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O comércio negreiro na clandestinidade: as fazendas de recepção de africanos da família Souza Breves e seus cativos

Resumos

O presente artigo analisa o envolvimento de uma das mais ricas famílias do Brasil Império com o tráfico ilegal de africanos. Os irmãos José e Joaquim de Souza Breves, indivíduos de destaque na política e na sociedade brasileira do século XIX, construíram um verdadeiro império territorial e humano, conformado por milhares de escravos, dispostos por suas propriedades. Do litoral Sul-fluminense ao Vale do Paraíba, nos deparamos com dezenas de fazendas, marcadas essencialmente pela presença africana. Buscaremos compreender como a relação dos comendadores Breves com o comércio ilegal de escravos delineou características singulares às suas propriedades litorâneas, iluminando, no tempo presente, novas questões sobre os últimos anos do tráfico de africanos para o Brasil.

tráfico ilegal de africanos; escravidão; africanos livres; família Breves


This article analyzes the involvement of one of the Brazilian Empire's richest families in the illegal trade to Africa. The brothers José and Joaquim de Souza Breves, men of prominence in 19th Brazilian century politics and society, built a territorial and human empire that included thousands of slaves in numerous real estate properties. In an area ranging from the coastal areas of the southern Fluminense region to the Paraíba valley, they had dozens of plantations in which enslaved Africans formed a marked presence. This article seeks to understand how the Breves brothers' relationship to the illegal slave trade led to the specific characteristics of their coastal properties, thus raising new questions about the last years of the Atlantic slave trade to Brazil.

illegal slave trade; slavery; liberated Africans; Breves family


  • 1
    1 Afonso de E. Taunay, "No Brasil imperial, 1872-1889", História do café no Brasil, tomo VI, Rio de Janeiro: Editora do Departamento Nacional do Café, 1939. pp. 269-83.
  • 2
    2 Segundo João Fragoso e Ana Rios, "num ciclo que se iniciava com os lucros gerados do café, investidos em empréstimos, que retornavam sob a forma de mais escravos e terras, ou seja, mais café. Tanto é assim que os inventários característicos desse tipo de fazendeiro [se refere aos fazendeiros-capitalistas] representavam invariavelmente cerca de 80 % do valor total da riqueza deixada em escravos e terras". João Fragoso e Ana Rios "Um empresário brasileiro dos Oitocentos", in: Hebe Mattos e Eduardo Schnoor (orgs.), Resgate: uma janela para os oitocentos (Rio de Janeiro: Top Books, 1995), pp. 197-224.
  • 3
    3 Sobre os riscos e a lucratividade da travessia atlântica, ver: Manolo Florentino, Em costas negras: uma história do tráfico de escravos entre a África e o Rio de Janeiro, São Paulo: Companhia das Letras, 1997.
  • Afro-Ásia, 47 (2013), 43-78
  • 4 Roquinaldo Ferreira. "Dos sertões ao Atlântico: tráfico ilegal de escravos e comércio lícito em Angola, 1830-1860" (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 1996).
  • 5 Robert Conrad, Tumbeiros. O tráfico de escravos para o Brasil, São Paulo: Brasiliense, 1985.
  • Conrad afirma que o retorno do gabinete conservador, comandado por Bernardo Pereira de Vasconcellos, foi um dos elementos que facilitaram o recrudescimento do tráfico. As ideias de Conrad parecem bastante coerentes, na medida em que o próprio Vasconcelos propusera na legislatura de 1837 a extinção da lei de 1831. Sobre os debates políticos em torno da extinção do tráfico, ver: Jaime Rodrigues, O infame comércio. Propostas e experiências no final do tráfico de africanos para o Brasil (1800-1850), São Paulo: Editora da Unicamp / CECULT, 2000.
  • 6 Para a listagem dos traficantes atuantes na praça carioca entre 1811-1830, ver o "Apêndice 26" de Florentino, Em costas negras, pp. 254-6.
  • 7 Ferreira, "Dos sertões". Ana Flávia Chicelli, "Tráfico ilegal de escravos: os caminhos que levam a Cabinda" (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal Fluminense, 2006).
  • 8 Entrevista com Manoel Moraes, morador de Santa Rita do Bracuí, 27/10/2006, Acervo Petrobrás Cultural Memória e Música Negra, Laboratório de História Oral e Imagem (LABHOI), <www.historia.uff.br/jongos>, acessado em março de 2009.
  • Sobre pesquisas arqueológicas recentes evidenciando o naufrágio de negreiros exatamente na região apontada por Manoel Moraes ver o trabalho de Gilson Rambelli, "Arqueologia de naufrágios e a proposta de estudo de um navio negreiro", Revista de História da Arte e Arqueologia, n. 6 (2006), pp. 97 106.
  • 9 Martha Abreu, "O caso do Bracuhy" In: Hebe Mattos e Eduardo Schnoor (orgs.), Resgate: uma janela para o Oitocentos, pp. 167-95.
  • 11 Biblioteca Nacional (BN), Projeto escravos no Brasil, Documentos Biográficos c. 1052, 44.
  • 12 Segundo Luis Henrique Tavares, Breves estaria ao lado de grandes traficantes, como Manoel Pinto da Fonseca e José Bernardino de Sá "grandes negreiros no Rio de Janeiro dessa época". Luis Henrique Dias Tavares, Comércio proibido de escravos, São Paulo: Editora Ática, 1988, p. 29
  • 13 Fundação Mario Peixoto (FMP), Ofícios da Câmara ao Governo do Império, 1832-1846, Ofício n. 6.
  • 14 Fundação Mario Peixoto (FMP), Ofícios da Câmara ao Governo do Império, 1832-1846, Ofício n. 6.
  • 15 Conrad, Tumbeiros.
  • 16 Joaquim de Paula Guedes Alcoforado, "História sobre o infame negócio de africanos da África Oriental e Ocidental, com todas as ocorrências desde 1831 a 1853". Transcrito por Roquinaldo Ferreira, Revista Estudos Afro-Asiáticos, n. 28 (1995), pp. 219-29.
  • 17 Em fevereiro de 1851, quando o delegado de polícia do Rio de Janeiro, Bernardo de Azambuja, apreendeu 199 africanos novos na Marambaia, além de Joaquim encontrava-se na restinga João dos Santos Breves. Segundo os depoimentos colhidos por Azambuja, João era negociante em Mangaratiba. Juízo de Auditoria de Marinha, 1856, Arquivo Nacional (AN), nº 478, M: 2259, Gl. A Armando de Moraes Breves, em suas memórias familiares recorda que: "A ruga mais séria deu-se na ocasião em que alguns barcos ingleses entraram em Angra dos Reis, perseguindo dois navios negreiros [...] os tumbeiros chamavam-se Leopoldina e Januária O contrabando vinha despachado para João dos Santos Breves, irmão do tio Joáca [Joaquim Breves]". Armando de Moraes Breves, O reino da Marambaia, Rio de Janeiro: Gráfica Olímpica Editora, 1966, p. 96
  • 18 Joaquim de Paula Guedes Alcoforado, História sobre o infame negócio de africanos da África Oriental e Ocidental, com todas as ocorrências desde 1831 a 1853
  • 19 Para uma análise de alguns desses sujeitos, ver: Jaime Rodrigues, De costa a costa. Escravos, marinheiros e intermediários do tráfico negreiro de Angola ao Rio de Janeiro (1780-1860), São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
  • 20 Sobre a Marambaia, ver: Márcia Motta, "Ilha da Marambaia: história e memória de um lugar", in Márcia Motta e Elione Guimarães (orgs.), Campos em disputas: história agrária e companhia (São Paulo: Annablume, 2007), v.1. p. 295-317.
  • Para uma análise etnográfica, ver: José Maurício Arruti (coord.), Laudo antropológico da comunidade remanescente de quilombo da ilha da Marambaia (Rio de Janeiro: Koinonia / Projeto EGBÉ -Territórios Negros, 2003).
  • 21 Cichelli, "Dos caminhos".
  • 22 Daniela Paiva de Moraes, "A capital marítima do comendador: a atuação da Auditoria Geral da Marinha no julgamento sobre a liberdade dos africanos apreendidos na ilha da Marambaia (1851)" (Dissertação de Mestrado, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2009).
  • 24 "The Trans-Atlantic Slave Trade Database Voyages" Voyage 4640 <http://www.slavevoyages.org/tast/index.faces>, acessado em setembro de 2009.
  • 28 Tâmis Parron, "A política da escravidão no Império do Brasil, 1826-1865" (Dissertação de Mestrado, Universidade de São Paulo, 2009).
  • 29 Carlos Eduardo de Almeida Barata, "Os Breves abastados proprietários", <www.hegallery.com.br/genealogia>, acessado em 30/03/2009.
  • 30 Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro (MJERJ), Inventário de José de Souza Breves, Volume 3, 1879, pp. 528-38.
  • 31 Roquinaldo Ferreira, "Dinâmica do comércio intra-colonial: geribita, panos asiáticos e guerra no tráfico angolano de escravos", in João Fragoso, Maria Fernanda Bicalho e Maria Fátima Gouvêa (orgs.), O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (Séculos XVI-XVIII) (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002), pp. 339-78.
  • Segundo Ferreira, "Em 1850, o consulado português no Rio de Janeiro dizia: 'uma grande parte dos gêneros de importação nesta África são produtos do solo brasileiro principalmente aguardente, açúcar, farinha de mandioca'". Ofício do Consulado Português no Rio de Janeiro em 27 de dezembro de 1850. Ferreira, "Dos sertões", p.16.
  • 32
    32 Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro (MJERJ), Inventário de José de Souza Breves, v.1, p.164.
  • 33
    33 Jornal do Commercio, 6 de março de 1851.
  • 34
    34 Museu da Justiça do Estado do Rio de Janeiro (MJERJ), Inventário de Joaquim José de Souza Breves, Volume 2, pp. 291- 9.
  • 35
    35 Inventário de Joaquim José de Souza Breves, p. 294.
  • 36
    36 Em seu artigo 3º a Lei estabelece que: "são autores do crime de importação, ou de tentativa dessa importação, o dono, o capitão ou mestre, o piloto e o contramestre da embarcação, e o sobrecarga. São cúmplices a equipagem, e os que coadjuvarem o desembarque de escravos no território brasileiro de que concorrerem para ocultar ao conhecimento da autoridade, ou para os subtrair à apreensão no mar, ou em ato de desembarque sendo perseguida". Colleção das Leis do Império do Brasil, Biblioteca Nacional (BN).
  • 37
    37 Assis Chateaubriand, Um viveiro morto de mão de obra negra para o cafezal, apud Padre Reynato Breves, A saga dos Breves. Sua família, genealogia, história e tradições, Rio de Janeiro: Editora Valença S.A, s/d., pp.749-50.
  • 38
    38 Ver: Alberto Lamego, O homem e a restinga, Rio de Janeiro: IBGE - Conselho Nacional de Geografia, 1946.
  • José Murilo de Carvalho, Teatro das sombras. A política imperial, São Paulo: Vértice, 1988, p.16;
  • e Richard Graham, Patronage and Politics in Nineteenth-century Brazil, Stanford: Stanford University Press, 1889, pp.125-7.
  • 39 Stanley Stein, Vassouras: um município brasileiro do café, 1850-1900, Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p, 102, nota 56.
  • 40 Robert Slenes, "O que Rui Barbosa não queimou. Novas fontes para o estudo da escravidão no século XIX", Revista Estudos Econômicos, v. 13, n. 1 (1983), pp. 117-49.
  • 41 Para o século XVIII, Mariza Soares destaca que "na passagem de escravo a forro deve-se não apenas conseguir a alforria, mas também passar de um livro a outro. A alforria na pia batismal só é completa quando o assento é feito no livro dos brancos". Mariza Soares, Devotos da cor: identidade étnica, religiosidade e escravidão no Rio de Janeiro do século XVIII, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000, p. 101.
  • 42 Para primeira metade do século XVIII, Mariza Soares destaca que o termo crioulo era usado como sinônimo da primeira geração de filhos de mãe gentia. Mariza Soares, Devotos da cor, p. 97 e 100.
  • 43 Mariza Soares, Devotos da cor", p. 109.
  • 44 Sobre as nações africanas da cidade do Rio de Janeiro na primeira metade do século XIX, assim como sobre a predominância dos grupos da região de Angola e do Congo Norte, ver Mary Karasch, A vida dos escravos no Rio de Janeiro (1808-1850), São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
  • 45 Entre os quatro grupos, apenas os macuas, procedentes do interior da Ilha de Moçambique, eram mais comuns na província do Rio de Janeiro. Acreditamos que os luisaman vissem do norte de Angola, próximo ao rio Cuanza. Ver: "Apêndice A Origens africanas do tráfico de escravos para o Rio de Janeiro, 1830-1852", in Mary Karasch, A vida dos escravos
  • 46 Ferreira, "Dos sertões".
  • 47 Cichelli, "Dos caminhos".
  • 48 Manolo Florentino, "Aspectos sociodemográficos da presença dos escravos moçambicanos no Rio de Janeiro (1790-1850)", in João Fragoso, Manolo Florentino, Antônio Carlos Jucá e Adriana Campos (orgs.), Nas rotas do Império: eixos mercantis, tráfico e relações sociais no mundo contemporâneo (Vitória / Lisboa: Edufes / IICT, 2006), pp.196-244.
  • 50 Diferentemente da perspectiva do Estado imperial, que geralmente considerou livre os africanos desembarcados após a segunda lei antitráfico, estamos considerando "africanos livres" os indivíduos que nasceram na África depois de 1831 e entraram ilegalmente no Brasil como escravos. Sobre as diferentes apropriações dessa categoria, ver: Beatriz G Mamigonian, "Revisitando a transição para o trabalho livre: a experiência dos africanos livres", in Manolo Florentino (org.), Tráfico, cativeiro e liberdade: Rio de Janeiro, séculos XVII-XIX (Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005), pp.389-17.
  • 51 Segundo Karasch, "[...] os Benguelas tinham inundado a cidade [do Rio de Janeiro] na década de 1840 [...] À medida que os britânicos pressionavam Luanda nessa década, muitos comerciantes com base no Rio transferiam suas operações para o sul e negociavam com Benguela"; Karasch, A vida dos escravos, p. 57.
  • 53
    53 Arquivo Nacional (AN), Secretaria de Polícia da Corte, Reservado, fevereiro de 1854, Série Justiça (IJ6 468).
  • 54
    54 Sobre os números do tráfico, ver: Maurício Goulart, A escravidão africana no Brasil (Das origens à extinção do tráfico), São Paulo: Livraria Martins Editora, 1949;
  • Leslie Bethell, A abolição do tráfico de escravos no Brasil, Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura, 1976;
  • David Eltis, Economic Growth and the Ending of the Transatlantic Slave Trade, Nova York: New York University Press, 1987.
  • 55 Minuta de Resposta. 1853, Museu Histórico Nacional (MHN), Coleção Euzébio de Queiróz, EQcr 79/1 (grifo do autor).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Maio 2013
  • Data do Fascículo
    2013

Histórico

  • Recebido
    28 Jun 2011
  • Aceito
    07 Set 2011
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