Resumos
Descrevemos um caso raro de adenoma hipofisário produtor de TSH em uma paciente com quadro de hipertireoidismo, que após quatro anos desenvolveu hemianopsia bitemporal. TC de crânio mostrou tratar-se de tumor hipofisário de grau 2 e estadio C, de acordo com a classificação de Hardy-Vezina e Wilson. O tratamento foi cirúrgico, inicialmente por via transeptoesfenoidal, em que foi possível apenas biópsia, e a seguir a paciente foi submetida a craniotomia órbito-pterional com ressecção sub-total do tumor. Foi indicado tratamento complementar com radioterapia.
TSH; adenoma; hipertireoidismo; transeptoesfenoidal
We describe a rare case of thyroid-stimulating hormone-secreting pituitary adenoma in a patient with a clinical picture of hyperthyroidism, that developed bitemporal hemianopsia after four years of a known thyroid dysfunction. CT scan showed a pituitary tumor considered grade 2 and stage C according to Hardy-Vezina and Wilson. Treatment was surgical, initially by a transsphenoidal approach, in which only a biopsy was possible. The patient was then submitted to an orbital-pterional craniotomy with sub-total resection of the tumor. Complementary treatment was indicated with radiotherapy.
TSH; adenoma; hyperthyroidism; transsphenoidal
Relato de caso
Oswaldo Inácio Tella Jr11Disciplina de Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo SP, Brasil:Professor Adjunto Livre Docente da Disciplina de Neurocirurgia da UNIFESP; 2Professor Assistente da Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina de Jundiaí; 3Professora Assistente da Disciplina de Anatomia Patológica da UNIFESP; 4Professor Adjunto Disciplina de Neurocirurgia da UNIFESP. , Marco Antonio Herculano21Disciplina de Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo SP, Brasil:Professor Adjunto Livre Docente da Disciplina de Neurocirurgia da UNIFESP; 2Professor Assistente da Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina de Jundiaí; 3Professora Assistente da Disciplina de Anatomia Patológica da UNIFESP; 4Professor Adjunto Disciplina de Neurocirurgia da UNIFESP. , Rosana Delcello31Disciplina de Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo SP, Brasil:Professor Adjunto Livre Docente da Disciplina de Neurocirurgia da UNIFESP; 2Professor Assistente da Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina de Jundiaí; 3Professora Assistente da Disciplina de Anatomia Patológica da UNIFESP; 4Professor Adjunto Disciplina de Neurocirurgia da UNIFESP. , Mirto Nelso Prandini41Disciplina de Neurocirurgia da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo SP, Brasil:Professor Adjunto Livre Docente da Disciplina de Neurocirurgia da UNIFESP; 2Professor Assistente da Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Medicina de Jundiaí; 3Professora Assistente da Disciplina de Anatomia Patológica da UNIFESP; 4Professor Adjunto Disciplina de Neurocirurgia da UNIFESP.
RESUMO - Descrevemos um caso raro de adenoma hipofisário produtor de TSH em uma paciente com quadro de hipertireoidismo, que após quatro anos desenvolveu hemianopsia bitemporal. TC de crânio mostrou tratar-se de tumor hipofisário de grau 2 e estadio C, de acordo com a classificação de Hardy-Vezina e Wilson. O tratamento foi cirúrgico, inicialmente por via transeptoesfenoidal, em que foi possível apenas biópsia, e a seguir a paciente foi submetida a craniotomia órbito-pterional com ressecção sub-total do tumor. Foi indicado tratamento complementar com radioterapia.
PALAVRAS-CHAVE: TSH, adenoma, hipertireoidismo, transeptoesfenoidal.
TSH pituitary adenoma: case report
ABSTRACT - We describe a rare case of thyroid-stimulating hormone-secreting pituitary adenoma in a patient with a clinical picture of hyperthyroidism, that developed bitemporal hemianopsia after four years of a known thyroid dysfunction. CT scan showed a pituitary tumor considered grade 2 and stage C according to Hardy-Vezina and Wilson. Treatment was surgical, initially by a transsphenoidal approach, in which only a biopsy was possible. The patient was then submitted to an orbital-pterional craniotomy with sub-total resection of the tumor. Complementary treatment was indicated with radiotherapy.
KEY WORDS: TSH, adenoma, hyperthyroidism, transsphenoidal.
A tireotrofina (TSH) é hormônio glicoproteico que compartilha a mesma subunidade alfa com o LH, FSH e a gonadotrofina coriônica. Sua especifidade é dada pela subunidade beta. O hormônio liberador do TSH (TRH) é produzido no hipotálamo, mas outras substâncias como a dopamina, somatostatina, serotonina e noradrenalina também exercem efeito positivo. A inibição da secreção do TSH está relacionada com o nível de tiroxina (T4) e triiodotironina (T3). Segundo Scheithauer1, as células tireotróficas representam 5% da hipófise e localizam-se na sua parte anterior. O adenoma produtor de TSH é bastante raro, perfazendo menos de 1% dos tumores hipofisários e foi descrito pela primeira vez em 1970 por Hamilton, Adams e Maloof2. Tendem a ser macroadenomas e invasivos, podendo ser pluri-hormonais, geralmente com o GH, prolactina ou com os hormônios gonadotróficos. Os pacientes, em sua maioria, apresentam hipertireoidismo, ou seja, taquicardia, intolerância ao calor, perda de peso, diarréia, tremor, poliúria e labilidade emocional. Em alguns casos pode-se encontrar hipotireoidismo e mesmo eutireoidismo3. Os achados de laboratório4 incluem as dosagens de T3, T4, TSH e principalmente subunidade alfa, todos aumentados, mas o teste do TRH é sem resposta; o nível da tireotrofina nem sempre corresponde ao tamanho do tumor e sua capacidade invasiva. O diagnóstico diferencial é com hiperplasia hipofisária, que leva à secreção inapropriada da tireotrofina. O que chama atenção é o aumento do TSH e da subunidade alfa, ao teste do TRH. Lloyd5 acredita que esta hiperplasia esteja relacionada com alterações nos receptores hipofisários, anulando o efeito do mecanismo de "bio-feedback" exercido pelos hormônios tireoideanos.
A tomografia computadorizada (TC) e, principalmente o exame de ressonância magnética (RM), da região da sela turca, delimitam a lesão e podem mostrar invasão para o seio cavernoso, seio esfenoidal, clivus, órbita e cérebro. O tratamento é cirúrgico pois, devido a raridade dos casos, a terapia clínica tem sido pouco estudada. Nestes casos utiliza-se a somatostatina, agonistas dopaminérgicos, radioterapia e drogas antitireoideanas6.
É nosso propósito descrever um caso de adenoma produtor de TSH, por tratar-se de um tipo raro de adenoma.
CASO
Paciente de 28 anos vinha sendo tratada como portadora de hipertireoidismo associado a irregularidades menstruais e galactorréia há quatro anos. Há seis meses vinha apresentando alterações visuais caracterizadas por dificuldade para enxergar lateralmente. Ao ser reavaliada por colega endocrinologista, apresentava aumento de T3, T4 e TSH, porém com testes negativos de supressão com TRH além de aumento discreto da prolactina (86 ng/mL). Foi solicitado exame de campimetria visual que foi compatível com hemianopsia bitemporal. A TC revelou lesão selar e supra-selar compatível com adenoma hipofisário (Fig 1). A sela era grau 2 e o estadio C de acordo com a classificação de Hardy-Vezina7 e Wilson8, que adotamos18.
A paciente foi submetida a abordagem transeptoesfenoidal para tumor hipofisário por via sublabial. Ao abrir-se a dura máter do assoalho selar foi encontrado tumor acinzentado de consistência endurecida, sendo possível apenas coletar fragmentos para biópsia. Ao estudo pela H&E foi confirmado o diagnóstico de adenoma hipofisário do tipo cromófobo, sem atipias celulares. Após 15 dias a paciente foi operada por via transcrania órbito-pterional com remoção subtotal do tumor (Fig 2). Foi solicitado estudo imuno-histoquímico que revelou tratar-se de adenoma produtor de TSH. Para o estudo imuno-histoquímico utilizamos o método da avidina-biotina-peroxidase9, sendo pesquisados os hormônios PRL, GH, ACTH, TSH, LH, FHS e sub-unidade alfa, em cortes de parafina de quatro micras. Como controle positivo foram usadas adeno-hipófises de cadáveres.
A paciente foi encaminhada para radioterapia e tem evoluído satisfatoriamente tanto do ponto de vista oftalmológico como endocrinológico.
DISCUSSÃO
Em nosso estudo, os adenomas foram agrupados de acordo com os resultados da imuno-histoquímica. Nossos resultados divergem parcialmente dos de Kovacs e Horvath10, uma vez que incluímos os produtores de subunidade alfa como grupo especial e nossa percentagem de bi e pluri-hormonais foi elevada. Kovacs et al.11 classificam os tumores produtores de mais de um hormônio em monomorfos, dimorfos e plurimorfos conforme a célula tumoral fosse de linhagem mono ou pluriclonal, salientando que os adenomas são monoclonais e que nestes casos haveria alguma mutação na célula primitiva de origem. Em relação à casuística de Saeger12, que segue a classificação do Clube de Patologia Hipofisária de Paris, também temos diferenças como exposto na Tabela 1.
A síndrome da secreção inapropriada do TSH foi descrita em 1975 por Gershengorn e Weintraub13. O adenoma hipofisário produtor de TSH geralmente causa hipertireoidismo central e os pacientes são inicialmente tratados com drogas anti tireoideanas, tireoidectomias parciais ou com I131, o que leva a um diagnóstico tardio do tumor hipofisário. Segundo McCutcheon e Oldfield3, tal fato justifica estes tumores serem macroadenomas e invasivos quando diagnosticados, seguindo a mesma lógica da síndrome de Nelson, em que um paciente com microadenoma produtor de ACTH é submetido a adrenalectomia e este tumor transforma-se em um macroadenoma invasivo devido ao diagnóstico correto tardio.
É interessante notar que os hormônios glicoproteicos (TSH, LH, FSH) apresentam uma subunidade alfa comum e uma sub unidade beta que lhes dá especificidade. Sanno et al.14 relatam uma relação menor ou igual a 1 entre a subunidade alfa e beta quando deparamos com este tipo de adenoma hipofisário, ou seja, alteração desta relação, em que temos normalmente acentuado predomínio da sub unidade alfa. McCutcheon e Oldfield3 descrevem relação em alguns casos de adenoma produtor de TSH com neoplasias múltiplas endócrinas do tipo 1 (NEM-1) e tal fato estaria relacionado com alteração de um gene mutante no cromossomo 11q13 .
Outra causa de síndrome da secreção inapropriada do TSH estaria relacionada com uma resistência generalizada ou seletiva ao TSH. Nestes casos o TSH encontra-se elevado, mas o paciente não apresenta hipertireoidismo15. É importante lembrar que em casos de hipotireoidismo crônico podemos ter hiperplasia hipofisária difusa, que não é invasiva e costuma regredir com o controle da alteração endócrina16.
Em relação ao caso descrito é possível notar que o diagnóstico foi tardio, feito quando da alteração visual, e deparamos com um macroadenoma em que foi possível apenas ressecção sub-total, devido à consistência do tumor, apesar de duas abordagens cirúrgicas, e necessário tratamento complementar com radioterapia.
A associação de imuno-histoquímica positiva em ¼ dos casos para GH, PRL, sugere que estes hormônios derivam de uma mesma célula primitiva. Os adenomas produtores de TSH bi-hormonais raramente manifestam sintomas clínicos relacionados com o outro hormônio17.
Em conclusão, na síndrome da secreção inapropriada do TSH deve ser sempre investigada presença de um adenoma hipofisário, pois o diagnóstico precoce de um microadenoma facilita a sua remoção total.
Recebido 12 Março 2001, recebido na forma final 5 Setembro 2001. Aceito 24 Setembro 2001.
Dr. Osvaldo Inácio de Tella Jr. - Disciplina de Neurocirurgia, UNIFESP - Rua Napoleão de Barros 626 ¾ 04024-002 São Paulo SP - Brasil. FAX: 011 5573 6920. E-mail: detella.ncir@epm.br
- 1. Scheithauer BW. The pituitary and sellar region. In Sternberg SS (ed). Diagnostic surgical pathology. New York: Raven Press, 1994;493-522.
- 2. Hamilton CR Jr, Adams LC, Maloof F. Hyperthyroidism due to thyrotropin-producing pituitary chromophobe adenoma. N Eng J Med 1970;283:1077-1080.
- 3. McCutcheon IE, Oldfield EH. Thyroid-stimulating hormone-secreting pituitary tumors. In Krisht AF, Tindall GT (eds). Pituitary disorders. Baltimore: Williams & Wilkins, 1999:267-280.
- 4. Gesundheit N, Petrick PA, Nissim M. Thyrotropin-secreting pituitary adenomas: clinical and biochemical heterogeneity. Ann Intern Med 1989;111:827-835.
- 5. Lloyd RV. Non-neoplastic pituitary lesions, including hyperplasia. In Lloyd RV (ed). Surgical pathology of the pituitary gland. Philadelphia: Saunders, 1993;25-33.
- 6. Warnet A, Lajeunie E, Gelbert F, et al. Shrinkage of a primary thyrotropin-secreting pituitary adenoma treated with the long-acting somatostatin analogue octreotide (SMS 201-995). Acta Endocrinol (Copenh) 1991;124:487-491.
- 7. Hardy J, Vezina JL. Transsphenoidal neurosurgery of intracranial neoplasm. In Thompson RA, Green JR (eds). Advances in neurology. New York: Raven Press, 1976:261-274.
- 8. Wilson CB. Role of surgery in the management of pituitary tumors. In Rosenblum ML (ed). Neurosurgery clinics of North America. Vol.1. Philadelphia: Saunders, 1990:139-160.
- 9. Hsu DW, Raine J, Fanger H. A comparative study of the peroxidase-antiperoxidase method and an avidin-biotin complex method for studying polypeptide hormones with radioimmunoassay antibodies. Am J Clin Pathol 1981;75:734-738.
- 10. Kovacs K, Horvath E. Tumor of the pituitary gland. In Armed Forces Institute of Pathology. Atlas of tumor pathology. Second Series. Washington, 1986;21:1-264.
- 11. Kovacs K, Horvath E, Stefaneanu L, et al. Pituitary adenoma producing growth hormone and adrenocorticotropin: a histological, immunocytochemical, electron microscopic and in situ hybridization study. Case report. J Neurosurg 1998;88:1111-1115.
- 12. Saeger W. Simmonds memorial lecture: pituitary adenoma classification. Endocr Pathol 1992(Suppl1):42-43.
- 13. Gershengorn MC, Weintraub BD. Thyrotrophin-induced hyperthyroidism caused by selective pituitary resistance to thyroid hormone: a new syndrome of innapropriate secretion of TSH. J Clin Invest 1975; 56:633-642.
- 14. Sanno N, Teramoto A, Osamura Y. Long-term surgical outcome in 16 patients with thyrotropin pituitary adenoma. J Neurosurg 2000;93: 194-200.
- 15. Kourides IA, Ridgway EC, Weintraub BD. Thyrotropin-induced hyperthyroidism: use of alpha and beta subunit levels to identify patients with primary tumors. J Clin Endocrinol Metab 1977; 45:534-543.
- 16. Wolansky LJ, Leavin GD, Elias BJ. MRI of pituitary hyperplasia in hypothroidism. Neuroradiology 1996;30:50-52.
- 17. Mantovani S, Beck-Peccoz P, Saccomanno K. TSH-secreting pituitary adenomas are monoclonal in origin. Proceedings of the 77th Annual Meeting of the Endocrine Society, 1995:412.
- 18. Tella OI Jr, Herculano MA, Delcello R, Aguiar PH. Prolactinomas: aspectos neurocirúrgicos. Arq Neuropsiquiatria 2002;60:106-112.
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
11 Abr 2002 -
Data do Fascículo
Mar 2002
Histórico
-
Recebido
05 Set 2001 -
Aceito
24 Set 2001