Resumos
Avaliamos a prevalência dos anticorpos anti-insulina (IAA), anti-decarboxilase do ácido glutâmico (anti-GAD), anti-ilhota de Langerhans (ICA) e as características clínicas e metabólicas de 66 pacientes com diabetes mellitus (DM) de início na idade adulta (47,2±11,6 anos) e duração do DM de 14,3±8,4 anos. RESULTADOS: ICA foi positivo em 10 casos (10 a 640U JDF), três deles também positivos para anti-GAD (15,6 a 113,5U/ml) e um deles para IAA (naqueles sem terapia insulínica). 15,2% dos pacientes tinham um ou mais autoanticorpos, com maior prevalência para ICA. Os pacientes com e sem autoanticorpos não diferiram quanto à apresentação clínica do DM ou à prevalência de complicações. Apenas os níveis de colesterol foram menores no grupo anticorpo positivo (205,2±49,6 vs. 247,1±61,3mg/dl; p<0,05). CONCLUSÃO: 15,2% dos pacientes com DM de início na idade adulta tinham um ou mais autoanticorpos, com maior prevalência para ICA. A determinação de autoanticorpos é necessária para o diagnóstico do DM autoimune.
Autoanticorpos; Diabetes tipo 2; LADA
The prevalence of anti-insulin (IAA), anti-glutamic acid decarboxylase 65 (anti-GAD) and anti-islet cell antibodies (ICA) and the clinical and metabolic findings of 66 patients with adult-onset diabetes mellitus (DM) manifested at 47.2±11.6 years with known duration of 14.3±8.4y were determined. RESULTS: ICA was positive in 10 cases (10 to 640 JDF U), 3 of them being also positive for anti-GAD (15.6 to 113.5 U/ml) and one for IAA (in those without previous insulin therapy). 15.2% of the patients had one or more autoantibodies, with greater prevalence for ICA. There were no differences between patients with and without autoantibodies for clinical DM presentation and prevalence of chronic complications. Only the cholesterol levels were lower in the antibody positive group (205.2±49.6 vs. 247.1±61.3mg/dl; p<0.05). CONCLUSION: 15.2% of the adult-onset DM had one or more autoantibodies, with greater prevalence for ICA. Autoantibodies determination is necessary for the diagnosis of autoimmune DM.
Autoantibodies; Type2 diabetes; LADA
ARTIGO ORIGINAL
Diabetes autoimune em adultos características clínicas e autoanticorpos
Autoimmune diabetes in adults - clinical characteristics and autoantibody pattern
Maria Elizabeth R. Silva; Mileni J.M. Ursich; Dalva M. Rocha; Rosa T. Fukui; Márcia R.S. Correia; Suemi Marui; Lais I. Alves; Rosa F. Santos; Bernardo L. Wajchenberg
Laboratório de Investigação Médica (LIM 18), Hospital das Clínicas da Faculdade Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil
Endereço para correspondência Endereço para correspondência Maria Elizabeth Rossi da Silva Rua João Moura, 627 conj. 72 05412-911 São Paulo, SP, Brasil Fone: (11) 3066-7259 / 3085-9527 e-mail: mbeth@usp.br
RESUMO
Avaliamos a prevalência dos anticorpos anti-insulina (IAA), anti-decarboxilase do ácido glutâmico (anti-GAD), anti-ilhota de Langerhans (ICA) e as características clínicas e metabólicas de 66 pacientes com diabetes mellitus (DM) de início na idade adulta (47,2±11,6 anos) e duração do DM de 14,3±8,4 anos.
RESULTADOS: ICA foi positivo em 10 casos (10 a 640U JDF), três deles também positivos para anti-GAD (15,6 a 113,5U/ml) e um deles para IAA (naqueles sem terapia insulínica). 15,2% dos pacientes tinham um ou mais autoanticorpos, com maior prevalência para ICA. Os pacientes com e sem autoanticorpos não diferiram quanto à apresentação clínica do DM ou à prevalência de complicações. Apenas os níveis de colesterol foram menores no grupo anticorpo positivo (205,2±49,6 vs. 247,1±61,3mg/dl; p<0,05).
CONCLUSÃO: 15,2% dos pacientes com DM de início na idade adulta tinham um ou mais autoanticorpos, com maior prevalência para ICA. A determinação de autoanticorpos é necessária para o diagnóstico do DM autoimune.
Descritores: Autoanticorpos; Diabetes tipo 2; LADA
ABSTRACT
The prevalence of anti-insulin (IAA), anti-glutamic acid decarboxylase 65 (anti-GAD) and anti-islet cell antibodies (ICA) and the clinical and metabolic findings of 66 patients with adult-onset diabetes mellitus (DM) manifested at 47.2±11.6 years with known duration of 14.3±8.4y were determined.
RESULTS: ICA was positive in 10 cases (10 to 640 JDF U), 3 of them being also positive for anti-GAD (15.6 to 113.5 U/ml) and one for IAA (in those without previous insulin therapy). 15.2% of the patients had one or more autoantibodies, with greater prevalence for ICA. There were no differences between patients with and without autoantibodies for clinical DM presentation and prevalence of chronic complications. Only the cholesterol levels were lower in the antibody positive group (205.2±49.6 vs. 247.1±61.3mg/dl; p<0.05).
CONCLUSION: 15.2% of the adult-onset DM had one or more autoantibodies, with greater prevalence for ICA. Autoantibodies determination is necessary for the diagnosis of autoimmune DM.
Keywords: Autoantibodies; Type2 diabetes; LADA
DIABETE MELLITUS TIPO 1 (DM1) é desordem heterogênea com ampla expressão clínica, variando desde início abrupto, com cetoacidose, até deficiência insulínica lentamente progressiva. A maioria dos pacientes com DM1 é diagnosticada na infância e início da puberdade. Entretanto, existe um subgrupo de pacientes adultos com diabetes autoimune que manifesta-se mais tardiamente, após os 35 anos de idade, que caracteriza-se por longo período prodrômico assintomático, ausência de sintomas agudos ou cetonúria ao diagnóstico e preservação de função residual das células b, simulando muitas vezes o DM tipo 2 (DM2). Dados epidemiológicos demonstram que esse tipo de DM, denominado diabetes autoimune latente do adulto (LADA), é responsável por 10% de todos os casos de DM (1) e responde pelo segundo pico de incidência de diabetes autoimune, mais tardio, já na maturidade, aos 50-60 anos de idade(2-6), bastante distante do pico conhecido da criança e adolescente.
LADA também difere na menor freqüência de autoanticorpos contra antígenos pancreáticos, tais como anticorpos anti-insulina (IAA), anti-ilhota de Langerhans (ICA) e anti-tirosina-fosfatase (anti-IA2), e menor freqüência de indivíduos heterozigotos para os genótipos HLA-DR3/DR4, predominantes no DM1 do jovem. Por outro lado o anticorpo mais prevalente no LADA é o antidecarboxilase do ácido glutâmico (anti-GAD) (6,7). Aproximadamente 60-70% dos jovens com DM1 têm haplótipo de risco HLA DR4/DQB1*0302 e praticamente nenhum deles apresenta o alelo protetor DQB1*0602 (8,9). Também no nosso meio verificamos grande freqüência dos grupos de alelos DRB1*03 e/ou DRB1*04 (82,4%) e DQB1*02 e/ou DQB1*03 (91,1%) em DM1 (10), mas Volpini e cols (11) não confirmaram o efeito do alelo protetor. Já no LADA, o haplótipo de susceptibilidade DR4/ DQB1*0302 é substancialmente menos freqüente (25 - 36%) e 21% dos pacientes apresentam o alelo DQB1*0602, protetor para DM1 do jovem (8,9). Assim, no diabetes autoimune do adulto há menor freqüência dos alelos HLA associados à susceptibilidade no jovem, predominando DR3 sobre DR4.
Os marcadores humorais autoimunes são preditores específicos de falência secundária precoce da terapia do DM com dieta ou hipoglicemiantes orais, sendo forte indicadores de insulino-dependência subseqüente. Cinqüenta por cento dos pacientes adultos anti-GAD positivos ao diagnóstico manifestam nítida deficiência insulínica após 10 anos, comparados a apenas 3% dos pacientes anti-GAD negativos (9). Enquanto no LADA a resposta reduzida de peptídeo C após estímulo pode também estar presente, a ausência de obesidade não é obrigatória. Pelo contrário, é relativamente freqüente.
Existe entretanto, pouca informação sobre a presença e progressão de complicações crônicas neste subgrupo de DM. Alguns estudos sugerem que eles exibem menos características da síndrome metabólica, tais como: menores valores para o índice de massa corpóreo (IMC), da pressão arterial e das concentrações em jejum de peptídeo C e maiores concentrações de HDL-colesterol que os pacientes DM2 (12,13). Apesar destas diferenças, a prevalência de retinopatia, neuropatia, microalbuminúria, doença coronariana, ou mortalidade cardiovascular não parece diferir entre os dois grupos.
Até o presente não está claro se LADA é uma variante de DM1 ou outra patologia com identidade própria. A definição clínica de LADA é importante porque compreende relevante número de casos de diabetes autoimune na idade adulta que poderia ser beneficiado por terapias de imunomodulação ou tratamento precoce insulínico, preservando as células b residuais funcionantes. A secreção insulínica, mesmo reduzida, contribui para controle glicêmico mais estável, prevenindo complicações futuras (14).
Entretanto, diabetes autoimune é também doença heterogênea quanto à apresentação clínica e demográfica (4,6,14-19) e a autoimunidade não contribui tão substancialmente para DM em populações não européias quanto as européias (20). Existem poucas referências considerando estes aspectos e a prevalência de anticorpos em diabéticos no nosso meio (21-27). Nós testamos autoanticorpos anti-GAD, anti-insulina e anti-ilhotas pancreáticas em pacientes com DM de início na idade adulta, com características clínicas iniciais de DM2, pertencentes a população com origem racial mista, composta de brancos (caucasianos), índios e negros com os seguintes objetivos: estabelecer a prevalência de LADA numa população de DM2 e caracterizar o fenótipo desse grupo.
PACIENTES E MÉTODOS
O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética e Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Avaliamos todos os pacientes com diagnóstico clínico de DM2 na admissão, atendidos no ambulatório de diabetes do Hospital das Clínicas de Universidade de São Paulo por período de 2 meses.O diagnóstico clínico incluiu: ausência de cetoacidose ou uso de insulina nos primeiros meses do diagnóstico, história familiar de DM ou presença de um ou mais fatores de risco para síndrome plurimetabólica como hipertensão arterial, obesidade ou dislipidemia. 68,2% deles tinha história familiar de DM2. A glicemia de jejum >126mg/dl foi utilizada como definição de DM.
O estudo consistiu de 66 pacientes com idade de 61,6±9,6 anos (39-81anos), 16M/50F, com 47,2±11,6 anos (27-71anos) de idade ao diagnóstico, e duração conhecida do diabetes de 14,3±8,4 anos. Todos tiveram diagnóstico de DM após os 35 anos, exceto uma paciente, diagnosticada aos 27 anos, durante a gestação, que persistiu com GTT diabético após o parto e não necessitou insulinoterapia mesmo após 22 anos de doença. Seus antecedentes familiares não eram sugestivos de MODY.
Do total, 21 pacientes (31,8%) nunca receberam terapia insulínica e 4 pacientes (6,1%) necessitaram insulina durante curto espaço de tempo, por doenças intercorrentes ou gravidez. Somente 14 pacientes (21%) iniciaram insulinoterapia nos primeiros 5 anos do diagnóstico.
Os pacientes foram analisados considerando: 1) características fenotípicas, 2) prevalência dos autoanticorpos antidecarboxilase do ácido glutâmico (anti-GAD), anti-ilhota de Langerhans (ICA) e, naqueles sem terapia insulinica prévia, o anti-insulina (IAA), 3) perfil lipídico, 4) presença de hipertensão arterial, retinopatia e proteinúria.
MÉTODOS
A glicemia foi determinada pelo método de glicose-oxidase, a hemoglobina glicosilada pela cromatografia em coluna de troca iônica (Sigma) e as frações lipídicas por procedimentos enzimáticos colorimétricos automatizados: triglicerídeos (método PAP, Biolab Mérieux) colesterol (método CHOD/PAP, Boeringer Mannheim Diagnóstica). O HDL-colesterol foi medido após precipitação seletiva por ácido fosfotungstico e cloreto de magnésio e o LDL-colesterol, calculado através da fórmula de Friedewald. ICA foi determinado por imunoperoxidase em cortes de pâncreas de rato (28-29). Na nossa população controle (5-60 anos), a média dos valores de ICA foi 0,54±2,27 U JDF ; valores até 10 U JDF estiveram presentes em 5,3%. O limite de detecção do ensaio de ICA foi 5 Unidades Juvenile Diabetes Foundation (JDF). Valores de ICA > 10U JDF foram considerados positivos. No 13th ICA Proficiency Program 1998, nosso método laboratorial teve 100% de especificidade e consistência, 67% de sensibilidade e 86% de validade (Lab# 231). IAA(30) e anti-GAD (Kronus) foram determinados por radioimunoensaio. No 4th IAA Proficiency Program (1997) nossos resultados tiveram 100% de especificidade, validade, sensibilidade e consistência (LAB# 274). Os valores controles normais foram <100nU/ml para IAA e 0,06±0,21 U/ml (0-1,2U/ml) para anti-GAD ( somente 2,7% deles tinham valores maiores que 1,0U/ ml).
Análise Estatística: Os resultados são apresentados como média ± desvio padrão. As diferenças entre grupos foram avaliados por teste T não pareado e teste X2. P<0,05 foi considerado significativo
RESULTADOS
Na tabela 1 estão indicados os dados clínicos e os títulos de autoanticorpos dos pacientes ICA positivos. ICA foi positivo em 10 casos (8F:2M) com valores de 10 a 640 U JDF. Três deles também tinham anti-GAD positivo, com valores entre 15,6 a 113,5 U/ml.
Entre os pacientes sem uso prévio de insulina, IAA foi detectado em somente 1 caso (paciente 4, IAA= 1294nU/ml), também ICA positivo (ICA= 20 U JDF). Assim, 15,2% dos pacientes tinham um ou mais anticorpos, com maior prevalência para ICA, mesmo após longa duração de diabetes, de até 28 anos.
História familiar de diabetes tipo 2 estava presente em metade dos casos dos portadores de autoanticorpos. Somente dois pacientes (#7 e #9) referiam familiares sob terapia insulínica ou outras doenças autoimunes como vitiligo, doença de Graves ou artrite reumatóide.
Os 66 pacientes foram divididos em 2 subgrupos : anticorpos negativos (AC-) e positivos (AC+) e comparados quanto às suas características clínicas e parâmetros metabólicos. Não houve diferença entre os subgrupos AC- e AC+ para os seguintes parâmetros clínicos : idade ao diagnóstico, duração do diabetes, duração do tratamento prévio à terapêutica insulínica e índice de massa corpóreo (tabela 2). Nenhum paciente com autoanticorpo apresentava fenótipo negróide.
Quanto aos dados metabólicos, o subgrupo AC + tinha níveis menores de colesterol total (205,2±49,6 vs.247,1±61,3 mg/dl; p<0,05) em relação ao subgrupo AC-. Os valores de LDL-colesterol (135,9±40,4 vs. 167,1±54,3 mg/dl), de triglicérides (145±48,6 vs. 250±46,9 mg/dl) e de HDL-colesterol (47,7± 22,6 vs. 44,3±12,9) não diferiram nos grupos AC+ e AC- respectivemente. Todos os outros parâmetros metabólicos testados (níveis séricos ou plasmáticos de hemoglobina glicada, sódio, potássio, creatinina, uréia, clearance de creatinina ) foram semelhantes nos grupos AC+ e AC-, bem como a prevalência de hipertensão, retinopatia, catarata e proteinúria.
DISCUSSÃO
Segundo Kobayashi e cols (14), o diabetes autoimune de progressão lenta do adulto incide tardiamente, entre 30 e 50 anos de idade, manifestando-se inicialmente de forma semelhante ao tipo 2, mas progredindo para dependência precoce de insulina. Predomina no sexo masculino e envolve também o pâncreas exócrino. No anátomo-patológico de pâncreas obtidos em biópsia ou autópsia, os linfócitos T são menos predominantes, com menor infiltração insular que os do tipo 1. As células beta são reduzidas, mas preservadas, e o pancreas exócrino é atrófico.
No presente estudo, 15,2% dos diabéticos com início na idade adulta, atendidos no ambulatório de Diabetes por um período de 2 meses, tinha 1 ou mais autoanticorpos anti-antígenos pancreáticos. Houve maior prevalência para ICA, sendo 5 em alto título (>40 U JDF), apesar da longa duração da doença. Destes, a terapia insulínica foi iniciada após 8 a 16 anos do diagnóstico, exceto 1 caso também anti-GAD positivo (= 70,8 U/ml), diagnosticado aos 37 anos, que requereu insulina decorridos 3 anos.
Quanto aos outros 2 pacientes anti-GAD positivos, apenas 1 (anti-GAD= 113,5 U/ml e ICA= 160 U JDF) recebeu insulina após 8 anos. O outro paciente, com títulos mais baixos de autoanticorpos (anti-GAD= 15,6 U/ml e ICA= 20 U JDF) não necessitou insulina mesmo após 16 anos do diagnóstico de diabetes, evidenciando a lenta progressão da doença.
A freqüência observada de anticorpo anti-GAD (4,5%) foi semelhante à relatada por Franca e cols (31) - cerca de 6% em diabéticos tipo 2 na comunidade Nipo-Brasileira de Bauru, no interior de São Paulo.
Outro aspecto a ser considerado quanto ao valor preditivo dos autoanticorpos para falência secretora de insulina é a conformação ou especificidade do autoanticorpo. No Lada que progride para necessidade de insulinoterapia, o anticorpo anti-GAD é dirigido contra a porção média e carboxiterminal da molécula. Nestes pacientes, costuma haver também maior prevalência de anticorpos anti-tiróide. Já quando esse anticorpo é contra apenas a porção média da molécula, há baixo risco de dependência de insulina, e o diabetes pode ter comportamento semelhante ao tipo 2 (32). O processo autoimune também é mais agressivo quando o ICA é dirigido contra toda a ilhota. Ao contrário, o ICA restrito, dirigido apenas contra as células beta, nem sempre indica destruição celular (30).
Baixos títulos de ICA (10U JDF) foram observados em 3 pacientes (#2, #6 e #9) com longa duração da doença (16, 28 e 23 anos respectivamente). Usualmente ICA pode tornar-se negativo após 2 anos do diagnóstico da doença no jovem, provavelmente pelo desaparecimento dos antígenos da ilhota. Entretanto, essa talvez não tenha sido a causa, considerando que tais pacientes somente necessitaram terapia insulínica nos últimos 1- 2 anos, sugerindo a preservação de massa residual de células b funcionantes. Os baixos títulos de autoanticorpos poderiam estar relacionados a lesão prévia não progressiva das células b, não refletindo doença autoimune ativa como causa do diabetes, ponderando ainda que IAA e anti-GAD eram negativos.
Já o anticorpo anti-insulina tem baixo valor preditivo para diabetes autoimune do adulto, diferente do da criança (15). Em estudo onde avaliamos familiares adultos de diabéticos tipo 1, sua presença (em 4,7% daqueles acima de 20 anos) não teve relação com progressão para a doença (10). Da mesma forma, Pinheiro e cols.(21) não observaram sua presença em diabéticos do tipo 2 no nosso meio.
Os mecanismos responsáveis pela manutenção dos autoanticorpos, muitos em títulos elevados, durante o processo de destruição lenta das células beta, não estão totalmente esclarecido.
Borg et al (34) e Kobayashi et al (14) também observaram nos portadores de LADA, que não apenas o anticorpo anti-GAD, mas também ICA e anti-IA2 persistem após o diagnóstico, por período mais prolongado que em crianças com diabetes tipo 1. Num seguimento de 12 anos, estes anticorpos persistiram positivos em 87%, 47% e 40% dos pacientes (34). Novamente, a presença de anti-GAD ou 3 anticorpos eram preditores de falência secretora de insulina. Segundo Kobayashi (14), os títulos baixos e pouco prevalentes de ICA, IA-2 e IAA têm baixo valor preditivo para falência secretora e estas dosagens não melhoram a sensibilidade da predição para dependência de insulina obtido apenas com a determinação de anti-GAD.
Assim, nenhum anticorpo parece prever, de forma inequívoca, a falência das células beta e a a insulinoterapia precoce, como ocorre em crianças, especialmente quanto a ICA e IAA. Em estudo onde avaliamos 563 familiares de diabéticos tipo 1, o anti-GAD esteve presente em 4,8% deles e em todos os 8 familiares que progrediram para diabetes tipo 1 (10). Esta progressão para dependência de insulina foi mais rápida , num período de até 5 anos, em crianças e adolescentes com 3 ou 4 autoanticorpos. Já nos familiares adultos, o quadro inicial era o de diabetes semelhante ao tipo 2.
A presença de autoimunidade em 15,2% dos adultos com diabetes mellitus é semelhante a de outros estudos, reportando 10 a 15% (16), embora o anticorpo mais prevalente em nosso estudo tenha sido ICA, ao invés de anti-GAD. Na Finlândia (9), a prevalência de anti-GAD foi 9,3% entre os 1.222 diabéticos diagnosticados após os 35 anos de idade como diabetes tipo 2 e, na população chinesa (35), com baixa prevalência de obesidade, de 16,1%. ICA e IA2 foram menos freqüentes, usualmente relacionados aos níveis e positividade de anti-GAD (9).
Por outro lado, outros estudos também referiram maior prevalência de ICA, em 8% (36) a 34,6% (13) dos pacientes com diagnóstico de diabetes acima de 40 e 30 anos respectivamente, enquanto anti-GAD esteve presente em 8% e 22% respectivamente. Segundo Turner e cols (1), a freqüência de autoanticorpos pode atingir 19% dos diabéticos com início entre 28 e 45 anos, tendendo a diminuir em indivíduos com diagnóstico mais tardio (1,9,37). Entretanto a idade de diagnóstico e o índice de massa corpóreo dos pacientes anti-GAD+ parece diferir pouco dos pacientes diabéticos anti-GAD-, semelhante a nossos resultados (30,3% de nossa população iniciou diabetes antes dos 40 anos de idade e a idade não foi útil no diagnóstico de diabetes autoimune).
Não houve diferença (p<0,05) entre nossos grupos AC+ e AC - para vários parâmetros clínicos: idade diagnóstica, duração do diabetes, duração de tratamento prévio à terapêutica insulínica e IMC (tabela 2). Avaliação da história familiar não foi relevante para o diagnóstico, concordante com referido por Lohmann e cols (8). Nem as características fenotípicas nem a soropositividade ou títulos de anti-GAD e ICA foram preditivos para o desenvolvimento tardio da deficiência insulínica. Inclusive, os 4 pacientes(#4, #5, #7 e #10) com 2 autoanticorpos (ICA e IAA ou anti-GAD), tiveram diagnóstico de diabetes aos 60,37, 56 e 41 anos. Apenas os pacientes #5 e #7 necessitaram insulinoterapia após 3 e 8 anos do diagnóstico. Os pacientes #4 e #10 estão sem tratamento insulínico após 9 e 16 anps do diagnóstico respectivamente. Pietropaolo et alli (38) e o estudo do UKPDS (1) não confirmaram que 1 anticorpo positivo seja preditivo de necessidade de terapia insulínica em diabéticos acima de 65 e 45 anos respectivamente, enquanto a associação de 2 anticorpos sim.
A história natural do diabetes em pacientes adultos ICA+ ou anti-GAD+ não está totalmente elucidada. Em relação ao diabetes tipo 2 com autoanticorpos negativos, aqueles com anticorpos positivos parecem exibir os componentes da síndrome metabólica com menor freqüência e perfil de risco cardiovascular mais atenuado, representados por: menor pressão arterial, menores níveis de colesterol total, da relação LDL/HDL colesterol e de triglicérides, maiores valores de HDL-colesterol e menor albuminúria (12,39) Tais diferenças provavelmente são decorrentes da menor obesidade e insulino-resistência (8,39). Entretanto, baixos valores de IMC e da relação cintura-quadril nem sempre estão presentes e há pouca diferença na prevalência de complicações micro e macro vasculares em relação ao tipo 2 (12).
Quanto aos parâmetros metabólicos, nossos dados indicaram menores níveis de colesterol no grupo AC+, e apenas tendência a menores níveis de LDL-colesterol e triglicérides e maiores de HDL-colesterol. A freqüência de complicações crônicas como hipertensão, retinopatia ou proteinúria também não difeririu entre eles. Provavelmente, as complicações foram semelhantes aos dos portadores de diabetes tipo 2 clássico por serem, alguns deles, obesos e resistentes à insulina, como sugere Carlsson e cols (40). Também, nos portadores de LADA, há pronunciada ativação das respostas de fase aguda no soro, representadas por níveis mais elevados de fibrinogênio e proteina C reativa e redução de albumina. Estas alterações, decorrentes do processo de autoimunidade e liberação de citoquinas como fator de necrose tumoral, interleucinas 6 e 1b, podem interferir com a secreção e ação da insulina, favorecer a lesão vascular e predispor à aterosclerose (38).
Aos portadores de LADA têm-se sugerido a insulina como tratamento potencial para preservar a função das células b, seja reduzindo o efeito da glucotoxicidade da hiperglicemia e/ou abrandando o ataque autoimune. Kobayashi e cols (14) observaram que estes pacientes tratados com insulina mantinham a resposta de peptídeo C no GTT oral ao longo do tempo, mas esta declinava progressivamente naqueles tratados com sulfoniluréia. ICA ficou negativo em muitos pacientes do grupo insulina, mas persistiu positivo no grupo sulfoniluréia enquanto o anti-GAD não se alterou. Assim, a insulinoterapia precoce pode modular a falência das células beta. Após 3 anos, 47% e 13% dos diabéticos tratados com sulfoniluréia e insulina, respectivamente, progrediram para dependência de insulina exógena. A intervenção com insulina mostrou benefício, mais evidente naqueles com títulos de anti-GAD acima de 10 U/ml e maior preservação da função secretora da célula beta no início do estudo. Tais resultados podem decorrer dos seguintes efeitos da insulina exógena: 1) supressão da atividade da célula beta, reduzindo a expressão de antígenos pancreáticos e agressão imune; 2) indução de tolerância imunológica aos antígenos da célula beta e supressão da cascata imunológica; 3) regulação da resposta de interleucina 4 (IL-4) através de configuração comum do receptor de IL-4 e insulina. A ativação de IL-4 corrige o desbalanço entre linfócitos T auxiliares, prevalecendo a resposta menos agressiva do linfócito T auxiliar 2 (Th2) sobre Th1; 4) proteção contra a apoptose e necrose da célula beta; 5) redução da deposição de amiloide (positivo para amilina) na célula beta, mecanismo importante de destruição da célula beta e subseqüente falencia secundária à sulfoniluréia. A secreção de amilina é suprimida pela insulina e ambiente de normoglicemia
A diferente prevalência de ICA e anti-GAD nos diferentes estudos poderia ainda depender de diferenças na sensibilidade e especificidade dos métodos laboratoriais utilizados, especialmente os de ICA (33). Também, a alta prevalência de marcadores imunes em nossa população de diabéticos adultos poderia ter relação com as diferenças geográficas e étnicas observadas na incidência de diabetes tipo 1. Estas parecem influir na idade de início da doença, com taxa de progressão mais lenta após a puberdade em áreas com menor risco para o diabetes do jovem. A incidência de diabetes autoimune no Brasil é provavelmente influenciada pela origem étnica mista, Europeus (principalmente Portugueses e Espanhóis), Ameríndios e Africanos.
Não podemos descartar a possibilidade de algum viés dependente do recrutamento da população em estudo; todos eram pacientes ambulatoriais tratados no Hospital de Clínicas, fato que poderia ter selecionado casos de mais difícil controle e, provavelmente, de maior dependência de terapia insulínica.
Em conclusão, diabetes autoimune é causa freqüente de diabetes em adultos brasileiros e suas manifestações podem ser muito semelhantes ao diabetes tipo 2 quando considerados idade diagnóstica, grau de obesidade, progressão da doença e complicações crônicas. A determinação de autoanticorpos é necessária para o diagnóstico diferencial. ICA e anti-GAD poderiam ser rotineiramente avaliados, dada a alta prevalência de marcadores de autoimunidade.
Recebido em 29/11/02
Revisado em 24/04/03
Aceito em 20/05/03
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
01 Ago 2003 -
Data do Fascículo
Jun 2003
Histórico
-
Recebido
29 Nov 2002 -
Revisado
24 Abr 2003 -
Aceito
20 Maio 2003