Open-access Obesidade visceral, hipertensão arterial e risco cárdio-renal: uma revisão

Visceral obesity, hypertension and cardio-renal risk: a review

Resumos

A maior parte da adversidade atribuída à obesidade é dada pelo risco cardiovascular/coronariano imputado à mesma, particularmente presente nos obesos com distribuição visceral de gordura corporal. O acúmulo de gordura visceral está sabidamente associado à maior prevalência de desarranjos metabólicos, hormonais, inflamatórios e hemodinâmicos, que no conjunto implicarão em maior acometimento da microvasculatura e impacto negativo sobre os órgãos-alvo, particularmente sobre o eixo cárdio-renal. Neste sentido, além da associação clássica com a doença coronariana, têm-se verificado uma associação maior da obesidade visceral com a hipertrofia ventricular esquerda e microalbuminúria, ambos fatores de risco cardiovascular e nefrológico reconhecidos. Assim, a abordagem terapêutica dos pacientes obesos, particularmente dos hipertensos, deve levar em conta a estratificação de risco baseada na distribuição de gordura corporal, o que permitirá uma terapêutica mais adequada, visando-se não só o controle dos fatores de risco como a monitorização do acometimento de órgãos-alvo nestas populações.

Obesidade visceral; Hipertensão arterial; Hipertrofia ventricular esquerda; Microalbuminúria


Great part of obesity adversity is due to its cardiovascular/coronary risk, particularly present in obese with visceral adiposity distribution. Visceral fat deposition is known to be associated with a greater prevalence of metabolic, neurohormonal, inflammatory and hemodynamic disorders, which together will be implicated in microvascular and target organ involvement, particularly to the cardio-renal axis. In this aspect, beyond its classical association with coronary disease, visceral obesity has been associated with left ventricular hypertrophy and microalbuminuria, which are known cardiac and nephrologic risk factors. So, therapeutic tools for obese patients, specially for those with hypertension, must accomplish the risk stratification based on body fat distribution, which will allow a more adequate therapy in terms of risk factors control as well as target organ damage monitoring.

Visceral obesity; Hypertension; Left ventricular hypertrophy; Microalbuminuria


REVISÃO

Obesidade visceral, hipertensão arterial e risco cárdio-renal: uma revisão

Visceral obesity, hypertension and cardio-renal risk: a review

Eduardo Cantoni Rosa; Maria Teresa Zanella; Artur Beltrame Ribeiro; Osvaldo Kohlmann Junior

Setor de Hipertensão e Diabetes, Disciplina de Nefrologia, Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e Hospital do Rim e Hipertensão, São Paulo, SP

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Eduardo Cantoni Rosa Hospital do Rim e Hipertensão – Ambulatório de Hipertensão Rua Borges Lagoa 960 04038-002 São Paulo, SP Fax: (11) 5087-8039 E-mail: eduardocantoni@uol.com.br

RESUMO

A maior parte da adversidade atribuída à obesidade é dada pelo risco cardiovascular/coronariano imputado à mesma, particularmente presente nos obesos com distribuição visceral de gordura corporal. O acúmulo de gordura visceral está sabidamente associado à maior prevalência de desarranjos metabólicos, hormonais, inflamatórios e hemodinâmicos, que no conjunto implicarão em maior acometimento da microvasculatura e impacto negativo sobre os órgãos-alvo, particularmente sobre o eixo cárdio-renal. Neste sentido, além da associação clássica com a doença coronariana, têm-se verificado uma associação maior da obesidade visceral com a hipertrofia ventricular esquerda e microalbuminúria, ambos fatores de risco cardiovascular e nefrológico reconhecidos. Assim, a abordagem terapêutica dos pacientes obesos, particularmente dos hipertensos, deve levar em conta a estratificação de risco baseada na distribuição de gordura corporal, o que permitirá uma terapêutica mais adequada, visando-se não só o controle dos fatores de risco como a monitorização do acometimento de órgãos-alvo nestas populações.

Descritores: Obesidade visceral; Hipertensão arterial; Hipertrofia ventricular esquerda; Microalbuminúria

ABSTRACT

Great part of obesity adversity is due to its cardiovascular/coronary risk, particularly present in obese with visceral adiposity distribution. Visceral fat deposition is known to be associated with a greater prevalence of metabolic, neurohormonal, inflammatory and hemodynamic disorders, which together will be implicated in microvascular and target organ involvement, particularly to the cardio-renal axis. In this aspect, beyond its classical association with coronary disease, visceral obesity has been associated with left ventricular hypertrophy and microalbuminuria, which are known cardiac and nephrologic risk factors. So, therapeutic tools for obese patients, specially for those with hypertension, must accomplish the risk stratification based on body fat distribution, which will allow a more adequate therapy in terms of risk factors control as well as target organ damage monitoring.

Keywords: Visceral obesity; Hypertension; Left ventricular hypertrophy; Microalbuminuria

A OBESIDADE É ATUALMENTE UMA DOENÇA altamente prevalente e de elevada morbimortalidade para as populações industrializadas (1). Tal risco é particularmente atribuído às implicações cardiovasculares relacionadas à obesidade (2,3), especialmente presentes nos obesos com deposição visceral de gordura, conforme demonstrou-se nos estudos longitudinais suecos (4,5), posteriormente corroborados por Framingham (6) e outros (7).

A importância da obesidade visceral reside na sua associação direta com outros fatores de risco cardiovasculares, entre eles a hipertensão, o diabetes e a dislipidemia (8-10). Entretanto, os métodos habitualmente empregados para se medir a gordura total não predizem em paralelo a gordura visceral, particularmente nas mulheres, as quais, ao contrário dos homens, tendem ao maior acúmulo de gordura subcutânea até antes da menopausa (11,12).

Dentre as medidas utilizadas para se avaliar a gordura visceral, as medidas antropométricas têm sido as mais empregadas, pois embora não tão acuradas, tal como a avaliação à ultrassonografia ou à tomografia, são mais práticas e apresentam reprodutibilidade adequada (12,13).

Em particular, as mais utilizadas têm sido as medidas de circunferência. Dentre estas, o uso da relação cintura/quadril (C/Q) e da cintura têm mostrado correlações adequadas para com a gordura visceral estimada pela tomografia, além de predizerem adequadamente o risco cardiovascular (4,5,12,14). Além disso, os limites de corte habitualmente utilizados para estes parâmetros têm-se mostrado adequados na estratificação de risco, havendo, hoje em dia, uma tendência da aplicação de limites variados, que estarão em acordo com tipo de população avaliada (7,11,15-17).

SÍNDROME METABÓLICA

A associação entre obesidade visceral (central, abdominal, alta) com outros fatores de risco cardiovasculares, tendo por mecanismo subjacente a resistência à insulina, deu origem à denominação Síndrome de Resistência à Insulina (18), que parece acometer cerca de 1/4 da população adulta americana (19), e definida pela presença de 3 ou mais dentre os seguintes parâmetros: circunferência abdominal >102cm em homens e 88cm em mulheres; triglicérides >150mg/dl; HDL <40mg/dl em homens e <50mg/dl em mulheres; PA >130/85mmHg; glicemia >110mg/dl.

Atualmente, sabe-se que existe uma predisposição genética paralela à resistência insulínica e à hipertensão, já presente em indivíduos pré-hipertensos e hipertensos não-obesos (20). Por outro lado, também se demonstra uma determinação genética no padrão de deposição de gordura visceral (21). Ainda, têm-se proposto que distúrbios neuro-endócrinos possam condicionar à deposição de gordura visceral (21).

Assim, mediante influências ambientais, endócrinas e idade, indivíduos geneticamente predispostos virão a apresentar a síndrome metabólica na sua forma mais florida, expressando-se aí o impacto do peso, especialmente da gordura visceral, sobre as demais doenças.

Neste sentido, o acúmulo de gordura visceral, com as suas células adiposas maiores, mais responsivas às enzimas lipolíticas e em parte resistentes à insulina, determinará aumento na produção de ácidos graxos livres na circulação portal que condicionarão à: 1) piora na sensibilidade à insulina na célula muscular; 2) diminuição na extração hepática de glicose e insulina; 3) aumento da gliconeogenese e da produção de lípides a nível hepático (VLDL-triglicérides); 4) prejuízo na secreção pancreática de insulina. Além disso, haverá aumento da fração de LDL pequenas, potencialmente mais aterogênicas (21).

Contribuirá, ainda, para piora na sensibilidade à insulina a diminuição do fluxo na musculatura esquelética determinada, por sua vez, por alterações estruturais e funcionais ligadas ao: 1) tipo de musculatura, que se mostra menos vascularizada em obesos viscerais; 2) ao aumento da reatividade vascular, por sua vez vinculada a alterações tróficas, disfunção endotelial, alterações iônicas e ativação do simpático na musculatura esquelética, mecanismos estes vinculados à obesidade (22).

Conforme o exposto, o prejuízo à ação da insulina nos tecidos adiposo e muscular, na vigência da obesidade visceral, determinará hiperinsulinemia, hiperglicemia e alterações lipídicas. Além disso, a resistência à ação da insulina no tecido muscular (23) atenua de certa forma os efeitos vasodilatadores da mesma (24) nesta localização, e podem explicar em parte os mecanismos hipertensores da obesidade, dada a ausência da resistência à insulina em outros sítios (rins, cérebro), potencialmente promotores de hipertensão.

FISIOPATOLOGIA DA OBESIDADE - HIPERTENSÃO

Os mecanismos que governam a hipertensão na obesidade são vários e não totalmente elucidados (25). No entanto, é ponto comum que os mecanismos pressóricos exacerbam-se com o aumento de peso (26,27) e particularmente com a deposição visceral de gordura (26,28-30).

Dentre os mecanismos implicados, discute-se o papel da insulina, que, embora seja um vasodilatador (24,31), parece ter um papel indireto sobre os mecanismos pressóricos. Entre estes, destaca-se a sua participação na retenção hidrossalina, diretamente nos túbulos renais ou indiretamente, através do aumento na produção de aldosterona, pela sensibilização das adrenais à angiotensina II (32) e via ativação simpática (27). Além disso, relata-se a ativação do sistema nervoso simpático central mediada pela insulina (25). Interessantemente, nestes dois sítios, rins e cérebro, não parece haver resistência à insulina, tal qual ocorre no tecido adiposo, musculatura esquelética e fígado (23,33,34).

Além disso, têm-se proposto resistência à insulina em outros locais, como na musculatura lisa vascular, onde o prejuízo dos processos de troca iônica (Ca+ ATPase e Na+ ATPase) mediados pela insulina (35) levarão ao acúmulo de cálcio e sódio na parede vascular, o que facilitará a ação de vasoconstritores como a angiotensina II e a noradrenalina. Há, porém, que se salientar que tal resistência vascular não é oferecida à ação da bomba Na+ – H+ ATPase, cujo aumento de atividade, inclusive descrita em obesos viscerais, levará à alcalinização do meio intracelular, por sua vez tida como fator estimulador do crescimento celular. Soma-se a isto o papel independente da ação da insulina em promover trofismo celular, o que explica sua suposta participação em processos de remodelação vascular e aterogênese.

A participação do sistema nervoso simpático na hipertensão de obesos têm sido descrita como mediada pela ação central da insulina a partir de estímulos dietéticos, o que do ponto de vista termogênico é ideal (26,27). Dados do Normative Aging Study (36) demonstraram um paralelismo entre o IMC e as concentrações séricas de noradrenalina em indivíduos com aumento de insulina sérica, pressupondo, em obesos, a participação da insulina na ativação adrenérgica (37), sugerindo assim uma relação causal.

Dados recentes têm demonstrado em particular uma associação independente entre adiposidade visceral e ativação simpática (26,28). Além disso, tem-se descrito a estimulação do sistema nervoso simpático via leptina e neuropeptídeos hipotalâmicos, que na obesidade apresentam papel fundamental na regulação do apetite e metabolismo (25,37).

As alterações simpáticas no obeso têm-se mostrado acompanhadas de mudanças na sensibilidade ao sal (27). Além disso, mecanismos de vasoconstricção e alterações tróficas vasculares, vinculados à ação do simpático, parecem contribuir não só para a hipertensão como também para a piora à resistência à insulina.

Mais recentemente, Hall e col. (38) têm proposto uma contribuição maior do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA) nos mecanismos hipertensores da obesidade. Através do acúmulo de gordura visceral haveria uma tendência à compressão mecânica renal, determinante de maior absorção de sódio nos segmentos proximais do néfron, o que provocaria na mácula densa a ativação do SRAA no sentido de preservação do fluxo plasmático renal e taxa de filtração glomerular. Através deste mecanismo, haveria retenção hidrossalina, aumento pressórico e das pressões intraglomerulares, que com o tempo causariam perda progressiva de néfrons, o que vai de encontro à presença de microalbuminúria e glomeruloesclerose associadas à obesidade.

Estudos atuais demonstram aumento da expressão de RNA mensageiro do angiotensinogênio no tecido adiposo, levando ao aumento da produção local de angiotensina II (39). Tal expressão parece ser, em parte, regulada pelos ácidos graxos livres (40), estabelecendo-se, assim, outro possível elo entre obesidade e hipertensão, talvez mais relacionada à obesidade visceral. Além disso, têm-se descrito aumentos locais da expressão de ECA (41) como, por exemplo, nos vasos e rins, atividade esta que parece mediada pela endotelina, que, por sua vez, mostra-se importante como fator causal da hipertensão em obesos, especialmente naqueles com distribuição visceral (27).

Independente de qual seja o mecanismo, ponto comum na hipertensão de obesos é o desvio da natriurese pressórica, cujo set point é estabelecido em níveis mais altos de pressão (34). Tal fato, demonstrado por Guyton (42), explica a maior sensibilidade ao sal, que ocorre em indivíduos obesos, que, quando emagrecem, têm sua natriurese desviada em direção ao normal (33), fenômeno este acompanhado também pela diminuição dos níveis de noradrenalina, insulina e renina (43), o que suporta, portanto, relação causal destes fatores com os mecanismos de sensibilidade ao sal em obesos.

De forma geral, os obesos apresentarão aumento no volume plasmático, o que, na avaliação hemodinâmica geral, determinará aumento no débito cardíaco acompanhado de aumento inapropriado da resistência vascular periférica, dados os estímulos vasoconstrictores e a não supressão adequada da renina plasmática (34).

A avaliação de obesos com distribuição central em relação àqueles com distribuição periférica mostra, ainda, um perfil hemodinâmico mais adverso (44,45) para os primeiros, acompanhado de débito cardíaco inapropriadamente menor, maior resistência vascular e resposta vasoconstritoras ao stress, além de uma maior resistência vascular renal (34).

Quando se avalia o impacto da obesidade, em particular a obesidade central, sobre os distúrbios metabólicos, neuro-hormonais e hipertensão, somados ao potencial trófico e aterogênico que advêm destes fatores, há que se antever alterações maiores em órgãos-alvo e, portanto, prover-se tratamento adequado no sentido de diminuir a participação destes mecanismos fisiopatogênicos.

Acometimento Cárdio-Renal na Obesidade – Hipertensão

Coração

A obesidade, em particular a visceral, além das implicações conhecidas em relação ao risco coronariano, está sabidamente implicada no desenvolvimento da hipertrofia ventricular esquerda (HVE), hoje tida como importante fator de risco cardiovascular (46).

A associação entre obesidade e hipertrofia é descrita em estudos populacionais (47) e em estudos que observaram diminuição da mesma mediante perda de peso (48) e independentemente dos níveis pressóricos (49).

Atualmente, sabe-se que o efeito da obesidade sobre a massa ventricular é superior ao da hipertensão (50) e é mais proeminente em mulheres (51), e a soma destes dois fatores confere efeito aditivo em relação à hipertrofia (52,53,60).

No que concerne à sua fisiopatologia, os mecanismos que governam a HVE na obesidade, embora não muito bem esclarecidos, parecem refletir as alterações já descritas de sobrecarga volumétrica, sobrecarga pressórica e distúrbios metabólicos e neuro-hormonais, que, em conjunto, irão conferir maior ou menor grau de dilatação da câmara ventricular e hipertrofia de miócitos cardíacos (55), que, por sua vez, determinarão ora maior prevalência do padrão excêntrico, ora do padrão concêntrico e que, perpetuando-se, podem culminar em insuficiência cardíaca (47,50,55). O padrão concêntrico em obesos têm sido, inclusive, o mais prevalente nos diversos estudos (52). O padrão tipo excêntrico, clássico da cardiopatia de obesos, parece mais associado a quadros de hipertensão severa (56).

Quando se trata de uma população de obesos, deve ser considerada a participação de fatores neuro-hormonais na determinação da HVE, e, dentre estes, destaca-se a insulina (57). Alguns estudos bem determinaram correlações das medidas de insulina com as alterações tróficas cardíacas, melhor evidenciadas em populações de obesos normotensos (57). Outros, no entanto, não corroboraram as observações prévias (58).

Obesos, ainda, apresentam uma prevalência maior de apnéia do sono (59), na qual os mecanismos de hipóxia e despertar noturno acabam por desencadear um aumento na atividade simpática, com a conseqüente elevação dos níveis pressóricos, particularmente os noturnos. Por conseguinte, haverá maior prevalência de hipertrofia cardíaca nestes indivíduos, vinculada aos mecanismos pressóricos da apnéia (60) e à própria ativação simpática (37,59).

Além dos fatores hemodinâmicos da insulina e do sistema nervoso simpático, a participação independente da própria glicemia, do SRAA e de mediadores pró-inflamatórios como a proteína C reativa, interleucina 6 e fator de necrose tumoral, têm sido implicada na fisiopatologia da hipertrofia ventricular em obesos (61,62).

Tais informações implicam que as alterações tróficas cardíacas possam ser mais relevantes em indivíduos com obesidade visceral. De fato, estudos clínicos (63), de autópsias (7) e estudos populacionais (64,65), incluindo crianças e adolescentes (66), têm demonstrado uma associação independente entre a distribuição central de gordura e a massa ventricular corrigida e avaliada ao ecocardiograma.

Os dados de Sasson (63), em indivíduos com sobrepeso normotensos, bem determinaram uma participação independente das medidas de C/Q e cintura sobre a massa ventricular, explicando 50-55% das variações da mesma.

Mais recentemente, em populações gerais e de índios americanos (64,65), apontou-se um papel preditor maior da obesidade central, avaliado através da antropometria, sobre a massa cardíaca em mulheres, onde o IMC, ao contrário da população masculina, não foi preditivo da mesma.

Além disso, independente da avaliação da massa cardíaca como um todo, é importante que sejam avaliadas as medidas relativas de septo e parede ventricular, que, em conjunto com o índice de massa cardíaca, determinam padrões distintos de remodelação, sabidamente implicados em risco cardiovascular e independente da HVE manifesta. Neste sentido, têm-se apontado para uma associação da obesidade central, para com o acometimento septal em obesos normotensos e hipertensos (50,66).

Em estudo recente (67) conduzido no Hospital do Rim e Hipertensão, a distribuição central de gordura em obesas normotensas mostrou associação independente para com medidas de septo e parede ventricular. Quando considerado o grupo de obesas hipertensas, o fator hipertensão foi preponderante na associação com as alterações estruturais cardíacas, particularmente a pressão sistólica no período noturno, sugerindo agora um papel indireto da obesidade visceral, que foi determinante de menor descenso sistólico noturno neste grupo.

Ainda, merece destaque a avaliação dos mecanismos de relaxamento ventricular na obesidade. Embora a influência da mesma não seja tão importante, vários estudos têm demonstrado alterações incipientes de relaxamento cardíaco em obesos quando comparados a não-obesos (68).

Neste sentido, têm-se proposto que os mecanismos de relaxamento cardíaco, governados pela recaptação do cálcio, estariam atenuados em obesos em função da resistência à ação da insulina, que regula ativamente estes processos através das bombas iônicas (68). Entretanto, a maioria dos estudos, em diferentes populações (69), não demonstrou associação entre o papel da insulina e os mecanismos de relaxamento cardíaco. Por outro lado, verifica-se influência da glicemia sobre a função diastólica, imputada à formação de colágeno cardíaco mediado pela glicose. O impacto da hiperglicemia chega a ser inclusive maior do que o da hipertensão, como observado ao se comparar obesos diabéticos e obesos hipertensos (69).

A avaliação da função diastólica em função do tipo de obesidade não tem sido relatada. Em nosso estudo (67), a função diastólica avaliada através da relação E/A associou-se independentemente à C/Q em obesas normotensas e, mais uma vez, esteve vinculada às medidas de pressão sistólica noturna no grupo de obesas hipertensas.

Rins

O papel da obesidade nos mecanismos renais que governam a hipertensão é bem descrito. No entanto, a conseqüência destes processos em relação ao acometimento funcional renal tem sido menos documentada e é motivo de interesse, dada a freqüente associação da obesidade com o diabetes e a hipertensão, causas principais de insuficiência renal crônica em todo o mundo (70).

A avaliação incipiente do acometimento renal, mediante a mensuração da microalbuminúria (MA), tem sido documentada em hipertensos e diabéticos, relatando-se respectivamente prevalências de 16% e 28% de MA destas populações (71,72), sendo que em diabéticos tipo I e II, a MA é preditora importante de insuficiência renal (73).

Além de espelhar o dano renal, a MA tem sido utilizada como sinalizador incipiente de dano endotelial vascular e preditora de risco cardiovascular (74,75).

Considerando-se populações de obesos, os estudos têm mostrado uma prevalência de microalbuminúria ao redor de 9,9 a 12,1% e, quando presente a obesidade-hipertensão, descreve-se uma prevalência de 19,2%, sendo, no entanto, o fator hipertensão ainda determinante o principal (76).

Partindo-se do princípio que a MA é um reflexo das alterações de membrana glomerular e do aumento da pressão intraglomerular, e que esta é dada mediante o aumento no fluxo plasmático renal e na taxa de filtração glomerular, ambas descritas em populações de obesos (34,44), é de se supor que a hemodinâmica renal "per se" tenha um papel fundamental na lesão renal de obesos. De fato, o aumento na taxa de filtração glomerular tem sido demonstrado em 25,5% dos indivíduos com aumento do IMC (72), indicando um comprometimento maior de reserva renal.

Estudos recentes têm mostrado, em particular, uma associação maior da obesidade visceral com a MA. O estudo de Valensi (76), além de mostrar uma prevalência mais alta de MA em obesos não diabéticos normotensos e hipertensos, apontou para uma associação independente da MA com a C/Q.

Em estudo mais recente (77), em população de indivíduos com sobrepeso e obesos, a presença da distribuição central de gordura implicou em um risco 18 vezes maior de MA em relação a magros controles, ao passo que naqueles com distribuição periférica este risco foi 4 vezes maior. O estudo MICRO HOPE (78), em particular, apontou a C/Q como preditora independente da MA juntamente à hipertensão e outros fatores. Dados do estudo MONICA (79), no entanto, mostraram em indivíduos normotensos um impacto da gordura visceral sobre a MA, ao passo que no grupo de hipertensos a distribuição de gordura nada acrescentou em relação ao risco estabelecido para a própria hipertensão.

Em estudo conduzido no Hospital do Rim (67), notamos uma tendência a níveis limítrofes da microalbuminúria noturna, mais elevados em obesas normotensas com distribuição central de gordura (10,7 vs. 3,2mcg/min). Tais pacientes apresentavam níveis pressóricos equiparados àquelas com distribuição periférica. Em obesas hipertensas com distribuição central, os níveis da MA foram mais acentuados em relação às demais (36,0 vs. 15mcg/min), embora também não significativos, dado talvez o número de pacientes e à distribuição da variável.

Quando se avaliam a hemodinâmica renal, populações de indivíduos sal-sensíveis e populações negras, nota-se uma adversidade hemodinâmica renal, refletida pelo aumento na resistência vascular renal, diminuição no fluxo plasmático renal e aumento na taxa de filtração glomerular e fração de filtração (80-82). Tais alterações, em conjunto, vêm a determinar uma curva de excreção de sal mais prolongada e associada à não supressão adequada da renina plasmática mediante sobrecarga salina. Além disso, haverá maior acentuação da microalbuminúria mediante aumentos pressóricos (83).

Em populações de obesos, à semelhança dos achados anteriores, nota-se tendência à hiperfiltração glomerular, acompanhadas, no entanto, de aumento no fluxo plasmático renal (34). Por outro lado, quando se avaliam a hemodinâmica renal, obesos com distribuição visceral, padrão idêntico ao apontado para populações negras é encontrado, paralelamente a níveis maiores de renina e MA (44).

Assim, ao se avaliar o impacto negativo da microalbuminúria sobre os desfechos renais, aliado à maior predisposição ao dano renal em indivíduos sal-sensíveis (80) e a dados epidemiológicos que mostram uma maior prevalência de negros no acesso aos programas de diálise (70), há que se preocupar também com a crescente população de obesos viscerais, em particular os hipertensos, que certamente estarão também sob maior risco nefrológico e cujo sensor prognóstico será a MA.

Em conclusão, a presença de obesidade visceral, através da ativação dos mecanismos neuro-hormonais e disfunção endotelial subjacentes à mesma, determina um espectro de maior risco onde se situa um maior acometimento de órgãos-alvo, modulado, por sua vez, de acordo com a menor ou maior participação hemodinâmica-pressórica.

A abordagem terapêutica da obesidade-hipertensão deve, portanto, à luz de recomendações recentes (84), levar em conta a identificação de obesos com diferentes padrões de distribuição de gordura, o que vem auxiliar na estratificação de risco cardiovascular e nefrológico destas populações.

Recebido em 05/05/04

Revisado em 06/10/04

Aceito em 30/11/04

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Set 2005
    • Data do Fascículo
      Abr 2005

    Histórico

    • Revisado
      06 Out 2004
    • Recebido
      05 Maio 2004
    • Aceito
      30 Nov 2004
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