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Reflexões sobre uma carreira dedicada ao passado angolano. Entrevista com a historiadora Beatrix Heintze

Reflections on a career dedicated to the Angolan past. An interview with the historian Beatrix Heintze

Reflections sur une carrière dédiée au passé de l’Angola. Entretiens avec l’historienne Beatrix Heintze

Reflecciones acerca de una carrera dedicada ao pasado angolano. Entrevista con la historiadora Beatrix Heintze

Beatrix Heintze tem pesquisado e escrito sobre a história de Angola e dos povos bantos há mais de 40 anos. Suas publicações, entre livros, artigos, capítulos e edições, somam uma centena de títulos. No entanto, a historiadora não é tão conhecida entre os pesquisadores brasileiros quanto deveria, talvez, em parte, por muitos de seus textos não terem sido traduzidos para o português, vários dos quais permanecem em alemão. Beatrix Heintze desenvolveu sua carreira no prestigiado Instituto Frobenius (Frankfurt), tendo se aposentado em 2004, embora continue ativa como pesquisadora. A entrevista que se segue pretende contribuir para ampliar o conhecimento entre os pesquisadores lusófonos (particularmente os do Brasil) sobre a trajetória acadêmica e os trabalhos de uma das mais importantes pesquisadoras da história angolana do século XVI ao XIX.

1. Sua trajetória acadêmica começa como antropóloga, mas você tem contribuído imensamente para o conhecimento da história de Angola dos séculos XVI ao XIX. Como se deu sua aproximação com esse tema de pesquisa?

Já nos meus tempos de escola (até 1959) eu havia me interessado pela cultura e história dos índios da América do Norte, mas depois fui estudar na Universidade de Munique, onde lecionava Hermann Baumann, etnólogo e africanista, que fizera nome na etnologia alemã com a obra Völkerkunde von Afrika (Etnologia da África) (1940). O que ele esperava de mim - durante algum tempo nem quis me aceitar por eu ser mulher, temendo que mais tarde me casasse e acabasse por anular seus esforços - era que também eu viesse a me dedicar, no futuro, ao estudo da África. Como tínhamos de escolher três cadeiras, optei, para além de etnologia e estudos românicos (literatura francesa antiga e moderna), por história (mais tarde história antiga), que estudei desde o início do curso. Isso fez com que me familiarizasse desde cedo com o estudo das fontes e a metodologia da história.

Baumann (1902-1972) era naquele tempo, na Alemanha, o mais importante representante ainda vivo de uma metodologia histórico-cultural comparatista, em que também se centrava seu ensino da disciplina e que incluía o estudo de disciplinas afins, como história econômica, arqueologia e linguística. Em 1930, tinha feito pesquisa de campo junto dos chokwes em Angola e mais tarde também no sudoeste desse país. Foi mais por acaso que também eu acabei por me “especializar” na África central (inicialmente sobretudo no Zimbábue). Com Baumann, aprendi que, principalmente em nossa área científica, que frequentemente se baseia em fontes insuficientes, nunca existem respostas definitivas e que mesmo aquelas que pensamos ter descoberto têm de ser constantemente reanalisadas e revistas, mediante os resultados de pesquisas e perspectivas mais recentes. Desse modo, percebi muito cedo que o trabalho científico é um processo que nunca está definitivamente encerrado. Foi também Baumann que, no fim de meu curso, me indicou expressamente os arquivos portugueses (que ele próprio desconhecia) como fonte importante para a história da cultura africana. Outros fatores marcantes para meu percurso acadêmico foram a fundação da revista Journal of African History, subscrita na sequência de uma conferência feita por mim no Instituto de Munique, e sobretudo os trabalhos de Jan Vansina, ainda hoje fundamentais para minha pesquisa e com quem mantenho uma amizade pessoal.

Para minha tese de doutoramento, intitulada Besessenheitsphänomene im mittleren Bantugebiet (Fenômenos de possessão no território banto central) (1968, publicada em 1970), tinha aprendido português e, à época de minha primeira estada em Lisboa, tinha me dado conta de que quase não existiam trabalhos históricos ou etnológicos sobre a colônia portuguesa de Angola que obedecessem aos padrões da investigação “moderna”, como já se verificava em trabalhos sobre regiões africanas anglófonas ou francófonas. Além disso, Angola era e manteve-se ainda durante bastante tempo uma espécie de enteado da pesquisa internacional, e mais ainda na Alemanha. Como a vaga de investigadora no Instituto Frobenius (de etnologia) de Frankfurt am Main, que me fora oferecida antes mesmo de meu doutoramento, ainda se encontrava ocupada, tive a possibilidade ir para Lisboa alargar meus conhecimentos sobre Angola, com bolsas da Fundação Gulbenkian e posteriormente também da Deutsche Forschungsgemeinschaft.1 1 Isso aconteceu inicialmente nas bibliotecas portuguesas, como mostram as primeiras publicações baseadas nessa experiência. Ver, por exemplo, Heintze (1970, p. 159-186, 1972, p. 407-418, e 1974, p. 185-202). A partir de meados dos anos 1970, começaram a surgir estudos de minha autoria baseados em documentos de arquivo publicados (António Brásio) e não publicados, os mais importantes dos quais viriam a ser publicados muito mais tarde em Angola, em uma antologia em português (Heintze, 2007a).

Isso constituiu o ponto de viragem. Nos arquivos portugueses, constatei em primeiro lugar que, sobre Angola, existia um manancial incomensurável de fontes escritas (ainda não ou só deficientemente inventariadas) que remontava ao século XVI. Que essas fontes não eram, em sua maioria, de natureza etnográfica, mas sim administrativa. E, sobretudo, que Angola se constituíra, desde o século XVI, em uma escala para mim inimaginável, uma região exportadora de escravos para a América. Em Lisboa, vivi ainda os últimos anos da ditadura de Salazar, com a famigerada Pide {a secreta Polícia Internacional de Defesa do Estado, fundada em 1933}. Nesse tempo, o tráfico português de escravos constituía um tema absolutamente tabu.2 2 Cf. também a esse respeito:<http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/como-falar-de-escravatura-sem-ser- antiportugues-1708787>. Provavelmente, foi o fato de eu ser considerada apenas uma mera jovem licenciada sem currículo, que ninguém levava a sério, que me permitiu levar a cabo minha investigação sem obstáculos e ter acesso a todos os documentos requeridos (contrariamente ao que aconteceu a outro investigador estrangeiro cujo estudo se centrava no século XX). Na mesma altura, Basil Davidson, por exemplo, foi obrigado a regressar a seu país de origem imediatamente após sua chegada a Lisboa. Além disso, constatei que as publicações portuguesas existentes sobre Angola assumiam implícita ou explicitamente, quase sem exceção, a perspectiva da potência colonial, o que fazia com que, nelas, os africanos ficassem prejudicados. Essas constatações despertaram em mim a convicção de que não poderia continuar a fazer o tipo de trabalhos etnológicos da maneira como me haviam sido ensinados.

Primeiro, tinha de adquirir conhecimentos rigorosos sobre a história dos séculos mais remotos, após o que me propunha, tanto quanto possível, mediante as fontes existentes, escrever a história africana com especial ênfase nos aspectos etnológicos. Todas as disciplinas que estudei tinham me confrontado, de um modo ou de outro, com o questionamento dos fundamentos, acontecimentos e processos históricos. Perante a profundidade histórica que inesperadamente os tesouros dos arquivos me prometiam, tive a certeza de que minha investigação futura teria de ter uma orientação histórica. Nesse tempo, a etnologia alemã estava ainda fortemente amarrada ao “presente etnográfico”, ou seja, partia do princípio de que, contrariamente às “culturas escritas elevadas”, a cultura “tradicional” dos “indígenas” quase não sofria alterações, ou, quando muito, com grandes intervalos de tempo, pelo que geralmente se considerava legítimo aglomerar observações etnográficas provenientes de vários séculos para a descrição de uma cultura desse tipo. A obra pioneira Trade and conflict in Angola (1966), de David Birmingham, que só então descobri, bem como conversas com colegas estrangeiros que encontrei nos arquivos, sobretudo Joseph Miller e William Clarence-Smith, fortaleceu minha intenção de abandonar a etnologia histórico-cultural da velha escola, para a qual a crítica de fontes era um conceito desconhecido. Uma vez que na altura a investigação científica da história não europeia ainda não estava institucionalizada na Alemanha, tive de prosseguir meu caminho na etnologia alemã, ainda receptiva a essa área. Independentemente de meus desejos mais secretos, o sentimento dominante era a satisfação pela oferta da famigerada colocação efetiva, tão rara nessa disciplina.

Foi uma sorte ter podido dar continuidade a essa nova orientação em meu trabalho científico realizado no Instituto Frobenius em Frankfurt am Main (a partir de 1969), a par com as funções de chefe de redação e editora de todas as publicações do Instituto.3 3 Sobretudo da revista internacional Paideuma (26 anos), da série de monografias Studien zur Kulturkunde (v. 28-122) e da publicação Afrika-Archiv (4 v.) por mim fundada em 1995 e dedicada à edição de fontes. Contudo, decorreram ainda alguns anos antes que os primeiros resultados efetivos pudessem ser apresentados.4 4 Para mais pormenores, ver Heintze (2007b, p. 7-26).

2. Um dos temas mais controversos na historiografia sobre Angola consiste na afirmação ou negação da existência de um grupo de guerreiros chamados “Jagas”. Depois de os “Jagas” passarem por réquiens e ressurreições diversas, como você vê a questão hoje?

Eu segui naturalmente a acesa polêmica sobre os “Jagas” com atenção, mas nunca procurei explicar a origem dessa designação. A confusão verifica-se não só na controvérsia respeitante às fontes conhecidas, mas também na antiga utilização desse termo nas próprias fontes, confusão essa para a qual contribuíram de forma considerável os portugueses e os missionários italianos em Angola. O que hoje parece incontroverso é a existência de dois grupos que operavam em áreas geográficas distintas, designados nas fontes por “Jaga”, sem relação entre si: os “Jagas” de Angola e os “Jagas” mais antigos (de 1568) do Congo. Para a história do reino do Ndongo, em que se centrou minha atenção, só os primeiros são relevantes, existindo sobre eles numerosas referências e descrições nas fontes primárias e secundárias do século XVII. Tratava-se de uma casta de guerreiros multiétnica, não sedentária, que se autodenominava “Imbangola” (Imbangala/Mbangala) e que na viragem do século já se encontrava fragmentada em vários grupos, cujos chefes usavam o título de “Jagge” (Jaga; ver Ravenstei, 1901; Vansina, 2006VANSINA, Jan. How societies are born: governance in West Central Africa before 1600. Charlottesville: University of Virginia, 2006., p. 196-201; e 2007VANSINA, Jan. On Ravenstein’s edition of Battell’s adventures in Angola and Loango. History in Africa, n. 34, p. 321-347, 2007., p. 321-347). Os jovens guerreiros eram recrutados exclusivamente de entre as populações subjugadas, e sua coesão, assegurada por rituais sangrentos, uma violenta ideologia de guerra e treino militar.5 5 Sobre sua descrição, ver Giovanni Antonio Cavazzi de Montecuccolo (Missione evangelica, s.d., manuscrito na posse da família Araldi), Cavazzi (1965 {1687}), Gaeta (1669) e Miller (1976, cap. 8). Tinham vindo do sul e identificavam-se em especial com a região Sumbi, ou seja, nomeadamente com a região em redor de Benguela Velha (Porto Amboim), que atraía numerosos traficantes de escravos que pretendiam escapar ao controle e às taxas aduaneiras impostos pelos portugueses em Luanda. É, porém, muito provável que os portugueses de S. Felipe de Benguela, mais a sul, utilizassem a designação de “Jaga” (por exemplo, Lopo Soares Lasso) que lhes era familiar da região do Kwanza para estigmatizar os chefes revoltosos da vizinhança e do hinterland (Candido, 2013CANDIDO, Mariana P. Benguela: an African trading port and the atlantic world. Cambridge: CUP, 2013., p. 60, 317). Mas, para definir os grupos de “Jaga” nos arredores ou dentro do Ndongo, muito específicos, mais conhecidos pelos nomes de seus warlords, essa explicação não se aplica.

Esses grupos de “Jaga” eram tão bem-sucedidos na guerra e na captura, bem como no tráfico de escravos, que os portugueses (e a população Mbundu sedentária) se serviram deles repetidamente para conseguirem, por meio das armas, impor seus próprios objetivos, e os aceitaram como parceiros comerciais imprescindíveis. Isso apesar de considerarem bárbaros os rituais e as leis deles (por exemplo, matarem todos os filhos gerados por suas mulheres a fim de não porem em causa sua mobilidade). Essa colaboração deveu-se também ao fato de esses “Jagas” aceitarem grande parte do pagamento por seus serviços em vinho português ou das ilhas Canárias, cuja venda estava proibida nos mercados oficiais de escravos dos portugueses no interior. A nova política de agressão, adotada pouco tempo depois, na sequência da aliança firmada pelo governador português Luís Mendes de Vasconcelos (1617-1621) com os “Jagas” (Mbangala), sob o comando de João Casa Cangola, Donga e João Casanje, começou por atingir o Ndongo por causa de sua posição-chave no tráfico transatlântico de escravos. Foi a esses “Jagas” que o governador deveu seu sucesso militar, que, com a conquista do Ndongo no ano 1620, constituiu o primeiro passo para a desagregação desse Estado e, décadas mais tarde, para seu fim. Os três grupos de “Jaga” referidos repudiaram, pouco tempo depois, sua aliança com os portugueses e tornaram-se seus inimigos viscerais. A mais importante personalidade mbundu, Njinga a Mbande Ana de Sousa (ca. 1582-1663), para escapar à guerra dos portugueses que a perseguiam, contraiu temporariamente casamento (por motivos políticos) com João Casa Cangola e, quando esse casamento malogrou, com João Casanje. Por volta de 1630, este assentou com seus guerreiros na Baixa de Cassange, junto ao Kwango, e fundou aí o Estado Mbangala de Kasanje, em que o mais alto título conferido era e continuou a ser “Jaga” (ver HEINTZE, 1985HEINTZE, Beatrix. (Ed.). Fontes para a história de Angola do século XVII. Stuttgart: Franz Steiner, 1985. v. 1., 1981HEINTZE, Beatrix. Das Ende des unabhängigen Staates Ndongo (Angola): Neue Chronologie und Reinterpretation (1617-1630) {O fim do Estado independente do Ndongo (Angola), Cronologia e reinterpretação (1617-1630)}. Paideuma, n. 27, p. 197-273, 1981., p. 197-273,6 6 Tradução para o português em Heintze (2007a, cap. III.8). 1988HEINTZE, Beatrix. (Ed.). Fontes para a história de Angola do século XVII. Stuttgart: Franz Steiner, 1988. v. 2. e 2007HEINTZE, Beatrix. Angola nos séculos XVI e XVII: estudos sobre fontes, métodos e história. Luanda: Kilombelombe, 2007a., cap. I.1).

Outros desses senhores da guerra “Jaga”, como Zenza Angumba, Quinda e Bango Bango em Quissama e Tunda (Libolo), merecem apenas uma curta referência nas fontes. No tempo do governador bispo Simão Mascarenhas, a única reserva de escravos relevante com ligação com o comércio legal com Luanda, que restou após as guerras do Ndongo e do Congo, foi a região ao sul do Cuanza. Mas, ao que parece, as associações de “Jaga” que aí estacionavam e operavam - sob o comando de Zenza Angumba e Bango Bango - perturbaram profundamente esse tráfico, desviando-o em certa medida para caminhos ilegais. Isso não atingiu apenas os militares da fortaleza de Cambambe, que constituía um ponto de apoio local de transbordo para essa rota meridional, e os portugueses diretamente envolvidos no comércio oficial. Como se veria, também não deixou, de modo algum, indiferente o governador. Isso porque se descobriu mais tarde que, apesar de sua condição de bispo, ele se apropriara, ao longo de seu mandato, de grande quantia referente aos impostos cobrados pelos escravos. Enquanto Zenza conseguiu escapar, os portugueses “estatais” lograram, com sua vitória contra Bango Bango em 19 de janeiro de 1624, rechaçar com sucesso essa ameaça a seus interesses econômicos. O destino de Zenza se alteraria com o governador seguinte, Fernão de Sousa. A junta por ele convocada dos membros do Senado e dos oficiais autorizou o comandante de Cambambe a contratar os “Jagas” Zenza Angumba e Quinda, sob determinadas condições, para uma campanha militar contra Cafuche, o mais poderoso chefe de Quissama. Como as fontes primárias desse tempo, tanto quanto sei, faziam geralmente uma distinção bastante fidedigna entre os chefados antigos de Quissama e os inconstantes senhores da guerra Jaga, podemos depreender que essas indicações de Fernão de Sousa, cujos relatos eram sempre muito conscienciosos, se referiam efetivamente a grupos “Jaga” de pouca duração com as ditas características (ver Heintze, 1985HEINTZE, Beatrix. (Ed.). Fontes para a história de Angola do século XVII. Stuttgart: Franz Steiner, 1985. v. 1. e 1988HEINTZE, Beatrix. (Ed.). Fontes para a história de Angola do século XVII. Stuttgart: Franz Steiner, 1988. v. 2. 7 7 Esse trabalho pode ser acessado na rede. Disponível em: <http://memoria-africa.ua.pt/Library/ShowImage.aspx?q=/Angola/FontesParaAHistoriaDeAngola-01&p=1>. ).

Mais tarde, procurei mostrar em diversos ensaios as razões por que as tradições dos Mbangala, no século XIX, já não apresentavam quaisquer ligações com a região Sumbi na costa atlântica, mas referiam expressamente seu parentesco com a dinastia real dos Rund, junto ao Calanhi, no leste da África Central, e sua migração para o oeste (Heintze, 2013, cap. II; ver também Heintze, 2010HEINTZE, Beatrix. Translocal “kinship ties” in Central African politics of the 19th century. In: FREITAG, Ulrike; OPPEN, Achim von (Ed.). Translocality: the study of globalising processes from a southern perspective. Leiden/Boston: Brill, 2010., p. 179-204, e 2011HEINTZE, Beatrix. A rare insight into African aspects of Angolan history: Henrique Dias de Carvalho’s records of his Lunda expedition, 1880-1884 {1884-1888}. Portuguese Studies Review, v. 19, n. 1-2, p. 93-113, 2011a. Special Volume: Jill Dias, 1944-2008. A scholar for all seasons., p. 93-113).

3. Outra grande controvérsia entre os pesquisadores da história da África pré-colonial (ou seja, dos séculos XVI a XIX) reside no impacto - social, econômico, político e cultural - que o comércio de exportação de africanos forçados teve nas regiões envolvidas no tráfico transatlântico de escravos. Temos argumentos que minimizam os efeitos do tráfico escravista, de um lado, e argumentos que o consideram elemento central nas transformações que se observaram naquelas sociedades africanas. Seus trabalhos sobre Angola parecem indicar que o impacto foi relevante. Você poderia comentar como vê a questão hoje, especialmente os argumentos dos dois lados?

No que diz respeito à vertente demográfica, acompanhei os debates, sem poder fazer juízos ou dar minha contribuição. Agora que já existem bases de dados pelo menos acerca das exportações de escravos para o outro lado do Atlântico, os cálculos tornaram-se provavelmente mais fidedignos, mas esse desenvolvimento científico digital eu já não consegui acompanhar. A mim, ter-me-iam interessado, especialmente, dados sobre a perda de vidas humanas durante a caminhada forçada dos escravos em direção aos mercados africanos e daí até o litoral, mas sobre isso nunca encontrei informação que pudesse ser generalizada. É provável que, entretanto, já existam informações mais precisas sobre a percentagem de mulheres, homens e crianças exportados e sobre os escravos que permaneceram no país.8 8 É provável que na obra de Miller (1988) ou em um de seus numerosos artigos sobre o tráfico transatlântico de escravos se encontrem indicações importantes, de que não me recordo, e às quais não posso referir sem uma nova leitura das mencionadas obras. Só uma única vez ousei fazer um cálculo numérico. Este se refere ao mandato do governador Luís Mendes de Vasconcelos. Cheguei à conclusão de que, por causa da guerra contra o Ndongo, uma exportação de cerca de 50 mil escravos não parece irrealista. Como na altura o tráfico de escravos com o interior se encontrava praticamente parado, essa exportação excessiva tinha de provir, contrariamente aos tempos anteriores, principalmente do Ndongo e suas imediações. Uma tal exportação exorbitante é também confirmada pelo elevado número de navios que nesse tempo esperavam no porto de Luanda por sua carga humana. Essa grande perda de vidas humanas em poucos anos teve, sem dúvida, consequências demográficas devastadoras no Ndongo, ainda mais porque a população lutava na altura contra uma fome debilitante em consequência de uma seca e da longa presença das tropas em seu território (Heintze, 1981HEINTZE, Beatrix. Das Ende des unabhängigen Staates Ndongo (Angola): Neue Chronologie und Reinterpretation (1617-1630) {O fim do Estado independente do Ndongo (Angola), Cronologia e reinterpretação (1617-1630)}. Paideuma, n. 27, p. 197-273, 1981., p. 202-209). Mas esses quatro anos constituíram um caso individual de catástrofe, não podendo, por isso, ser generalizados.

Em uma perspectiva sociocultural, os resultados de minha investigação são bastante diferentes. Dada a profusão de dados já investigados, não tenho qualquer dúvida de que, em Angola, o tráfico transatlântico de escravos influenciou ao longo dos séculos, de um modo extremamente complexo e forte, as sociedades, sua vida em comum, seus valores e a possibilidade de cada indivíduo construir a própria vida. Mesmo depois da abolição geral desse comércio, o tráfico de escravos continuou e floresceu ainda durante muito tempo no interior africano, até que o lento e insidioso processo de subordinação se transformou em conquista sociocultural colonial maciça,9 9 A perda radical de autonomia dos angolanos após a Conferência de Berlim está também patente em um exemplo aparentemente irrelevante, mas muito elucidativo: a fotografia e suas legendas textuais. Ver, a esse respeito, Heintze (2014 {2013}, cap. XII). e a escravatura, em trabalho forçado.

Isso faz com que eu concorde convictamente com Mariana Candido (2013CANDIDO, Mariana P. Benguela: an African trading port and the atlantic world. Cambridge: CUP, 2013., p. 118-119), quando, no fim de seu livro sobre Benguela e o tráfico transatlântico de escravos, constata (e tem vindo a provar em trabalhos posteriores) que esse tráfico teve consequências mais importantes do que as perdas demográficas, que ele alterou as relações sociais e as concepções jurídicas e deu origem a uma nova terminologia. Em relação a esse e a muitos outros aspectos da transformação estrutural e cultural de caráter sociopolítico e geográfico resultante do tráfico de escravos, podemos também encontrar numerosos exemplos em meus trabalhos sobre os séculos XVII e XIX.

4. Um dos aspectos que têm sido enfatizados em seu trabalho de historiadora é a avaliação e divulgação das fontes sobre Angola. No estado atual da historiografia do tema, considera que há algum conjunto de fontes a que os historiadores não tenham dando a devida atenção?

A guerra pela independência de Angola e a guerra civil que se lhe seguiu, que durante décadas devastaram o país, a última das quais só terminou em 2002 com o acordo de paz, tornaram quase impossível uma pesquisa de campo moderna (com um levantamento das tradições orais). Joseph C. Miller constitui nesse campo uma exceção. Aqui e ali, procura-se agora recuperar o tempo perdido (com as restrições inerentes ao longo período de devastação). Também a preservação estatal ou institucional dos arquivos angolanos, tão valiosos para a investigação sobre Angola, sofreu muito nesse período, não tendo ainda atingido um nível satisfatório. Porém, a utilização intensiva desses arquivos, em especial do Arquivo Histórico Nacional de Angola (AHNA), a que eu própria ainda não tive oportunidade de recorrer, e também de alguns outros arquivos regionais e especiais (como a utilização do arquivo do Ministério da Educação por Christine Hatzky, do arquivo de Huambo por Maria da Conceição Neto, ou do arquivo do Bispado de Angola por Mariana Candido) aumentou muito nos últimos anos. Mas, ao que parece, os investigadores têm ainda de contar com bastantes restrições. Uma vez que o Arquivo Histórico Ultramarino (AHU) em Lisboa contém, sobretudo, os documentos históricos respeitantes às importantes decisões do Estado, para o historiador que se interessa principalmente pela história e pelas condições de vida dos africanos, os arquivos angolanos têm uma relevância particular. Nesse sentido, espera-se que a conservação, o tratamento, a organização, a inventariação e a acessibilidade desses arquivos obtenha os apoios necessários, financeiros e pessoais, e que os utilizadores atuais possam encontrar em breve condições de acesso e de trabalho correspondentes aos padrões atuais. Como os cientistas são, por natureza, pessoas curiosas, acabarão, mais cedo ou mais tarde, por descobrir todas as fontes de algum modo importantes. Eu própria continuo a tentar descobrir, neste momento, se em algum arquivo alemão existem atas da Afrikanische Gesellschaft in Deutschland do século XIX. Até agora não tenho tido sucesso. O que é muito lamentável, uma vez que elas poderiam mostrar novos aspectos importantes das expedições alemãs subsidiadas e dirigidas por aquela instituição. O espólio e as fotografias de Max Buchner de sua expedição a Lunda parecem também ter-se perdido.

Por outro lado, penso que nos trabalhos, em si muito necessários e importantes, que abrangem continentes inteiros e períodos de tempo muito extensos os resultados a partir das fontes locais, as definições rigorosas e os debates e conhecimentos que existem em torno deles por vezes se tornam demasiado “invisíveis”. Muitas vezes, são reproduzidos de forma tão abreviada, ou merecendo, quando muito, uma referência na bibliografia secundária, que acabam por transmitir uma imagem incorreta, distorcida ou generalista, tanto mais que editoras conhecidas restringem fortemente as notas de rodapé bibliográficas e chegam mesmo a suprimir uma bibliografia final de fácil utilização.

Gostaria ainda de abordar outro tema relacionado com sua pergunta. As edições de fontes não são, infelizmente, alvo de grande prestígio. Mas, nos casos em que existem, sobretudo quando são publicadas com competência, profissionalismo e o conhecimento necessário, todos gostam de utilizá-las. E, em geral, não envelhecem. Tais edições, que idealmente incluiriam também a tradução para o português das fontes em língua estrangeira, constituiriam em muitos casos uma aspiração que facilitaria e tornaria mais acessível a investigação, mas almejar os meios financeiros necessários para que isso seja possível é uma ilusão. Se, contudo, eu pudesse exprimir um desejo sobre quais das fontes existentes em Luanda/Lisboa deveriam ser publicadas sem falta, então meu desejo recairia sobre a continuação da edição dos chamados Arquivos dos Dembos, iniciada por Ana Paula Tavares e Catarina Madeira Santos (2002TAVARES, Ana Paula; SANTOS, Catarina Madeira Santos (Ed.). Africae monumenta: a apropriação da escrita pelos africanos. Lisboa: IICT, 2002. Arquivo Caculo Cahenda.), que foram recebidos em setembro de 2011 no Registo de Memória do Mundo da Unesco.10 10 Refere-se ao projeto Memória do mundo da Unesco. Disponível em: <http://www.unesco.org/new/fr/communication-and-information/flagship-project-activities/memory-of-the-world/homepage/>. Esse tesouro de fontes, único para toda a África e tão significativo para a história de Angola, mereceria, sem dúvida, ser publicado e integrado mais do que até agora na historiografia de Angola, especialmente se fosse digitalizado.

5. Quais são os temas que merecem ser tratados com mais atenção por parte dos historiadores? Você considera que há regiões geográficas, períodos ou temáticas que permanecem negligenciados? Ou seja, se um aluno de mestrado pedisse sua opinião, quais são os temas que você recomendaria como urgentes ou vitais para uma melhor compreensão do passado de Angola?

Como estou aposentada desde 2004, há cinco anos que não participo de conferências no ultramar. Nos últimos anos, tenho me dedicado ainda a um tema completamente diferente, o da resistência alemã a Hitler na Segunda Guerra Mundial, sobre o qual publiquei alguns trabalhos. A isso acresce que, na Alemanha, a disciplina etnologia, à qual continuo ligada por meio do Instituto Frobenius como investigadora associada, se distanciou quase completamente de seu método e teoria histórica. O instituto universitário irmão, adjacente ao nosso até em termos espaciais, anteriormente chamado “Instituto para a Etnologia Histórica”, riscou há alguns anos o termo “histórico” de seu nome e passou a dedicar-se, entre outros aspectos, à pesquisa de campo como método principal para a investigação de temas “modernos” como “gênero”, “mídia” ou “cultura material e identidade”. Ou seja, tornei-me uma autora exótica, não só em termos geográficos, mas também metodológicos (e isso, em nível geográfico, abrange quase toda a Alemanha). Mas o mesmo se aplica à disciplina história africana, relativamente recente na Alemanha e que hoje continua a ser subestimada, com alguns poucos investigadores dispersos, recebendo apenas reduzida atenção institucional. Como meu destino marginal se deve, sem dúvida, ao fato de eu ser uma historiadora a trabalhar entre etnólogos e também a meus interesses “pré-coloniais”, gostaria de voltar a trabalhar não tanto com temas “atuais” - por mais que compreenda e reconheça a relevância das questões que se apresentam à investigação de processos e problemas recentes -, mas mais com temas baseados em arquivos sobre a história mais antiga de Angola, de modo a poder complementar os estudos dominantes sobre a contemporaneidade. Contrariamente a poucos outros Estados africanos, Angola tem a sorte de possuir fontes escritas que, embora, em sua maioria, tenham uma origem europeia, remontam a 500 anos. Esse potencial único de fontes não deve ser menosprezado, até porque, a meu ver, também a história mais antiga pode facilitar a compreensão da história mais recente. Não me atrevo, assim de repente, a recomendar um tema urgente para uma tese de mestrado. Na Alemanha, um tema de mestrado ou doutoramento sobre Angola dependeria, independentemente dos conhecimentos linguísticos necessários, em primeiro lugar das possibilidades de financiamento que provavelmente teriam maiores chances no âmbito de uma investigação específica de grupo já existente ou de um cluster de excelência. Mas isso, pelo que sei, não existe em relação a Angola.

6. A historiografia costuma referir-se à África pré-colonial para indicar as diferenças nas relações entre os Estados europeus e as sociedades e Estados africanos anteriores ao colonialismo do final do século XIX. No entanto, Luis Felipe de Alencastro sugere que a relação das autoridades portuguesas com os sobas e outros governantes no interior de Angola a partir do século XVI já prenunciaria o modelo colonial. Você considera que os portugueses foram “pioneiros” em certa forma de colonialismo?

“Em certa forma” talvez. Mas quão manifestos e característicos são os paralelos encontrados e de que modo eles nos permitem alargar e aprofundar nosso entendimento da história? Para responder a essa questão de uma forma minimamente satisfatória e poder avaliar as diferenças em relação a outros confrontos prolongados da história mundial, teria de ter me dedicado explicitamente a esse tema e essa teoria e ter me informado em nível mundial, o que, infelizmente, não foi o caso.

7. Você lançou recentemente uma nova compilação de seus artigos (A África Centro-ocidental no século XIX (c. 1850-1890): intercâmbio com o mundo exterior - apropriação, exploração e documentação). Poderia falar um pouco desse trabalho?

Quando, em 1992, morreu Eike Haberland, o diretor do Instituto Frobenius, passei a ser a única responsável por todas as publicações do Instituto e vi-me confrontada com uma difícil mudança de editora. Isso exigiu de mim um tal empenho que a pesquisa de arquivos no exterior, mesmo durante o período até então habitual de um a dois meses, estava fora de questão. Por isso, decidi me concentrar no futuro em trabalhos que pudessem ser realizados com base na Alemanha. Foi assim que surgiu o livro sobre os exploradores alemães em Angola (1999, 2. ed. 2007) e, na sequência das pesquisas efetuadas para esse livro, as edições de fontes para as expedições de Angola de Alfred Schachtzabel (1995) e Max Buchner (1999). Essas fontes tiveram, infelizmente, de ser publicadas na língua original, o alemão, que a maioria dos angolanos não entende e que não interessa à maioria dos alemães. Mas pelo menos estava criada uma base.11 11 Após minha reinterpretação do mandato do governador de Angola Fernão de Sousa (1624-1630) mediante seus relatos reunidos em dois volumosos códices, senti que era meu dever, em especial para com os estudantes e professores universitários angolanos (que muito mais raramente do que nós têm os meios necessários para realizarem os estudos de arquivos em Portugal ou em outro sítio), tornar acessível essa fonte valiosa, sem a qual não é possível, a meu ver, escrever a história de Angola desse tempo. O resultado disso foram os dois volumes, publicados respectivamente em 1985 e 1988, de minhas Fontes para a história de Angola do século XVII. Em 1988, havia publicado, pelas mesmas razões, a edição dos desenhos dos Lwimbi, trazidos por Baumann de Angola em 1954 (e não em 1930, como pensei ainda na altura da publicação do livro). Uma edição portuguesa foi publicada em Luanda em 1994. A essa se seguiu ainda a publicação bilíngue do Catálogo da colecção etnográfica de Hermann Baumann do sudoeste de Angola, que em 1954 ficou em Angola, no Museu do Dundo.12 12 O título completo do livro de Hermann Baumann é Die ethnographische Sammlung aus Südwest-Angola im Museum von Dundo, Angola (1954). Katalog {A colecção etnográfica do sudoeste de Angola no Museu do Dundo, Angola (1954) Catálogo}. Bearbeitet und herausgegeben von {redigido e editado por} Beatrix Heintze. Köln: Köppe (Afrika-Archiv 3).

Esse meu interesse pelos exploradores alemães (ou de língua alemã), a maioria dos quais chegou a Angola no século XIX, explica a Seção III da edição portuguesa de meus trabalhos mais importantes sobre o século XIX, que eu quis resgatar de seu “túmulo” alemão e tornar acessíveis aos leitores de língua portuguesa.

O cerne e o motivo principais desse livro refletem também meu reconhecimento do enorme valor, até então completamente subestimado, da expedição de Henrique Dias de Carvalho à Commonwealth lunda (1884-1888) para a investigação histórica sobre a África Central na segunda metade do século XIX. Eu tinha adquirido em Lisboa os 10 volumes publicados sobre a expedição e descoberto, no arquivo diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, o álbum de fotografias desse empreendimento, nunca antes publicado e até então praticamente desconhecido (depois de, no início dos anos 1980, na Sociedade de Geografia, ter me sido recusado o acesso a um exemplar que aí se encontrava). Essas fotografias enriqueceram muito meus trabalhos sobre a fotografia histórica (ver também Heintze, 2015) e encontram-se também na Seção IV do referido livro.

Depois de, nos anos 1990, ter me limitado a fazer excertos das publicações de Carvalho, no novo século tive finalmente tempo suficiente para lhes dedicar um estudo intensivo. Em pouco tempo me dei conta de que, para o historiador, a obra principal não é o volume generalista (sobre a) Ethnographia, mas os quatro volumes completamente negligenciados de seu relato de viagem, que para mim constituem a parte verdadeiramente sensacional dessa fonte invulgar. Pois, até então, só raramente tinham sido analisados de forma sistemática todos os seus testemunhos relativos a um tema e o respectivo valor como fonte em seu contexto específico. Graças ao caráter pormenorizado dos relatos de Carvalho, que não se limita a apresentar sínteses próprias, não abdicando, por assim dizer, de apresentar, passo a passo, suas observações e experiências muito individuais, podemos descobrir e analisar muitos processos históricos da região a leste do Kwango. As inscrições em seu diário e as cartas, em que reproduz quase ao pé da letra numerosas conversações e discussões com reis, chefes, conselheiros, dirigentes de caravanas e carregadores, permitem-nos um olhar relativamente amplo para “trás dos bastidores”, como nunca nenhum outro relato europeu desse século sobre essa região tornara possível. Deve-se salientar também que nenhum outro investigador que viajou pelo leste do Kwango pôs tanta ênfase nos conhecimentos linguísticos. Carvalho aprendeu, durante sua viagem, a língua lunda e esforçou-se, em todos os seus apontamentos, por reproduzir da forma mais rigorosa possível as designações locais e também traduzi-las para outras línguas.

O primeiro fruto de minha ocupação intensiva com os relatos de Carvalho surgiu em 2002 com o livro que, dois anos depois, foi traduzido para o português e publicado simultaneamente em Lisboa e Luanda: Pioneiros africanos: caravanas de carregadores na África Centro-ocidental (entre 1850-1890).

Em meus estudos posteriores dessa fonte única para a África Central na segunda metade do século XIX, decidi enfatizar três aspectos principais, cujos resultados estão patentes nas Seções I e II do livro por si referido: 1. o papel dos luso-africanos a leste do Kwango (capítulos V e VI) - (ver, em relação a esse tema, também Heintze, 2011HEINTZE, Beatrix. Hidden transfers: Luso-Africans as European explorers’ experts in nineteenth century West-central Africa. In: LANDAU, Paul S. (Ed.). The power of doubt: essays in honor of David P. Henige. Madison: Parallel Press, 2011b., p. 19-40); 2. as estratégias e contraestratégias relacionadas com a intensificação da comunicação propiciada pelo comércio distante nessa região (capítulo III) e, em especial, como publicação original; 3. o parentesco fictício e as tradições originais como estratégia política (capítulos I e II).13 13 Em relação a esse último aspecto, também publiquei alguns artigos. Ver Heintze (2010, p. 179-204, e 2011a). Sinto-me imensamente grata por o financiamento da tradução desse livro, sua edição e publicação (à semelhança do que acontecera com dois de seus antecessores, de 1994 e 2007) se dever a colegas e instituições angolanos. Isso faz com que eu seja muito invejada pelos meus colegas alemães, uma vez que geralmente os trabalhos alemães sobre temas africanos costumam ser financiados por instituições alemãs.

O que mais me fascinou na obra de Carvalho foram as múltiplas relações de “parentesco” translocais por ele documentadas, que têm de ser analisadas à luz das mudanças político-econômicas que aumentaram dramaticamente, sobretudo na segunda metade do século na África Central. Aspectos fundamentais dessa temática são, após a transição do comércio transatlântico de escravos para o comércio dito “legítimo”, o crescimento exponencial do comércio distante de artigos de exportação africanos (cera, marfim, borracha) substituídos com relativa rapidez, o consequente crescimento do tráfico intra-africano de escravos, as migrações chokwes, intimamente relacionadas com essas mudanças, e o declínio da outrora poderosa Commonwealth lunda, acelerado por todos esses e por outros processos.

Como resposta aos intensos processos políticos e econômicos de delimitação e exclusão territorial relacionados com essas determinantes históricas, as relações de parentesco reais e fictícias criaram, sobretudo em nível translocal, um contrapeso potencial no tempo e no espaço que assumia uma função integradora e pacificadora em caso de situações críticas. A “sucessão posicional” (positional succession) e o “parentesco perpétuo” (perpetual kinship) ofereciam oportunidades de ascensão social até mesmo aos geralmente excluídos, bem como a participação no (longínquo) poder central, mesmo em regiões subjugadas com uma população de língua e cultura diferentes. Etnias estrangeiras conseguiam, por meio de uma reformulação de seus mitos fundadores, ser, por assim dizer, adotadas como “parentes” ancestrais. Tais concepções de “parentesco” desenvolvidas e em contínuo desenvolvimento no âmbito dos crescentes e vastos contatos externos não se mantiveram abstratas, mas foram determinantes para a política e a retórica cotidianas da África Central no século XIX, como mostram, pela primeira vez e de forma única, os protocolos de Carvalho.

8. Nos últimos anos houve uma explosão da produção de dissertações de mestrado e doutorado sobre história de Angola nas universidades brasileiras. Poderia comentar se está familiarizada com essa expansão ou como vê a contribuição dos pesquisadores brasileiros, residentes no Brasil, sobre a historiografia angolana?

Tendo em conta a estreita ligação histórica entre o Brasil e Angola, há muito que ansiava por trabalhos baseados não só nos arquivos portugueses, mas também nos angolanos e nos brasileiros. Por isso, fiquei muito contente quando soube que Joseph Miller pôde desenvolver sua investigação para sua obra monumental Way of death consultando arquivos dos três continentes. Já não pude acompanhar o desenvolvimento de outras investigações desse tipo, mas li com especial interesse os trabalhos de Mariana Candido e Roquinaldo Ferreira, descobrindo pelo menos por sua bibliografia a crescente participação de autores brasileiros na história de Angola e no âmbito dos recém-constituídos Atlantic Studies. Mas ignorava por completo o fato de, nos últimos tempos, as teses de mestrado e doutoramento brasileiras sobre a história de Angola terem, por assim dizer, “explodido”.

9. Seria possível traçar diferenças entre os temas, olhares e métodos entre os pesquisadores anglófonos, lusófonos, francófonos e alemães? Gostaríamos, nesse sentido, que você comentasse o trabalho de pesquisadores alemães sobre Angola, que, além de seus estudos e pesquisas, incluem outros autores cujas obras estão, na maioria, disponíveis em alemão em relação às quais há pouco acesso pelos demais pesquisadores (Achim von Oppen, Samuel Coghe, Alexander Keese, entre outros).

Quanto a isso, não posso infelizmente me pronunciar. Na Alemanha, há muito poucos investigadores trabalhando com Angola, a maioria dos quais nem trabalha exclusiva ou preponderantemente com esse território. Todos eles ensinam, em diversas universidades, as mais diversas disciplinas: história, ciências políticas, sociologia, literatura e outras. Para além de Achim von Oppen, cuja dissertação de doutoramento, que muito prezo também, versava sobre Angola (mas que desde então tem privilegiado outras áreas geográficas), não conheço de momento nenhum outro historiador alemão particularmente relevante para meu trabalho. Entretanto, é provável que existam estudantes que se interessem por Angola, mas o fugaz contato que por vezes tenho com eles resume-se a pedidos de informação por e-mail. Os investigadores cujo nome mencionam, bem como o jurista Jakob Zollmann e o politólogo Jon Schubert (que neste momento desenvolve em Leipzig sua investigação sobre Angola), publicam seus trabalhos em uma língua estrangeira (geralmente o inglês). O investigador com quem até agora tive mais contato foi Gerhard Seibert, que tem trabalhado com São Tomé, os crioulos e as línguas crioulas. Seibert, que, segundo sei, é holandês, viveu muitos anos em Lisboa e agora é professor no Brasil {Unilab de São Francisco do Conde, Bahia}. Um investigador com quem mantive estreito contato acadêmico nos anos 1970 foi Franz-Wilhelm Heimer, um alemão formado em ciências da educação e politólogo que vive há muitos anos em Portugal e já está aposentado. Durante décadas fui a única investigadora na Alemanha cujo interesse se centrava na história pré-colonial de Angola. Neste momento, o panorama universitário encontra-se tão fragmentado em termos disciplinares e geográficos e é tão pouco estável que só por acaso se encontra alguém com interesses semelhantes (ainda mais estando aposentada), pelo que não é possível ter ou manter uma ideia geral sobre o assunto. Contudo, nesse sentido, a história pré-colonial de Angola continua a não ter papel preponderante, pelo que, na verdade, para meu trabalho os investigadores estrangeiros sobre a África foram sempre mais inspiradores e incentivadores.

10. Os historiadores angolanos tendem a se especializar em temas mais contemporâneos, negligenciando os séculos XVI a XIX. Apesar da riqueza documental disponível em vários arquivos locais, por que tão poucos angolanos se interessam pelo passado do território? Como você vê a história de Angola feita por angolanos?

A inclinação por temas atuais, contemporâneos, corresponde, pelo que sei, a uma tendência geral que não se limita a Angola. Recordo-me que já há muitos anos os editores do Journal of African History procuravam manuscritos de artigos sobre a história de séculos mais recuados a fim de poderem manter a reivindicação de que representavam a totalidade da história africana. No que respeita aos historiadores angolanos, compreendo bem essa tendência para temas mais atuais. Após a independência tão dificilmente conquistada, muitos estão ansiosos por abordar temas recentes, para os quais podem contribuir com experiências pessoais, de seus familiares e amigos. Mas essa tendência tem também a ver, à semelhança do que aconteceu na Alemanha, com o maior peso e o maior número de politólogos e sociólogos com quem os angolanos entram em contato dentro e fora de seu país, que vêm a Angola para congressos, conferências e investigações e que, com seus temas, teses e teorias sobre a relevância atual de suas questões, conquistam mais facilmente a atenção de seus ouvintes. Desse modo, imagino que o tema da conferência que Jon Schubert apresentou recentemente em Frankfurt - “Angolanidade: negotiating political authority through the idiom of race in contemporary Luanda” - tenha parecido mais apelativo e mais próximo da vida aos ouvintes do que as velhas histórias sobre os “Jagas”, sobre Benguela ou os luso-africanos no reino da Lunda. Não preciso salientar que atribuo grande importância à história de tempos antigos, mas gostaria de acentuar que, em minha opinião, mesmo para esses temas “modernos”, um olhar para o passado pode ser útil para a compreensão do geralmente difícil trajeto até o presente.

Que rumo tomará a historiografia de Angola por angolanos é uma coisa que não posso prever. Depende muito não só de contatos e influências não angolanos, mas também de professores e acadêmicos, das comunicações, das oportunidades de emprego e das condições gerais de investigação e de trabalho, em que se incluem o acesso ilimitado à internet, também para estudantes, e, é claro, a situação política fundamental do país em questão.

Sobre a situação atual da investigação sobre Angola não estou suficientemente informada. Mariana Candido poderia certamente dar informações mais atualizadas sobre o assunto. Eu participei de três congressos de historiadores em Luanda sobre a história de Angola (1997, 2007, 2010), dos quais o do ano 2007 me impressionou tanto que publiquei um relatório sobre ele em um anuário alemão (Heintze, 2008HEINTZE, Beatrix. Für eine künftige Gesamtgeschichte Angolas. Vom 25. bis 28. September 2007 {Para uma futura história integral de Angola: de 25 a 28 de setembro de 2007}. Periplus, n. 18, p. 181-197, 2008., p. 181-197).14 14 A publicação várias vezes anunciada das atas desse congresso não se concretizou até agora. Existe uma versão abreviada de meu relatório em português, que o AHNA quis publicar, mas isso não chegou a acontecer. O tema em questão era: Para a elaboração da história geral de Angola: das sociedades antigas à época contemporânea. Paralelamente a uma inventariação das investigações existentes à luz dos métodos modernos, de novas fontes ou fontes recentemente acessíveis (por exemplo, entrevistas feitas no âmbito da oral history, fontes escritas internas redigidas por africanos em séculos remotos, documentos da história política recente, descobertas arqueológicas, levantamentos linguísticos), essa conferência destinava-se também a incentivar uma maior participação por parte dos investigadores angolanos. Nesse sentido, informava-se, por exemplo, que o Arquivo Histórico Nacional de Angola era utilizado muito intensivamente por estrangeiros, mas ainda pouco por angolanos; que algumas regiões de Angola, nomeadamente o sul e o leste, estavam completamente sub-representadas na pesquisa atual; e que, apesar de tudo, não havia ainda uma instituição que pudesse apoiar os estudantes na formação de historiadores ou investigadores nas disciplinas vizinhas. Outra queixa dizia respeito à incapacidade de cerca de 90% dos estudantes da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade pública Agostinho Neto de lidar com os instrumentos digitais atualmente indispensáveis ao trabalho de pesquisa ou com a internet. Até que ponto a situação terá mudado para melhor nos últimos oito anos não sei dizer.

A conferência mostrou também a necessidade de acentuar as influências políticas e outras nas transformações culturais e linguísticas, salientando, com isso, o afastamento durante décadas da investigação angolana em relação aos debates internacionais e o muito que ainda falta recuperar, sob condições que continuam bastante adversas. O que torna mais notável aquilo que se conseguiu fazer no pouco tempo decorrido desde o acordo de paz.15 15 Incluo nessa categoria o contributo do angolano Armindo Jaime Gomes (“Arjago”) sobre os Ndombe (2015), que mostra de forma exemplar o que nesse país uma pesquisa de campo estacionária consegue realizar se possuir os conhecimentos e as capacidades-base necessárias. Publicado nos Anais do III Encontro Internacional de História de Angola (2015) Não conseguimos encontrar a referência completa com as páginas.

O que atravessou todo o dito congresso como um fio condutor foi a ênfase na necessidade de serem os investigadores angolanos a escrever sua própria história, de uma perspectiva africana e utilizando um “paradigma intelectual africano”, mesmo que em estreita colaboração com a investigação internacional. Uma tal historiografia transcenderia as fronteiras da consciência étnica, pelo que teria uma importância fundamental para a formação de uma identidade angolana.

A temática das fontes assumiu uma relevância especial nessa conferência. Esforçando-se por, após séculos de opressão e dependência estrangeira, dar finalmente aos africanos nativos uma voz autêntica; as expectativas e os incentivos concentraram-se, sobretudo, no levantamento e na utilização de fontes orais, ou seja, para lá das tradições orais, na recolha de provérbios, cantos, topônimos, ritos e recordações. Nesse contexto, há de se referir a grande importância de um levantamento e análise profissional de todas as línguas faladas em Angola.

A procura de testemunhos africanos autênticos para a própria história conduziu a que, na conferência, as tradições orais (fundadoras) assumissem o centro das atenções. Mas foi precisamente nesse contexto que se tornou manifesto o ainda forte isolamento da investigação nacional angolana em relação à bibliografia científica internacional e aos debates teóricos mais recentes. As obras-chave mais antigas de historiadores e etnólogos euro-americanos continuavam a ser determinantes, apesar de seus autores há muito as terem considerado ultrapassadas e terem, entretanto, chegado a outras conclusões. Mas, muitas vezes, seus trabalhos mais recentes não se encontram nas bibliotecas e/ou não estão traduzidos para o português.16 16 Para a tradução de fontes e estudos relativos à África, as possibilidades de financiamento são hoje na Alemanha praticamente nulas. Esse deficit está patente, sobretudo, nos trabalhos que, baseados em tradições de migração, procuram, de forma entusiástica, reconstruir a história antiga angolana. Embora para essas tradições nunca haverá, nem nunca poderá haver, um passe-partout, a investigação internacional recente sobre Angola tende a não as levar ao pé da letra, mas vê-las como um processo permanente, altamente codificado, em que essas tradições tinham de ser constantemente reajustadas ao contexto político e sociocultural, bem como aos interesses daí resultantes para a sociedade (Vansina, Miller, MacGaffey, Thornton, Heintze). A viva reação à minha conferência de 2010HEINTZE, Beatrix. Translocal “kinship ties” in Central African politics of the 19th century. In: FREITAG, Ulrike; OPPEN, Achim von (Ed.). Translocality: the study of globalising processes from a southern perspective. Leiden/Boston: Brill, 2010. mostrou como é difícil transmitir aos angolanos presentes, também a esse respeito, o caráter processual de toda a natureza e atividade humana. Ainda me lembro bem como, ao longo de meu curso universitário de etnologia e história, a aura de determinados fenômenos culturais tidos como imutáveis foi sendo quebrada, e por fim até os sistemas de parentesco que pareciam talhados em pedra. Até que, por exemplo, no Zimbábue, em um meio urbano moderno, se verificou que ali a sociedade patrilinear tinha se transformado em uma sociedade matrilinear. A partir daí, a transformação passou a ser também extensiva às tradições orais.

Recentemente, alguns historiadores (por exemplo, Joannes Fried em relação às fontes escritas da Europa medieval - ver, a esse respeito, Bahners (2015BAHNERS, Patrick. “Nach Canossa gehen wir zurück” {Vamos retroceder a Canossa}. Frankfurter Allgemeine Zeitung, 2 set. 2015.) - e Jan Vansina (2015VANSINA, Jan. Oral traditions revisited. In: AFRICA AT NOON. Anais… University of Wisconsin-Madison, 9 set. 2015. Manuscrito.) em relação às tradições orais africanas) recorrem à investigação neurológica do cérebro para perceber como funciona nossa memória e a reprodução das recordações. Será interessante saber quais as conclusões relevantes que daí podem advir no futuro para a relação do historiador com as tradições orais, tão importantes para a história africana.

Referências bibliográficas

  • BAHNERS, Patrick. “Nach Canossa gehen wir zurück” {Vamos retroceder a Canossa}. Frankfurter Allgemeine Zeitung, 2 set. 2015.
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  • GAETA, Antonio da. Matamba nell’Africa meridonale. Nápoles: Francesco Maria Gioia, 1669.
  • GOMES, Armindo Jaime. Autoridade, tradição e poder: um dilema entre a resistência, a sobrevivência e a modernidade na gestão dos processos comunitários?. In: III ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DE ANGOLA. Anais… Luanda: Arquivo Nacional de Angola, 2015.
  • HEINTZE, Beatrix. Angola nos séculos XVI e XVII: estudos sobre fontes, métodos e história. Luanda: Kilombelombe, 2007a.
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  • HEINTZE, Beatrix. Beiträge zur Geschichte und Kultur der Kisama (Angola) {Contributos para a história e a cultura dos kisamas}. Paideuma, n. 16, p. 159-186, 1970.
  • HEINTZE, Beatrix. Bild, Text und Kontext: Die Repräsentation zentralafrikanischer Menschen durch Henrique Dias de Carvalho (1884-1894) und Leo Frobenius (1905-1907) {Imagem, texto e contexto: a representação de africanos da África Central por Henrique Dias de Carvalho (1884-1894) e Leo Frobenius (1905-1907)}. In: IVANOFF, Hélène; GEORGET, Jean-Louis; KUBA, Richard (Eds.). Kulturkreise: Leo Frobenius und seine Zeitgenossen. Berlim: Reimer, 2016.
  • HEINTZE, Beatrix. Das Ende des unabhängigen Staates Ndongo (Angola): Neue Chronologie und Reinterpretation (1617-1630) {O fim do Estado independente do Ndongo (Angola), Cronologia e reinterpretação (1617-1630)}. Paideuma, n. 27, p. 197-273, 1981.
  • HEINTZE, Beatrix. Discursos de parentesco interétnicos na política da África Centro-ocidental no século XIX. In: HEINTZE, Beatrix. A África Centro-ocidental no século XIX (c. 1850-1890): intercâmbio com o mundo exterior - apropriação, exploração e documentação. Luanda: Kilombelombe, 2014 {2013}.
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  • HEINTZE, Beatrix. (Ed.). Fontes para a história de Angola do século XVII. Stuttgart: Franz Steiner, 1988. v. 2.
  • HEINTZE, Beatrix. Für eine künftige Gesamtgeschichte Angolas. Vom 25. bis 28. September 2007 {Para uma futura história integral de Angola: de 25 a 28 de setembro de 2007}. Periplus, n. 18, p. 181-197, 2008.
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  • MILLER, Joseph C. Kings and kinsmen: early Mbundu states in Angola. Oxford: Claredon Press, 1976.
  • MILLER, Joseph C. Way of death. Madison: University of Wisconsin Press, 1988.
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  • TAVARES, Ana Paula; SANTOS, Catarina Madeira Santos (Ed.). Africae monumenta: a apropriação da escrita pelos africanos. Lisboa: IICT, 2002. Arquivo Caculo Cahenda.
  • VANSINA, Jan. How societies are born: governance in West Central Africa before 1600. Charlottesville: University of Virginia, 2006.
  • VANSINA, Jan. On Ravenstein’s edition of Battell’s adventures in Angola and Loango. History in Africa, n. 34, p. 321-347, 2007.
  • VANSINA, Jan. Oral traditions revisited. In: AFRICA AT NOON. Anais… University of Wisconsin-Madison, 9 set. 2015. Manuscrito.
  • 17
    Entrevista realizada em 28/09/2015.
  • 1
    Isso aconteceu inicialmente nas bibliotecas portuguesas, como mostram as primeiras publicações baseadas nessa experiência. Ver, por exemplo, Heintze (1970HEINTZE, Beatrix. Beiträge zur Geschichte und Kultur der Kisama (Angola) {Contributos para a história e a cultura dos kisamas}. Paideuma, n. 16, p. 159-186, 1970., p. 159-186, 1972HEINTZE, Beatrix. Historical notes on the Kisama of Angola. Journal of African History, n. 13, p. 407-418, 1972., p. 407-418, e 1974HEINTZE, Beatrix. Wer war der “König von Banguela”? {Quem era o “rei de Banguela”?}. In: In memoriam António Jorge Dias. Lisboa: Instituto de Alta Cultura; Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1974. 3 v., p. 185-202). A partir de meados dos anos 1970, começaram a surgir estudos de minha autoria baseados em documentos de arquivo publicados (António Brásio) e não publicados, os mais importantes dos quais viriam a ser publicados muito mais tarde em Angola, em uma antologia em português (Heintze, 2007a).
  • 2
    Cf. também a esse respeito:<http://www.publico.pt/culturaipsilon/noticia/como-falar-de-escravatura-sem-ser- antiportugues-1708787>.
  • 3
    Sobretudo da revista internacional Paideuma (26 anos), da série de monografias Studien zur Kulturkunde (v. 28-122) e da publicação Afrika-Archiv (4 v.) por mim fundada em 1995 e dedicada à edição de fontes.
  • 4
    Para mais pormenores, ver Heintze (2007bHEINTZE, Beatrix. Mein langer Weg nach “Angola” {Meu longo caminho rumo a Angola}. Paideuma, n. 53, p. 7-26, 2007b., p. 7-26).
  • 5
    Sobre sua descrição, ver Giovanni Antonio Cavazzi de Montecuccolo (Missione evangelica, s.d., manuscrito na posse da família Araldi), Cavazzi (1965CAVAZZI, João António. Descrição dos três reinos do Congo, Matamba e Angola. Editado por Graciano Maria de Leguzzano. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, 1965 {1687}. 2 v. {1687}), Gaeta (1669GAETA, Antonio da. Matamba nell’Africa meridonale. Nápoles: Francesco Maria Gioia, 1669.) e Miller (1976MILLER, Joseph C. Kings and kinsmen: early Mbundu states in Angola. Oxford: Claredon Press, 1976., cap. 8).
  • 6
    Tradução para o português em Heintze (2007aHEINTZE, Beatrix. Angola nos séculos XVI e XVII: estudos sobre fontes, métodos e história. Luanda: Kilombelombe, 2007a., cap. III.8).
  • 7
    Esse trabalho pode ser acessado na rede. Disponível em: <http://memoria-africa.ua.pt/Library/ShowImage.aspx?q=/Angola/FontesParaAHistoriaDeAngola-01&p=1>.
  • 8
    É provável que na obra de Miller (1988MILLER, Joseph C. Way of death. Madison: University of Wisconsin Press, 1988.) ou em um de seus numerosos artigos sobre o tráfico transatlântico de escravos se encontrem indicações importantes, de que não me recordo, e às quais não posso referir sem uma nova leitura das mencionadas obras.
  • 9
    A perda radical de autonomia dos angolanos após a Conferência de Berlim está também patente em um exemplo aparentemente irrelevante, mas muito elucidativo: a fotografia e suas legendas textuais. Ver, a esse respeito, Heintze (2014HEINTZE, Beatrix. Discursos de parentesco interétnicos na política da África Centro-ocidental no século XIX. In: HEINTZE, Beatrix. A África Centro-ocidental no século XIX (c. 1850-1890): intercâmbio com o mundo exterior - apropriação, exploração e documentação. Luanda: Kilombelombe, 2014 {2013}. {2013}, cap. XII).
  • 10
    Refere-se ao projeto Memória do mundo da Unesco. Disponível em: <http://www.unesco.org/new/fr/communication-and-information/flagship-project-activities/memory-of-the-world/homepage/>.
  • 11
    Após minha reinterpretação do mandato do governador de Angola Fernão de Sousa (1624-1630) mediante seus relatos reunidos em dois volumosos códices, senti que era meu dever, em especial para com os estudantes e professores universitários angolanos (que muito mais raramente do que nós têm os meios necessários para realizarem os estudos de arquivos em Portugal ou em outro sítio), tornar acessível essa fonte valiosa, sem a qual não é possível, a meu ver, escrever a história de Angola desse tempo. O resultado disso foram os dois volumes, publicados respectivamente em 1985 e 1988, de minhas Fontes para a história de Angola do século XVII. Em 1988, havia publicado, pelas mesmas razões, a edição dos desenhos dos Lwimbi, trazidos por Baumann de Angola em 1954 (e não em 1930, como pensei ainda na altura da publicação do livro). Uma edição portuguesa foi publicada em Luanda em 1994.
  • 12
    O título completo do livro de Hermann Baumann é Die ethnographische Sammlung aus Südwest-Angola im Museum von Dundo, Angola (1954). Katalog {A colecção etnográfica do sudoeste de Angola no Museu do Dundo, Angola (1954) Catálogo}. Bearbeitet und herausgegeben von {redigido e editado por} Beatrix Heintze. Köln: Köppe (Afrika-Archiv 3).
  • 13
    Em relação a esse último aspecto, também publiquei alguns artigos. Ver Heintze (2010HEINTZE, Beatrix. Translocal “kinship ties” in Central African politics of the 19th century. In: FREITAG, Ulrike; OPPEN, Achim von (Ed.). Translocality: the study of globalising processes from a southern perspective. Leiden/Boston: Brill, 2010., p. 179-204, e 2011a).
  • 14
    A publicação várias vezes anunciada das atas desse congresso não se concretizou até agora. Existe uma versão abreviada de meu relatório em português, que o AHNA quis publicar, mas isso não chegou a acontecer.
  • 15
    Incluo nessa categoria o contributo do angolano Armindo Jaime Gomes (“Arjago”) sobre os Ndombe (2015GOMES, Armindo Jaime. Autoridade, tradição e poder: um dilema entre a resistência, a sobrevivência e a modernidade na gestão dos processos comunitários?. In: III ENCONTRO INTERNACIONAL DE HISTÓRIA DE ANGOLA. Anais… Luanda: Arquivo Nacional de Angola, 2015.), que mostra de forma exemplar o que nesse país uma pesquisa de campo estacionária consegue realizar se possuir os conhecimentos e as capacidades-base necessárias. Publicado nos Anais do III Encontro Internacional de História de Angola (2015) Não conseguimos encontrar a referência completa com as páginas.
  • 16
    Para a tradução de fontes e estudos relativos à África, as possibilidades de financiamento são hoje na Alemanha praticamente nulas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    17 Dez 2015
  • Aceito
    14 Jan 2016
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