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Evolução morfológica de uma liga semissólida A332

Morphological evolution of a A332 semi-solid alloy

RESUMO

Este trabalho visa analisar a evolução morfológica de uma liga comercial de alumínio A332 produzida via lingotamento contínuo convencional durante o processo de tixoconformação. A caracterização da transição sólido-líquido, ou seja, as temperaturas de trabalho correspondentes as frações sólidas de 77%, 67% e 52% foram determinadas via ensaios de análise térmica de calorimetria diferencial de varredura (DSC), na sequência a liga foi reaquecida até as temperaturas de trabalho e mantidas pelos tempos de tratamento de 0 s, 30 s e 90 s. Por meio da metalografia convencional observou-se o aumento no seu tamanho durante a manutenção da liga à faixa semissólida para o tempo de 90 s de tratamento sendo o principal mecanismo para essa alteração o fenômeno de ostwald ripening seguido por coalescência. Tem-se que a menor fração sólida proporcionou maiores valores de tamanho de glóbulos primários e de grãos, porém apresentou baixos valores de viscosidade aparente em torno de 105 Pa.s devido a menor presença de fase sólida na estrutura da liga e consequentemente menor resistência ao escoamento. Este baixo valor de viscosidade aparente torna a liga propícia a ser utilizada como matéria-prima nos processos de tixoconformação.

Palavras-chave:
Material semissólido; tixoconformação; liga A332

ABSTRACT

This work aims to analyze the morphological evolution of the commercial A332 aluminum alloy produced via direct casting during the thixoforming process. The characterization of the solid-liquid transition, that is, the working temperatures corresponding to the solid fractions of 77%, 67% and 52% were determined via differential scanning calorimetry (DSC) tests, then the alloy was reheated until the temperature of and maintained for 0 s, 30 s and 90 s treatment times. Through conventional metallography, an increase in the size was observed during the maintenance of the alloy to the semi-solid band for the time of 90 s of treatment being the main mechanism for this change is the phenomenon of ostwald ripening followed by coalescence. It is known that the smallest solid fraction provided higher values of size of primary globules and grains, however, it presented low values of apparent viscosity around 105 Pa.s due to the lower presence of solid phase in the alloy structure and consequently less resistance to flow. This value low apparent viscosity makes the alloy suitable for used as a raw material in thixoforming processes.

Keywords:
Semi-solid material; thixoforming; A332 alloy

1. INTRODUÇÃO

O alumínio é o metal mais jovem usado em escala industrial, possuindo um alto consumo em todos os setores industriais, como por exemplo, no setor automotivo [1[1] ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO ALUMÍNIO, http://www.abal.org.br, acessado em dezembro de 2020.
http://www.abal.org.br...
]. A grande demanda por alumínio fundido está associada às suas características: baixa densidade, elevada resistência mecânica e à corrosão, boa soldabilidade e usinabilidade, além disso, o alumínio é altamente reciclável, proporcionando o desenvolvimento sustentável das indústrias. Dentre as diversas ligas de alumínio, as ligas Al-Si são uma das mais requisitadas na indústria de fundição devido às suas boas propriedades mecânicas. A combinação propriedade mecânica - tratamento térmico torna-se interessante para aplicações na indústria militar, aeroespacial e automotiva [2[2] PERES, M.M., PINTO, C.P., RIOS, C.T., et al., “Caracterização da liga de alumínio A356 solidificada rapidamente por centrifugação e fundida em areia”, Projeções, v. 23, pp. 55–62, 2005.,3[3] FURLAN, T.S., “Influência do teor de estrôncio na modificação da liga A356”, Tese de M.Sc., Universidade de São Paulo, São Paulo, São Paulo, 2008.,4[4] PELA, M.D.F., “Estudo do comportamento da liga A332 sob condição semisólida com variação do teor de estrôncio”, Trabalho de Conclusão de Curso, Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Ponta Grossa, Paraná, 2018.].

O processamento de materiais metálicos no estado semissólido surgiu no início da década de 1970 a partir de estudos realizados por SPENCER et al. [5[5] SPENCER, D.B., MEHRABIAN, R., FLEMINGS, M.C., “Rheological behavior of Sn-15%Pb in the crystallization range”, Metallurgical Transactions, v. 3, n. 7, pp. 1925–1932, 1972. doi: http://dx.doi.org/10.1007/BF02642580.
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]; entende-se como estado semissólido, uma condição intermediária entre as fases sólida e líquida caracterizado por uma condição pastosa. Durante este estudo, os pesquisadores observaram que ao aplicar taxas de cisalhamento no material durante o seu processo de solidificação, a morfologia dendrítica do material era alterada para um estado esferoidal, resultando em uma queda significativa da viscosidade do material [6[6] FLEMINGS, M.C., “Behavior of metal alloys in the semi-solid state”, Metallurgical Transactions A, Physical Metallurgy and Materials Science, v. 22, n. 5, pp. 957–981, 1991. doi: http://dx.doi.org/10.1007/BF02661090.
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]. Assim, outros pesquisadores começaram a notar uma série de vantagens ao se trabalhar com metais no estado semissólido, uma vez que quando aplicados a processos de conformação era possível obter produtos com boas propriedades mecânicas e mais próximos de suas dimensões finais, utilizando uma menor carga para conformação [7[7] ATKINSON, H.V., “Modeling the semi-solid processing of metallic alloys”, Progress in Materials Science, v. 50, n. 3, pp. 341–412, 2005. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.pmatsci.2004.04.003.
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, 8[8] FERREIRA, J.P.G., “Estudo microestrutural e reológico da liga reciclada de alumínio A380 modificada pela adição de estrôncio”, Tese de M.Sc., Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Ponta Grossa, Paraná, 2017.].

O processamento de materiais metálicos no estado semissólido possui duas rotas de fabricação. A primeira rota consiste no processo de reofundição, realizando o resfriamento do material por meio de agitação contínua partindo de uma temperatura superior à temperatura liquidus até uma temperatura intermediária dentro do intervalo solidus-liquidus. Uma vez atingida essa temperatura, o material é mantido sob esse estado durante um determinado período, de forma a permitir a completa transformação microestrutural e, em seguida o material é processado. A segunda rota consiste no processo de tixoconformação, esta técnica é realizada em duas etapas, sendo que a primeira etapa consiste em realizar um processo semelhante à reofundição, porém ao invés de utilizar a pasta semissólida imediatamente no processo de produção, o material é resfriado na forma de lingotes e armazenado. Posteriormente, esse material é reaquecido até uma temperatura semissólida dentro do intervalo solidus-liquidus e então pode ser usado para obtenção do produto final [8[8] FERREIRA, J.P.G., “Estudo microestrutural e reológico da liga reciclada de alumínio A380 modificada pela adição de estrôncio”, Tese de M.Sc., Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Ponta Grossa, Paraná, 2017., 9[9] HIRT, G., KOPP, R., Thixoforming: semi-solid metal processing, Weinheim, WILEY-VCH, 2009. doi: http://dx.doi.org/10.1002/9783527623969.
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].

Tem-se que um dos problemas enfrentados por essa tecnologia é a pouca variedade de materiais utilizados como matéria-prima no processamento semissólido, sendo em sua grande maioria as ligas de alumínio A356 e A357. Portanto, este trabalho tem como objetivo apresentar resultados sobre a viabilidade da utilização da liga A332 como matéria-prima nos processos de tixoconformação, analisando os parâmetros metalúrgicos de tamanho de glóbulos primários e tamanho de grãos por meio de análises metalográficas e como isso interfere em seu comportamento reológico.

2. MATERIAIS E MÉTODOS

2.1. Matéria-prima

A matéria-prima utilizada neste trabalho foi uma liga comercial de alumínio A332 produzida via lingotamento contínuo convencional, apresentando como elementos principais, além do alumínio, o silício e o cobre; sendo o elemento silício responsável pelo aumento da fluidez do material durante o processo de fundição, além do aumento da resistência mecânica e da resistência a trincas de solidificação [2[2] PERES, M.M., PINTO, C.P., RIOS, C.T., et al., “Caracterização da liga de alumínio A356 solidificada rapidamente por centrifugação e fundida em areia”, Projeções, v. 23, pp. 55–62, 2005.] e o elemento cobre responsável pelo aumento da dureza e da resistência mecânica devido à formação de precipitados endurecedores [10[10] APELIAN, D., Aluminum cast alloys: enabling tools for improved performance, Illinois, NADCA, 2009.]. Sua composição química em massa (% em peso) pode ser vista na Tabela 1, obtida via equipamento de espectrometria de emissão óptica, modelo Bill-Oes.

Tabela 1
Composição química em massa (% em peso) da liga A332 obtida via espectrometria de emissão óptica.

2.2. Caracterização térmica

A determinação do intervalo de temperatura entre as linhas solidus e liquidus, zona de equilíbrio entre as fases sólida e líquida, é essencial para a obtenção da pasta semissólida utilizada nos processos de tixoconformação [11[11] TORRES, L.V., ZOQUI, E.J., “Caracterização microestrutural das ligas AA7004 e AA7075 tixoforjadas em prensa excêntrica”, Revista Matéria, v. 24, n. 3, pp. e12452, 2019. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1517-707620190003.0768.
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]. Um dos métodos mais utilizados para a determinação do intervalo semissólido são os ensaios de DSC, que medem a diferença de energia necessária à amostra em estudo e a um material de referência, enquanto ambos são submetidos a uma variação controlada de temperatura, de maneira que a amostra e a amostra de referência sejam mantidas em condições isotérmicas, uma em relação à outra, independente do evento térmico que esteja ocorrendo na amostra. Pode ser definido como uma técnica que mede as temperaturas e o fluxo de calor associado com as transições dos materiais em função da temperatura e do tempo [12[12] MOTHÉ, C.G., AZEVEDO, A.D., Análise térmica de materiais, São Paulo, IEDITORA, 2002.].

As análises empregadas neste trabalho visam à obtenção das temperaturas: solidus, liquidus e de trabalho (intervalo das temperaturas solidus e liquidus - faixa semissólida) a serem utilizadas no tratamento térmico de globularização e nos ensaios de compressão a quente. As temperaturas solidus, liquidus e de trabalho foram caracterizadas por meio do equipamento de análise térmica NETZSCH modelo STA-409C com uma taxa de aquecimento de 5 °C/min até a temperatura de 700 °C e resfriamento até temperatura ambiente; sendo selecionadas três temperaturas de trabalho.

2.3. Tratamento térmico de globularização e caracterização microestrutural

O tratamento térmico de globularização consiste no reaquecimento do material até a temperatura semissólida, de modo a manter essa condição por um tempo determinado para assegurar a esferoidização das partículas sólidas. Os tratamentos térmicos de globularização foram realizados em um forno resistivo, a partir de amostras com 15 mm de altura por 20 mm de diâmetro e com furo de 3,0 mm de diâmetro na metade de sua altura. As amostras foram inseridas juntamente com um termopar tipo K, Cromel Alumel, fixado em seu interior; foram reaquecidas até as temperaturas relativas às frações sólidas com uma taxa de aquecimento de 80 a 100 °C por minuto e mantidas por tempos de 0 s, 30 s e 90 s e depois resfriadas em água na tentativa de se “congelar” a estrutura, possibilitando analisar o efeito do tratamento térmico de globularização [13[13] TORRES, L.V., “Tixoconformação de novas ligas Al-Si-Cu”, Tese de D.Sc., FEM/UNICAMP, Campinas, São Paulo, 2013.]. Os tempos do tratamento térmico de globularização foram escolhidos devido ao processamento industrial, pois normalmente a matéria-prima é processada por aquecimento entre 7 e 8 min, dependendo do tamanho e da massa.

Para a caracterização microestrutural, via metalografia convencional, as amostras foram seccionadas longitudinalmente ao meio, lixadas em lixa d’água de várias granulometrias e polidas com pasta de diamante. Após o polimento, as amostras foram atacadas com reagente Keller (2,5 ml HNO3, 1,5 ml HCl, 1 ml HF e 95 ml H2O) com a imersão total da amostra no reagente por um tempo de 10 s visando revelar a microestrutura (glóbulos primários). Após o ataque as amostras eram enxaguadas em água corrente por aproximadamente 30 s e secadas com auxílio de um soprador elétrico. Para a aquisição das imagens foi utilizado um microscópio óptico Leica DM ILM. Para a caracterização microestrutural, via metalografia colorida, as mesmas amostras empregadas na caracterização anterior passaram por um ataque eletrolítico com deposição de HBF4 (ácido fluorbórico) em solução 2,0% e tensão de 25 V por aproximadamente 6 min com agitação moderada e constante. Após o ataque as amostras eram enxaguadas em água corrente em abundância e secadas com auxílio de um soprador elétrico. As amostras foram analisadas no microscópio óptico Leica DM ILM, porém, desta vez, utilizando filtros polarizadores para a obtenção de imagens coloridas dos grãos das amostras, fazendo com que grãos com a mesma orientação cristalina apresentem coloração semelhante, o que torna muito mais fácil sua identificação, e respectiva caracterização. Para as medições de tamanho de glóbulos primários e grãos empregou-se o Método dos Interceptos de Heyn, regido pela norma ASTM E112 [14[14] AMERICAN SOCIETY FOR TESTING AND MATERIALS, ASTM E112: Standard test methods for determining average grain size, West Conshohocken, ASTM, 1996.], sendo realizada em cinco diferentes campos de cada micrografia e para cada amostra foram empregadas cinco imagens de diferentes seções desta, totalizando vinte e cinco contagens para cada amostra [11[11] TORRES, L.V., ZOQUI, E.J., “Caracterização microestrutural das ligas AA7004 e AA7075 tixoforjadas em prensa excêntrica”, Revista Matéria, v. 24, n. 3, pp. e12452, 2019. doi: http://dx.doi.org/10.1590/s1517-707620190003.0768.
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, 15[15] ZOQUI, E.J., NALDI, M.A., “Evaluation of the thixoformability of the A332 Alloy (Al-9.5wt%Si-2.5wt%Cu)”, Journal of Materials Science, v. 46, n. 23, pp. 7558–7566, 2011. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s10853-011-5730-2.
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].

2.4. Caracterização da viscosidade aparente

Os ensaios de compressão a quente foram realizados em uma máquina universal de ensaios MTS 810 com capacidade de carga de 100 kN, utilizando placas paralelas de Inconel 718 com um forno resistivo acoplado ao eixo da máquina com capacidade de atingir uma temperatura máxima de trabalho de 1200 °C; partindo de amostras idênticas às empregadas nos tratamentos térmicos de globularização (15 mm de altura e 20 mm de diâmetro) e submetidas a uma taxa de compressão constante de 10 mm/s com tempo de execução de ensaio de 1 s. As amostras foram inseridas juntamente com um termopar tipo K, Cromel Alumel, fixado em seu interior, reaquecidas até as temperaturas relativas às frações sólidas e tempos de globularização e em seguida foram comprimidas. E com os dados de saída da máquina de ensaios foi possível determinar a viscosidade aparente média da liga.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

Nesta seção serão apresentados e discutidos os resultados de caracterização térmica (obtenção das temperaturas de trabalho), caracterização microestrutural, que compreende a caracterização da matéria-prima sob a condição fundida (como recebida) e das amostras tratadas termicamente, perfazendo a contagem de tamanho médio de glóbulos primários e de grãos e por fim, a caracterização da viscosidade aparente média.

3.1. Caracterização térmica

A determinação do intervalo de temperatura entre as linhas solidus e liquidus, zona de equilíbrio entre as fases sólida e líquida, é essencial para a obtenção da pasta semissólida utilizada nos processos de tixoconformação. Na Figura 1(a) observa-se a curva originária obtida pelo ensaio de DSC e na Figura 1(b) a curva da fração líquida versus temperatura tomando como base os modelos da Regra da Alavanca e Scheil com as frações sólidas de 77% (562 °C), 67% (567 °C) e 52% (572 °C) adaptada de ZOQUI e NALDI [15[15] ZOQUI, E.J., NALDI, M.A., “Evaluation of the thixoformability of the A332 Alloy (Al-9.5wt%Si-2.5wt%Cu)”, Journal of Materials Science, v. 46, n. 23, pp. 7558–7566, 2011. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s10853-011-5730-2.
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]. Uma curva de DSC normalmente apresenta-se como sendo uma função do diferencial da entalpia por tempo versus temperatura, onde as mudanças de inclinação, saltos e picos denotam os eventos térmicos ocorridos, como transformações de fases, reações químicas, entre outros [12[12] MOTHÉ, C.G., AZEVEDO, A.D., Análise térmica de materiais, São Paulo, IEDITORA, 2002.]; na Tabela 2 tem-se um resumo de todas as temperaturas encontradas.

Figura 1
Curva originária obtida via análise térmica de calorimetria diferencial de varredura (DSC) (a) e curva da fração líquida versus temperatura (b).
Tabela 2
Resumo das temperaturas encontradas via análise térmica de calorimetria diferencial de varredura (DSC).

3.2. Caracterização microestrutural

Nas Figuras 2 e 3, são apresentadas as micrografias via metalografia convencional e via metalografia colorida da liga A332 na condição fundida (como recebida) e tratada termicamente para as frações sólidas de 77%, 67% e 52% nos tempos de 0 s, 30 s e 90 s. A caracterização via metalografia colorida mostra a morfologia, a extensão e o tamanho do grão, enquanto a metalografia convencional permite a análise da fase secundária no entorno dos grãos e entre os ramos dendríticos.

Figura 2
Metalografia convencional da liga A332 para a condição fundida (a) e tratada termicamente para 77%fs -562 °C (b, c, d), 67%fs - 567 °C (e, f, g) e 52%fs -572 °C (h, i, j) em diferentes tempos de tratamento.
Figura 3
Metalografia colorida da liga A332 para a condição fundida (a) e tratada termicamente para 77%fs - 562 °C (b, c, d), 67%fs - 567 °C (e, f, g) e 52%fs - 572 °C (h, i, j) em diferentes tempos de tratamento.

Observa-se na Figura 2(a) que a condição fundida (como recebida) apresenta uma microestrutura tipicamente dendrítica e grosseira, com tamanho médio de espaçamento dendrítico secundário de 35 μm [15[15] ZOQUI, E.J., NALDI, M.A., “Evaluation of the thixoformability of the A332 Alloy (Al-9.5wt%Si-2.5wt%Cu)”, Journal of Materials Science, v. 46, n. 23, pp. 7558–7566, 2011. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s10853-011-5730-2.
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]. Observa-se na Figura 2 (via metalografia convencional) que com o aumento da temperatura de aquecimento no estado semissólido (temperatura de trabalho) ocorre alteração da morfologia da fase eutética para o entorno dos grãos, conforme visto na Figura 2(g). Na Figura 2 observa-se uma alteração na morfologia da liga apresentando-se em formato de roseta (principalmente para os maiores tempos de tratamento), ocorrendo aumento no tamanho durante a manutenção do material à faixa semissólida, sendo o principal mecanismo para essa alteração o fenômeno de ostwald ripening (dissolução de ramos menores, incorporação de soluto nos ramos maiores e difusão de soluto no líquido, tendo como resultado uma redução do número de ramos dendríticos e o aumento da distância entre eles) seguido pela coalescência, ambos dependentes do tempo de permanência da liga à temperatura de tratamento térmico e na Figura 3 observa-se em sua grande maioria uma estrutura dendrítica grosseira com grãos irregulares com elevado tamanho de grão principalmente para a menor fração sólida. Observa-se que os tempos curtos de tratamento térmico de reaquecimento (de até 30 s) apresentaram maior eficácia em relação ao tamanho médio dos glóbulos primários/grãos, apresentando tendência em produzir menores valores; já amostras tratadas termicamente durante 90 s apresentaram tendência em manter os maiores valores de tamanho de glóbulos primários/grãos, devido à forte intensidade do mecanismo de coalescência durante o tempo excessivo de tratamento térmico [6[6] FLEMINGS, M.C., “Behavior of metal alloys in the semi-solid state”, Metallurgical Transactions A, Physical Metallurgy and Materials Science, v. 22, n. 5, pp. 957–981, 1991. doi: http://dx.doi.org/10.1007/BF02661090.
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, 16[16] KIRKWOOD, D.H., SUÉRY, M., KAPRANOS, P., et al., “Semisolid processing of alloys”, Springer Series in Materials Science, v. 124, pp. 1–172, 2010., 17[17] KIM, H.S., STONE, I.C., CANTOR, B., “Microstructural evolution in semi-solid AA7034”, Journal of Materials Science, v. 43, n. 4, pp. 1292–1304, 2008. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s10853-007-2151-3.
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].

O sistema de analise de imagens utilizando luz polarizada (metalografia colorida) se mostrou eficiente para se determinar o tamanho de grão da liga. De acordo com conceitos metalúrgicos, cada grão se difere de outro devido a diferentes orientações cristalográficas, assim, sob luz polarizada, grãos diferentes apresentam colorações diferentes. Este fenômeno facilita a diferenciação de grãos que sejam vizinhos e que podem ser equivocadamente confundidos com um só. Desta forma tem-se que para uma análise precisa da tixoconformabilidade de ligas metálicas, a importância não apenas da caracterização via metalografia convencional, mas também da caracterização via metalografia colorida, tendo em vista que ambas as práticas expõem ópticas diferentes e complementares na direção de um melhor entendimento acerca destes processos [18[18] TORRES, L.V., “Caracterização metalúrgica de ligas semissólidas: metalografia convencional versus metalografia colorida”, In: Filho, R.P., Franco, G. (eds), Pesquisa em foco: educação - ciência - tecnologia - ambiente - sociedade, Salto, FoxTablet, 2019.]. Na Tabela 3 são apresentados os tamanhos médios de glóbulos primários e de grãos. Vale ressaltar que os altos valores de desvios-padrão encontrados são perfeitamente cabíveis neste cenário de ligas de fundição, onde se tem grande heterogeneidade entre as partículas.

Tabela 3
Caracterização microestrutural e de viscosidade aparente média da liga A332 para cada condição de ensaio.

3.3. Caracterização da viscosidade aparente

SPENCER et al. [5[5] SPENCER, D.B., MEHRABIAN, R., FLEMINGS, M.C., “Rheological behavior of Sn-15%Pb in the crystallization range”, Metallurgical Transactions, v. 3, n. 7, pp. 1925–1932, 1972. doi: http://dx.doi.org/10.1007/BF02642580.
https://doi.org/10.1007/BF02642580...
] descobriram que ligas metálicas no estado semissólido, cuja microestrutura compõe-se por partículas sólidas globulares envoltas por líquido apresentam comportamento reológico semelhante à manteiga, ketchup, mel e certos tipos de tintas (materiais tixotrópicos), ou seja, sua viscosidade é dependente da taxa de cisalhamento e do tempo [7[7] ATKINSON, H.V., “Modeling the semi-solid processing of metallic alloys”, Progress in Materials Science, v. 50, n. 3, pp. 341–412, 2005. doi: http://dx.doi.org/10.1016/j.pmatsci.2004.04.003.
https://doi.org/10.1016/j.pmatsci.2004.0...
, 19[19] BENATI, D.M., “Avaliação da tixoconformabilidade de ligas Al-Xwt%Si-2,5wt%Cu-0,5wt%Mg”, Dissertação de M.Sc., FEM/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil, 2008.]. Assim, a caracterização da viscosidade em materiais no estado semissólido é essencial para o estudo de seu comportamento reológico quando estes são submetidos a tensões de compressão, base de todos os processos de tixoconformação. Observa-se que todas as condições de ensaios propostas apresentaram valores de viscosidade aparente média entre 105 a 106 Pa.s e, conforme indicado pela literatura, materiais que possuem estes valores de viscosidade aparente apresentam comportamento similar ao do vidro fundido e demonstram alta conformabilidade [6[6] FLEMINGS, M.C., “Behavior of metal alloys in the semi-solid state”, Metallurgical Transactions A, Physical Metallurgy and Materials Science, v. 22, n. 5, pp. 957–981, 1991. doi: http://dx.doi.org/10.1007/BF02661090.
https://doi.org/10.1007/BF02661090...
].

De maneira geral, se vê claramente na Tabela 3 uma queda gradativa nos valores de viscosidade aparente para os maiores tempos de tratamento térmico, bem como quedas, em relação à diminuição da fração sólida. Isso deve principalmente ao fato de que com o aumento do tempo de tratamento se tem uma maior globularização, como também ao fato de que para a condição de 0 s de tempo de tratamento térmico, há fortes ligações existentes na microestrutura e consequentemente à não existência do tempo de tratamento, por isso apresentando os maiores valores de viscosidade aparente média. A liga com 77% de fração sólida apresenta valores de viscosidade aparente superiores à liga com fração sólida de 67% e 52%, isso se explica pela maior presença de fase sólida na estrutura da liga e, consequentemente, maior resistência ao escoamento, já que a deformação da fase sólida demanda de maior energia que a deformação da fase líquida. Como esperado, pode-se observar que em temperaturas mais altas, tensões mais baixas são necessárias para deformar a estrutura reduzindo consequentemente sua viscosidade aparente, devido à interação do líquido (fase eutética) com a matriz de alumínio, diminuindo a tensão necessária para deformar o material, ou seja, a presença da fase eutética excessiva na pasta viscosa serve de lubrificante para o escoamento das partículas sólidas de fase primária [20[20] DE PAULA, L.C., “Otimização do refino de grão, via tratamento por ultrassom da liga de alumínio 355 para tixoconformação”, Tese de D.Sc., FEM/UNICAMP, Campinas, São Paulo, 2018.]. Em estudo recente [21[21] TORRES, L.V., NALDI, M.A., ZOQUI, E.J., “Thixoforging of 332 aluminum alloy in a mechanical eccentric press”, Journal of Materials Science, v. 56, n. 19, pp. 11541–11556, 2021. doi: http://dx.doi.org/10.1007/s10853-021-06024-8.
https://doi.org/10.1007/s10853-021-06024...
], a liga apresentou resultados satisfatórios em relação às propriedades mecânicas, principalmente quando utilizada a fração sólida de 52% com tensão de escoamento de 151 MPa, resistência à tração de 233 MPa e alongamento de 0,6; estes resultados podem ser considerados excelentes, dado que nenhum processamento prévio do material foi executado.

4. CONCLUSÖES

As microestruturas apresentaram crescimento e modificação da morfologia das partículas de sólido primário durante o tratamento térmico de globularização, sendo os efeitos de ostwald ripening e coalescência, dependentes do tempo de permanência da liga a altas temperaturas, os responsáveis por tais fenômenos. A fração sólida e os tempos de tratamento apresentam influência significativa na morfologia dos glóbulos primários/grãos, de modo que quanto maior a fração sólida menor a quantidade de fase eutética presente no material. Por meio dos valores obtidos de viscosidade aparente média, a liga apresenta grande potencial para ser utilizada como matéria-prima nos processos de tixoconformação, devido aos seus baixos valores em torno de 105 Pa.s, principalmente para a condição de 52% de fração sólida.

5. AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem ao Departamento de Engenharia de Manufatura e Materiais da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas - DEMM/FEM/UNICAMP e ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo - IFSP, campus Bragança Paulista, pelo apoio prático.

6. BIBLIOGRAFIA

  • [1]
    ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DO ALUMÍNIO, http://www.abal.org.br, acessado em dezembro de 2020.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2024
  • Aceito
    08 Mar 2024
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