Transições para a sustentabilidade na agricultura corporativa: inovação agroecológica na viticultura do Douro, Portugal

Polita, Fabíola; Madureira, Livia

doi:10.1590/1806-9479.2021.236238

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Revista de Economia e Sociologia Rural

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Sumário

Artigo • Rev. Econ. Sociol. Rural 60 (2) • 2022 • https://doi.org/10.1590/1806-9479.2021.236238 copiar

Transições para a sustentabilidade na agricultura corporativa: inovação agroecológica na viticultura do Douro, Portugal

Transitions Towards Sustainability in Corporate Agriculture: agro-ecological innovation in Douro viticulture, Portugal

Autoria SCIMAGO INSTITUTIONS RANKINGS

Resumo:

O objetivo deste artigo é aplicar a Multi Level Perspective (MLP) a um caso de transição para a sustentabilidade da agricultura que ocorre a partir do desenvolvimento de uma inovação agroecológica. À perspectiva temporal e multinível dada pela MLP, conjugamos o conceito de Agricultural Knowledge and Innovation Systems (AKIS), com a intenção de conciliar uma dimensão territorial para a análise. O cenário empírico é a região vitivinícola do Douro, em Portugal, na qual se disseminou uma inovação denominada Infraestrutura Ecológica (IE). Metodologicamente, fizemos entrevistas pessoais estruturadas, realizadas com agricultores ou gestores agrícolas, representantes de explorações comerciais de uva e vinho. Constatamos que há um princípio de transição liderado por agricultores corporativos que comercializam no mercado global. Este princípio de transição está alicerçado na mobilização de um AKIS territorial que permitiu o desenvolvimento do arcabouço cognitivo e técnico que estruturou o setor para sua articulação às demandas de mercado. Entretanto, este AKIS não é igualmente mobilizado pelos diferentes agricultores, o que se manifesta em distintas respostas de adoção da inovação. O caso explicita como as pressões de paisagem sociotécnica, representada pelo mercado, podem criar diferentes respostas no regime local.

Palavras-chave:
viticultura; Douro; Portugal; transições para a sustentabilidade; MLP (Multi Level Perspective); AKIS (Agricultural Knowledge and Innovation Systems)

Autores	Ano	Caso estudado	Escala de estudo
1. Elzen, Van Mierlo e Leeuwis	2012	Procura explicar os processos de ligação entre nichos e regimes por meio do estudo do caso holandês de redução do consumo energético relacionado ao cultivo de hortícolas em estufas.	Nacional
2. Feola, Lerner e Jain	2015	Estuda o comportamento de tomada de decisão de agricultores, em adotar, ou não, determinadas inovações, em cinco distintos pontos do mundo: México Central; Andes colombianos; Noroeste da Califórnia; Gujarat, na Índia, e Filipinas.	Variável para cada estudo, abrangendo desde a escala de comunidades até a escala de aldeias.
3. Konefal	2015	Trata da lacuna existente na literatura científica a respeito do papel que a governança exerce nas transições para a sustentabilidade na MLP, nos EUA.	Nacional
4. Ramani e Thutupalli	2015	Estuda a mediação do governo em duas transições que se operaram na Índia: produção de algodão durante o período da Revolução Verde e introdução do algodão BT¹ 1 BT, de Bacillus thurigiensis, espécie da qual se extraiu o gene de resistência aos herbicidas empregados na tecnologia das culturas geneticamente modificadas. .	Nacional
5. Bui, Cardona e Lamine	2016	Analisa a ligação entre nichos e regimes, observando quatro iniciativas relacionadas ao setor agroalimentar, na França, que podem ser consideradas nichos.	Regional
6. Sherwood, Van Bommel e Paredes	2016	Estuda dificuldades e limitações envolvendo a questão política para a transição sociotécnica sustentável que se passa no Equador.	Estudo centrado na região de Carchi, nos Andes equatorianos.
7. Anjos e Caldas	2017	Aborda consequências políticas de um caso inovador em torno de uma AFN (Alternative Food Network) italiana, chamada GAS (Gruppi di Acquisto Solidale).	Nacional
8. Hansen e Bjørkhaug	2017	Discute as expectativas norueguesas com relação ao desenvolvimento de uma bioeconomia.	Nacional, com enfoque multissetorial.
9. Isgren e Ness	2017	Analisa a agroecologia como um nicho sociotécnico na Uganda.	Nacional
10. Medeiros e Cazella	2017	Investiga a criação de redes interinstitucionais como inovações (novidades), exemplificado pelo caso da COOMAFITT, cooperativa de agricultores familiares no litoral Norte do Rio Grande do Sul, Brasil.	Caso regional, cuja transformação foi favorecida por políticas nacionais.
11. von Oelreich e Milestad	2017	Analisa o papel de movimentos alternativos nas transformações do regime. Toma como exemplo dois casos de agricultura orgânica 3.0, na Suécia.	Regional, defendendo que iniciativas orgânicas individuais podem contribuir para mudar o nicho orgânico e todo o sistema alimentar para a sustentabilidade.
12. Vila Seoane e Marín	2017	Mostra a fragilidade de experiências de agricultura que atuam contra a lógica do sistema sociotécnico operante. Na Argentina, tratando do nicho da apicultura orgânica desenvolvida por uma cooperativa.	Regional, mas usa o caso como exemplo para o nível nacional.
13. Harchaoui e Chatzimpiros	2019	Associa a transição sociotécnica da agricultura francesa à eficiência de uso de energia e nitrogênio à geração de excedentes, nos últimos 30 anos.	Nacional
14. Hassink, Grin e Hulsink	2018	Estuda o caso de care farming em desenvolvimento na Holanda, exemplificando os desafios adicionais de uma transição que engloba dois sistemas.	Nacional
15. Nygaard e Bolwig	2018	Analisa drivers e trajetórias do investimento privado estrangeiro na produção de biocombustíveis em Gana.	Nacional
16. Roberts e Geels	2019	Estuda dois casos nos quais os formuladores de políticas do Reino Unido aceleraram as transições.	Nacional
17. De Alban et al.	2019	Investiga a dinâmica LUCC – Land use and Land Cover Change – na região de Tanintharyi (Myanmar) para compreender transições em virtude do uso da terra agrícola.	Regional

Referências: Elzen et al. (2012)Elzen, B., van Mierlo, B., & Leeuwis, C. (2012). Anchoring of innovations: assessing Dutch efforts to harvest energy from glasshouses. Environmental Innovation and Societal Transitions, 5, 1-18., Feola et al. (2015)Feola, G., Lerner, A. M., Jain, M., Montefrio, M. J. F., & Nicholas, K. A. (2015). Researching farmer behaviour in climate change adaptation and sustainable agriculture: Lessons learned from five case studies. Journal of Rural Studies, 39, 74-84., Konefal (2015)Konefal, J. (2015). Governing sustainability transitions: multi-stakeholder initiatives and regime change in United States Agriculture. Sustainability, 7(1), 612-633., Ramani & Thutupalli (2015)Ramani, S., & Thutupalli, A. (2015). Emergence of controversy in technology transitions: Green Revolution and Bt cotton in India. Technological Forecasting and Social Change, 100(C), 198-212., Bui et al. (2016)Bui, S., Cardona, A., Lamine, C., & Cerf, M. (2016). Sustainability transitions: Insights on processes of niche-regime interaction and regime reconfiguration in agri-food systems. Journal of Rural Studies, 48, 92-103., Sherwood et al. (2016)Sherwood, S., van Bommel, S., & Paredes, M. (2016). Self-Organization and the Bypass: re-Imagining Institutions for More Sustainable Development in Agriculture and Food. Agriculture, 6(4), 66., Anjos & Caldas (2017)Anjos, F. S., & Caldas, N. V. (2017). Uma resposta sólida a um regime agroalimentar em crise. O Fenômeno GAS na Itália. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 32(95), 1-19., Hansen & Bjørkhaug (2017)Hansen, L., & Bjørkhaug, H. (2017). Visions and expectations for the Norwegian bioeconomy. Sustainability, 9(3), 341., Isgren & Ness (2017)Isgren, E., & Ness, B. (2017). Agroecology to promote just sustainability transitions: analysis of a civil society network in the Rwenzori Region, Western Uganda. Sustainability, 9(8), 1357., Medeiros & Cazella (2017)Medeiros, M., & Cazella, A. A. (2017). Cooperation networks and transformations in the food production and distribuition system of family farming in the north coast of Rio Grande do Sul, Brazil. Organizações Rurais & Agroindustriais, 19(3), 149-159., von Oelreich & Milestad (2017)von Oelreich, J., & Milestad, R. (2017). Sustainability transformations in the balance: exploring Swedish initiatives challenging the corporate food regime. European Planning Studies, 25(7), 1129-1146., Vila Seoane & Marín (2017)Vila Seoane, M., & Marín, A. (2017). Transiciones hacia una agricultura sostenible: el nicho de la apicultura orgánica en una cooperativa Argentina. Mundo Agrario, 18(37), 1-18., Harchaoui & Chatzimpiros (2019)Harchaoui, S., & Chatzimpiros, P. (2019). Energy, nitrogen, and farm surplus transitions in agriculture from historical data modeling: France, 1882-2013. Journal of Industrial Ecology, 23(2), 412-425., Hassink et al. (2018)Hassink, J., Grin, J., & Hulsink, W. (2018). Enriching the multi-level perspective by better understanding agency and challenges associated with interactions across system boundaries: the case of care farming in the Netherlands: Multifunctional agriculture meets health care. Journal of Rural Studies, 57, 186-196., Nygaard & Bolwig (2018)Nygaard, I., & Bolwig, S. (2018). The rise and fall of foreign private investment in the jatropha biofuel value chain in Ghana. Environmental Science & Policy, 84, 224-234., Roberts & Geels (2019)Roberts, C., & Geels, F. W. (2019). Conditions for politically accelerated transitions: historical institutionalism, the multi-level perspective, and two historical case studies in transport and agriculture. Technological Forecasting and Social Change, 140, 221-240. e De Alban et al. (2019)De Alban, J. D. T., Prescott, G. W., Woods, K. M., Jamaludin, J., Latt, K. T., Lim, C. L., Maung, A., & Webb, E. (2019). Integrating analytical frameworks to investigate land-cover regime shifts in dynamic landscapes. Sustainability, 11(4), 1139..

Referências	Contributos
Benoît et al. (2012)Benoît, M., Rizzo, D., Marraccini, E., Moonen, A. C., Galli, M., Lardon, S., Rapey, H., Thenail, C., & Bonari, E. (2012). Landscape agronomy: a new field for addressing agricultural landscape dynamics. Landscape Ecology, 27(10), 1385-1394.	Para Benoît e colaboradores, o esquema sociotécnico não considera a dinâmica de interação entre o sistema agrícola, a paisagem agrícola e a gestão dos recursos naturais, revelando a necessidade de se incorporarem outros elementos de análise.
Röling & Jiggins (1994)Röling, N. G., & Jiggins, J. L. S. (1994). Policy paradigm for sustainable farming. European Journal of Agricultural Education and Extension, 1(1), 23-43.; Coughenour (2003)Coughenour, C. M. (2003). Innovating conservation agriculture: the case of no-till cropping. Rural Sociology, 68(2), 278-304.; Sutherland et al. (2012)Sutherland, L. A., Burton, R. J., Ingram, J., Blackstock, K., Slee, B., & Gotts, N. (2012). Triggering change: towards a conceptualisation of major change processes in farm decision-making. Journal of Environmental Management, 104, 142-151.	Para estes autores, as novas formas de fazer a agricultura que desencadearão transições dos sistemas agrícolas são dotadas de conhecimentos específicos pertinentes ao ambiente nos quais são desenvolvidos.
Coenen et al. (2012)Coenen, L., Benneworth, P., & Truffer, B. (2012). Toward a spatial perspective on sustainability transitions. Research Policy, 41(6), 968-979.; Hansen & Coenen (2015)Hansen, T., & Coenen, L. (2015). The geography of sustainability transitions: review, synthesis and reflections on an emergent research field. Environmental Innovation and Societal Transitions, 17, 92-109.	Estes cientistas consideram que os estudos de transição da agricultura também precisam levar em conta a envolvência de elementos biofísicos e ecológicos.
Darnhofer (2015)Darnhofer, I. (2015). Socio-technical transitions in farming: key concepts. In L. A. Sutherland, I. Darnhofer, G. Wilson & L. Zagata (Eds.), Transition pathways towards sustainability in agriculture: case studies from Europe (pp. 17-32).; Pigford et al. (2018)Pigford, A. A. E., Hickey, G. M., & Klerkx, L. (2018). Beyond agricultural innovation systems? Exploring an agricultural innovation ecosystems approach for niche design and development in sustainability transitions. Agricultural Systems, 164, 116-121.	Estes autores lembram que ao ser a agricultura espacialmente locada, é afetada pela natureza das condições espaciais que, além dos aspectos culturais, valores e tradições, inclui condições naturais de solos, clima e ecossistema, fazendo com que cada transição seja específica de cada local.
Duru et al. (2015)Duru, M., Therond, O., & Fares, M. (2015). Designing agroecological transitions: a review. Agronomy for Sustainable Development, 35(4), 1237-1257.	Duru e colegas congregaram os conceitos de sistema agrícola, de sistema socioecológico e de sistema sociotécnico, estruturando um quadro analítico que se aplica à compreensão do fenômeno da transição sob os prismas daquilo que ocorre em termos de produção agrícola, de gestão de recursos naturais e da dinâmica das inovações na agricultura. Concluem que o sistema palco das transições da agricultura, além de multinível, é também multiator e multidomínio. Multiator por considerar os relacionamentos entre indivíduos e as assimetrias de poder que ocorrem entre estes relacionamentos. Multidomínio por levar em conta que as questões de agroecologia englobam também outras áreas, como a forma de provisão de suprimentos e o manejo dos recursos naturais.

	Adotantes	Não adotantes	Desistentes
Número total de entrevistados	24	16	2
Gestor e/ou proprietário	58,3% dos entrevistados eram gestores	93,8% dos entrevistados eram os proprietários	Ambos gestores e proprietários
Faixa etária	70,8% dos entrevistados têm entre 31 e 50 anos de idade	62,5% dos entrevistados têm entre 41 e 70 anos de idade	Ambos entre 41 e 50 anos de idade
Escolaridade	91,7% dos entrevistados têm ensino superior	50% dos entrevistados têm ensino superior	Ambos com ensino superior
Área cultivada com vinhas	Área média de 145,23 ha	Área média de 20,83 ha	Área média de 9,70 ha
Comercialização	75% comercializam vinhos, 50% fazem enoturismo	93,8% comercializam uvas	Um comercializa apenas uvas e um comercializa vinhos

Fatores	Referência
Agronômicos/Sistema Agrícola	Os adotantes relacionaram as IEs com uma série de práticas, como já anteriormente descrito, com o objetivo final de ampliar a biodiversidade nas áreas de cultivo e oferecer serviços ecossistêmicos às vinhas.
Ambientais/Sistema Socioecológico	Os entrevistados relacionam as IEs também com aspectos ecológicos, uma vez que no manejo destas pode haver uma combinação de diferentes técnicas de gestão da vegetação nas entrelinhas de cultivo e nos taludes nos arredores dos vinhedos. A vegetação ora pode ser espontânea, ora propositalmente semeada, de acordo com variedades de interesse, mantidas com desbastes mecânicos ou deixadas em crescimento livre. Estas práticas também se relacionam a uma narrativa que se tornou corriqueira nas entrevistas, que é a preocupação que os agricultores têm com a redução do uso de agrotóxicos.
Mercado/Sistema Sociotécnico	Os inquiridos associaram o uso das IEs às pressões de mercado que os forçam a escolher práticas mais sustentáveis, bem como à presença de turistas que incentivaram a adoção das mesmas.

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