CARGA MENTAL DE TRABALHO E O APOIO SOCIAL EM TRABALHADORES DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE

RESUMO

Objetivo:

analisar a relação entre a carga mental de trabalho e o apoio social em trabalhadores da atenção primária à saúde.

Método:

trata-se da pesquisa transversal quantitativa com profissionais de saúde da Atenção Primária à Saúde do Rio Grande do Sul, Brasil. Os dados foram coletados online entre julho de 2021 e abril de 2022, por meio dos seguintes instrumentos: questionário com informações sociodemográficas, laborais e perfil de saúde; Job Stress Scale; e Escala Subjetiva de Carga Mental no Trabalho. Analisaram-se os dados com estatística descritiva, correlação de Spearman, teste Qui-Quadrado ou Exato de Fischer (com significância estatística estabelecida em p<0,05) e consistência interna usando o coeficiente Alpha de Cronbach.

Resultados:

maior contigente de trabalhadores apresentou carga mental de trabalho adequada (48,7%) e houve prevalência de baixo apoio social (57,6%). A carga mental teve associação significativa com o ter tempo para lazer (p<0,001) e satisfação com o trabalho (p=0,028). Ainda, satisfação com o trabalho obteve relação significativa com apoio social (p<0,001). Ademais, apoio social teve correlações negativas e significativas com a carga mental nas dimensões consequências para a saúde (r=-0,377; p<0,001) e as características do trabalho (r=-0,192; p=0,008).

Conclusão:

os trabalhadores com alta carga mental têm menor percepção de apoio social, o que pode repercutir na saúde, considerando as características do trabalho. Ainda, os aspectos da satisfação e as atividades de lazer deveriam ser promovidos como forma de promoção de qualidade de vida no trabalho.

DESCRITORES:
Atenção primária à saúde; Apoio social; Carga mental de trabalho; Pessoal de saúde; Trabalho

ABSTRACT

Objective:

To analyze the relationship between mental workload and social support in Primary Health Care workers.

Method:

This is a quantitative cross-sectional survey with healthcare professionals from Primary Health Care in Rio Grande do Sul, Brazil. Data were collected online between July 2021 and April 2022, using the questionnaire with sociodemographic, employment and healthcare profile information; Job Stress Scale; and Subjective Mental Workload Scale. Data were analyzed with descriptive statistics, Spearman’s correlation, chi-square or Fischer’s exact test (with statistical significance established at p<0.05) and internal consistency using Cronbach’s alpha coefficient.

Results:

The largest group of workers had an adequate mental workload (48.7%) and there was a prevalence of low social support (57.6%). Mental load had a significant association with having time for leisure (p<0.001) and satisfaction with work (p=0.028). Furthermore, satisfaction with work had a significant relationship with social support (p<0.001). Furthermore, social support had negative and significant correlations with mental load in the health consequences (r=-0.377; p<0.001) and work characteristics (r=-0.192; p=0.008) dimensions.

Conclusion:

Workers with a high mental workload have a lower perception of social support, which may have an impact on their health, considering work characteristics. Furthermore, aspects of satisfaction and leisure activities should be promoted as a way of promoting quality of life at work.

DESCRIPTORS:
Primary Health Care; Social Support; Mental Workload; Health Personnel; Work

RESUMEN

Objetivo:

Analizar la relación entre carga de trabajo mental y apoyo social en trabajadores de atención primaria de salud.

Método:

Se trata de una encuesta cuantitativa transversal con profesionales de la salud de la Atención Primaria de Salud de Rio Grande do Sul, Brasil. Los datos se recopilaron en línea entre julio de 2021 y abril de 2022 a través de un cuestionario con información del perfil sociodemográfico, laboral y de salud, Job Stress Scale y Escala de Carga Mental Subjetiva en el Trabajo. Los datos fueron analizados con estadística descriptiva, correlación de Spearman, chi-cuadrado o prueba exacta de Fischer (con significación estadística establecida en p<0,05) y consistencia interna mediante el coeficiente alfa de Cronbach.

Resultados:

Un grupo mayor de trabajadores tenía una carga de trabajo mental adecuada (48,7%) y prevalecía un bajo apoyo social (57,6%). La carga mental tuvo asociación significativa con tener tiempo para ocio (p<0,001) y satisfacción con el trabajo (p=0,028). Además, la satisfacción con el trabajo tuvo una relación significativa con el apoyo social (p<0,001). Además, el apoyo social tuvo correlaciones negativas y significativas con la carga mental en las dimensiones consecuencias para la salud (r=-0,377; p<0,001) y características laborales (r=-0,192; p=0,008).

Conclusión:

Los trabajadores con alta carga mental de trabajo tienen una menor percepción de apoyo social, lo que puede repercutir en su salud, considerando las características del trabajo. Además, se deben potenciar aspectos de satisfacción y actividades de ocio como forma de promover la calidad de vida en el trabajo.

DESCRIPTORES:
Atención Primaria de Salud; Apoyo Social; Carga de Trabajo Mental; Personal de Salud; Trabajo

INTRODUÇÃO

A Atenção Primária à Saúde (APS) como nível primário do sistema de atenção à saúde consiste em uma estratégia consolidada e eficaz em seu modo de organizar e fazer funcionar a porta de entrada do sistema, com ênfase na função integral e resolutiva desses serviços sobre os problemas mais frequentes de saúde1. Assim, em algumas circunstâncias, os trabalhadores na APS enfrentam riscos e sofrem com as influências do processo de trabalho, tornando-os sujeitos aos desgastes físicos, mentais e às condições desfavoráveis que colocam em risco a sua saúde devido à interação com seu ambiente de trabalho2.

Concernente ao trabalho dos profissionais da APS, em virtude da peculiaridade da situação de saúde dos usuários e da comunidade, pode configurar-se como um ambiente de tensões para as equipes da saúde3. Dessa forma, acredita-se que a saúde de trabalhadores pode ser vista mediante as relações dos indivíduos no trabalho, pois esta determina o sentimento de prazer ou de sofrimento, considerando as condições e a organização do trabalho2.

Nesse contexto, vale destacar a importância de proporcionar ambiente laboral adequado aos trabalhadores da APS. Fato que justifica a pertinência do estudo com ênfase na perspectiva dos trabalhadores sobre o impacto da sua saúde nesse âmbito, principalmente em relação à repercussão da Carga Mental de Trabalho (CMT) e do apoio social.

Assim, a CMT consiste em um construto multidimensional resultante da interação entre as demandas cognitivas de uma tarefa, características da pessoa e da situação. E dentre suas causas, estão as características da tarefa, o ritmo de trabalho, as funções a serem desempenhadas, o grau de autonomia e a interação interpessoal4^-5.

Um dos aspectos consideráveis de trabalhadores da APS está associado ao comprometimento com o trabalho territorial e com a saúde da população na comunidade. Entretanto, as características da tarefa, o tempo que esses trabalhadores dispõem para o trabalho, as demandas psicológicas, outros aspectos e seus efeitos nocivos à saúde configuram um ambiente psicossocial que pode gerar CMT, com tendências à sobrecarga ou à subcarga mental6. Logo, acredita-se que o baixo apoio social poderá potencializar ainda mais o desenvolvimento das consequências da CMT.

Assim, salienta-se que a saúde do trabalhador pode estar diretamente associada ao apoio institucional recebido por este no âmbito laboral, em que quanto maior o apoio, menor o estresse ocupacional, derivando em consequência do aperfeiçoamento da saúde mental, com o risco reduzido de desenvolver os problemas psicológicos7. Em contrapartida, o apoio social baixo possui relação intrínseca com perturbações no trabalho, pois este pode possibilitar o aumento do risco de pessoas serem acometidas por estresse e adoecimento2.

Apoio social compreende o nível de interação social presente no trabalho, confiança no grupo, auxílio no desenvolvimento de tarefas por parte de colegas e supervisores no contexto das organizações8. Além disso, o apoio associa-se aos aspectos das relações sociais que conferem um fator decisivo nas vivências de satisfação, sucesso no trabalho, além de um efeito sobre a saúde física e psicológica das pessoas1. Logo, ele se apresenta como um recurso importante no processo de enfrentamento das situações adversas1.

É importante dar atenção a quem executa o trabalho, levando em consideração a forma como realiza, condições nas quais esse trabalho é executado, considerando os diversos contextos histórico-sociais9. Dessa forma, o desenvolvimento deste estudo pode possibilitar o conhecimento dos fatos associados à CMT e sua relação com o apoio social.

Portanto, questiona-se: qual a relação entre a carga mental de trabalho e o apoio social entre trabalhadores de atenção primária à saúde? A partir disso, a pesquisa objetivou analisar a relação entre a carga mental de trabalho e o apoio social em trabalhadores da atenção primária à saúde.

MÉTODO

Trata-se de um estudo transversal de abordagem quantitativa, norteado pela ferramenta Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE).

O estudo foi realizado na Atenção Primária à Saúde (APS), com os trabalhadores de saúde das unidades da APS e ESF dos 33 munícipios da 4ª Coordenadoria Regional da Saúde (CRS) cuja sede se encontra na cidade de Santa Maria/RS, abrangendo os munícipios do centro-oeste do Rio Grande do Sul. Também foram incluídos trabalhadores de saúde da cidade Ijuí, situada na região noroeste do estado de Rio Grande do Sul, que possui 06 APS e 15 ESF10. Essas regiões foram incluídas por conveniência, em razão da rede de pesquisa dos integrantes envolvidos no projeto.

Como trabalhadores da saúde: enfermeiros, médicos, odontólogos, técnicos de enfermagem, auxiliares de enfermagem, técnicos de odontologia, auxiliar de consultório dentário, agente comunitário de saúde (ACS), administrativo (auxiliar de escritório, secretário, recepcionista, almoxarifado) e outros que atuam na APS (nutricionistas, fonoaudióloga, psicóloga, assistentes sociais, farmacêuticos, agente de vigilância em saúde).

Como critério de elegibilidade dos participantes, adotou-se a inclusão de todos os trabalhadores da atenção primária dos municípios que compõem a atenção primária da 4ª CRS e da cidade de Ijuí, que prestam assistência aos usuários. Excluíram-se os trabalhadores afastados do trabalho por qualquer motivo no período da coleta de dados.

Considerou-se o tamanho da amostra mínima calculada com base no número de itens dos instrumentos utilizados e uma população finita de 2.460 trabalhadores. Com base no cálculo de equação estrutural, com o erro amostral de até 10%, a amostra mínima foi de 128 participantes. Esse procedimento garante amostra representativa da população de modo a minimizar e controlar possíveis vieses de seleção, oportunizando a todos os trabalhadores alvo da pesquisa terem a mesma chance de participar do estudo.

A coleta de dados ocorreu no período de julho de 2021 a abril de 2022, por meio de preenchimento voluntário dos instrumentos mediante formulário online disponibilizado no Google Forms, acompanhado pelo Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Antes de iniciar a pesquisa, obtivemos a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa e a autorização das secretarias municipais de saúde. Essa abordagem de coleta de dados foi adotada devido à situação de crise sanitária global pela pandemia de COVID-19, que impossibilitou a realização de pesquisas presenciais.

Para acessar os profissionais de saúde, estabeleceu-se contato por meio de telefonemas, e-mails e mensagens instantâneas por aplicativo. Essas informações foram fornecidas pelas secretarias municipais de saúde dos respectivos municípios. A partir dessas interações, informaram-se o propósito da pesquisa e a sua relevância. Todas as unidades participantes foram contatadas de forma persistente, sem limite no número de tentativas.

Para caracterização da amostra, utilizou-se o Questionário de caracterização sociodemográfico, laboral e perfil de saúde, contendo as variáveis referentes ao sexo, idade, situação conjugal, filhos, número de filhos, cargo, maior formação completa (escolaridade), tempo de formação, tempo de atuação na instituição, setor (unidade), tempo de trabalho na atual unidade, se possui outro vínculo empregatício, sentir-se satisfeito com o trabalho, intenção de deixar o trabalho, realização de atividade física e tempo para lazer.

A Job Stress Scale (JSS) - Modelo Demanda-Controle e Apoio social foi utilizada para avaliar o apoio social. JSS originalmente elaborada por Karasek11, com adaptação de versão reduzida12, posteriormente traduzida e adaptada para o português13. A JSS é composta de 17 itens e tem como objetivo avaliar o estresse no ambiente laboral. Neste estudo, utilizaram-se somente as questões da dimensão apoio social: itens 12, 13, 14, 15, 16 e 17, avaliados por escala tipo Likert de 4 pontos que variam de “Discordo totalmente (1)”, “Discordo mais que concordo (2)”, “Concordo mais que discordo (3)” e “Concordo totalmente (4)”. O coeficiente Alpha de Cronbach para esta dimensão alcançado neste estudo foi de 0,82.

A Escala Subjetiva de Carga mental de trabalho (ESCAM), desenvolvida por Rolo, Diaz e Hernandez na Espanha, é uma escala multidimensional para avaliar a CMT14. A versão utilizada nesta pesquisa foi a que teve validação de conteúdo pela Cerdótes, para o português do Brasil, para avaliar a CMT em trabalhadores da APS15. Essa versão contém 20 itens, distribuídos em 5 dimensões, sendo elas: Demandas cognitivas e complexidade da tarefa; Características da tarefa; Organização temporal; Ritmo de trabalho; Consequências para a saúde. Todas as dimensões contendo escala do tipo Likert (1-5). O coeficiente Alpha de Cronbach de ESCAM alcançado neste estudo foi de 0,65.

Quanto à análise, os dados foram gerados em uma planilha do Microsoft Excel, versão 7.0, e transportados para análise estatística no Statistical Package for Social Science (SPSS), versão 21.0. As variáveis qualitativas foram descritas por meio da frequência absoluta (n) e relativa (%). As variáveis quantitativas pelas medidas de posição média, mediana e de dispersão e intervalo interquartílico.

A correlação entre as variáveis quantitativas foi realizada de acordo com o Coeficiente de Correlação de Spearman, quando os dados se mostraram assimétricos pelo Teste de Kolmogorov-Smirnov. Em relação à verificação da associação entre níveis de apoio social, CMT e variáveis qualitativas sociodemográficas, laborais e perfil de saúde de trabalhadores, utilizou-se o teste Qui-Quadrado ou Exato de Fischer. Os trabalhadores foram analisados em dois grupos, a partir da escolaridade: nível médio e nível superior, para a generalização dos resultados.

Para todas as associações estatisticamente significativas, levou-se em conta o nível de significância de 5%, ou seja, quando o p valor fosse menor que 0,05. Para a análise da consistência interna, utilizou-se teste de Alpha de Cronbach.

Em relação ao nível de CMT, obtiveram-se os pontos de corte para cada dimensão por meio de percentis (25 e 75), sendo considerada CMT alta (sobrecarga) valores que superam o percentil 75; CMT adequada/equilibrada, aqueles valores intermediários ao percentil 25 e 75; CMT baixa (subcarga), valores inferiores ao percentil 2514. Anteriormente, realizou-se a soma das pontuações de resposta obtidas nos itens de cada dimensão; em seguida, dividiu-se por número de itens que compõem cada dimensão da ESCAM.

Quanto à dicotomização de apoio social, utilizou-se a mediana, na qual o escore do apoio social foi de 6 a 24 pontos, em que quanto maior o escore, maior o apoio social do profissional em seu ambiente laboral13. Considerou-se o alto apoio social para pontuação igual ou superior à mediana e baixo apoio para pontuação inferior à mediana (19).

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, considerando os aspectos éticos e legais da pesquisa envolvendo seres humanos sob as normas da Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012 do Conselho Nacional de Saúde.

RESULTADOS

Da amostra de 191 trabalhadores de saúde da APS, estes estavam distribuídos nos cargos de ACSs (33,5%), enfermeiros (25,7%), técnicos de enfermagem (13,6%), médicos (7,9%), administrativo (6,3%), odontólogos (3,7%), auxiliar de consultório dentário (1,6%), outros (7,9%). Houve predomínio na amostra de estudo para o cargo ACSs, seguidos de enfermeiros. Os dados evidenciaram que a grande parte de trabalhadores corresponde ao sexo feminino (89,0%), com companheiro (80,1%), filhos (74,3%) e com a média de idade de 43 anos. Maior formação completa prevalente foi a pós-graduação (35,6%), seguida de ensino fundamental ou médio (35,1%).

Concernente às variáveis laborais, houve predomínio dos profissionais que não possuem outro vínculo empregatício (85,9%), satisfeitos ou muito satisfeitos com o trabalho (77,5%) e sem intenção de deixar o trabalho (82,2%). Sobre a variável perfil de saúde, a maioria não pratica exercício físico (55,0%) e tem tempo para lazer (49,2%).

Quanto ao tempo de formação, verifica-se que a mediana foi de 8 anos. Referente ao tempo de trabalho na APS e na unidade, a média foi, respectivamente, de 12 anos e 6 anos.

Em relação aos níveis de CMT por dimensões da ESCAM e nível da Carga Mental de Trabalho Global (CMTG) dos trabalhadores, identificou-se maior contingente de trabalhadores com o nível de CMTG adequada (48,7%). Por dimensões, verificou-se que, para as demandas cognitivas e complexidade de trabalho, características de trabalho, ritmo de trabalho e consequências para a saúde, maior percentual de trabalhadores se encontra, respectivamente, com CMT adequada: 46,1%, 42,4%, 44,0% e 49,2%. Já para a dimensão organização do tempo, houve prevalência de trabalhadores de saúde com a subcarga mental de trabalho, 42,9% (Figura 1).

Figura 1 -
Distribuição de trabalhadores de saúde da Atenção Primária à Saúde segundo o nível de Carga mental de trabalho global e as dimensões da ESCAM. Santa Maria, RS, Brasil. 2022 (n=191).

Conforme a Tabela 1, observa-se a associação estatisticamente significativa entre o ter tempo para lazer e a CMTG adequada (p<0,001). Outras associações verificadas foram entre o cargo (trabalhadores de nível superior) e CMTG adequada (p=0,001) e entre estar satisfeito ou muito satisfeito com o trabalho e CMTG adequada (p=0,028).

Tabela 1
Associação entre a carga mental de trabalho e variável sociodemográfico, laboral e de saúde de profissionais de saúde da Atenção Primária à Saúde. Santa Maria, RS, Brasil. 2022 (n=191).

Variável	Carga mental de trabalho global (CMTG)						*p
	Subcarga		Adequada		Sobrecarga
	n	%	n	%	n	%
Sexo
Feminino	41	24,1	83	48,8	46	27,1	0,270
Masculino	8	38,1	10	47,6	3	14,3
Situação conjugal
Com companheiro	36	23,5	75	49,0	42	27,5	0,311
Sem companheiro	13	34,2	18	47,4	7	18,4
Filhos
Sim	39	27,5	66	46,5	37	26,1	0,522
Não	10	20,4	27	55,1	12	24,5
Maior formação completa
Ensino fundamental ou médio	22	32,8	34	50,7	11	16,4	0,089
Graduação	16	28,6	24	42,9	16	28,6
Pós-graduação	11	16,2	35	51,5	22	32,4
Cargo
Trabalhadores de nível superior	13	15,1	42	48,8	31	36,0	0,001
Trabalhadores de nível médio	36	34,3	51	48,6	18	17,1
Tipo de unidade
Unidade Básica de Saúde	11	19,6	25	44,6	20	35,7	0,105
Estratégia Saúde da Família	38	28,1	68	50,4	29	21,5
Outro vínculo empregatício
Sim	6	22,2	13	48,1	8	29,6	0844
Não	43	26,2	80	48,8	41	25,0
Intenção de deixar o trabalho
Sim	4	11,8	19	55,9	11	32,4	0,118
Não	45	28,7	74	47,1	38	24,2
Satisfação no trabalho
Insatisfeito ou neutro	6	14,0	20	46,5	17	39,5	0,028
Satisfeito ou muito satisfeito	43	29,1	73	49,3	32	21,6
Prática de atividade física
Sim	24	27,9	44	51,2	18	20,9	0,393
Não	25	23,8	49	46,7	31	29,5
Quantidade de exercício físico (n=86)
1 e 2 vezes	12	30,0	21	52,5	7	17,5	0,669
3 e 4 vezes	9	24,3	19	51,4	9	24,3
5 ou mais	3	33,3	4	44,4	2	22,2
Tempo para lazer
Sim	30	31,9	54	57,4	10	10,6	0,000
Não	3	25,0	3	25,0	6	50,0
Às vezes	16	18,8	36	42,4	33	38,8

• *p=Qui-Quadrado de Pearson.

Quanto ao nível de apoio social, houve predominância de trabalhadores com nível baixo de apoio social, 57,6%. Ademais, 42,41% com apoio alto.

Segundo a Tabela 2, evidenciou-se que houve associação estatisticamente significativa entre maior formação completa (pós-graduação) e apoio social baixo (p=0,012). Satisfação com o trabalho obteve associação estatisticamente significativa com o apoio social (p<0,001), pois os trabalhadores insatisfeitos/neutros se encontram com baixo apoio social (90,7%).

Tabela 2
Associação entre apoio social e variável sociodemográfica, laboral e de saúde de profissionais de saúde da Atenção Primária à Saúde. Santa Maria, RS, Brasil, 2022. (n=191).

Variável	Apoio social				p*
	Baixo		Alto
	n	%	n	%
Sexo
Feminino	101	59,4	69	40,6	0,148
Masculino	09	42,9	12	57,1
Situação conjugal
Com companheiro	92	60,1	61	39,9	0,154
Sem companheiro	18	47,4	20	52,6
Filhos
Sim	81	57,0	61	43,0	0,794
Não	29	59,2	20	40,8
Maior formação completa
Ensino fundamental ou médio	43	64,2	24	35,8	0,012
Graduação	23	41,1	33	58,9
Pós-graduação	44	64,7	24	35,3
Cargo
Trabalhadores de nível superior	48	55,8	38	44,2	0,653
Trabalhadores de nível médio	62	59,0	43	41,0
Tipo de unidade
Unidade Básica de Saúde	32	57,1	24	42,9	0,936
Estratégia Saúde da Família	78	57,8	57	42,2
Outro vínculo empregatício
Sim	17	63,0	10	37,0	0,542
Não	93	56,7	71	43,3
Intenção de deixar o trabalho
Sim	22	64,7	12	35,3	0,355
Não	88	56,1	69	43,9
Satisfação no trabalho
Insatisfeito ou neutro	39	90,7	4	9,3	0,000†
Satisfeito ou muito satisfeito	71	48,0	77	52,0
Prática de atividade física
Sim	45	52,3	41	47,7	0,183
Não	65	61,9	40	38,1
Quantidade de exercício físico (n=86)
1 e 2 vezes	21	52,5	19	47,5	0,451
3 e 4 vezes	21	56,8	16	43,2
5 ou mais vezes	03	33,3	06	66,7
Tempo de lazer
Sim	47	50,0	47	50,0	0,100
Não	07	58,3	05	41,7
Às vezes	56	65,9	29	34,1

• *p = Qui-Quadrado de Pearson.
• ^†
  Teste Exato de Fischer.

Com relação à CMT e Apoio Social, analisando as correlações, observou-se que o apoio social não se correlaciona com a dimensão Demanda Cognitiva e Complexidade do Trabalho (p > 0,05). Quanto às demais dimensões da Carga Mental de Trabalho, identificaram-se correlações negativas e significativas, ou seja, quanto maior o apoio social, menor a carga mental dos indivíduos pesquisados (r = -0,2687). Dentre as correlações significativas, destacam-se as dimensões Consequências para a Saúde (r = -0,3771; p<0,001) e as Características do Trabalho (r = -0,1916; p=0,008) (Tabela 3).

Tabela 3 -
Correlação entre apoio social e carga mental de trabalho em trabalhadores de saúde da Atenção Primária à Saúde. Santa Maria, RS, Brasil, 2022. (n=191).

Dimensões da Escala Subjetiva de Carga Mental de Trabalho	Apoio social
	r	p*
Demandas cognitivas e complexidade do trabalho	-0,0347	0,634
Características do trabalho	-0,1916	0,008
Organização do tempo	-0,1667	0,021
Ritmo de trabalho	-0,1435	0,048
Consequências para a saúde	-0,3771	0,000
CMTG	-0,2687	0,000

• * Teste de correlação de Spearman

DISCUSSÃO

Diante da carga mental de trabalho global adequada evidenciada em trabalhadores de saúde da APS neste estudo, encontrou-se na literatura o resultado que diverge com o achado desta investigação, em que a percepção do nível de CMTG dos trabalhadores de saúde de APS chilena mostrou-se com nível alto de carga mental6.

Dessa forma, destaca-se que, para que o trabalho seja gerador de saúde e bem-estar, os trabalhadores precisam estar expostos à exigência mental apropriada, de modo que possam desenvolver estímulos para o aquecimento e ativação, condições que fornecem ao trabalhador a oportunidade de uso de menor esforço para execução das tarefas e manutenção da energia visando à promoção da saúde, aprendizado, conhecimentos e experiências5.

Por outro lado, ressalta-se que o desequilíbrio das demandas das tarefas, as capacidades e as características do trabalhador, ou seja, da CMT tanto por subcarga quanto por sobrecarga mental, podem gerar a desestimulação ou frustração do trabalhador em seu ambiente laboral, ocasionando o aparecimento de agravos mentais e físicos5. Por esse motivo, reforça-se a relevância de manter a CMT adequada para garantir um âmbito laboral seguro6.

No tocante ao apoio social, os trabalhadores de saúde da APS participantes desta pesquisa apresentaram nível baixo de apoio social, achado semelhante foi verificado no estudo com profissionais de saúde chineses16. Além disso, uma pesquisa de corte transversal, com os trabalhadores da ESF, evidenciou baixo apoio social17. Assim, conforme os achados desta investigação, constatou-se a fragilidade na interação social entre os trabalhadores de saúde da APS nos seus espaços ocupacionais, fato que pode gerar diversas perturbações no estado psicológico dos que trabalham e, consequentemente, impactar negativamente a qualidade da assistência prestada. Além disso, o baixo nível de apoio social pode ocasionar problemas para a saúde do corpo e da mente, bem como favorecer o surgimento de efeitos deletérios para os profissionais e desequilibrando à saúde18.

Ainda, o baixo nível de apoio social pode ser um indicativo dos impactos da crise sanitária perante a pandemia de COVID-19 que estava sendo vivenciada no momento da coleta de dados. Sabe-se que muito da atenção dos gestores foi direcionada para o contexto hospitalar, e as unidades APS também tiveram dificuldades na adaptação a esse período seja pela restrição de atividades de atendimento à população ou implementação de novos protocolos, seja pelo afastamento de alguns trabalhadores por serem grupo de risco, aumentando, assim, a demanda para equipe. Esse contexto, consequentemente, pode ter resultado em menor nível de interação social dos trabalhadores com menor apoio. Adiciona-se a isso a frustração, o medo de uma doença desconhecida, acarretando a sobrecarga da equipe19.

Por outro lado, ressalta-se que o nível alto de apoio entre os colegas e chefes no espaço ocupacional pode fazer com que os profissionais se comprometam mais com a organização e atenuar a perda de produtividade16.

Neste estudo, verificou-se associação estatisticamente significativa entre maior formação completa e baixo apoio social. Infere-se que os profissionais com maior nível de escolaridade tendem a ocupar-se com as demandas de maior responsabilidade e, consequentemente, com maior exigência em virtude do grau acadêmico com um significativo embasamento e conhecimento técnico-científico em relação aos assuntos que envolvem cuidado integral e de qualidade aos usuários. Logo, isso pode gerar a percepção de menor apoio no seu trabalho, fato que representa um risco para problemas ocupacionais. Além do desenvolvimento de atividade laboral de modo individualizado e isolado para superar as demandas excessivas existentes, levando à diminuição da interação social17.

Evidenciou-se que os trabalhadores insatisfeitos/neutros encontraram-se com baixo apoio social. Felício destaca que fatores relacionados à insatisfação laboral, como a relação do trabalhador com seu supervisor e o conflito com a supervisão, podem ter repercussão emocional negativa na interação social, o que justifica a percepção de insatisfação profissional20.

Nesse sentido, salienta-se que a satisfação no trabalho representa um aspecto que pode impactar a saúde, na vida dos profissionais e no espaço ocupacional, contribuindo para o aumento da produtividade e eficiência, bem como a manutenção da saúde física e mental21. Logo, faz-se necessário o fortalecimento do relacionamento interpessoal no espaço laboral, uma vez que este pode atenuar o desgaste e favorecer a satisfação de profissionais no trabalho18.

Ainda neste estudo, os trabalhadores satisfeitos com o trabalho apresentam a CMTG adequada, indicando que, satisfeitos com suas funções no trabalho, têm probabilidade de perceber a carga mental apropriada. Dessa forma, tal resultado se aproxima do achado de estudo de Jiménez-Figueroa, Riquelme, realizado com trabalhadores de setor privado no Chile, no qual se verificou que quando os profissionais se sentem satisfeito com o seu trabalho isso reduz a sua sobrecarga mental, evitando, dessa forma, os problemas psicológicos, como a depressão, o estresse e outros22.

Ademais, este estudo revelou que os profissionais com tempo para lazer apresentam a CMTG adequada, havendo convergência com os dados obtidos por Flores, Bull e Gil, os quais identificaram que propor tempo para os trabalhadores repousarem pode auxiliar no aprimoramento do desempenho laboral e saúde do trabalhador23. Ainda, da mesma forma, salienta-se a relevância de oportunizar ao trabalhador fazer as pausas ou possibilidade deste alternar do serviço que exige demandas excessivas, visando à recuperação da fadiga gerada pelo tipo de função que desempenha. Logo, reforça-se que se deve dar ensejo ao profissional para usufruir das pausas livremente quando sinta necessidade5^,23. Além disso, o descanso adequado fora do trabalho para recuperação energética é fundamental para evitar a fadiga emocional24.

Referente à relação de CMT e apoio social, esta pesquisa identificou que quando os trabalhadores apresentam o apoio social alto tendem a perceber boa carga mental de trabalho nas dimensões características do trabalho e nas consequências para a saúde. Sabe-se que a questão de sobrecarga de trabalho e o excesso de demandas na APS é uma realidade, o que dificulta, inclusive, a efetivação dos princípios preconizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS)25.

Em virtude disso, oportunizar o apoio social alto aos trabalhadores pode auxiliá-los no enfrentamento do desgaste, além disso, preveni-los do adoecimento ou impactos negativos para a sua saúde13.

Logo, acredita-se que o esgotamento gerado pelo trabalho pode ser evitado pelo alto apoio social, uma vez que esse apoio foi apontado como característica ocupacional que confere a proteção contra os problemas psicológicos, pois pode atenuar a chance de o trabalhador desenvolver a depressão, servir de recurso capaz de promover o bem-estar mental individual e coletivo no ambiente de trabalho, além de ser potencial promovedor da transformação de sofrimento em prazer e bem-estar21^,18^,26.

Assim, Deng et al. destacam que as organizações de saúde devem dar ênfase à promoção de apoio social implementando ações com o propósito de incrementar as relações interpessoais de trabalhadores com seus colegas e supervisores, além de oferecer condições laborais e oportunidade para que os profissionais possam aperfeiçoar suas relações no trabalho e atenuar as adversidades ocupacionais27.

Quanto à limitação do estudo, em virtude de isolamento social devido à pandemia da Covid-19, a coleta de dados precisou ser adaptada para o modelo virtual, o que impossibilitou o contato presencial com os trabalhadores de saúde da APS, dificultando, assim, o engajamento e a sensibilização dos trabalhadores para participarem da pesquisa. Ainda que a amostra mínima tenha sido atingida, novos estudos poderão ampliar a amostra a fim de aprofundar a análise dos fatores associados à CMT e ao apoio social.

Espera-se que este estudo fomente outros pesquisadores quanto ao desenvolvimento de pesquisas com abordagem qualitativa visando aprofundar e compreender melhor subjetivamente os profissionais sobre aspectos relacionados a sua saúde encontrados no estudo.

CONCLUSÃO

Os profissionais de saúde que atuam na Atenção Primária à Saúde (APS) demonstraram uma carga mental de trabalho global adequada. No entanto, observou-se um baixo nível de apoio social em uma parte significativa desse grupo. Quando o apoio social é escasso, isso indica uma falta de interação social no ambiente de trabalho, o que pode criar um clima conflituoso e ter um impacto negativo na qualidade de vida e no bem-estar dos trabalhadores.

Diante disso, ressalta-se a importância de desenvolver estratégias de intervenção para melhorar a situação. Estas podem incluir a implementação de programas de longo prazo, a criação de grupos de apoio e a promoção de ações de educação continuada em saúde relacionadas ao desenvolvimento de habilidades interpessoais. Tais medidas visam elevar o nível de apoio social e promover um ambiente de trabalho mais seguro.

Ademais, cargo, satisfação no trabalho e tempo para lazer foram verificados como aspectos associados à carga mental em trabalhadores de saúde. Igualmente, a maior formação completa e a satisfação no trabalho estão associadas ao apoio social. Ainda, identificou-se a relação de apoio social com a CMT, de tal forma, que o apoio social foi o fator associado à carga mental em trabalhadores de saúde, repercutindo positivamente, quando se encontra alto, ou seja, impactando o equilíbrio da carga mental.

Os trabalhadores com alta carga mental têm menor percepção de apoio social, o que pode repercutir na saúde, considerando as características do trabalho. Ainda, os aspectos da satisfação e as atividades de lazer deveriam ser promovidos como forma de promoção de qualidade de vida no trabalho.

Este estudo pode contribuir para a construção de conhecimento em prol da saúde do trabalhador devido à existência de poucos estudos que avaliem apoio social e CMT concomitantemente no contexto da APS, já que outras escalas para carga mental validadas para o país mensuram com foco na ergonomia e para o setor da indústria com ênfase em linha de montagem.

AGRADECIMENTO

A todos os trabalhadores de saúde das unidades de APS participantes do presente estudo.

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NOTAS

• ORIGEM DO ARTIGO

  Artigo extraído da dissertação - Carga mental de trabalho e o apoio social em trabalhadores da atenção primária à saúde., apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Enfermagem, da Universidade Federal de Santa Maria, em 2023.

• FINANCIAMENTO

  Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), código de Financiamento 001.

• APROVAÇÃO DE COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA

  Aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Santa Maria, parecer n° 3.800.157, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética nº: 26859219.4.0000.5346.

Editado por

EDITORES

Editores Associados: Flavia Giron Camerini, Maria Lígia dos Reis Bellaguarda. Editor-chefe: Elisiane Lorenzini.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  24 Maio 2024
• Data do Fascículo
  2024

Histórico

• Recebido
  26 Set 2023
• Aceito
  06 Mar 2024