar para o pesquisador aspectos íntimos de sua vida e saúde, sejam julgadas, segregadas ou expostas a situações de preconceito e xenofobia. Isso representa o que em determinadas culturas é entendido como o “eu público” e o “eu privado”(¹⁵). Logo, os entrevistados tendem a se portar e dialogar conforme acreditam que social, moral, política e culturalmente possam ser mais bem entendidos e não julgados pelos pesquisadores nativos. Além disso, se o conteúdo ou estilo de uma entrevista for culturalmente inapropriado, ela será mal compreendida e talvez encerrada antecipadamente(¹⁴). É importante ponderar que essas situações se refletem na precisão dos dados coletados e na forma como as informações serão interpretadas pelo pesquisador(¹⁴,¹⁵).

Identificação do Universo e Amostragem

As pesquisas objetivam descobrir conceitos gerais e predizer comportamentos futuros em um universo ou uma amostra populacional(¹⁶). Portanto, para alcançar êxito nas investigações, sejam elas epidemiológicas ou interpretativas, o primeiro passo é selecionar adequadamente uma amostra aleatória ou teórica que seja representativa(¹⁶). No caso dos imigrantes e refugiados, o contexto ambiental, ou seja, o espaço geográfico/território no qual eles estão dispersos, é um componente interdependente da estrutura social(⁷), e consequentemente influencia na identificação do universo e da amostragem para o desenvolvimento dos estudos.

É preciso ponderar que nas pesquisas com imigrantes e refugiados existem diversas dificuldades para a seleção dos participantes. Muitos deles não vivem em comunidades étnicas identificáveis, ou seja, residem de maneira dispersa pelas cidades e pelos bairros de uma mesma cidade. Poucos são os serviços de assistência social ou de saúde que possam compilar as informações de endereço e telefone dos imigrantes e refugiados. Ademais, por constituírem um grupo vulnerável, há importantes considerações éticas que dificultam o acesso do pesquisador às informações pessoais. Outro ponto de destaque é que aqueles que ainda não possuem documentos não serão identificados nos registros formais, comprometendo a possibilidade de acesso ao endereço e telefone. Desse modo, os dados numéricos de imigrantes e refugiados variam grandemente entre aqueles tidos como “oficiais” e os que são “reais” e alcançáveis aos pesquisadores(¹⁴). Além disso, os estudos de seguimento (por exemplo, coortes ou experimentais) encontram como barreira a alta rotatividade de endereços no percurso da migração(¹⁷).

Acesso aos Informantes: Barreira da Desconfiança

Aspectos relacionados à diversidade cultural e ao modo como as pessoas estabelecem seus relacionamentos modulam o grau de confiança que elas depositam nas demais(⁷). Populações imigrantes e refugiadas podem relutar em participar de estudos devido à falta de familiaridade com a pesquisa ou em decorrência de experiências anteriores nas quais tenham sido exploradas ou enganadas para fins de pesquisa. Também pode haver preocupações ou receio de quebra de confidencialidade e que as informações fornecidas para um estudo sejam repassadas a funcionários do governo ou autoridades da imigração, sobretudo em situações de refúgio ou de indocumentados. Além disso, as entrevistas qualitativas são geralmente gravadas e posteriormente transcritas na íntegra para análise dos dados. No entanto, esse procedimento comum, pode não funcionar com uma população não familiarizada com as ferramentas metodológicas da pesquisa científica, entendendo a gravação como potencialmente ameaçadora. Outro desafio está relacionado com os estudos de intervenção que, por sua natureza, exigem um engajamento longitudinal dos participantes, de modo que a falta de confiança constitui elemento preponderante para a não adesão em longo prazo e, por conseguinte, uma limitação(¹¹,¹⁶).

Comunicação e Idioma

A TDUCC afirma que a comunicação efetiva é indispensável para a construção de relacionamentos positivos com o paciente durante o cuidado e peça-chave para que mudanças adaptativas ocorram(⁷). Isso necessita ser extensível à relação pesquisador-pesquisado. As barreiras de comunicação e idioma são aspectos fundamentais intervenientes na produção de dados em pesquisas de diferentes naturezas metodológicas. Nesse caso, não é apenas questão de domínio de diferentes idiomas. A comunicação vai além, envolve hábitos, trejeitos, velocidade e entonação, presentes na comunicação não-verbal e paraverbal. A literatura sugere que os imigrantes e refugiados preferem ser entrevistados em seu idioma nativo(¹⁴,¹⁶) e que também optam pelo uso de linguagem clara e sem jargões científicos da área da saúde. Nesse sentido, a entrevista e o seu estilo precisam se aproximar do estilo de comunicação do grupo de imigrantes e refugiados em estudo, pois caso contrário as respostas podem ser circulares ou indiretas, dificultando a recolha dos dados(¹⁴).

2) Estratégias Pragmáticas para Potencializar a Pesquisa em Enfermagem com Imigrantes e Refugiados

Desenvolver um Minucioso Protocolo de Pesquisa

Desenvolver protocolos de pesquisa minuciosos é importante para minimizar possíveis erros ou situações não planejadas que podem impactar na qualidade ou no rigor metodológico do estudo. Ao preparar protocolos de pesquisa para imigrantes e refugiados, os investigadores precisam considerar a singularidade cultural(⁷) do grupo-alvo. A fim de ampliar a fidedignidade do protocolo, ele pode ser validado por meio de um estudo piloto ou a partir da análise de um painel de experts em pesquisa multicultural e/ou na abordagem metodológica adotada. Uma forma alternativa de reduzir o custo de um estudo piloto – mas, ao mesmo tempo, maximizar a eficácia de um painel de experts – é trazer imigrantes e refugiados que sejam líderes comunitários para participar do painel de discussão. Sendo membros da comunidade e conhecendo os potenciais participantes, esses indivíduos podem falar a partir das perspectivas do constructo da cultura e da estrutura social e assim antecipar possíveis questões operacionais ou metodológicas(¹⁶).

Recrutar Participantes de Maneira Criativa

Destaca-se a importância de serem empregados métodos de recrutamento e seleção criativos e inovadores, especialmente utilizando membros da comunidade-alvo que se pretende atingir. Essas pessoas-chave, geralmente líderes comunitários, podem apoiar o recrutamento. Além disso, quando a população de estudo é bastante heterogênea em termos de etnia ou idade, por exemplo, é importante associar uma variedade de métodos de recrutamento (panfletos, face a face, mídia, redes sociais) e distintos locais de busca (igrejas, serviços de saúde, organizações comunitárias). Isso é relevante não apenas para aumentar a participação, mas também para garantir a variabilidade e a qualidade dos dados(¹¹,¹⁵).

Outra estratégia que tem sido utilizada nos estudos com imigrantes e refugiados é o emprego da técnica denominada snowball. De acordo com esta técnica, pessoas com determinadas características comuns estão conectadas a uma rede social, composta por laços, e por isso são mais facilmente identificadas por outro membro da comunidade cultural do que pelos pesquisadores(¹⁶). Tal técnica, apesar de ser não probabilística, tem atingido bons resultados no alcance de amostras para estudos quantitativos(¹¹) e qualitativos com imigrantes(³,¹⁵).

Triangular o Processo de Pesquisa

Os estudos sobre processos migratórios, por vezes, ainda seguem confinados a abordagens metodológicas imprecisas e incompletas, uma vez que geralmente não dão conta de cobrir a diversidade cultural(⁷) e a mobilidade migratória como um todo. A fim de superar essa lacuna, triangular o processo de pesquisa pode ser uma importante estratégia. A triangulação envolve a utilização de diferentes métodos de pesquisa ou diferentes abordagens filosófico-paradigmáticas para estudar um fenômeno(¹⁶). Por exemplo, os pesquisadores podem empregar a abordagem de métodos mistos para estudos com imigrantes e refugiados, ampliando a variabilidade das informações coletadas, o que se reflete em dados mais precisos e completos.

A fonte de coleta de dados também pode ser triangulada utilizando dados de entrevistas, questionários, diários de campo, prontuários e bancos de dados(¹⁴). Na experiência dos autores dessa reflexão, durante um estudo multicêntrico com famílias imigrantes e refugiadas que vivem no Brasil, Espanha e Portugal, associar a aplicação de questionários impressos e online permitiu a ampliação da coleta de dados e o alcance da amostragem incialmente planejada.

Além disso, a fim de capturar a amplitude e complexidade do fenômeno da migração, os estudos precisam ser longitudinais ou envolver imigrantes e refugiados em diferentes estágios do processo migratório, visto que a migração é uma transição processual, que inclui a pré-imigração, a chegada, o estabelecer-se, a integração e a aculturação(¹⁴). Isso posto, triangular a coleta de dados com imigrantes e refugiados de diferentes estágios de migração ou realizar a pesquisa de forma longitudinal, acompanhando-os por um tempo, auxilia na compreensão do fenômeno de forma mais universal, abrangente e plural.

Por fim, é possível triangular os informantes do estudo, considerando os imigrantes e refugiados, suas famílias, os profissionais de saúde, os educadores, os empregadores, os líderes comunitários e todos aqueles que possam, de alguma forma, incrementar o entendimento do fenômeno em investigação, analisando-o a partir de diferentes espectros. Ainda que na área da enfermagem os estudos envolvam majoritariamente temas inerentes à profissão e ao processo saúde-doença, equipes multidisciplinares de pesquisadores, incluindo antropólogos, sociólogos, geógrafos, historiadores, epidemiologistas, entre outros, podem aportar diferentes olhares ao estudo e ao processo de triangulação da pesquisa.

Facilitar a Comunicação

Como já mencionado, a TDUCC coloca que um processo comunicacional efetivo é indispensável para a construção de relacionamentos(⁷). Nesse sentido, uma estratégia para permitir que a pesquisa com imigrantes e refugiados seja mais exitosa envolve considerar a diversidade idiomática e, por isso, a integração de instrumentos multilíngues para coleta de dados. Caso a população imigrante ainda não domine o idioma do país de destino, deve-se considerar, no desenho do estudo, a utilização de instrumentos em diferentes idiomas, o uso de intérpretes ou, preferencialmente, conduzir as entrevistas no idioma nativo do participante. Isso porque facilita-se a comunicação interpessoal, o reconhecimento dos imigrantes/refugiados sobre seu senso de identidade e o respeito à sua visão de mundo(⁷,¹⁵).

Quanto aos instrumentos, os pesquisadores não devem presumir que existam traduções confiáveis e válidas de instrumentos e medidas de pesquisa padronizados. Efetivamente, é mais comum que as traduções tenham sido malfeitas e não testadas para garantir a validade do uso de dialetos e expressões linguísticas. Portanto, sugere-se que caso as entrevistas não possam ser realizadas no idioma nativo do participante, seja preferencialmente adotada a utilização dos intérpretes. Contudo, as qualificações, o tempo, o emprego, as funções e o treinamento dos intérpretes utilizados no estudo devem ser planejados com bastante antecedência(¹⁸).

Empregar a utilização de mediadores culturais seria outra estratégia importante para facilitar o processo comunicacional durante a coleta de dados(¹¹,¹⁵). Tais mediadores são membros da equipe de pesquisa biculturais e bilíngues e, por isso, culturalmente competentes. Eles são capazes de entender não apenas as visões de mundo(⁷) do grupo participante, mas também os preconceitos pessoais que os pesquisadores trazem para interpretar as diferentes culturas. Desse modo, a presença dos mediadores é relevante para sanar as possíveis tensões sentidas entre os imigrantes em investigação e os pesquisadores, o que tem potencial para promover uma situação de intercâmbio, compartilhamento e meios de interpretação entre os sujeitos(⁶).

Além disso, é relevante estimular que as respostas nas pesquisas qualitativas sejam dadas especialmente na forma de exemplos do cotidiano ou por meio de “contação de histórias”, aproveitando-se também todas as oportunidades de compreender o fenômeno em investigação, inclusive em momentos nos quais pesquisador e entrevistado estejam se apresentando ou se despedindo ao final da entrevista(¹⁴).

Ter um Olhar Sensível aos Participantes

Um olhar sensível à luz da TDUCC é o mesmo que dizer um “olhar culturalmente congruente”. Nesse sentido, é preciso ponderar que a família, e não apenas o indivíduo migrante isoladamente, tem constituído foco de alguns estudos(³,¹⁹) e, nestes casos, o olhar precisa ser ampliado para além do aspecto cultural individual. É preciso considerar, por exemplo, que para os haitianos, sobretudo entre os refugiados, existe a concepção de “famílias comunitárias”, as quais não se restringem aos cônjuges e seus filhos. Na verdade, a família passa a ser entendida como as pessoas que habitam o mesmo teto(¹⁹). Essas pessoas possuem conexões históricas, pois vivenciaram as mesmas dores e dificuldades, e ao se encontrarem em outro país, unem-se e cuidam uns aos outros, pois acima de tudo possuem os mesmos ideais de manutenção e proteção da família e da vida. Para elas, a concepção de família é muito mais que ligações sanguíneas – os laços afetivos construídos constituem o alicerce para o enfrentamento das difíceis condições vividas no cotidiano. Nesse ínterim, os pesquisadores precisam olhar de maneira sensível às novas configurações e estruturas sociais que se formam e se fortalecem na vida dos imigrantes e refugiados.

Portanto, não se pode compreender de maneira genuína o processo migratório e o migrante sem conhecer e questionar o status social, político, econômico e científico dado pelo Estado ou pela academia a esse grupo populacional. É importante que o enfermeiro pesquisador, como um “artesão intelectual” sensibilizado, deixe em suspensão seus próprios preceitos e ajuste as suas perguntas de pesquisa, seus conceitos e seus instrumentos de coleta de dados a esse objeto em investigação e suas especificidades culturais, estruturais, educacionais e familiares(⁷), sendo que a sensibilidade do enfermeiro deve caminhar no sentido de evitar generalizações culturais, o que reforça estereótipos, aumenta o preconceito e dificulta o desenvolvimento de um olhar sensível e único para cada pessoa(⁷).

Algo que pode auxiliar os enfermeiros a desenvolverem esse olhar mais sensível e até mesmo integral para as populações migrantes é a adoção de potentes referenciais teóricos, que funcionem como lentes para apoiar o pesquisador na interpretação de seus achados. Por exemplo, a TDUCC de Madeleine Leininger, há décadas, está disponível na literatura para apoiar os enfermeiros no âmbito da prática, do ensino e da pesquisa com populações culturalmente diferentes(⁷).

Contudo, é importante ressaltar que, para a formação de um pesquisador em enfermagem, a pessoa passa pelo processo de formação profissional na universidade, momento em que deve receber conceitos que o instrumentalizem para um cuidado culturalmente competente(²⁰). A TDUCC enfatiza a importância de preparar enfermeiras clínicas e educadoras para atender às necessidades de diversas populações. Essa abordagem visa prevenir práticas de imposição cultural, etnocentrismo e conflitos culturais em ambientes clínicos(²¹), o que se reflete na postura do pesquisador ao atuar junto à populações imigrantes e refugiadas.

Oferecer uma Estrutura de Reciprocidade

Outra estratégia útil para obter acesso às comunidades de imigrantes e refugiados é fornecer serviços relacionados à saúde. Isso tem potencial para aumentar a visibilidade e melhorar a reputação do pesquisador junto ao grupo, tendo em vista que os imigrantes e refugiados geralmente apresentam uma rede de relacionamento efetiva entre eles(¹⁴). Por exemplo, previamente ao início da coleta de dados, os pesquisadores enfermeiros podem organizar uma pequena feira de saúde, com aferição de pressão arterial, medida de glicose sanguínea e oferta de orientações em saúde durante a reunião de alguma organização não-governamental que atenda a população alvo, ou mesmo na frente de uma igreja que congregue expressivo número de imigrantes e refugiados.

Ademais, os pesquisadores devem se colocar à disposição dos entrevistados para auxiliá-los em pequenas demandas como, por exemplo, informações sobre o sistema de saúde nacional, agendamento de consultas, dicas culturais da cidade, informações sobre oferta de empregos, vagas para cursos em universidades ou cursos técnicos. Essa reciprocidade configura-se como um compromisso ético do pesquisador e é relevante diante do contexto de vulnerabilidade que imigrantes e refugiados tendem a vivenciar no país anfitrião, bem como é uma resposta à confiança depositada no pesquisador.

Todas essas formas de oferecer reciprocidade necessitam estar em harmonia com as crenças, práticas e valores culturais das pessoas(⁷). Nesse contexto, os pesquisadores devem estar atentos para considerar as diferenças e semelhanças entre as distintas culturas, quando da oferta de serviços e cuidados em saúde para a população de imigrantes e refugiados a serem pesquisadas.

Ampliar a Confiança

A TDUCC destaca a importância da construção de relacionamentos positivos entre o profissional e o paciente(⁷). Aqui, reitera-se que tal construção também deve ocorrer entre pesquisador-pesquisado. Para tanto, utilizar-se de relacionamentos com organizações de base comunitária, como os serviços de saúde e/ou organizações não-governamentais, além de incluir membros da comunidade-alvo do grupo de imigrantes e refugiados são essenciais para construir a confiança e recrutar participantes(¹¹). Também podem ser necessárias entrevistas individuais e/ou repetidos encontros para que o participante tenha suficiente confiança no pesquisador, o que permitirá a obtenção de dados mais robustos, precisos e fidedignos(¹⁴).

A ordem do questionamento também é importante. É mais eficaz fazer primeiro as “perguntas menos ameaçadoras”(¹⁴), por exemplo, iniciar pelas perguntas relacionadas à saúde geral das pessoas costuma refletir em melhores respostas que as perguntas sobre dados sociodemográficos. Outrossim, sugere-se que os pesquisadores negociem com os comitês de ética a fim de que haja liberação para a obtenção de consentimento verbal no início da entrevista, com assinaturas ao final. Isso pode não apenas reduzir as dificuldades que os pesquisadores enfrentam para obter o consentimento informado, mas também aumentar o nível de confiança e conforto entre os imigrantes/refugiados ao manifestarem sua concordância em participar da pesquisa(¹¹,¹⁶).

Outro ponto de destaque se refere ao fato de que nos estudos envolvendo imigrantes e refugiados, o retorno dos dados às populações pesquisadas, instituições e movimentos sociais envolvidos é um compromisso ético do pesquisador e implica em “partilhar os benefícios encontrados” úteis para melhorar a vida das pessoas(¹⁶). Esse movimento de ciência cidadã, desde que realizado em linguagem acessível à população, também tem potencial para aumentar a confiança dos imigrantes e refugiados com a pesquisa científica e com os pesquisadores, promovendo uma cultura mais receptiva à investigação científica entre eles.

Considerações Finais

Este estudo apresenta os desafios e as estratégias para o desenvolvimento das pesquisas com imigrantes e refugiados. Entre os principais obstáculos destacam-se diferenças culturais, morais, políticas e educacionais entre pesquisador e pesquisado e dificuldades de acesso aos informantes pela barreira da desconfiança e as inerentes à comunicação e ao idioma. Sete estratégias pragmáticas foram pensadas para potencializar e tornar a pesquisa mais exitosa. As análises realizadas podem subsidiar estudantes de graduação e pós-graduação, membros de grupos de pesquisa e docentes na operacionalização de reflexões e discussões quanto à importância do planejamento e desenvolvimento de pesquisas preocupadas não apenas com sua qualidade e rigor metodológico, mas que valorizem as especificidades e necessidades dessa população.

Por fim, as reflexões aqui realizadas sobre questões metodológicas e pragmáticas fornece aos enfermeiros orientações valiosas para projetos futuros. Todavia, essa análise possui limitações. A orientação não é completa o suficiente para cobrir todos os possíveis desafios que os investigadores possam encontrar no campo, nem é apropriada para todas as populações ou situações de imigração. Além disso, o fato de a pesquisa com imigrantes e refugiados ainda ser incipiente na área da enfermagem fez com que houvesse a limitação de aproximar a discussão teórico-reflexiva da prática da pesquisa realizada por enfermeiros. Logo, mais estudos da enfermagem são necessários para ampliar o conhecimento sobre as dificuldades vivenciadas na prática e assim preencher as lacunas e incertezas que ainda permanecem. E, os pesquisadores devem ter em mente a singularidade das populações imigrantes e refugiadas com as quais estão trabalhando e serem flexíveis para ajustar seus projetos de pesquisa durante sua execução, sem infringir os princípios éticos e o rigor científico.

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Editado por

EDITOR ASSOCIADO

Paulino Artur Ferreira de Sousa

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  20 Maio 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  20 Dez 2023
• Aceito
  20 Mar 2024