RESUMO
Partindo de um teorema bastante simples de Scheffold, um conjunto de condições suficientes é encontrado para que o sistema pAp=Bp tenha uma solução com p>1 e p>0, onde A e B são nxn matrizes positivas. É mostrado que tal sistema seria uma extensão do sistema pAp=Ip para o qual o teorema de Perron-Frobenius é válido.
PALAVRAS-CHAVE:
Análise sraffiana; sistema de produção
ABSTRACT
Starting from a rather simple theorem by Scheffold a set of sufficient conditions is found for the system pAp=Bp to have a solution with p>1 and p>0, where A and B are nxn positive matrices. It is shown that such a system would be an extension of the system pAp=Ip for which the Perron-Frobenius theorem holds.
KEYWORDS:
Sraffian analysis; production system
É bem sabido que para um sistema de produção simples, uma série de resultados interessantes pode ser obtida para o esquema de Sraffa, tais como: uma taxa de retomo positiva, preços positivos e uma relação inversa entre taxa de retomo e taxa salarial (vide SchefoldB. SCHEFOLD, (1980) Fixed Capital, Accumulation and Technical Progress in Essays on the Theory of Joint Production, edited by Luigi Pasinetti, Columbia University Press, New York, 1980. pp. 141-2). No entanto, ao tentarmos aplicar o esquema para produção conjunta, tais resultados nem sempre podem ser observados.
O presente trabalho tem por objetivo estender os resultados de produção simples para o caso de produção conjunta, através de uma extensão do conhecido teorema de Perron-Frobenius para matrizes positivas {semi-positivas).
A estrutura do trabalho é bastante simples: partindo de um resultado de Schefold para produção conjunta, tenta-se ampliar o resultado original para aumentar sua abrangência. Schefold em um de seus trabalhos {SchefoldB. SCHEFOLD, (1980) Fixed Capital, Accumulation and Technical Progress in Essays on the Theory of Joint Production, edited by Luigi Pasinetti, Columbia University Press, New York, 1980. pp. 144-5), ao analisar o problema da produção conjunta observou que se tivéssemos uma matriz A de insumos e uma matriz B de produtos, correspondente a n setores “produtivos”, “essenciais” e “separadamente produzíveis” (os conceitos de “essencialidade” e de “possibilidade de produção isolada” são de autoria de Schefold), então para esse esquema os resultados mais importantes de Sraffa seriam válidos. Em termos mais concretos, valendo-se dos conceitos de “essencialidade” e de “possibilidade de produção isolada”, Schefold demonstra que a matriz (B-A)-1 de um tal sistema seria positiva. Sendo positiva, os resultados desejados seguiriam facilmente, como podemos ver a seguir.
Teorema (de Schefold):
Para um sistema produtivo tal que (B-A)-1>0 existe uma taxa retorno positiva e para tal taxa existe um sistema de preços positivo. Além do mais, existe o sistema básico e, consequentemente, uma relação inversa entre a taxa de retorno e a taxa salarial.
Demonstração:
Seja (B-A)-1>0, então, forçosamente (B-A)-1A>0
portanto, consideremos M=(B-A)-1A onde M>0
e a solução do sistema pIp=Mp.
Sabemos pelo Teorema de Perron-Frobenius que para M>0 temos uma solução tal que:
e
Portanto ρlp=(B-A)-1Ap tem solução com
e
ou seja ρ(B-A)p=Ap ou
tem solução do tipo desejado. Façamos R=(1+ρ)/ρ. É claro que se ρ>0, R será maior que 1 e, consequentemente, existirá uma solução para o sistema tal que:
e
É também fácil ver que para o mesmo ρ>0, existe um vetor q>0 tal que qB=RqA o que quer dizer que existe o sistema básico e, consequentemente, uma relação (linear) inversa entre a taxa salarial e a taxa de lucro.
Extensão do Resultado
Chamemos D=(B-A) tal que D-1>0 e de D>0 de uma matriz de Schefold, então:
Teorema:
Seja uma matriz produtiva tal que
isto é, uma matriz para a qual todos os elementos da diagonal principal são positivos, enquanto os elementos restantes são negativos. D é uma matriz de Schefold, isto é, D-1>0 e detD>0.
Demonstração:
Demonstraremos o resultado por indução para uma matriz D4(4x4). A generalização para o caso nxn é imediata.
O caso de uma matriz 1x1 é óbvio.
Efetivamente seja D1=[(b11-a11)] tal que o sistema seja produtivo. É óbvio que detD1>0 e que D1 -1>0.
Para o caso de uma matriz 2x2 teríamos:
tal que (b11-a11) e (b22-a22) são positivos e,(b12-a12) e (b21-a21) são negativos, e
são positivos, já que o sistema é produtivo. A partir dessas condições, é fácil verificar que |D2|=(b11-a11)(b22-a22)-(b21-a21)(b12-a12) é maior que zero, e que
Para demonstrar a validade da proposição para o caso de uma matriz 4x4, admitamos que o teorema seja válido para o caso de uma matriz 3x3, e tentemos inicialmente mostrar que |D4|>0.
Como
onde
e (b11-au)+(b21-a21)+(bs1-ae)+(bu-au)>0 já que o sistema é produtivo, é claro que
isto é, o termo da diagonal principal é maior, em termos absolutos, que os outros termos da mesma coluna. Consequentemente vamos adicionar uma parcela da primeira linha à segunda linha, uma parcela da primeira linha à terceira linha e, finalmente, uma parcela da primeira linha à quarta linha, tal que
de forma a obtermos uma matriz do tipo
cujo determinante terá forçosamente o mesmo valor (e sinal) que |D4|.
Pode-se verificar que a submatriz 3x3, contida no canto de baixo (lado direito), da matriz transformada, isto é
é uma matriz produtiva visto que as colunas têm soma positiva, ex.:
com resultados semelhantes para as outras colunas, com a característica adicional de F ser do tipo
o que quer dizer que F-1 tem todos seus elementos >0, e que |F|>0 mas como |D4|=(b11-a11)|F| então |D4|>0. Para demonstrar o valor positivo dos termos de , só temos que observar o sinal dos termos da matriz das menores de D4, isto é, o sinal dos termos de
onde
com definições semelhantes para os outros β
E evidente que β 11>0, já que os termos da matriz que lhe dá origem são os termos de uma matriz 3x3 produtiva do tipo
e, consequentemente, seu determinante é positivo.
Com relação a
pode-se verificar que pela adição de parcelas positivas da última linha às outras duas linhas vamos obter um determinante de igual valor com a seguinte forma:
onde 0<θ, (<1 e 0<θ+(<1 e que é o determinante de uma matriz de termos com sinais
que, claramente, tem determinante com sinal negativo, isto é, β 12<0. De forma semelhante, pode-se mostrar que
Teorema:
Para as matrizes de Schefold, aplica-se o teorema de Schefold.
Demonstração: é óbvia.
Consideremos, agora, um sistema produtivo de 4 setores, para o qual a matriz (B-A) tem seus elementos da diagonal principal tal que
e os outros elementos para i≠j com pelo menos um elemento >1.
Observação:
Se todos os elementos para i≠j fossem menores do que 1, estaríamos considerando uma matriz de Schefold, para a qual já vimos que existe uma solução.
Admitamos que para i≠j. Consequentemente 1<V<T.
Peguemos um valor (1+s) um “pouco” superior a V mas tal que
V<(1+s)<T e (1+s)=V+µ. onde µ.>0 mas µ. tendendo a zero. Consideremos a matriz [B-(1+s)A]. Claramente
nesta matriz, por construção, todos os elementos da diagonal principal são positivos, enquanto todos os outros elementos são negativos. Admitamos que esta matriz seja produtiva. Então [B-(1+s)A] é uma matriz de Schefold, consequentemente aplica-se o teorema de Schefold. Portanto existe uma solução para o sistema
tal que ρ>1 e p>0, existindo também a mercadoria-padrão para tal sistema. É fácil perceber que a solução do sistema anterior, corresponde a encontrar um sistema de preços positivos, tal que as taxas de retorno dos 4 setores sejam positivas e iguais, isto é, corresponde a encontrar p>0 tal que:
e ρ1=ρ2=ρ3=ρ4=ρ>0
Claramente, de qualquer um dos setores pode-se obter
o que demonstra que para o problema Bp=λAp existe uma solução tal que p>0 e λ=1+ρ+s+ρs>0. Observação: já que os preços são determinados de forma relativa, podemos fazer com que sua soma totalize 1, isto é, ΣPi=1. Também podemos ver que
onde 1>θ1, θ2, θ3, θ4>0 e Σθi=1, isto é, a taxa de retomo é uma média ponderada das taxas (físicas) de retomo dos diversos produtos produzidos por cada um dos setores. Consequentemente, podemos afirmar que:
É fácil ver, também, que o p>0 encontrado para o sistema
Bp=(1+ρ+s+ρs) Ap é o mesmo p>0 que satisfaz o problema original
Igualmente, pode-se ver que para [B-(1+s)A] ser produtivo, a soma de qualquer uma das colunas deve ser maior que zero, isto é,
ou seja
Portanto, condições suficientes para a existência da solução procurada são que:
-
sendo
-
para i≠j com, pelo menos, um desses elementos >1, e com
-
para todos j=1...4 (já que podemos selecionar (1+s) tão “próximo” de V quanto quisermos). Observação: esta condição corresponde à condição de produtividade do sistema.
E, se lembrarmos que o teorema de Schefold diz existir uma solução para qualquer sistema (A, B) positivo, produtivo, tal que:
-
-
e,
-
para j=1...4 (condição de produtividade do sistema)
podemos sintetizar os resultados em um só teorema.
Teorema:
Para o sistema Bp=λ Ap onde A, B>0 e
-
sendo que
-
sendo e
-
isto corresponde à condição de produtividade (alterada) do sistema;
existe uma solução para a qual p>0Σpi=1 e λ>1, sendo que existe a mercadoria-padrão, e, ainda, V≤λ≤T.
O Teorema anterior pode ser “extendido” um pouco mais, se observarmos que para que exista uma solução como a desejada, não é necessário que a matriz transformada [B-(1+s)A] seja produtiva. Basta que exista uma matriz diagonal A, com elementos positivos na diagonal principal tal que A(B-(1+s)A) seja produtiva para que a solução desejada exista. Por quê? É imediato:
então existe a solução desejada para o sistema A(B-(1+s)A). Mas a solução desse sistema é a mesma, em termos de preços e de taxa de retorno que a do sistema [B-(1+s)A], visto que a única alteração produzida por Λ será nos valores do autovetor esquerdo, que nos dá a mercadoria-padrão.
Exemplos:
Primeiramente consideremos o sistema Bp=λ Ap onde
Este sistema deve ter A>1 e p>0, além de gerar um sistema-padrão, visto que:
e
Portanto, as condições A, B e C são satisfeitas e, consequentemente, deve existir uma solução. De fato
Consideremos, agora, o sistema composto por:
Na forma em que se encontra, tal sistema não é produtivo (para a produção de 20 unidades do produto 1, são consumidas 22 unidades do mesmo produto). Mas, existe um A que pode transformá-lo em produtivo.
De fato
nesse sistema alterado
consequentemente as condições A, B e C são satisfeitas. Conclusão: deve existir um λ>1 e p>0 bem como um sistema-padrão para o sistema original:
Seria possível “melhorar” o Teorema, no sentido de diminuir as restrições impostas (A, B e C), e mesmo assim obter uma taxa de retorno positiva, um sistema de preços positivos e uma relação inversa entre a taxa de retorno e a taxa salarial?
Resposta: é possível, mas a um preço - o de não se obter todos esses resultados desejados ao mesmo tempo. Exemplo: podemos quebrar a condição B, e ainda encontrar alguns dos resultados desejados, como uma taxa de retorno positiva e preços positivos, mas não a relação inversa entre lucro e salários. Tomemos, por exemplo, o sistema:
para este sistema podemos ver que as condições A e C são satisfeitas, mas não a condição B, visto que
o que não impede de se ter λ>1 e p>0. De fato λ=4 e mas λ já não fica entre os limites estabelecidos e tampouco existe a mercadoria-padrão, bem como a relação inversa entre a taxa de retorno e a taxa salarial.. Para se ver isto, basta completar o sistema da seguinte forma:
onde
seja σ=0.1 (excedente) então w=0.3p1+1.2p2 o que nos dá o seguinte sistema:
cuja solução é
Se compararmos este resultado com o primeiro obtido, veremos que:
isto é, o salário subiu, e a taxa de lucro aumentou!
Na realidade, pode-se demonstrar que para qualquer sistema produtivo 2x2 com (A, B)>0, e para o qual
existe uma transformação T, tal que
tal que ΛT(B-(1+s)A) é uma matriz de Schefold. Consequentemente para um tal sistema existe λ>1 e p>0, mas não necessariamente um sistema padrão, como acabamos de verificar.
Observação final:
Chamamos o presente trabalho de uma extensão do Teorema de Perron-Frobenius, o que vale uma justificativa. A razão é bastante simples: para o Teorema Perron-Frobenius (I-A) é uma matriz de Schefold, só que todos os elementos fora da diagonal são menores do que zero. No presente caso, (B-A) não tem necessariamente todos estes elementos menores do que zero.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
- GILBERT ABRAHAM-FROIS & EDMOND BERREBI, (1979) Theory of Value, Prices and Accumulation, Cambridge University Press, Cambridge.
- B. SCHEFOLD, (1980) Fixed Capital, Accumulation and Technical Progress in Essays on the Theory of Joint Production, edited by Luigi Pasinetti, Columbia University Press, New York, 1980.
- PIERO SRAFFA, (1977) Produção de Mercadorias por meio de Mercadorias, Zahar, Rio de Janeiro.
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JEL Classification: B51.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
15 Jan 2024 -
Data do Fascículo
Jul-Sep 1990