Open-access Esôfago em quebra-nozes -- avaliação clínica de 97 pacientes

Nutcracker esophagus -- clinical findings in 97 patients

Resumos

O esôfago em quebra-nozes é uma anormalidade manométrica, incluída entre os distúrbios motores primários do esôfago, caracterizada por ondas peristálticas que atingem elevada amplitude em esôfago distal, descrita inicialmente em pacientes com dor torácica não-cardíaca. Embora trabalhos posteriores tenham registrado o esôfago em quebra-nozes em pacientes com disfagia e, mais recentemente, o associado à doença do refluxo gastroesofágico, há bastante controvérsia em relação ao seu verdadeiro significado, sendo escassos os estudos clínicos envolvendo grande número de pacientes. Noventa e sete pacientes com o diagnóstico manométrico de esôfago em quebra-nozes, definido a partir de um grupo controle assintomático, foram estudados retrospectivamente quanto às características clínicas e propedêutica esofagiana, que incluiu endoscopia digestiva alta, esofagografia convencional e pHmetria esofagiana prolongada. Houve predomínio do sexo feminino (63,9 %), com média de idade de 54,3 anos. A queixa mais freqüente que determinou a realização do exame manométrico foi dor torácica, seguida de disfagia e pirose. As manifestações clínicas como um todo foram dor torácica (53,6%), disfagia (52,6%), pirose (52,6%), regurgitação (21,6%), queixas otorrinolaringológicas (15,4%), dispepsia (15,4%) e odinofagia (4,1%). A maior parte dos pacientes apresentou sintomas múltiplos, sendo queixa única observada em 28% dos mesmos. A endoscopia digestiva alta demonstrou esofagite erosiva em 8% dos pacientes e a esofagografia convencional revelou distúrbio motor esofagiano em 16,4%. A pHmetria esofagiana prolongada diagnosticou refluxo gastroesofagiano anormal em 41,2% dos exames realizados. Concluiu-se que, controvérsias à parte, são encontradas outras queixas além de dor torácica e disfagia associadas ao esôfago em quebra-nozes e que é importante definir a associação com a doença do refluxo gastroesofágico para orientar a conduta terapêutica.

Transtornos da motilidade esofágica; Dor no peito; Manometria; Refluxo gastroesofágico


Nutcracker esophagus is a manometric abnormality classified as a primary esophageal motor disorder, characterized by high pressure peristaltic waves in distal esophagus and related to non-cardiac chest pain. Further studies observed nutcracker esophagus in dysphagic patients and recently in gastroesophageal reflux disease. However, there is controversy about the meaning of this motor disorder and there are few clinical studies involving a great number of patients. A retrospective study involving 97 patients with manometric criteria of nutcracker esophagus according a control group was undertaken. Most of the patients were female (63.9%), mean age 54.3 years. The chief complaint was chest pain, followed by dysphagia and heartburn. Clinical findings, as a whole were chest pain (53.6%), dysphagia (52.6%), heartburn (52.6%), regurgitation (21.6%), otorhinolaryngologic symptoms (15.4%), dyspepsia (15.4%) and odynophagia (4.1%). The majority of patients had multiple symptoms, however in 28% just a single one was observed. Endoscopic examination observed erosive esophagitis in 8% of the patients, while signs of esophageal motor disorders were showed by esophagogram in 16.4%. Esophageal pH recordings indicated abnormal gastroesophageal reflux in 41.2% of the cases reported. We concluded that there are other symptoms in nutcracker esophagus patients besides chest pain and dysphagia and the use of esophageal pH recordings is helpful to establish its association with acid reflux and guide the appropriate therapy .

Esophageal motility disorders; Chest pain; Manometry; Gastroesophageal reflux


ARTIGO ORIGINAL / ORIGINAL ARTICLE

ESÔFAGO EM QUEBRA-NOZES ¾

avaliação clínica de 97 pacientes+

Luiz Filipe Duarte SILVA* e Eponina Maria de Oliveira LEMME**

RESUMO - O esôfago em quebra-nozes é uma anormalidade manométrica, incluída entre os distúrbios motores primários do esôfago, caracterizada por ondas peristálticas que atingem elevada amplitude em esôfago distal, descrita inicialmente em pacientes com dor torácica não-cardíaca. Embora trabalhos posteriores tenham registrado o esôfago em quebra-nozes em pacientes com disfagia e, mais recentemente, o associado à doença do refluxo gastroesofágico, há bastante controvérsia em relação ao seu verdadeiro significado, sendo escassos os estudos clínicos envolvendo grande número de pacientes. Noventa e sete pacientes com o diagnóstico manométrico de esôfago em quebra-nozes, definido a partir de um grupo controle assintomático, foram estudados retrospectivamente quanto às características clínicas e propedêutica esofagiana, que incluiu endoscopia digestiva alta, esofagografia convencional e pHmetria esofagiana prolongada. Houve predomínio do sexo feminino (63,9 %), com média de idade de 54,3 anos. A queixa mais freqüente que determinou a realização do exame manométrico foi dor torácica, seguida de disfagia e pirose. As manifestações clínicas como um todo foram dor torácica (53,6%), disfagia (52,6%), pirose (52,6%), regurgitação (21,6%), queixas otorrinolaringológicas (15,4%), dispepsia (15,4%) e odinofagia (4,1%). A maior parte dos pacientes apresentou sintomas múltiplos, sendo queixa única observada em 28% dos mesmos. A endoscopia digestiva alta demonstrou esofagite erosiva em 8% dos pacientes e a esofagografia convencional revelou distúrbio motor esofagiano em 16,4%. A pHmetria esofagiana prolongada diagnosticou refluxo gastroesofagiano anormal em 41,2% dos exames realizados. Concluiu-se que, controvérsias à parte, são encontradas outras queixas além de dor torácica e disfagia associadas ao esôfago em quebra-nozes e que é importante definir a associação com a doença do refluxo gastroesofágico para orientar a conduta terapêutica.

DESCRITORES - Transtornos da motilidade esofágica. Dor no peito. Manometria. Refluxo gastroesofágico.

INTRODUÇÃO E OBJETIVOS

Em 1977, foram descritas por BRAND et al.(6), alterações manométricas em pacientes com dor torácica do tipo angina e arteriografia coronariana normal, caracterizadas por ondas peristálticas de grande amplitude em esôfago distal. BENJAMIN et al.(4) posteriormente confirmaram esta anormalidade, denominando-a então de esôfago em quebra-nozes (EQN), nome consagrado até os dias de hoje.

Embora haja bastante controvérsia em relação ao seu verdadeiro significado, uma vez que alguns acreditam que o EQN seria apenas um marcador de doença e não sua verdadeira causa(18, 29) e a alta incidência de alterações psicoemocionais associadas(7), o EQN tem sido observado em pacientes com dor torácica não cardíaca(17), disfagia(17) e mais recentemente em pacientes com doença do refluxo gastroesofágico (DRGE)(1,11,21).

O diagnóstico do EQN é feito pelo achado de ondas em esôfago distal de amplitude superior ao valor encontrado em indivíduos de um grupo controle assintomático, considerando média + 2 desvios padrão, pois até este valor, podem estar inseridos 97,5% dos indivíduos sadios. O valor máximo da amplitude esofagiana distal (AED) pode variar em cada laboratório de motilidade, podendo ser de 180 mm Hg(30), 150(8) ou 125 mm Hg(3), por exemplo. Por esta razão, é importante que cada grupo, centro, ou região de estudo, estabeleça seu próprio padrão de normalidade, a partir do qual será feito o diagnóstico do EQN.

Os sintomas clássicos do EQN são, isoladamente ou em combinação, dor torácica e disfagia(4, 17), embora a maior parte dos trabalhos o relacione à dor torácica não-cardíaca. Na literatura há poucas referências às outras manifestações clínicas associadas ao EQN. Recentemente, foram descritas a presença de pirose como parte dos sintomas destes pacientes e a relação entre o EQN e a DRGE em pacientes com dor torácica não-cardíaca(1).

O pequeno número de trabalhos clínicos em portadores de EQN estimulou a realização deste estudo retrospectivo, visando avaliar os sintomas a ele associados e os achados nos demais exames complementares empregados na investigação esofagiana destes pacientes. O diagnóstico do EQN foi definido a partir dos valores encontrados em um grupo controle do próprio centro.

PACIENTES E MÉTODOS

PACIENTES

No período de agosto de 1990 a março de 1999, entre 3655 esofagomanometrias realizadas com diferentes indicações, foram identificados 97 pacientes (2,65%) que receberam diagnóstico manométrico de EQN. Este foi estabelecido pela presença de ondas peristálticas em todo esôfago com média de amplitude de ondas distais em deglutições de água, acima do valor máximo para a posição, obtido pelo centro de referência em grupo controle, considerando-se a média mais dois desvios padrão.

MÉTODOS

1. Avaliação clínica

As fichas de atendimento e prontuários foram revistos. Foram colhidos dados de identificação do paciente, a queixa principal e a existência de sintomas como dor torácica (de localização retrosternal e/ou precordial, avaliada inicialmente por cardiologista e afastada causa cardíaca para a mesma), disfagia, pirose, manifestações otorrinolaringológicas (sensação de globo, asfixia e queimação na garganta), odinofagia, regurgitação ácida ou alimentar e dispepsia (referência à sensação de empachamento e/ou plenitude pós-prandial acompanhada ou não de dor epigástrica). O tempo de doença foi o decorrente entre o início dos sintomas e a realização da esofagomanometria.

2. Métodos complementares

Todos os pacientes realizaram endoscopia digestiva alta e/ou esofagografia convencional, que excluíram lesões orgânicas obstrutivas e mais da metade foi submetida a pHmetria esofagiana prolongada.

2.1. ENDOSCOPIA DIGESTIVA ALTA

Realizada sob sedação seguindo a técnica habitual. Foram avaliados o esôfago, o estômago e o duodeno: sinais de esofagite macroscópica, quando presentes, eram descritos conforme classificação de SAVARY-MILLER(31). Hérnia hiatal era considerada presente, quando a junção epitelial esofagogástrica estivesse mais de 2 cm acima da impressão diafragmática.

2.2. ESOFAGOGRAFIA CONVENCIONAL

O exame foi realizado nos moldes convencionais. Atenção especial foi dada à presença das alterações motoras descritas nos laudos radiológicos e que poderiam ocorrer isoladas ou em combinação: retardo de trânsito, contrações terciárias, hipomotilidade. Foram também assinaladas a presença de divertículos esofagianos e sua localização topográfica (terço superior ou divertículo de Zencker, terço médio e terço inferior ou epifrênico), de hérnia hiatal e de refluxo gastroesofágico.

2.3. ESOFAGOMANOMETRIA COMPUTADORIZADA

Foi empregado cateter de polivinil de 8 lumens, com diâmetro total de 4,5 mm, transdutores de pressão externos, bomba de perfusão capilar-hidráulica (Biomedics Califórnia, EUA) a um fluxo constante de 0,6 mL/min. As pressões captadas pelos transdutores foram registradas por um polígrafo (PC POLYGRAF VIII, Synectics Medical, Suécia), transferidas via fibra óptica para um microcomputador onde foram exibidas em tempo real. Empregou-se técnica semelhante a de RICHTER et al.(30). Após jejum de 4 horas, o cateter era introduzido por uma das narinas. Para o estudo do esfíncter esofagiano inferior (EEI), empregou-se as quatro aberturas distais do cateter situadas no mesmo ponto e técnica de retirada lenta com deglutição. O corpo esofagiano foi estudado com as quatro proximais que distam 5 cm uma da outra, sendo a mais distal posicionada 3 cm acima do limite superior do EEI e feitas 10 deglutições de 3-5 mL de água, a cada 20 segundos. Os valores normais foram obtidos a partir do exame de 32 voluntários saudáveis (16 mulheres, 16 homens, média de idade 44,3 anos), estudados pelo próprio laboratório - pressão basal do EEI (PEEI) 17,93 ± 7,04 mm Hg (média, ± desvio padrão) e relaxamento completo (mais de 75% ou resíduo inferior a 8 mm Hg) em pelo menos 80% das deglutições. Os valores encontrados nos voluntários em relação às ondas peristálticas no esôfago distal estão na Tabela 1 .

Baseando-se nos valores acima referidos, foram considerados hipotensão do EEI - pressão basal inferior a 11 mm Hg; hipertensão do EEI - pressão basal superior a 32 mm Hg; relaxamento incompleto do EEI: pressão residual maior que 8 mm Hg em mais de 20% das deglutições.

O critério manométrico adotado para o diagnóstico de EQN foi: ondas peristálticas, com AED média superior a 139 mm Hg (média de amplitude de ondas distais, em deglutições úmidas somada a dois desvios padrão, obtida nos indivíduos controles).

2.4. pHMETRIA ESOFAGIANA PROLONGADA (PHM)

Utilizou-se registrador portátil digital (MKII SYNECTICS), eletrodo de referência externo e cateter de antimônio, posicionado 5 cm acima do limite superior do EEI, previamente determinado pela manometria. A dieta foi liberal, solicitando-se evitar frutas cítricas e refrigerantes e a não se restringirem as atividades.

Em relação aos medicamentos, os inibidores de bomba protônica foram suspensos por pelo menos uma semana antes do exame, os antagonistas de receptores H2, 48 horas e os procinéticos 24 horas.

Consideramos refluxo anormal quando a fração de tempo com pH abaixo de 4 nas 24 horas estivesse acima de 4,5 %(14).

RESULTADOS

Avaliação clínica

Dos 97 pacientes, 62 (63,9%) pertenciam ao sexo feminino e 35 (36,1%) ao masculino. As idades variaram de 24 a 75 anos, com média de 54,3 anos.

O tempo mediano de doença foi de 24 meses (2 anos), com extremos entre 1 a 180 meses.

A queixa principal e os sintomas apresentados pelos pacientes se encontram nas Tabelas 2 e 3, respectivamente.

Sintoma único foi observado em 27 pacientes (28%) (dor torácica em oito, disfagia em sete, pirose em sete, dispepsia em três e queixa ORL (globo) em dois. Em 70 pacientes (72 %) havia mais de um sintoma (2 em 39, 3 em 23, 4 ou mais sintomas em 8). A Tabela 4 demonstra a relação entre a queixa principal dos pacientes e os sintomas associados.

Métodos complementares

1. Endoscopia digestiva alta - realizada em 87 pacientes, demonstrou esofagite erosiva (ER) em 7 (8%), todos com o grau I(3) (erosões isoladas). Hérnia de hiato estava presente em 22 pacientes (25.3%).

2. Esofagografia convencional - realizada em 55 pacientes, revelou alterações motoras em 9 (16,4%), sendo contrações terciárias observadas em todos e também retardo de trânsito em 2 deles (3,6%). Foram identificados refluxo gastroesofagiano (RGE) em 4 (7,3%), hérnia de hiato em 17 (30,9%), anel de Schatzki de diâmetro >20 mm em 1 (1,8%) e divertículo esofagiano em 6 (10,9%), sendo 2 divertículos de Zencker e 4 divertículos de terço médio.

3. Esofagomanometria - a PEEI variou de 2,3 a 64 mm Hg com média de 23,4 mm Hg e DP de 11,8. Foi anormal em 33 (34%) dos pacientes, sendo hipertenso em 21 (21,6%) e hipotenso em 12 (12,4%). O relaxamento do esfíncter esofagiano inferior pôde ser analisado em 91 pacientes (93,8%), sendo incompleto em 15 (16,4%). Na Tabela 5 estão os valores de amplitude das ondas peristálticas em esôfago distal.

4. pHmetria prolongada - realizada em 52 pacientes, foi anormal em 21 (41,2%).

Correlação entre o quadro clínico e drge

DRGE foi definida pela presença de esofagite erosiva à EDA ou refluxo anormal à pHmetria prolongada. Dos sete portadores de esofagite erosiva , apenas dois apresentavam queixa principal de pirose. Os restantes apresentavam dor torácica (dois), manifestações ORL (dois) e dispepsia (um). Entre os 21 refluidores anormais à pHmetria, 8 (38,1%) referiam dor torácica como queixa principal, 7 (33,4%) pirose, 2, disfagia, 2, dispepsia e queixas ORL também 2.

DISCUSSÃO

Duas décadas após sua descoberta(6), ainda há muitas controvérsias a respeito do significado do EQN. Alguns autores insistem em afirmar que o EQN seria apenas um marcador de doença, mais precisamente de dor torácica não-cardíaca(18, 29). Tal afirmação se deveria à falta de reprodutibilidade dos achados em exames posteriores, à inexistência de correlação entre a melhora sintomática e a "melhora manométrica" e à alta incidência de alterações psicoemocionais nos pacientes(7). Argumenta-se que as alterações encontradas poderiam ser uma resposta exacerbada do esôfago a estímulos externos, como por exemplo, o estresse(29). Por outro lado, pacientes com EQN apresentam maior freqüência de positividade de testes provocativos de dor esofagiana, em comparação a outros distúrbios motores hipercontráteis, reforçando a importância deste diagnóstico no estabelecimento da causa esofagiana da dor(18) e vários relatos demonstram a evolução do EQN para espasmo esofagiano difuso, distúrbio motor inespecífico e até acalásia, sugerindo que o EQN pertença ao mesmo espectro daqueles distúrbios motores esofagianos(2, 8, 27, 33).

Apesar da controvérsia, vários estudos demonstram a presença do EQN em pacientes com dor torácica não-cardíaca, disfagia e, mais recentemente, em portadores de doença do refluxo(1, 11, 21).

A literatura carece de relato sistemático a respeito de outras manifestações do EQN, principalmente aquelas associadas à queixa principal, provavelmente porque quase todos os trabalhos, principalmente os da década passada, são estruturados sobre os sintomas dor torácica e disfagia(3, 4, 6, 17).

Na análise dos pacientes, nota-se o predomínio do sexo feminino (63,9%), encontrada em todos os trabalhos sobre o EQN(3, 4, 8, 11, 21, 32, 34). Esta maior prevalência do sexo feminino não está esclarecida. Não existem diferenças estruturais ou da inervação do esôfago entre os sexos. Estudos de sensibilidade visceral e da motilidade esofagiana em indivíduos normais demonstraram diferença entre os sexos, sugerindo mecanismos hormonais ou neuronais para estes resultados, mas como os indivíduos eram assintomáticos, isso não pode ser aplicado na prática clínica(9, 25).

No presente estudo, a média de idade apresentada pelo grupo como um todo foi de 54,3 anos, semelhante à observada por outros autores(4,8,21).

O tempo de doença expresso em mediana foi de 2 anos, inferior àquele encontrado por BASSOTTI et al.(3), de 3 anos.

Os sintomas clássicos do EQN são, isoladamente ou em combinação, dor torácica e disfagia(4, 17) e recentemente, foi levantada a importância da presença de pirose como parte do quadro clínico destes pacientes(1).

Os principais sintomas que motivaram a realização da manometria, no presente estudo, em ordem decrescente de freqüência foram: dor torácica (38,1%), disfagia (28,9%), pirose (17,5%), manifestações otorrinolaringológicas (9,3%) e dispepsia (6,2%). LEMME et al.(21), estudando 62 pacientes com o diagnóstico de EQN pelo critério internacional, isto é, valor da AED de 180 mm Hg, encontraram resultados semelhantes em relação à prevalência da queixa principal. TRAUBE et al.(32), em 13 pacientes com EQN, demonstraram que a dor torácica estava presente em todos, disfagia em 74% e pirose em 40% achados, semelhantes aos encontrados por ACHEM et al.(1).DOMINGUES(10), estudando 133 pacientes com disfagia funcional, encontrou 9 pacientes (6,7%) com EQN. A maioria dos pacientes apresentava disfagia para sólidos e líquidos e de natureza intermitente.

A pirose foi a terceira queixa principal, 17 pacientes ou 17,5%, diferindo do observado por FALCO et al.(11), que em 36 pacientes, relataram a pirose como a queixa mais comum (44,4 %), sendo a dor torácica encontrada em apenas 13,8 % dos pacientes. Estas diferenças talvez possam ser atribuídas às características cirúrgicas do Serviço onde foi desenvolvido este último trabalho, que atrairia um número maior de pacientes para investigação e/ou pré-operatório de DRGE. Interessante assinalar que metade dos pacientes desta série com pirose, referia também disfagia ou dor torácica.

É crescente a indicação de avaliação esofagiana e para pesquisa de refluxo em pacientes com manifestações ORL e em nove do presente estudo (9,3%), foram o motivo de realização do exame manométrico. A queixa mais freqüente foi a sensação de globo cervical referida por sete, sendo que cinco destes apresentavam também outros sintomas, principalmente disfagia e pirose. A sensação de globo ou aperto na garganta é sintoma comum na prática médica, freqüentemente atribuído à tensão emocional(22). Nos últimos anos, têm sido descritos distúrbios motores relacionados ao globo e também sua associação com DRGE(23). MOSER et al.(23), estudando 88 pacientes com sensação de globo, encontraram 3 pacientes (3.4%) com EQN. Especula-se se esta sensação poderia ser gerada por alterações motoras esofagianas ocorridas à distância(23).

É de se notar que 27 pacientes do presente estudo apresentavam queixa única, enquanto que os 70 restantes (72%) referiam de dois até cinco sintomas. Estas observações podem sugerir que na avaliação clínica inicial, a presença de múltiplas queixas esofagianas alertaria para a possibilidade do EQN, porém estes achados necessitam confirmação em estudos comparativos com portadores de outros distúrbios motores.

Dos pacientes com dispepsia como queixa principal, a maioria apresentava queixa múltipla (disfagia, dor torácica, pirose) e alguns realizaram o exame manométrico visando pesquisa de refluxo.

Esofagite erosiva foi diagnosticada em 7 dos 87 pacientes submetidos a endoscopia digestiva alta (8%), semelhante ao registrado por FALCO et al.(11) e LEMME et al.(21) (8,3% e 7,7%, respectivamente). Portanto, ainda que a associação com DRGE não seja desprezível, como veremos adiante, a lesão de mucosa associada ao EQN não é comum.

No presente estudo, a esofagografia convencional demonstrou alterações motoras em 16,4% dos pacientes, todos com contrações terciárias, porém retardo de trânsito ocorreu em apenas 3,6 % deles. Havia hérnia de hiato em 30,9 % e divertículos esofagianos, em sua maioria do esôfago torácico, em 10,9 %, semelhante aos achados de OTT et al.(26) e de NASCIMENTO(24), este último em relação aos divertículos esofagianos. A normalidade radiológica era de se esperar, uma vez que a peristalse primária não é perdida nos pacientes com EQN(6, 28). Observa-se, entretanto, que naqueles cuja manifestação principal é disfagia, as alterações motoras são mais freqüentes, conforme recentemente demonstrado (44,4% de 9 pacientes)(10).

A pressão do esfíncter esofagiano inferior estudada pela manometria em nosso grupo de pacientes apresentou-se anormal em 34 % dos pacientes, sendo hipertenso em 21,6% e hipotenso em 12,4 %. O relaxamento do esfíncter esofagiano inferior foi incompleto em 16.4 % dos pacientes. Quando se analisa uma população de pacientes com EEI hipertenso, pode-se encontrar associação com EQN(19) e TRAUBE et al.(32), estudando um pequeno grupo de pacientes com EQN demonstraram hipertensão do esfíncter esofagiano inferior em 38% dos mesmos. BENJAMIN et al.(2), em sete pacientes, demonstraram esta relação em 14,2%. Neste mesmo estudo, os autores encontraram o esfíncter esofagiano inferior hipotenso em 28,4 % dos pacientes. O relaxamento incompleto do esfíncter esofagiano inferior foi demonstrado em 5% dos pacientes estudados por OTT et al.(26).

A pHmetria esofagiana prolongada foi anormal em 21 (41,2%) dos 52 pacientes que realizaram o exame. ACHEM et al.(1) foram os primeiros a avaliar sistematicamente pacientes com EQN empregando a pHmetria esofagiana prolongada. Estes autores encontraram associação entre a DRGE e EQN em 35% dos pacientes, semelhante ao demonstrado por outros(11, 21). Este achado se reverte de grande importânciaclínica, uma vez que a comprovação da presença de refluxo anormal altera a abordagem terapêutica nestes pacientes, tradicionalmente tratados com bloqueadores de canal de cálcio, que podem agravar o refluxo. Vale ressaltar que, no presente estudo, a maior parte (66,6%) dos pacientes com EQN e pHmetria alterada não apresentava pirose como sintoma principal e sim manifestações atípicas da DRGE, notadamente a dor torácica. Da mesma forma, dos sete pacientes com esofagite erosiva, em apenas dois a queixa principal foi a pirose, dai a importância do conceito da associação EQN/DRGE.

As alterações motoras classicamente descritas na DRGE com queixas típicas são ondas de baixa amplitude e falha de condução peristáltica(16) e é natural que se indague a respeito do significado do EQN nesses pacientes. Seria marcador de esôfago sensível, como tem sido encontrado em pacientes com dor torácica não-cardíaca?

Na verdade, não está definido como o EQN gera os sintomas referidos pelos pacientes(18, 28), pois eles dificilmente estão presentes durante o estudo manométrico convencional. Estudos utilizando manometria ambulatorial de 24 h, demonstraram que pacientes com diagnóstico de EQN à manometria convencional, apresentavam alterações manométricas compatíveis com espasmo esofagiano difuso durante os episódios de dor(12, 13). Alguns consideram o EQN um epifenômeno(15) devido à falta de correlação entre a melhora sintomática e a "melhora" manométrica e a falta da reprodutibilidade em exames subseqüentes(8, 20).

Nos últimos anos tem-se observado influência do estresse na gênese de sintomas como a dor torácica não-cardíaca(29), associado ao EQN e mesmo nos sintomas típicos da DRGE com evidências de maior índice de ansiedade, depressão e somatização do que o observado no grupo controle(29). Especula-se que tais pacientes, cronicamente ansiosos, ou submetidos a estresse prolongado, poderiam perceber exageradamente estímulos esofagianos de baixa intensidade, resultando alguns em pirose e outros em dor torácica. Isto também reforça a opinião de que os pacientes com EQN possam apresentar baixo nível de sensibilidade visceral, percebendo estímulos não registrados por indivíduos normais(29).

Concluindo, no presente estudo, o grupo de pacientes com diagnóstico manométrico de EQN apresentou como queixas principais dor torácica, disfagia, pirose menos freqüentemente, além de manifestações ORL e dispepsia. Independente da queixa principal, mais da metade dos pacientes referiu dor torácica, disfagia e pirose. Na maior parte das vezes os sintomas foram múltiplos e menos freqüentemente houve queixa única. A esofagite erosiva foi infreqüente e refluxo anormal foi demonstrado pela pHmetria prolongada em 41% dos pacientes. Acreditamos ser de grande importância a realização deste exame em todos os pacientes com EQN, independente da queixa principal, na ausência de esofagite erosiva à endoscopia digestiva. A demonstração da presença de refluxo permitirá condução terapêutica mais adequada, contribuindo para a melhora clínica dos pacientes. Os resultados do presente estudo, demonstrando a pluralidade de manifestações clínicas na maior parte dos pacientes, sugerem que, se o EQN não é responsável por elas, poderia ser um marcador de doença esofagiana, e/ou de hipersensibilidade visceral, associadas ou não a alterações psíquico/emocionais. Por todas estas razões, é importante o reconhecimento manométrico do EQN, embora persista a polêmica a respeito de seu verdadeiro significado.

Silva LFD, Lemme EM de O. Nutcracker esophagus ¾ clinical findings in 97 patients. Arq Gastroenterol 2000;37(4):217-223.

ABSTRACT - Nutcracker esophagus is a manometric abnormality classified as a primary esophageal motor disorder, characterized by high pressure peristaltic waves in distal esophagus and related to non-cardiac chest pain. Further studies observed nutcracker esophagus in dysphagic patients and recently in gastroesophageal reflux disease. However, there is controversy about the meaning of this motor disorder and there are few clinical studies involving a great number of patients. A retrospective study involving 97 patients with manometric criteria of nutcracker esophagus according a control group was undertaken. Most of the patients were female (63.9%), mean age 54.3 years. The chief complaint was chest pain, followed by dysphagia and heartburn. Clinical findings, as a whole were chest pain (53.6%), dysphagia (52.6%), heartburn (52.6%), regurgitation (21.6%), otorhinolaryngologic symptoms (15.4%), dyspepsia (15.4%) and odynophagia (4.1%). The majority of patients had multiple symptoms, however in 28% just a single one was observed. Endoscopic examination observed erosive esophagitis in 8% of the patients, while signs of esophageal motor disorders were showed by esophagogram in 16.4%. Esophageal pH recordings indicated abnormal gastroesophageal reflux in 41.2% of the cases reported. We concluded that there are other symptoms in nutcracker esophagus patients besides chest pain and dysphagia and the use of esophageal pH recordings is helpful to establish its association with acid reflux and guide the appropriate therapy .

HEADINGS - Esophageal motility disorders. Chest pain. Manometry. Gastroesophageal reflux.

Recebido para publicação em 13/3/2000.

Aprovado para publicação em 13/9/2000.

* Mestre em Gastroenterologia pela Faculdade de Medicina da UFRJ.

** Professora Adjunta Doutora, Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina da UFRJ.

Endereço para correspondência: Dra. Eponina M.O.Lemme - Travessa Santa Therezinha, 14 ¾ Tijuca - 20271-070 ¾ Rio de Janeiro, RJ. e-mail: lemme@domain.com.br

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    Trabalho realizado no Serviço de Gastroenterologia do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ. Parte de Tese de Mestrado em Gastroenterologia.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Dez 2001
    • Data do Fascículo
      Out 2000

    Histórico

    • Aceito
      13 Set 2000
    • Recebido
      13 Mar 2000
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