Open-access Inferências sobre o calendário agrícola a partir de perfis temporais de NDVI/MODIS

Resumos

Um dos maiores desafios para a modelagem de rendimentos de grãos, no contexto das estimativas de safras feitas de forma operacional para grandes áreas, está relacionado à identificação no tempo dos períodos em que as culturas anuais apresentam maior suscetibilidade a estresses ambientais. Para a cultura da soja, cultivada no período de primavera-verão no sul do Brasil, o principal fator de risco é a ocorrência de estresse hídrico no florescimento e enchimento de grãos. Esses subperíodos ocorrem em períodos distintos ao longo da região de produção como consequência de práticas de manejo diferenciadas dos produtores. Este trabalho teve como objetivo relacionar o calendário agrícola da cultura da soja a perfis temporais do índice de vegetação por diferença normalizada (NDVI/MODIS), com intuito de apresentar/validar uma tecnologia de baixo custo e adequada acurácia para fins de monitoramento e previsão de safras. Para tanto, foram analisados os dados de calendário agrícola (subperíodos de floração, enchimento de grãos e maturação) da cultura da soja em regionais da EMATER (RS) e imagens NDVI do sensor MODIS. Os resultados mostraram que os perfis temporais de NDVI permitem acompanhar a evolução temporal da biomassa da cultura da soja e determinar a ocorrência dos subperíodos do ciclo. As diferenças no valor do NDVI entre safras, regionais e subperíodos do ciclo da cultura demonstram a sensibilidade deste índice em detectar as respostas das plantas de soja às condições ambientais. Como consequência dos dados de NDVI serem gerados a partir das imagens MODIS, é possível a espacialização da informação acerca dos subperíodos para todas as safras e em todo o Estado, o que permite maior detalhamento temporal e espacial comparativamente à atual disponibilidade dos dados.

subperíodos do ciclo; mapeamento; floração; enchimento de grãos; maturação


A major challenge for grain yield modeling in the context of estimates made operationally for large areas is related to the identification of periods in which annual crops show greater susceptibility to environmental stress. For soybean grown in the spring-summer period in southern Brazil, the main risk factor is the occurrence of water stress during flowering and grain filling. These subperiods occur at different times across the production region due to differences in management practices of each farmer. This study aimed to relate the soybean crop calendar to the temporal profiles of normalized difference vegetation index (NDVI/MODIS), in order to present/validate a low cost technology with adequate accuracy for crop monitoring and harvest prediction. Thus, we analyzed data from soybean crop calendar (subperiods of flowering, grain filling and maturation) from EMATER (RS) regions and NDVI MODIS images. The NDVI temporal profiles allow monitoring the development of the soybean crop biomass and determining the occurrence of subperiods. Differences in NDVI values between harvests, regions and subperiods demonstrate the sensitivity of this index in detecting the responses of soybean plants to environmental conditions. Because NDVI data are generated from MODIS images, it is possible to create maps with information about the subperiods for all harvests and throughout the State, which enables greater temporal and spatial details compared to data currently available.

cycle sub-periods; mapping; flowering; grain filling and maturation


1 INTRODUÇÃO

As informações sobre a localização no tempo dos principais subperíodos do ciclo das culturas se constituem em uma ferramenta importante em diversas atividades. No contexto agronômico, esta informação é útil em estudos de caracterização da relação clima-planta, dado que as culturas anuais apresentam períodos distintos de suscetibilidade a estresses ambientais (Monteiro, 2009). A localização no tempo e espaço da ocorrência dos períodos de maior suscetibilidade (também denominados de críticos) é um dos maiores desafios da modelagem de rendimentos de grãos, de maneira a gerar estimativas de safras de forma operacional e em grandes áreas.

Os calendários agrícolas correspondem a tabelas que contêm a informação da porcentagem de área cultivada que se encontra em determinado subperíodo do ciclo da cultura (desenvolvimento vegetativo, florescimento, enchimento de grãos e maturação), sendo elaborado, de modo geral, por instituições públicas de extensão rural. No Rio Grande do Sul, a EMATER (RS) (Associação Rio-grandense de Empreendimentos de Assistência Técnica de Extensão Rural) disponibiliza quinzenalmente informações acerca das principais culturas, representando uma fonte de dados quase exclusiva para o acompanhamento das safras em tempo real, especialmente no que se refere ao desenvolvimento de determinada cultura em uma dada região. Entretanto, a coleta dessas informações requer tempo e está associada a um alto custo para sua consolidação nas diversas regiões produtoras. No Estado, o calendário agrícola está disponível para as 10 regionais da EMATER/RS, carecendo-se, no entanto, de detalhamento espacial dos dados nos municípios que compõem cada regional, ou mesmo, dentro dos municípios.

Nesse contexto, imagens de satélite, especialmente de sensores de alta resolução temporal, como o MODIS (Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer), a bordo do satélite Terra, podem contribuir para geração de informações sobre as culturas agrícolas, fornecendo dados com frequência compatível às fases fenológicas e com adequada representação espacial dentro das regiões produtoras (Rudorff et al., 2007).

A partir de imagens coletadas pelo sensor MODIS, são elaborados diversos produtos, os quais estão disponíveis para um período relativamente longo, a partir de 2000, e complementa os dados de NDVI disponibilizados pela série NOAA (Huete et al., 2002). Estes conjuntos de dados representam a maior e mais completa série histórica acerca da dinâmica espacial e temporal da biomassa do Globo.

O NDVI é obtido pela razão entre a diferença e a soma das reflectâncias do infravermelho próximo e do vermelho. Dado que o NDVI apresenta associação significativa com a biomassa verde das plantas (Ponzoni & Shimabukuro, 2007; Jensen, 2009), este tem sido o índice mais frequentemente empregado em estudos sobre o comportamento da vegetação. Destaca-se o uso do NDVI obtido de imagens MODIS no monitoramento da evolução dos cultivos (Jacóbsen et al., 2003; Junges & Fontana, 2009; Wagner et al., 2013), na modelagem de grãos (Rizzi & Rudorff, 2007; De Melo et al., 2008; Fontana et al., 2007; Mercante et al., 2010) e na estimativa de área cultivada (Gusso et al., 2012; Johann et al., 2012; Santos et al., 2014).

A hipótese lançada neste trabalho é de que se pode utilizar imagens NDVI/MODIS para inferir sobre o calendário agrícola de culturas que ocupam grandes áreas no Rio Grande do Sul. Entre estas, salienta-se o cultivo da soja, que é a principal cultura de primavera-verão no Estado, ocupando na safra de 2012 em torno de 4 milhões de hectares. Além da grande abrangência, este cultivo tem apresentado expansão de área e mudanças na distribuição espacial (IBGE, 2013). Tradicionalmente, o cultivo de soja se concentrava na região norte do Rio Grande do Sul. Atualmente, a área cultivada está avançando para o sul do Estado, devido às tecnologias que possibilitam o seu cultivo em áreas de várzea, que eram destinadas anteriormente apenas ao cultivo de arroz. Para a cultura da soja, o principal fator de risco é a ocorrência de estresse hídrico no florescimento e enchimento de grãos. São estratégicas, portanto, as metodologias que permitam identificar estes subperíodos, os quais ocorrem em períodos distintos ao longo da região de produção como consequência de práticas de manejo diferenciadas dos produtores.

O presente trabalho teve como objetivo relacionar o calendário agrícola a perfis temporais do NDVI/MODIS para cultura da soja no Estado do Rio Grande do Sul, com intuito de apresentar/validar uma tecnologia de baixo custo e adequada acurácia para fins de monitoramento de safras.

2 MATERIAL E MÉTODO

Foram analisados os dados de calendário agrícola da cultura da soja de 9 das 10 regionais da EMATER (RS) no Estado do Rio Grande do Sul: Bagé, Caxias, Erechim, Estrela, Pelotas, Ijuí, Passo Fundo, Santa Maria e Santa Rosa (Figura 1).

Figura 1
Estado do Rio Grande do Sul e as Regionais da EMATER (RS).

Cada regional foi caracterizada quanto à evolução temporal do calendário agrícola da cultura da soja e dos perfis temporais de NDVI/MODIS, nas safras agrícolas 2000/2001 a 2009/2010, totalizando dez anos de análise.

Os dados do calendário agrícola para o período estudado, rotineiramente publicados no boletim conjuntural da instituição (EMATER, 2008), foram cedidos pela EMATER (RS). Neste trabalho, foram analisados os seguintes subperíodos do ciclo da cultura da soja: floração, enchimento de grãos e maturação. Os calendários agrícolas médios foram obtidos calculando-se a média da porcentagem de área cultivada em que as lavouras se encontravam em cada um dos três subperíodos do ciclo. Para análise da variabilidade entre anos e entre regionais, foram elaborados gráficos de barras com as datas de início e fim dos subperíodos analisados, assim como a data em que foi atingida a máxima área cultivada em cada subperíodo.

Para a elaboração dos perfis temporais de NDVI em cada regional e ano, foram usadas imagens do sensor MODIS, produto MOD13Q1, coleção 005, referentes a composições de máximo valor a cada 16 dias, com resolução espacial de 250 m. Os perfis temporais de NDVI/MODIS foram elaborados com as imagens das quinzenas de outubro a maio, coincidindo com a implantação, crescimento e desenvolvimento da soja no Estado do Rio Grande do Sul (safra agrícola).

Nas imagens NDVI/MODIS, a área cultivada de soja foi identificada por meio de máscaras de cultivo, a qual se baseia na maior variabilidade temporal da biomassa da soja, ao longo do ciclo, comparativamente aos demais alvos naturais. Para cada safra, as máscaras de cultivo foram obtidas a partir da metodologia de chave de classificação (Santos et al., 2014). Primeiramente, foram criadas 5 imagens binárias (classes 1=soja e 0=não-soja), sequenciais no tempo. A atribuição do valor 1 seguiu os seguintes critérios: Semeadura: NDVI≤0,5; Crescimento: DIF(NDVImax-NDVImini)≥0,35; Máximo desenvolvimento: NDVI≥0,75; Declínio: DIF(NDVImax-NDVIminf)≥0,35; Colheita: NDVI≤0,5 (os índices i e f indicam, respectivamente, a porção inicial e final do ciclo da soja). Posteriormente, estas 5 imagens binárias foram sobrepostas formando uma única máscara de cultivo, na qual os pixels classificados na classe soja foram aqueles que, por atenderem os critérios estabelecidos em todas as etapas, receberam o valor 1. Os pixels constituintes da máscara de cultivo foram utilizados para obtenção do valor médio de NDVI (média aritmética simples) e para o traçado da evolução do índice ao longo da safra, constituindo, assim, o perfil temporal de NDVI/MODIS.

Os dados de calendário agrícola foram relacionados aos perfis temporais de NDVI/MODIS por meio da identificação dos valores de NDVI que ocorreram em cada subperíodo do ciclo da cultura da soja em todas as safras e regionais. Posteriormente, foram calculados o valor médio e o desvio-padrão de NDVI em cada subperíodo do ciclo. A representação espacial dos subperíodos de floração, enchimento de grãos e maturação foi feita tomando como exemplo o município de Cruz Alta (um dos municípios com maior área cultivada), na safra 2008/2009 (alto rendimento). Para a construção destas imagens, foram usados os valores obtidos das estatísticas de NDVI, incluindo os pixels que apresentavam em cada data valores compreendidos entre a média e ±0,25 desvios-padrão.

Por fim, os dados foram submetidos à análise de variância (ANOVA), em nível de 5% de significância, para verificar a existência de diferenças significativas nos valores de NDVI entre os subperíodos do ciclo, entre regionais e entre safras. Para a análise das diferenças entre subperíodos e entre regionais, foram incluídos no modelo os efeitos fixos de subperíodo e local, e a safra foi considerada como efeito aleatório. Para estudar a existência de diferenças nas safras, os efeitos das safras e subperíodos foram considerados como fixos no modelo, e as regionais como efeito aleatório. Nos casos em que o teste F foi significativo para NDVI (p<0,05), realizou-se comparação de médias pelo teste Tukey, em mesmo nível de significância, usando o programa estatístico SAS (2008).

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na média dos anos analisados, o calendário agrícola da soja no Rio Grande do Sul elaborado pela EMATER (RS) (Figura 2) caracterizou-se pela ocorrência dos subperíodos de floração, especialmente, em janeiro e fevereiro, de enchimento de grãos em fevereiro e março e de maturação fisiológica em abril. O calendário agrícola médio mostra coerência com as recomendações técnicas da cultura da soja no Estado, tanto para o tipo de ciclo das cultivares, quanto de épocas indicadas para semeadura (Brasil, 2013). Para a maioria dos municípios do Rio Grande do Sul é recomendado o período de 15 de outubro a 25 de dezembro para a semeadura (Cunha et al., 2001). Considerando o dia 20 novembro como data central do período recomendado para semeadura de soja no Estado, com um ciclo médio de 140 dias (Thomas & Costa, 2010), a finalização do ciclo de desenvolvimento (maturação fisiológica) seria no dia 20 de abril, resultado coerente com o calendário agrícola médio da cultura (Figura 2).

Figura 2
Porcentagem de área cultivada de soja em florescimento, enchimento de grãos e maturação fisiológica no Estado do Rio Grande do Sul. Período 2000/2001 a 2009/2010. Fonte de dados: EMATER (2008).

A análise da variabilidade dos calendários agrícolas entre safras e entre regionais (Figura 3) identificou variações na quinzena em que cada subperíodo ocorreu. Esta variação, no entanto, foi relativamente baixa, não sendo verificados deslocamentos temporais superiores a uma quinzena em relação ao dado médio do Estado (Figura 2). Entretanto, em anos específicos ocorreram deslocamentos temporais superiores ao mencionado, o que, possivelmente, seja decorrente das condições ambientais (especialmente meteorológicas) que podem ter antecipado ou atrasado o estabelecimento da cultura. Apesar de isso ocorrer com baixa frequência na série de dados analisada, nestes anos os mecanismos que detectam a variabilidade do calendário agrícola em tempo real são mais necessários, a fim de que possam ser adotas medidas de mitigação de eventos adversos.

Figura 3
Variabilidade do calendário agrícola da soja no Rio Grande do Sul para os subperíodos de floração, enchimento de grãos e maturação na primeira e segunda quinzena de dezembro (D), janeiro (J), fevereiro (F), março (M), abril (A) e maio (M). As barras cinza indicam o período de início (5%) e de final (95%) da cada etapa, as barras pretas indicam a quinzena em que foi atingida a máxima área de lavouras na etapa. As linhas em cada regional estão associadas ao período de 2000/2001 a 2009/2010. Fonte de dados: EMATER (2008).

Salienta-se que a coerência dos dados apresentados (Figuras 2 e 3) com a realidade de campo da região de produção da soja no Estado é consequência do fato de a EMATER (RS) realizar sistematicamente pesquisas quinzenais a respeito da evolução dos principais cultivos, as quais abrangem cerca de 70% a 80% da área cultivada. Assim, assume-se que estes podem ser utilizados como “dados de referência”, a partir dos quais os demais dados, como os obtidos por técnicas de sensoriamento remoto, possam ser avaliados e testados quanto à qualidade e coerência. No contexto do presente trabalho, o conjunto de dados avaliados é oriundo das imagens NDVI do sensor MODIS, os quais são gratuitos e disponibilizados em tempo quase real a cada 16 dias.

Os perfis apresentados na figura 4 mostram a evolução do valor médio de NDVI das áreas cultivadas com soja nas diversas regionais. Estes perfis, ditos temporais, são constituídos por dados espectrais que contam a história da evolução no tempo da biomassa verde nas lavouras, dada a alta associação deste parâmetro biofísico da vegetação com o NDVI (Jensen, 2009). As áreas cultivadas com soja em todas as regionais e safras mostraram o padrão típico para lavouras anuais, como é o caso da soja (De Melo et al., 2008; Rizzi & Rudorff, 2007). Os valores de NDVI foram baixos no início do ciclo, associados à implantação da cultura (baixa densidade de biomassa verde), crescentes até as plantas atingirem o máximo crescimento e, após, decrescentes em função da senescência das plantas.

Figura 4
Perfis temporais de NDVI das áreas cultivadas com soja nas nove regionais da EMATER (RS) no período de 2000/2001 a 2009/2010.

A similaridade dos perfis entre regionais pode ser associada à estreita faixa de época de semeadura de soja recomendada no Estado, o que faz com que o ciclo da cultura seja semelhante nas regiões produtoras e entre anos. Apesar disso, as diferenças de manejo e de disponibilidade de recursos ambientais (especialmente variáveis meteorológicas) entre as regionais definiram diferenças significativas nos valores médios do NDVI (Tabela 1).

Tabela 1
Valores médios e desvio-padrão de NDVI das regionais, nos subperíodos do ciclo e nas safras analisadas. Período de 2000/2001 a 2009/2010

As regionais que apresentaram os maiores valores médios de NDVI são aquelas que, segundo dados oficiais do período analisado (IBGE, 2013), apresentaram também as maiores médias de rendimentos de grãos. Este fato foi verificado especialmente nas regionais de Caxias, Erechim, Passo Fundo e Ijuí, com rendimentos médios de grãos acima de 2.000 kg ha–1, valor superior ao rendimento médio do Estado (1.860 kg ha–1). As regionais com rendimentos médios menores do que 1.700 kg ha–1 (Bagé e Pelotas) caracterizaram-se por valores de NDVI comparativamente inferiores.

Para a média do Estado, os períodos que ocorreram o maior percentual da área cultivada nos subperíodos de florescimento, enchimento de grãos e maturação estão indicados por setas (Figura 5) e mostram coerência com o esperado em termos de acúmulo de biomassa verde por culturas agrícolas produtoras de grãos.

Figura 5
Perfis médios de NDVI das áreas cultivadas com soja no Rio Grande do Sul, com indicações da quinzena em que foi atingida o máximo percentual da área cultivada em cada subperíodo do ciclo (FL: floração; EG: enchimento de grãos; M: maturação). Período de 2000/2001 a 2009/2010.

O desenvolvimento vegetativo é caracterizado pelo incremento contínuo da biomassa verde até atingir um valor máximo. Durante o desenvolvimento vegetativo ocorre a formação do aparato fotossintético da planta e a determinação do número potencial de gemas meristemáticas nas quais as estruturas reprodutivas irão se desenvolver (Thomas & Costa, 2010). Em geral, o máximo acúmulo de biomassa verde ocorre no período próximo ao florescimento. Na cultura da soja, a indução ao florescimento se dá pela resposta combinada da planta ao fotoperíodo e à temperatura do ar, iniciando-se, assim, o período reprodutivo (Thomas & Costa, 2010). No presente estudo, verificou-se que a data média de floração ocorreu na primeira quinzena de fevereiro, quando os valores de NDVI estiveram próximos do máximo. Na análise do valor máximo de NDVI, deve-se considerar o efeito de saturação do índice, o qual tem sido extensamente caracterizado (Jensen, 2009) e que pode restringir a sensibilidade do índice na detecção de variações de biomassa verde. Para a maior parte das regionais, o valor de NDVI associado ao subperíodo de floração foi acima de 0,8 (Figura 6a-d), diferindo significativamente do NDVI dos dois outros subperíodos do ciclo (Tabela 1).

Figura 6
Diagramas de dispersão dos dados de NDVI das áreas cultivadas com soja nas nove Regionais da EMATER (RS) (a, b e c), e para a média do Estado do Rio Grande do Sul (d), no período de 2000 a 2010. As letras no eixo das abscissas representam as regionais IJ (Ijuí), SR (Santa Rosa), SM (Santa Maria), PF (Passo Fundo), BG (Bagé), CX (Caxias), ER (Erechim), ES (Estrela) e PE (Pelotas).

O subperíodo de enchimento de grãos caracteriza-se pela redução de biomassa verde, dado o amarelecimento das folhas como consequência da redistribuição de nutrientes, compostos nitrogenados e carboidratos, provenientes da remobilização das folhas, ramos e caule para os grãos (Thomas & Costa, 2010). A média de NDVI deste subperíodo foi inferior à observada durante a floração (Tabela 1). Este foi o subperíodo em que ocorreu a maior variabilidade nos valores de NDVI, comprovada pelos diagramas de dispersão (Figura 6b-d). A variabilidade observada nos valores de NDVI entre as safras possivelmente esteja associada às diferenças de ciclo decorrentes de cultivares e das condições meteorológicas determinantes da perda de umidade dos grãos, até atingirem a maturação de colheita, que, para cultura da soja, se situa entre 13% e 15% (Thomas & Costa, 2010).

Já a maturação fisiológica ocorre quando termina o acúmulo de matéria seca nos grãos de soja e, a partir deste estádio, as folhas caem e o caule, ramos, legumes e grãos reduzem o teor umidade (Thomas & Costa, 2010). A maturação fisiológica ocorreu, nos dados analisados, no mês de março e, no perfil temporal de NDVI/MODIS ocorreu redução dos valores NDVI em relação aos subperíodos de florescimento e enchimento de grãos (Figura 5), assumindo valores inferiores a 0,5 (Tabela 1). Os menores valores de NDVI foram observados no mês de abril, coincidindo com a colheita das lavouras de soja nas regionais analisadas, sendo observada baixa variabilidade entre safras nos valores de NDVI (Figura 6c).

Resultados semelhantes são encontrados na literatura, os quais suportam a hipótese testada neste trabalho de relacionar o perfil temporal de NDVI de culturas que ocupam grandes áreas aos subperíodos do ciclo destas. Para cereais de estação fria, os perfis temporais de NDVI/MODIS, obtidos através de máscara de cultivo e classificação não supervisionada, foram empregados na identificação de áreas agrícolas no Estado do Rio Grande do Sul (Junges & Fontana, 2009), mostrando coerência com o calendário agrícola do trigo. Para a cultura da cana-de-açúcar, Moraes (2013), de forma similar, identificou as fases do cultivo utilizando imagens MODIS/NDVI.

Também foi possível observar diferenças significativas entre as safras analisadas (Tabela 1), as quais, segundo estudos anteriores (Fontana et al., 1998; Jacóbsen et al., 2003), estão associadas, principalmente, à ocorrência de estresses hídricos. A redução de biomassa verde em anos de ocorrência de deficiência hídrica pode ser avaliada quando observadas duas safras contrastantes: 2002/2003 (sem deficiência hídrica) e 2004/2005 (com deficiência hídrica). Em praticamente todas as regionais, dada a condição hídrica favorável da safra 2002/2003 (precipitação pluvial acumulada em janeiro, fevereiro e março de cerca de 710 mm), os perfis temporais de NDVI/MODIS (Figura 4) caracterizaram-se por valores acima da média, especialmente nos meses de fevereiro e março, os quais concentram o enchimento de grãos. Na safra 2004/2005, dada condição hídrica desfavorável (precipitação pluvial de 210 mm nos meses de janeiro, fevereiro e março), houve restrição ao crescimento das plantas, determinando que os valores de NDVI permanecessem abaixo dos demais. As perdas na produção da soja nessas duas safras foram, respectivamente, 0,06% e 79,09% (EMATER, 2008). Considerando que a produção média de soja do Rio Grande do Sul seja cerca de 7,2 milhões de toneladas (média de 2000 a 2010), a perda ocorrida em 2004/2005 foi de aproximadamente 5,6 milhões de toneladas. Tomando a cotação da soja em R$ 60,00/saca de 60 kg (dezembro de 2014), a perda de grãos ocorrida determinou um prejuízo da ordem de R$ 5.600.000,00 para o Estado do Rio Grande do Sul.

Cada regional, dada as condições edáficas, climáticas e de tradição de cultivo, apresenta um padrão temporal distinto, o qual torna possível mapear, em tempo quase real, a sucessão dos subperíodos do ciclo da cultura da soja. Como forma de exemplificar o tipo de informação que pode ser disponibilizada a partir dos resultados obtidos neste trabalho, os três subperíodos do ciclo da soja para a safra 2008-2009 no município de Cruz Alta foram mapeadas e estão mostrados na figura 7.

Figura 7
Identificação dos subperíodos do ciclo da cultura da soja em: (a) fevereiro1, (b) março1 e (c) abril2, no município de Cruz Alta, safra 2008/2009.

Primeiramente, a análise da distribuição espacial da produção de soja evidência a grande importância econômica, social e ambiental do cultivo neste município. Em média (período de 2000 a 2010), são cultivados 174.550 ha com soja, o que representa cerca de 74% do território municipal (IBGE, 2013). O cultivo se dá de forma generalizada, sem que haja predominância em setores específicos deste. Isto é consequência de condições ambientais, especialmente solos e relevo, propícias à cultura, aliado a agricultores com tradição no cultivo desta oleaginosa.

Quanto à sucessão dos subperíodos do ciclo, verifica-se coerência nas análises. Quantificando o percentual da área cultivada em cada subperíodo nas datas apresentadas na figura 7, verifica-se que em fevereiro1, 19,2% da área cultivada encontravam-se em floração, em março1, 16,9% das lavouras encontrava-se em enchimento de grãos e em abril2, 16,3% encontravam-se em maturação. Estes percentuais são bastante próximos aos encontrados para a média das áreas de cultivo de soja no Rio Grande do Sul (Figura 2). A vantagem desta metodologia é a possibilidade de um maior detalhamento espacial. Enquanto a EMATER (RS) disponibiliza um dado médio por regional, as imagens MODIS possibilitam obter o calendário da soja para cada pixel, município, regional ou estado.

Observa-se, ainda, que em cada uma das datas ocorrem lavouras sendo classificadas em subperíodos distintos, mas em muito menor área. Isto é esperado dada a variabilidade existente entre as lavouras, o que decorre de diferenças de manejo empregado pelo agricultor, especialmente data de semeadura e tipo de ciclo de cultivar semeada.

Estas análises demonstram a relevância e potencialidades das informações que se pode obter a partir do estabelecimento de relações consistentes entre dados coletados em superfície e dados gerados a partir de imagem com alta resolução temporal, as quais permitem o monitoramento das áreas de produção. A disponibilização destas informações para sistemas de monitoramento de safras é útil e representa uma contribuição original, e somente possível de ser obtida através das imagens de satélite, especialmente do sensor MODIS, produto NDVI.

4 CONCLUSÃO

Os perfis temporais de NDVI, obtidos das imagens MODIS TERRA, permitem acompanhar a evolução temporal da biomassa da cultura da soja e determinar a ocorrência dos subperíodos de floração, enchimento de grãos e maturação.

As diferenças no valor do NDVI entre safras, regionais da EMATER (RS) e subperíodos do ciclo da cultura demonstram a sensibilidade deste índice em detectar as respostas das plantas de soja às condições ambientais.

Como consequência dos dados de NDVI serem gerados a partir das imagens MODIS, é possível a espacialização da informação acerca dos subperíodos do ciclo para todas as safras e em todo o Estado, o que permite maior detalhamento comparativamente à atual disponibilidade dos dados.

Salienta-se, ainda, a importância econômica da informação, o que contrasta com o reduzido custo de obtenção desta, visto que a distribuição das imagens MODIS é gratuita.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Jul 2015
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2015
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