Resumos
Objetiva-se resgatar, considerando o seu valor histórico, um sinal semiológico descrito em 1931 por eminente neurologista do Rio de Janeiro, em parceria com um mestre da neurologia francesa. No artigo de Alajouanine e Akerman, intitulado "Atitude da mão em um surto monobraquial astereognósico da esclerose em placas", foi descrita uma alteração semiológica caracterizada por "uma instabilidade na atitude dos dedos, que se observa sobretudo com a mão estendida na atitude de juramento". Essa atitude da mão se exagerava muito com os olhos fechados e estava acompanhada por ataxia sensitiva, astereognosia e comprometimento da sensibilidade profunda no membro acometido. A partir do artigo original, é possível atualmente considerar-se a alteração semiológica descrita como uma forma de pseudoatetose localizada na mão.
Akerman; pseudoatetose; semiologia neurológica
It is aimed to recover, considering its historical value, a semiological sign described in 1931 by an eminent neurologist of Rio de Janeiro, together with a master of the French neurology. In the article by Alajouanine and Akerman, named "Attitude of the hand in an astereognostic monobrachial crisis of multiple esclerosis", a semiologic alteration was described which was characterized by "an instability in the attitude of the fingers, which is observed mainly with the hand extended in the attitude of swearing". This attitude of the hand worsened a lot with the eyes closed and was accompanied by sensory ataxia, astereognosis, and impaired deep sensation in the affected member. From the original article, it is possible to consider at the present time the described semiologic alteration as a form of pseudoathetosis localized in the hand.
Akerman; pseudoathetosis; neurologic semiology
MÃO INSTÁVEL ATÁXICA DE ALAJOUANINE-AKERMAN
RESGATE DE UM SINAL SEMIOLÓGICO
GILBERTO LEVY*
RESUMO ¾ Objetiva-se resgatar, considerando o seu valor histórico, um sinal semiológico descrito em 1931 por eminente neurologista do Rio de Janeiro, em parceria com um mestre da neurologia francesa. No artigo de Alajouanine e Akerman, intitulado "Atitude da mão em um surto monobraquial astereognósico da esclerose em placas", foi descrita uma alteração semiológica caracterizada por "uma instabilidade na atitude dos dedos, que se observa sobretudo com a mão estendida na atitude de juramento". Essa atitude da mão se exagerava muito com os olhos fechados e estava acompanhada por ataxia sensitiva, astereognosia e comprometimento da sensibilidade profunda no membro acometido. A partir do artigo original, é possível atualmente considerar-se a alteração semiológica descrita como uma forma de pseudoatetose localizada na mão.
PALAVRAS-CHAVE: Akerman, pseudoatetose, semiologia neurológica.
Ataxic unstable hand of Alajouanine-Akerman: recovery of a semiologic sign
ABSTRACT ¾ It is aimed to recover, considering its historical value, a semiological sign described in 1931 by an eminent neurologist of Rio de Janeiro, together with a master of the French neurology. In the article by Alajouanine and Akerman, named "Attitude of the hand in an astereognostic monobrachial crisis of multiple esclerosis", a semiologic alteration was described which was characterized by "an instability in the attitude of the fingers, which is observed mainly with the hand extended in the attitude of swearing". This attitude of the hand worsened a lot with the eyes closed and was accompanied by sensory ataxia, astereognosis, and impaired deep sensation in the affected member. From the original article, it is possible to consider at the present time the described semiologic alteration as a form of pseudoathetosis localized in the hand.
KEY WORDS: Akerman, pseudoathetosis, neurologic semiology.
Abraham Akerman, de família originária da Europa oriental, nasceu em 1908 e veio para o Brasil ainda na infância, morando com os pais e a irmã no Centro do Rio de Janeiro. Em 1924, viajou para a França com o objetivo de estudar Medicina, passando dois anos na Faculdade de Ciências da Universidade de Paris e matriculando-se, em 1926, na Faculdade de Medicina da Universidade de Paris. Teve contato com grandes mestres da Neurologia francesa, como Crouzon, Guillain, Nageotte, sendo assistente e colaborador do Prof. Theophile Alajouanine, a quem se referia como seu mestre. Diplomando-se em 1930, publicou trabalho na Revue Neurologique em 1931, junto com Alajouanine, em que descreveu uma postura anormal da mão em paciente com esclerose em placas1. Em 1933, concluiu o doutorado da Universidade de Paris defendendo tese sobre brucelose, quando retornou ao Rio de Janeiro.
No artigo de Th. Alajouanine e A. Akerman1, intitulado "Atitude da mão em um surto monobraquial astereognósico da esclerose em placas", foi relatada uma alteração semiológica caracterizada por "uma instabilidade na atitude dos dedos, que se observa sobretudo com a mão estendida na atitude de juramento". Essa atitude da mão se exagerava muito com os olhos fechados e estava acompanhada por ataxia sensitiva, astereognosia e comprometimento da sensibilidade profunda no membro acometido. Esses autores discutiram as semelhanças dessa alteração com a coreoatetose e a mão talâmica: "é uma atitude muito especial da mão, que, na atitude de juramento, não pode conservar uma posição estável no espaço, cada dedo apresentando isoladamente deslocamentos variados e lentos, imprimindo ao todo um aspecto lembrando a mão de certas coreoatetoses, ou melhor, a mão de certos casos de síndromes talâmicas ou hipotalâmicas".
Ressaltou-se, por outro lado, o paralelismo entre a atitude anormal da mão e a alteração da noção de posição segmentar: "trata-se de sintoma transitório cuja evolução parece estreitamente calcada sobre aquela dos distúrbios da sensibilidade profunda". No caso descrito, a atitude da mão e a alteração da noção de posição segmentar regrediram em duas semanas, o que levou "a ver a gênese desse problema da estática dos dedos nos distúrbios da sensibilidade profunda". Contudo, após cinco semanas de evolução, ainda persistia a astereognosia, fazendo supor uma origem cortical parietal das manifestações apresentadas. Com efeito, posteriormente, em seu livro sobre o lobo parietal, Macdonald Critchley2 menciona a " main instable ataxique' de autores franceses (Alajouanine e Akerman, 1931)" como uma manifestação de perda postural.
Outras observações sugeriram que essa manifestação pudesse também estar associada a lesões da medula espinhal. Biémond3 verificou-a na "forma radiculocordonal posterior das degenerações espino-cerebelares", e Akerman4, em trabalho publicado no nosso meio, referiu-se à observação própria da mesma alteração na tabes dorsalis, reiterando a sua aparente ligação com o acometimento da sensibilidade profunda.
A alteração semiológica descrita na primeira metade do século por Alajouanine e Akerman se superpõe, conforme pode ser verificado nos livros de semiologia neurológica, ao conceito atual de pseudoatetose. Segundo o tratado de semiologia neurológica de De Jong5, o termo pseudoatetose tem sido utilizado para descrever movimentos das extremidades semelhantes à atetose, mais acentuados com os olhos fechados e usualmente não associados a aumento no tônus muscular; ressalta-se ainda nessa obra que não se trata de uma hipercinesia verdadeira, mas o resultado da perda da noção de posição segmentar. Para Bickerstaff e Spillane6, a pseudoatetose lembra a atetose em vários aspectos, porém ela é suprimida quando o paciente olha sua mão e o paciente usualmente não está ciente de sua ocorrência, sendo "sempre acompanhada de perda grosseira da sensibilidade postural". Qualquer lesão levando a perda grave da noção de posição segmentar poderia produzir esse fenômeno, como tabes dorsalis, espondilose cervical, neuropatia sensitiva carcinomatosa, esclerose múltipla e lesões do lobo parietal.
Pseudoatetose foi observada ainda em outras condições. Waragai e col.7 descreveram dois casos de hemorragia da ponte apresentando paralisia de nervo abducente bilateral, seguida de hemiparesia, ataxia, hipoestesia e pseudoatetose contralaterais à lesão. Blunt e col.8 relataram quadro de pseudoatetose dos membros superiores, com comprometimento acentuado da noção de posição segmentar abaixo dos cotovelos, na vigência de deficiência de vitamina B12.
Outros autores, contudo, encontraram manifestação semelhante em casos de lesão medular sem comprometimento da sensibilidade profunda. Madhusudanan e col.9 descreveram três casos de lesões cervicais (dois de siringomielia e um de glioma) com atetose e distonia das mãos, comentando que os pacientes apresentavam "achados clínicos e eletromiográficos compatíveis com verdadeira atetose". Nagano e col.10 observaram "piano playing movement" em ambas as mãos, sem alteração de sensibilidade profunda, em um caso de esclerose múltipla com lesão em medula cervical à ressonância magnética, sugerindo que movimentos pseudoatetóticos pudessem estar presentes sem anormalidades da sensibilidade profunda. Nesse sentido, é interessante lembrar a advertência de Critchley2 de que "quando a perda postural está limitada a um ou dois dedos, esse comprometimento pode facilmente passar despercebido durante o exame clínico habitual".
A partir do artigo original, é possível considerar-se a mão instável atáxica descrita por Alajouanine e Akerman1 como uma forma de pseudoatetose localizada na mão ¾ caracteristicamente acompanhada de comprometimento da sensibilidade profunda. Cumpre registrá-la em virtude de sua importância histórica, particularmente no nosso meio.
Agradecimentos - Ao Prof. Marcos Raimundo Gomes de Freitas, por ter motivado pesquisa sobre o Dr. Abraham Akerman; e à Profa. Mira de Casrilevitz Engelhardt, por ter mencionado o sinal semiológico acima descrito.
Dr. Gilberto Levy- Av. Delfim Moreira 90/201- 22441-000 Rio de Janeiro RJ- Brasil.
Referências bibliográficas
- 1. Alajouanine T, Akerman A. Attitude de la main dans une poussée monobrachiale astéréognosique de la sclérose en plaques. Rev Neurol 1931;I:318-322.
- 2. Critchley M. The parietal lobes. London: Edward Arnold, 1953:107.
- 3. Biémond A. La forme radiculo-cordonnale postérieure des dégénerescences spino-cérébelleuses. Rev Neurol 1954;91:1-21.
- 4. Akerman A. Clínica das discinesias. Med Cir Farm 1955;231:306-328.
- 5. Haerer AF. DeJong's neurologic examination. 5.Ed. Philadelphia: J. B. Lippincott, 1992:412.
- 6. Bickerstaff ER, Spillane JA. Neurological examination in clinical practice. 5.Ed. Oxford: Blackwell, 1989:148.
- 7. Waragai M, Iwabuchi S, Niwa N. Bilateral abducens nerve palsy followed by pseudoathetosis due to pontine hemorrhage: clinical and neuroradiological study. Rinsho Shinkeigaku 1993;33:546-551.
- 8. Blunt SB, Silva M, Kennard C, Wise R. Vitamin B12 deficiency presenting with severe pseudoathetosis of upper limbs. Lancet 1994;343:550.
- 9. Madhusudanan M, Gracykutty M, Cherian M. Athetosis-dystonia in intramedullary lesions of spinal cord. Acta Neurol Scand 1995;92:308-312.
- 10. Nagano T, Mizoi R, Watanabe I, Tomi H, Sunohara N. A case of multiple sclerosis manifesting piano playing movement. Rinsho Shinkeigaku 1993;33:442-445.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
06 Dez 2000 -
Data do Fascículo
Jun 1999
Histórico
-
Aceito
07 Dez 1998