Resumos
Foram estudados 668 pacientes (1 059 mãos) com síndrome do túnel do carpo (STC) entre janeiro de 1989 e junho de 1996. O critério de seleção e inclusão dos pacientes baseou-se na diferença de latência sensitiva >1,0 ms entre os potenciais de ação sensitivos (PAS) dos nervos mediano e radial após estimulação simultânea no punho e registro no I dedo (diferença mediano-radial, DMR), representando diferença maior que 6 desvios-padrão (DP). DMR foi obtida em 125 mãos normais (grupo controle) com limite superior de normalidade de 0,43 ms (média + 2DP). Todos casos tiveram estudo eletrofisiológico bilateral, sendo excluídos casos com cirurgia prévia ou evidência de neuropatia periférica. A idade variou de 17 a 83 anos com média de 47,5 anos; 91,3% eram do sexo feminino. Valor de DMR > 1,0 ms correlacionou-se em 95% dos casos com latência distal motora do nervo mediano >4,25 ms (80 mm) e com latência distal sensitiva punho - II dedo >3,01 ms (VC <46,4 m/s), punho - III dedo >3,14 ms (VC <44,6 m/s) e punho - IV dedo >3,26 ms (VC <42,9 m/s), todos com 140 mm de distância e latência medida no início do PAS. Os resultados estabelecem critérios anormais para o diagnóstico eletrofisiológico de STC em uma população brasileira para condução motora (latência distal motora do nervo mediano) e sensitiva (latência distal sensitiva do nervo mediano para dedos II, III e IV) após DMR >1,0 ms que indica diagnóstico seguro de STC em praticamente 100% dos casos suspeitos.
síndrome do túnel do carpo; nervo mediano; neuropatia compressiva; mononeuropatia; condução nervosa
Between January 1989 and June 1996, 1 059 carpal tunnel syndrome hands (CTS) from 668 patients were studied. None had been previously operated and all had bilateral conduction studies; peripheral neuropathy was excluded. The patients were selected with sensory median/radial difference (MRD) >1.0 ms that strongly supports electrodiagnosis of CTS (standard deviation > 6) after simultaneous stimulation on wrist and recording on thumb. Normal MRD were obtained in 125 hands with upper limit of normality = 0,43 ms (mean + 2SD). The age ranged from 17 to 83 years (mean 47.5) and 91.3% were female. MRD >1.0 ms correlates in 95% with median distal motor latency >4.25 ms (80 mm distance) and with median distal sensory latency to index finger >3.01 ms, middle finger >3.14 ms and ring finger >3.26 ms, all of them 140 mm distance, antidromic and onset-measured. The results have brought new values for the limit of normality in our EMG laboratory since MRD >1.0 ms is very sensitive for CTS diagnosis.
carpal tunnel syndrome; median nerve; compression neuropathy; mononeuropathy; nerve conduction study
SÍNDROME DO TÚNEL DO CARPO
CORRELAÇÃO DA COMPARAÇÃO DE LATÊNCIA SENSITIVA MEDIANO-RADIAL COM CONDUÇÃO NERVOSA ROTINA EM 1059 MÃOS (668 CASOS)
JOÃO ARIS KOUYOUMDJIAN*
RESUMO - Foram estudados 668 pacientes (1 059 mãos) com síndrome do túnel do carpo (STC) entre janeiro de 1989 e junho de 1996. O critério de seleção e inclusão dos pacientes baseou-se na diferença de latência sensitiva >1,0 ms entre os potenciais de ação sensitivos (PAS) dos nervos mediano e radial após estimulação simultânea no punho e registro no I dedo (diferença mediano-radial, DMR), representando diferença maior que 6 desvios-padrão (DP). DMR foi obtida em 125 mãos normais (grupo controle) com limite superior de normalidade de 0,43 ms (média + 2DP). Todos casos tiveram estudo eletrofisiológico bilateral, sendo excluídos casos com cirurgia prévia ou evidência de neuropatia periférica. A idade variou de 17 a 83 anos com média de 47,5 anos; 91,3% eram do sexo feminino. Valor de DMR > 1,0 ms correlacionou-se em 95% dos casos com latência distal motora do nervo mediano >4,25 ms (80 mm) e com latência distal sensitiva punho - II dedo >3,01 ms (VC <46,4 m/s), punho - III dedo >3,14 ms (VC <44,6 m/s) e punho - IV dedo >3,26 ms (VC <42,9 m/s), todos com 140 mm de distância e latência medida no início do PAS. Os resultados estabelecem critérios anormais para o diagnóstico eletrofisiológico de STC em uma população brasileira para condução motora (latência distal motora do nervo mediano) e sensitiva (latência distal sensitiva do nervo mediano para dedos II, III e IV) após DMR >1,0 ms que indica diagnóstico seguro de STC em praticamente 100% dos casos suspeitos.
PALAVRAS-CHAVE: síndrome do túnel do carpo, nervo mediano, neuropatia compressiva, mononeuropatia, condução nervosa.
Sensory median/radial latency difference versus routine conduction studies in 1059 carpal tunnel syndrome hands (668 cases)
ABSTRACT - Between January 1989 and June 1996, 1 059 carpal tunnel syndrome hands (CTS) from 668 patients were studied. None had been previously operated and all had bilateral conduction studies; peripheral neuropathy was excluded. The patients were selected with sensory median/radial difference (MRD) >1.0 ms that strongly supports electrodiagnosis of CTS (standard deviation > 6) after simultaneous stimulation on wrist and recording on thumb. Normal MRD were obtained in 125 hands with upper limit of normality = 0,43 ms (mean + 2SD). The age ranged from 17 to 83 years (mean 47.5) and 91.3% were female. MRD >1.0 ms correlates in 95% with median distal motor latency >4.25 ms (80 mm distance) and with median distal sensory latency to index finger >3.01 ms, middle finger >3.14 ms and ring finger >3.26 ms, all of them 140 mm distance, antidromic and onset-measured. The results have brought new values for the limit of normality in our EMG laboratory since MRD >1.0 ms is very sensitive for CTS diagnosis.
KEY WORDS: carpal tunnel syndrome, median nerve, compression neuropathy, mononeuropathy, nerve conduction study.
O síndrome do túnel do carpo (STC) representa a neuropatia compressiva mais comum, melhor definida e mais estudada do ser humano. A compressão do nervo mediano no túnel do carpo decorre na maioria dos casos de tenossinovite crônica flexora não específica, podendo ocorrer também em muitas outras entidades nosológicas ou lesões que ocupem espaço no túnel. O diagnóstico clínico e eletrofisiológico precisos, com tratamento precoce, conduzem à cura completa na maioria dos casos1-5.
Academia Americana de Neurologia, Associação Americana de Medicina Eletrodiagnóstica e Academia Americana de Medicina Física e Reabilitação idealmente recomendam seis condições para estudo adequado de STC3,4: 1. Estudo prospectivo. 2. Diagnóstico clínico de STC independente dos achados eletrofisiológicos: dor/parestesia noturna, reprodução da parestesia por meio de manobras, déficit sensitivo no território no nervo mediano e fraqueza/atrofia dos músculos inervados pelo mediano. 3. Testes eletrofisiológicos reprodutíveis. 4. Temperatura do membro adequada com valores de referência relatados. 5. Valores normais de referência por estudo concomitante ou prévio no mesmo laboratório. 6. Critério de anormalidade com variação e média ± 2 desvios-padrão (DP). O principal método diagnóstico para a STC é o exame eletroneuromiográfico, particularmente condução nervosa, comprovando bloqueio sensitivo-motor do nervo mediano no carpo, com aumento de latência e redução da velocidade de condução (VC). A redução da VC no sítio compressivo decorre de desmielinização focal (nodal) ou segmentar (internodo completo) que representam base fisiopatogênica das neuropatias compressivas6.
O presente estudo tem por objetivo analisar aspectos de condução nervosa em 668 casos (1 059 mãos) de STC, casuística de amplitude ainda não relatada na literatura nacional.
CASUÍSTICA E METODOLOGIA
No período entre 17 de janeiro de 1989 a 10 de junho de 1996 foram estudados 885 pacientes com diagnóstico eletrofisiológico compatível com STC. Os primeiros 154 pacientes foram analisados retrospectivamente e o restante prospectivamente, segundo protocolo especialmente desenvolvido. Todos os pacientes foram atendidos no consultório do autor (privados, conveniados e do Sistema Único de Saúde), sendo submetidos a exame de condução nervosa no mesmo aparelho, modelo ATI 9000, e nas mesmas condições ambientais. A temperatura da sala variou de 20 a 31°C sendo aquecida ou refrigerada de acordo com a necessidade. As mãos foram aquecidas por meio de imersão em água quente por 2 minutos quando necessário.
O critério eletrofisiológico de inclusão na casuística foi diferença de latência igual ou maior a 1,0 milissegundo (ms) entre os potenciais de ação sensitivos (PAS) do nervo mediano e radial (diferença mediano-radial, DMR), obtidos após estimulação antidrômica no punho e registro no I dedo por meio de eletrodos de anel separados a 2-3 cm (ativo proximal). A estimulação no punho foi entre a linha média e a borda radial, permitindo desencadeamento de estímulos tanto ao nervo mediano como ao nervo radial; o estimulador foi desviado lateral (nervo radial) ou medialmente (nervo mediano) para diferenciação dos PAS. A distância entre a estimulação e o registro foi 100 milímetros (mm) com pequena variação em alguns casos, dependendo do tamanho da mão. A duração do estímulo foi 0,05 ms e ocasionalmente 0,1 ms; a intensidade foi definida pouco acima da máxima resposta obtida em termos de amplitude do PAS (estimulação supramáxima). A medida de latência foi feita no início do PAS dos nervos mediano e radial; não foram considerados valores de amplitude dos potenciais.
Grupo controle com 70 pacientes (125 mãos) normais, 61 do sexo feminino e 9 do sexo masculino, foi utilizado para estabelecer valor da DMR; não havia qualquer evidência clínica de doença neuromuscular ou sintomatologia sugestiva de STC nos membros superiores. Os parâmetros técnicos foram os mesmos descritos acima; a faixa etária variou de 17 a 70 anos (média = 36,9) sendo 87% do sexo feminino e 13% masculino.
Os critérios de exclusão da casuística original foram: 1. Exame de condução nervosa realizado para STC com cirurgia anterior. 2. Exame de condução nervosa realizado para STC em apenas um membro superior. 3. Exame de condução nervosa anormal realizado mais de uma vez no mesmo paciente; nesses casos foi utilizado apenas o primeiro. 4. Pacientes nos quais o PAS do nervo radial não foi obtido no segmento punho - I dedo. 5. VC motora do nervo ulnar no antebraço menor que 50,0 metros por segundo (m/s) uni ou bilateralmente para exclusão de neuropatia periférica. 6. PAS do nervo ulnar, segmento punho - V dedo (antidrômico) com amplitude menor que 15 microvolts (uV), pico-pico, uni ou bilateralmente, para exclusão de neuropatia periférica. 7. Pacientes assintomáticos.
Após aplicados os critérios de exclusão, restaram 668 pacientes correspondentes a 1 059 mãos com diagnóstico de STC que serão analisados no presente estudo.
Condução nervosa motora. O potencial de ação muscular composto (PAMC) do nervo mediano foi obtido após estimulação percutânea no punho e fossa cubital, com duração de 0,2 ms e intensidade pouco acima da máxima amplitude obtida (estímulo supramáximo). O registro foi realizado fixando-se 2 eletrodos na forma de discos (10 mm) em região tenar (ativo) e na articulação metacarpofalangeana do I dedo, 3-4 cm distal (referência). A latência distal motora foi medida no início da deflexão negativa do PAMC; a distância entre o punho e o registro na região tenar, rigorosamente observada em todos os casos, foi 80 mm. A amplitude do PAMC foi medida pico a pico e descrita em milivolts (mV). A VC nervosa motora no antebraço (m/s) foi calculada dividindo-se a distância entre o ponto de estimulação distal e proximal (mm) pelo valor da latência proximal menos o valor da latência distal (ms). O índice de latência terminal foi obtido dividindo-se a distância entre a estimulação distal e o registro (80 mm) pela multiplicação da VC motora no antebraço (m/s) e a latência distal motora (ms). Resultado menor ou igual a 0,34 corresponde a índice de latência terminal com bloqueio distal7.
Condução nervosa sensitiva. O PAS do nervo mediano foi obtido após estimulação percutânea no punho com duração de 0,05 ms e intensidade pouco acima da máxima amplitude obtida (estímulo supramáximo). O registro foi realizado colocando-se 2 eletrodos de anel nos dedos II, III e IV, ativo 2-3 cm proximal ao referência. A latência foi medida no início da deflexão negativa do PAS; a distância entre o punho e os eletrodos de registro nos dedos, rigorosamente observada em todos os casos, foi 140 mm. A amplitude do PAS foi medida pico a pico e descrita em uV; foi utilizada promediação de até 100 estímulos nos casos com PAS de baixa amplitude. A VC nervosa sensitiva (m/s) foi calculada dividindo-se a distância entre o ponto de estimulação e o registro (140 mm) pela latência obtida (ms).
Em toda metodologia eletrofisiológica foi utilizado filtro de 10kHz - 10Hz e varredura de 2 ms/divisão (ocasionalmente 5 ms/divisão nos casos de grande aumento de latência motora). O ganho foi 20-50 uV/divisão na condução nervosa sensitiva (ocasionalmente menor quando utilizada técnica de promediação) e 2-5 mV/divisão na condução nervosa motora (menor quando PAMC de baixa amplitude).
RESULTADOS
1. Controles normais
A DMR normal foi calculada em 70 pacientes (125 mãos), 61 do sexo feminino e 9 do sexo masculino e faixa etária entre 17 a 70 anos (média = 36,9). Os resultados mostram limite LSN da DMR (média + 2 DP) igual a 0,48 ms para o lado direito, 0,38 ms para o lado esquerdo e 0,43 ms para o total.
2. Casuística (DMR)
O lado com diagnóstico eletrofisiológico de STC foi considerado de acordo com DMR >1,0 ms, conforme descrito nos critérios de inclusão; considerou-se também DMR >1,0 ms quando o PAS do nervo mediano, segmento punho - I dedo, estava ausente (DMR não obtida, inexcitável). Entre as 1 059 mãos positivas, 230 (34,4%) eram apenas à direita, 47 (7,0%) apenas à esquerda e 782 (58,5%) bilateralmente. A DMR não foi obtida (inexcitável) em 6,0% dos casos à direita, em 12,7% dos casos à esquerda e em 20,3% dos casos com anormalidade bilateral. Entre os 668 casos estudados, 610 (91,3%) eram do sexo feminino e 58 (8,7%) do sexo masculino; a idade variou de 17 a 83 com média de 47,5 anos.
3. Condução motora - nervo mediano
3.1. Latência distal - A latência distal do PAMC do nervo mediano foi medida em 1.030 mãos; o potencial não foi obtido em 28 (2,6%), impossibilitando dessa forma a medida de latência. A variação foi 3,6 a 17,5 ms e 95% dos casos tiveram valor maior que 4,25 ms.
3.2. Amplitude - A amplitude do PAMC do nervo mediano foi medida em 1 .030 mãos; o potencial não foi obtido em 28 (2,6%), impossibilitando dessa forma a medida da amplitude; a variação foi 0,1 a 12,0 mV. Esses dados eletrofisiológicos não foram utilizados para diagnóstico de STC.
3.3. Velocidade de condução - A VC motora do nervo mediano no antebraço, acima do sítio de compressão (carpo), foi calculada em 1004 membros; o PAMC do nervo mediano não foi obtido em 28 membros (2,7%), impossibilitando dessa forma a medida da VC; a variação foi 36,8 a 67,1 m/s. Esses dados eletrofisiológicos não foram utilizados para diagnóstico de STC.
3.4. Índice de latência terminal - O índice de latência terminal foi calculado em 1 001 mãos; o PAMC do nervo mediano não foi obtido em 28 membros (2,7%), impossibilitando dessa forma a medida do índice de latência terminal. A variação foi 0,11 a 0,43 e 95% dos casos tiveram valor menor ou igual a 0,35 (direito) e 0,36 (esquerdo).
4. Condução sensitiva - nervo mediano
4.1. Velocidade de condução/latência - A latência/VC sensitiva do nervo mediano, segmento punho - II dedo, foi medida e calculada em 913 mãos; o PAS não foi obtido em 145 mãos (13,7%), impossibilitando, dessa forma, a medida desses valores. A variação de VC foi 15,5 a 53,7 m/s e 95% dos casos tiveram valor de latência igual ou maior que 3,01 ms e VC igual ou menor que 46,4 m/s.
A latência/VC sensitiva do nervo mediano, segmento punho - III dedo, foi medida e calculada em 660 mãos; o PAS não foi obtido em 156 mãos (19,1%), impossibilitando, dessa forma, a medida desses valores. A variação de VC foi 16,2 a 50,0 m/s e 95% dos casos tiveram valor de latência igual ou maior que 3,14 ms e VC igual ou menor que 44,6 m/s.
A latência/VC sensitiva do nervo mediano, segmento punho - IV dedo, foi medida e calculada em 427 mãos; o PAS não foi obtido em 327 mãos (43,3%), impossibilitando, dessa forma, a medida desses valores. A variação de VC foi 19,4 a 48,2 m/s e 95% dos casos tiveram valor de latência igual ou maior que 3,26 ms e VC igual ou menor que 42,9 m/s.
A latência sensitiva do nervo mediano, segmento punho - I dedo, foi medida em 880 mãos; o PAS não foi obtido em 179 mãos (16,9%), impossibilitando, dessa forma, a medida da latência. O valor obtido serviu para comparação com latência do PAS do nervo radial no mesmo segmento (DMR).
4.2. Amplitude
A amplitude do PAS do nervo mediano, segmento punho - II dedo, foi medida em 913 mãos; não foram obtidos potenciais em 145 mãos (13,7%), impossibilitando, dessa forma, sua medida; a variação foi 1 a 60 uV. Esses dados eletrofisiológicos não foram utilizados para diagnóstico de STC.
A amplitude do PAS do nervo mediano, segmento punho - III dedo, foi medida em 660 mãos; não foram obtidos potenciais em 156 mãos (19,1%), impossibilitando dessa forma sua medida; a variação foi 1 a 55 uV. Esses dados eletrofisiológicos não foram utilizados para diagnóstico de STC.
A amplitude do PAS do nervo mediano, segmento punho - IV dedo, foi medida em 427 mãos; não foram obtidos potenciais em 327 mãos (43,3%), impossibilitando dessa forma sua medida; a variação foi 1 a 30 uV. Esses dados eletrofisiológicos não foram utilizados para diagnóstico de STC.
Os achados eletrofisiológicos estão sumariados na Tabela 1.
DISCUSSÃO
O estudo eletrofisiológico para diagnóstico de STC, de acordo com parâmetros práticos descritos pelas principais associações americanas3, deve se iniciar com condução nervosa sensitiva "rotina" ou "convencional" no segmento punho - dedos II ou III (antidrômico ou ortodrômico) com distâncias variando entre 130 e 140 mm; se anormal, deve-se estudar outro nervo sensitivo no mesmo membro (ulnar ou radial) para exclusão de neuropatia periférica. Caso o estudo "rotina" inicial esteja dentro dos limites normais, técnicas adicionais mais sensíveis devem ser utilizadas e incluem comparação de latências sensitivas entre os nervos mediano e ulnar para IV dedo8, mediano e radial para I dedo, e, ainda, estudo do segmento palma-punho do nervo mediano (condução mista) com distâncias variando de 70 a 80 mm. O estudo da condução motora inclui latência distal do nervo mediano (musculatura tenar) e outro nervo no mesmo membro sintomático. Como item opcional com pouco valor localizatório, exame eletromiográfico com eletrodo de agulha para estudo dos miótomos cervicais, incluindo-se musculatura tributária do nervo mediano.
Vários outros métodos de condução sensitiva e motora podem ser utilizados, incluindo-se: 1. Técnica da centimetragem, com estimulação segmentar do nervo mediano de cm/cm a partir da região proximal à prega do punho até região palmar com registro no II ou III dedo9,10; a lentificação focal ocorre 2-4 cm distal à prega do punho, correspondente à margem distal do ligamento transverso do carpo (borda distal do túnel do carpo); lentificação focal na margem proximal do ligamento, que corresponde ao eixo de movimento do punho, foi infrequente11. 2. Diferença de latência entre os nervos mediano e ulnar após estimulação palmar e registro do punho (condução mista) também chamada comparação palmar mediano/ulnar. 3. Diferença de latência entre os nervos mediano e ulnar após estimulação no punho e registro comum nos músculos lumbrical/interósseo na região palmar, entre dedos II e III12; essa técnica pode ser particularmente útil nos casos com ausência de PAMC do nervo mediano com registro tenar13.
A Associação Americana de Medicina Eletrodiagnóstica4 em amplo estudo de revisão sumaria: 1. Os estudos de condução sensitiva e motora do nervo mediano são válidos e reprodutíveis, confirmando o diagnóstico clínico de STC com alto grau de sensibilidade e especificidade. 2. A comparação da sensibilidade de diferentes métodos eletrofisiológicos revela que a condução sensitiva é melhor que a motora; ainda, o estudo da latência no segmento palma-punho do nervo mediano e os métodos comparativos de latência sensitiva mediano/ulnar e mediano/radial são mais sensíveis que o estudo "rotina" punho-dedo, 130-140 mm.
Os critérios de exclusão utilizados eliminam os pacientes com anormalidade de condução nervosa difusa sugestiva de neuropatia periférica e, ainda, aqueles com cirurgia prévia, mais de um exame eletrofisiológico ou exame realizado em apenas um membro. Dessa forma, a neuropatia compressiva isolada pôde ser caracterizada sem interferência de anormalidade eletrofisiológica sistêmica ou cirurgia prévia. As anormalidades uni ou bilaterais também puderam ser definidas com precisão após estudo bilateral em toda casuística.
O critério de inclusão dos casos de STC no presente relato foi baseado na diferença de latência igual ou maior a 1,0 ms entre os PAS obtidos aos nervos mediano e radial após estimulação antidrômica simultânea (ou quase simultânea) no punho e registro no I dedo com medida no início da deflexão negativa do PAS. Esse valor, obtido em grupo controle de 125 mãos, representa média acrescida de 6 DP e foi levemente mais prolongado à direita.
Os métodos comparativos de latências são muito úteis, pois aumentam a sensibilidade eletrodiagnóstica; o paciente serve como seu próprio controle com menor influência da idade, temperatura e distância, além de diminuir problema com neuropatia periférica de base14-16. Carrol17, estudando 50 pessoas normais, encontrou DMR até 0,3 ms para 16-39 anos e até 0,4 ms para 40-82 anos, usando-se 2 DP como limite superior de normalidade, latência medida no pico do PAS e distância variando de 67 a 108 mm (média de 85 mm). Johnson e col.18 estudando 78 pessoas normais, encontraram DMR até 0,4 ms em 93% (média de 0,15 ms) com latência medida no pico do PAS e distância de 100 mm. Jackson & Clifford19, estudando 38 pessoas normais, encontraram DMR com LSN de 0,37 ms, com 2 DP, latência medida no pico do PAS e distância de 100 mm. Ghavanini e col.20, estudando 50 pessoas normais, encontraram DMR média de 0,69 ms (0,18 a 1,18 ms) com apenas 4 casos maior que 1,0 ms; a latência foi medida no pico do PAS e distância de 100 mm. O estudo atual revela DMR normal até 0,43 (amostra total), sendo 0,48 ms para o lado direito e 0,38 ms para o esquerdo, utilizando-se 2 DP para LSN e latência medida no início do PAS. A diferença entre os lado direito e esquerdo pode, talvez, ser explicada pela mão dominante com maior possibilidade de trauma cumulativo. Na imensa maioria dos casos descritos nas normatizações de DMR na literatura, e em todos do grupo controle do presente estudo, a latência do nervo mediano foi igual ou mais prolongada que o nervo radial. A utilização de DMR igual ou maior a 1,0 ms na casuística atual praticamente elimina os falso-positivos, pois eleva o LSN a 6 DP. Dessa forma, os demais parâmetros eletrofisiológicos estudados e discutidos a seguir, sem dúvida, correspondem a STC.
O estudo da condução motora do nervo mediano revelou ausência de PAMC em 2,6%, valores semelhantes aos da literatura, 2,1%21. O LSN para a latência distal motora do nervo mediano em 95% dos casos foi 4,25 ms. Os dados da literatura revelam valores variando de 3,71 a 4,4 ms4. A amplitude do PAMC do nervo mediano não foi utilizada como critério eletrodiagnóstico de STC; foi observada, contudo, nítida redução de amplitude quanto mais prolongada a latência distal motora, mostrando relação diretamente proporcional entre desmielinização segmentar e redução de amplitude, não se descartando, a possibilidade de degeneração axonal associada a compressão mais grave. O estudo da condução motora do nervo mediano (amplitude do PAMC) após estimulação palmar, abaixo do sítio de compressão, pode oferecer dados mais precisos sobre a presença de degeneração axonal secundária a desmielinização segmentar focal grave, com implicações prognósticas22. A VC motora do nervo mediano no antebraço não oferece dados diagnósticos de STC; observou-se, contudo, nítida redução da VC quanto maior o valor da latência distal motora (bloqueio), revelando provável extensão da desmielinização segmentar a partir do carpo até região distal do antebraço4. O limite inferior de normalidade do índice de latência terminal do nervo mediano, que ajusta a latência distal motora em relação à distância terminal e a VC motora proximal (antebraço), foi 0,35 para o lado direito e 0,36 para o esquerdo. Os achados são parecidos aos da literatura, que estabelece valor normal igual ou maior que 0,347.
O estudo da condução sensitiva "rotina" do nervo mediano, segmento punho - dedos II, III e IV (antidrômico, 140 mm) com latência medida no início, foi realizada em 913 mãos (II dedo), 660 mãos (III dedo) e 427 mãos (IV dedo). Os limites superior (latência) e inferior (VC) de normalidade em 95% dos casos foram, respectivamente, 3,01 ms / 46,45 m/s para II dedo, 3,14 ms / 44,60 m / s para III dedo e 3,26 ms / 42,90 m/s para o IV dedo. Os valores da literatura variam de 2,72 a 3,4 ms para latência no II dedo4. Kothari e col.23, estudando a condução sensitiva do nervo mediano em todos os digitos (I, II, III e IV), encontraram anormalidade em ordem crescente nos dedos IV, II, III e I para casos de STC leve sem diferença significante nos casos graves, embora o I dedo estivesse anormal mais frequentemente. No presente estudo, deve-se ressaltar o fato dos LSN para latência serem progressivamente mais elevados para os dedos II, III e IV. A percentagem de PAS não obtidos foi 16,9% para o I dedo, 13,7% para o II dedo, 19,1% para o III dedo e 43,3% para o IV dedo, mostrando pequena variação no acometimento dos diferentes ramos digitais (fascículos) dentro do tronco principal do nervo mediano. Os valores de amplitude dos PAS do nervo mediano não foram utilizados como critérios eletrodiagnósticos de STC. Da mesma forma que os PAMC, existe nítida redução de amplitude, quanto maior a latência distal sensitiva, indicando relação diretamente proporcional entre desmielinização segmentar e redução de amplitude. A amplitude dos PAS obtidos após estimulação do punho e registro no dedo, quando comparada com os obtidos após estimulação palmar (abaixo do sítio de compressão) e registro no mesmo dedo, pode oferecer subsídio valioso para o diagnóstico diferencial entre desmielinização segmentar associada ou não a degeneração axonal22. Todos os dados eletrofisiológicos apresentados foram parcialmente descritos por Kouyoumdjian24.
CONCLUSÕES
1. O LSN (média + 2DP) para DMR foi 0,48 ms (direito), 0,38 ms (esquerdo) e 0,43 ms (total).
2. A latência distal motora do nervo mediano em 95% dos casos foi >4,25 ms com distância fixa de 80 mm.
3. O limite inferior de normalidade para o índice de latência terminal do nervo mediano em 95% dos casos foi 0,35 (direito) e 0,36 (esquerdo).
4. A VC motora do nervo mediano no antebraço reduziu-se proporcionalmente ao aumento da latência distal motora.
5. A amplitude do PAMC do nervo mediano, reduziu-se proporcionalmente ao aumento da latência distal motora.
6. A latência distal sensitiva do nervo mediano (II dedo, 140 mm) em 95% dos casos foi >3,01 ms (<46,4 m/s).
7. A latência distal sensitiva do nervo mediano (III dedo, 140 mm) em 95% dos casos foi >3,14 ms (<44,6 m/s).
8. A latência distal sensitiva do nervo mediano (IV dedo, 140 mm) em 95% dos casos foi >3,26 ms (<42,9 m/s).
9. A amplitude dos PAS do nervo mediano reduziu-se proporcionalmente ao aumento de latência distal sensitiva.
10. Os PAS do nervo mediano não foram obtidos em 16,5% (média para dedos I, II e III).
11. Os PAMC do nervo mediano não foram obtidos em 2,6%; em quase 14% dos casos o diagnóstico topográfico do STC foi confirmado exclusivamente pela latência distal motora.
Dr. João Aris Kouyoumdjian - Av. Bady Bassitt 3896 - 15025-000 São José do Rio Preto SP - Brasil. Fax 017 232-7757 E-mail: jaris@zaz.com.br
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Dez 2000 -
Data do Fascículo
Jun 1999
Histórico
-
Aceito
27 Nov 1998