RESUMO
O presente artigo expõe as estratégias retóricas e principais ideias políticas de Carlos Lacerda. A argumentação tem como eixo o papel do liberalismo no pensamento e nas práticas políticas do autor, que é antes visto como um "crítico liberal da política", para utilizar conceito célebre de Carl Schmitt, do que como portador de uma teoria política sistemática. Ao longo do texto, busca-se delinear como Lacerda interpretava atores e temas do período entre 1946 e 1964 através da exposição dos seus principais conceitos e movimentos políticos. Para tanto, são analisados discursos parlamentares, artigos jornalísticos e textos programáticos, os quais revelam, em sua diversidade, uma visão de mundo fundamental para compreender não apenas sua trajetória individual, mas os próprios rumos do período. O pensamento e a própria figura de Lacerda expõem aspectos centrais do regime político então vigente, etapa fundamental da trajetória democrática brasileira, assim como desvelam algumas razões do seu fim.
Carlos Lacerda; UDN; liberalismo; democracia; anticomunismo
ABSTRACT
This article presents Carlos Lacerda's rhetorical strategies and main political ideas. The argument is based on the role of liberalism in the thinking and political practices of the author, who is seen before as a "liberal critic of politics", to use Carl Schmitt's celebrated concept, rather than as a carrier of a systematic political theory. Throughout the text, one tries to delineate how Lacerda interpreted actors and themes of the period between 1946 and 1964 through the analysis of its main themes and political developments. To this end, parliamentary discourses, journalistic articles and programmatic texts are examine with the aim of revealing the fundamental aspects of Lacerda's worldview as well as the historical context in which he lived. By grasping Lacerda's own thinking and historical role we will be able to better understand the political regime then in force, its place within Brazil's democratic odyssey, and some of the reasons for its end.
Carlos Lacerda; UDN; liberalism; democracy; anticommunism
RÉSUMÉ
Cet article expose les stratégies rhétoriques et les principales idées politiques de Carlos Lacerda. L'argument est basé sur le rôle du libéralisme dans la pensée et les pratiques politiques de l'auteur, considéré comme une "critique libérale de la politique", pour utiliser le célèbre concept de Carl Schmitt, plutôt que comme porteur de la théorie politique systématique. Tout au long du texte, on essaye décrire comment Lacerda a interprété les acteurs et les thèmes de la période allant de 1946 à 1964 à travers de l'exposition de ses principaux concepts et mouvements politiques. À cette fin, des discours parlementaires, des articles de journaux et des textes de programme sont analysés, lesquels révèlent, dans leur diversité, une vision du monde fondamentale pour comprendre non seulement sa trajectoire individuelle, mais aussi le cours de la période elle-même. La pensée de Lacerda révèlent des aspects centraux du régime politique alors en vigueur, une étape fondamentale de la trajectoire démocratique brésilienne, ainsi que quelques raisons de sa fin.
Carlos Lacerda; UDN; libéralisme; démocratie; anticommunisme
RESUMEN
El artículo expone las estrategias retóricas y las principales ideas políticas de Carlos Lacerda. La argumentación gira alrededor del liberalismo en el pensamiento y en las prácticas políticas del autor, que no es leído como portador de una teoría política sistemática, sino, más bien, como un 'crítico liberal de la política' - en el célebre concepto de C. Schmitt. El texto delinea como Lacerda interpretaba actores y temas del período entre 1946 y 1964 a través de la exposición de sus principales conceptos y movimientos políticos. Para ello, se analizan discursos parlamentarios, artículos periodísticos y textos programáticos, los cuales revelan, en su diversidad, una visión de mundo fundamental para la comprensión de su trayectoria individual y también de los rumbos del período. El pensamiento y la figura misma de Lacerda, traen aspectos centrales del régimen político entonces vigente, etapa fundamental de la trayectoria democrática brasileña, así como desvelan algunas razones de su ocaso.
Carlos Lacerda; liberalismo; democracia; anticomunismo
“E como a virtude é rara e difícil de provar, torna-se fácil apontar corrupção no governo.” (GOMES, Dias; GULLAR, Ferreira, Vargas: ou Dr. Getúlio, sua Vida e sua Glória )
O LIBERALISMO, A CRISE E A TRADIÇÃO
Ator político central nas disputas e debates da República de 1945 1 , Carlos Lacerda é um personagem de difícil definição. Dono de uma trajetória que passa pelos mais distintos lugares do espectro ideológico e se distingue por constantes mudanças de rumo, indo de um convicto comunismo a um radical anticomunismo, ele quase sempre concilia, ao menos no plano do discurso, ideias e valores aparentemente contraditórios. Analisá-lo como teórico da política, ansioso por produzir uma filosofia sistemática e coerente, destoa do estilo que marca sua atuação pública 2 .
O presente artigo expõe as estratégias retóricas e principais ideias políticas de Carlos Lacerda. A argumentação tem como eixo o papel do liberalismo no pensamento e nas práticas políticas do autor durante a República de 1946. Ao longo do texto, busca-se delinear como Lacerda interpretava atores e temas através da exposição dos seus principais conceitos e movimentos políticos. Para tanto, são analisados discursos parlamentares, artigos jornalísticos e textos programáticos, os quais revelam, em sua diversidade, uma visão de mundo fundamental para compreender não apenas sua trajetória individual, mas os próprios rumos do período. O pensamento e a própria figura de Lacerda expõem aspectos centrais do regime político então vigente, etapa fundamental da trajetória democrática brasileira, assim como desvelam algumas razões do seu fim.
A práxis liberal ( Santos, 1978 ) de Lacerda também ilumina nuances pouco destacadas do liberalismo brasileiro. Autores como Werneck Vianna (1976, 2004) identificam na centralidade da linguagem jurídica uma marca do liberalismo no Brasil, usualmente marcado pelo predomínio da lei ante o interesse. Se os bacharéis udenistas replicam à perfeição esta tendência, o jornalista carioca a desmente frontalmente. A crítica liberal de Lacerda desvela, assim, outro caminho – não explorado pela bibliografia sobre o tema – para tradição liberal brasileira.
Se qualquer produção intelectual precisa ser remetida ao seu contexto, para Lacerda tal imposição é ainda mais urgente. O pensamento político do jornalista carioca só ganha sentido a partir dos embates nos quais ele se envolveu, importantes as ideias, mas sem dúvida intrinsecamente vinculadas aos seus usos na arena pública. A política só se completa na ação, seja nas tribunas parlamentares, imprensa ou governo, com a performance, e sua inafastável incerteza, a dotar de sentido as ideias de Lacerda. Tal propensão não decorre, todavia, de um constante predomínio da ação instrumental, como se o político carioca fosse sempre capaz de modular as escolhas em razão do que mais lhe favoreceria, mas passa pelo modo através do qual ele conformou sua persona pública.
A fama, os votos e o prestígio de Lacerda decorrem dos famosos confrontos nos quais teve parte, marcas de uma ação política que tem no dissenso combustível fundamental. Os oponentes escolhidos são indissociáveis dos caminhos que percorreu, já que a própria substância do seu pensamento político parece depender da eleição de um adversário privilegiado. O fim maior da política passa, através dos seus olhos, pela oposição a um mal maior contra o qual todos os esforços se justificam. O próprio caráter político do embate passa pela escolha de inimigos, em dinâmica que ordena a realidade a partir de chave adversarial. A divergência não se limita ao plano das instituições ou ao curto tempo das conjunturas, mas alcança, na retórica de Lacerda, os próprios fundamentos da sociedade, o que faz da derrota desse oponente uma necessidade que ultrapassa o terreno dos interesses políticos e ganha contornos de missão 3 . A oratória virulenta, o tom agressivo e o não raro recurso, seja no campo das palavras ou dos atos, a soluções extralegais decorrem deste sentimento de urgência.
O lugar central da ação não importa, entretanto, papel secundário das ideias, como se essas fossem simples adornos ou fugazes recursos retóricos. A imagem de “homem de ideias” se impõe, primeiramente, em razão da autoimagem construída pelo político carioca, na qual o caráter ideológico é fundamental para distingui-lo de um dos grandes males do Brasil de então: o caudilhismo. Os caudilhos habitariam um “submundo, tosco de ideias e refinadamente intuitivo” ( Lacerda, 1964 ), enquanto que o jornalista carioca operaria por uma fina interação entre ideias e ação, mesmo que ambas possam variar ao longo das conjunturas. As transformações, todavia, antes exporiam as vicissitudes do homem público do que rebaixariam Lacerda, já que sob as mudanças de opiniões pontuais supostamente permaneceriam os mesmos princípios.
O liberalismo de Lacerda surgia, sobretudo, como uma crítica liberal4 da política brasileira 5 . O ideário era o ponto de partida a partir do qual o político carioca se legitimava como grande protagonista não apenas do interregno 1945-1964, como da própria tradição política brasileira. A recusa liberal aos excessos do poder estatal ganhava, na perspectiva do jornalista, as feições de um discurso perfeitamente coerente com o contexto da época, quando seu maior inimigo, Getúlio Vargas, estava à frente do governo. Para Lacerda, o Estado era Vargas, indissociável à organização política daquele que a chefiava. Guardada a clara distância entre as duas tradições de pensamento, o liberalismo desempenhava na atuação política de Lacerda papel semelhante ao comunismo, no qual ele militou anos antes, ambos utilizados como instrumentos de combate ao poder, mesmo que esse combate, pela própria natureza de cada um dos ideários, se desse por formas diversas e partisse de lugares distintos da cena política.
Para um adversário da ordem vigente, era necessário uma ideologia crítica, papel que o liberalismo desempenhava a perfeição naquele contexto. Este ponto talvez ajude a explicar por que Lacerda nunca tenha se assumido como representante de uma tradição política católica, mesmo após forte aproximação com certa intelectualidade católica conservadora 6 , com destaque para Alceu Amoroso Lima, Sobral Pinto e Gustavo Corção, logo depois do seu rompimento com os comunistas. Em que pesem algumas tensões entre esse grupo e o getulismo 7 , demonstrado por seus esforços de construir uma organização alternativa ao mundo do trabalho, o catolicismo não se delineava de modo tão externo ao Estado. Algumas das principais lideranças católicas da época, com o claro contraponto de Sobral Pinto, aderiram às diretrizes do regime autoritário varguista. O liberalismo, por sua vez, estava pouco presente na organização política implantada – e aí talvez haja uma ponta de ironia nos rumos da história brasileira – pela Aliança Liberal. A adesão às ideias não passa, todavia, como a narrativa acima pode sugerir, por uma escolha deliberada, mas decorre das necessidades da própria ação política, que, por sua vez, acaba por também conformar os próprios modos de expressão desses ideários. Liberalismo, catolicismo, comunismo surgem a partir dos encontros político-sociais do próprio Lacerda, eles próprios causas e consequências da sua visão de mundo. Em processo dialético, as ideias se impõem a partir dos embates políticos, mas também ajudam a organizá-los.
O caráter fluido da visão de mundo liberal – ponto destacado por Mannheim em sua clássica análise da ‘mentalidade utópica liberal-humanitária’ (Mannheim, 1968:246) – também se enquadrava perfeitamente na perspectiva adversarial de Lacerda e a tornava perfeita para ser utilizada contra os mais diversos adversários. Não era necessário comprometer-se com fortes pontos programáticos ou uma visão de mundo cerrada, mas bastava o manejo de alguns topos da linguagem liberal – os mesmos já construídos por uma longa tradição como saber prático, direcionado para a ação – para estar de posse de um poderoso instrumento de crítica a distintos aspectos da realidade. O liberalismo, nesse sentido, não surge como “um plano de acordo com o qual se venha, em qualquer ponto do tempo, a reconstruir o mundo”, mas “serve meramente como ‘unidade de aferição’, por meio do qual o curso dos acontecimentos concretos pode ser teoricamente avaliado” (Mannheim, 1968:242).
A conclusão dessa avaliação não era, todavia, benéfica à República de 1946. O país vivia, sob os olhos de Lacerda, uma das mais graves crises da sua história 8 . As razões estavam, sobretudo, na persistência de dois males que destruíam as próprias fundações da sociedade ocidental: o fascismo, aqui realizado a partir do caudilhismo, e o comunismo. Tais ideários constituem as duas grandes ameaças à marcha da democracia, as “duas formas de reação em nosso tempo: a pura e simples reação dos remanescentes fascistas e a reação do obsoleto e anacrônico Partido Comunista...” ( Lacerda, 2000e: 36). A retórica de Lacerda compreende ambos sob o signo da patologia 9 , retratando-os como doenças que atrapalham o desenvolvimento do país, o qual, aliás, só tem por via aceitável o liberalismo, entendido sobretudo como recusa às duas formas de autoritarismo, a fascista e a comunista, que no fundo recaem na mesma vala comum – como “irmãos gêmeos” ( Lacerda, 1964: 23) – do afastamento dos ideais democráticos e da crítica à nação que melhor os representa na ordem global: os Estados Unidos da América. O liberalismo emergia como sinônimo de liberdade, contrapondo a “vocação liberal” ao “espírito totalitário”: “Hoje, cada vez mais, o que existe é a vocação liberal contra a vocação ditatorial. O espírito da liberdade contra o espírito de porco, isto é, o imundo totalitário” (Lacerda, 1948d:2). No cenário brasileiro, os ideais se revelam ainda mais próximos, já que reivindicados pelo mesmo grupo – capitaneado inicialmente por Vargas e, após sua morte, por Goulart – que há anos governava o país 10 .
As linguagens desta “casta” mudariam, já que não seriam mais que disfarces para a continuidade no poder, construída a partir de métodos frontalmente opostos à democracia, mas sua essência perduraria. Os inimigos de Lacerda não se importariam, na sua percepção, com ideias, mas desejariam apenas, e usualmente com recurso às práticas mais torpes, o poder. O dissenso não é abordado como diferença de perspectiva, práticas ou projetos, mas enquanto radical distinção entre tipos de homens. Alguns, como Lacerda e seus aliados, nutririam os valores adequados para gerir a nação; outros, os comunistas e fascistas, os desconhecem ou desprezam, e justamente por isso recorrem a ideologias que negam frontalmente esses princípios fundamentais, colocados pela tradição cristã e ocidental. A democracia e o liberalismo são incompatíveis com a ordem caudilhesca instalada no Brasil, que se caracteriza por um “conluio do negocismo com o comunismo”, estas “as duas forças dominantes nos grupos que sufocam a nação” (Lacerda, 1982:279). A situação ganha feições mais graves, aos olhos de Lacerda, tendo-se em vista que essas duas ideologias totalitárias não apenas enfraquecem a democracia liberal com suas práticas e ataques abjetos, mas também a desestabilizam com lutas intestinas, que não têm outra preocupação que o poder. Cabe aos democratas evitar as terríveis consequências, que já se delineavam no horizonte, do confronto entre o Partido Comunista e o “Partido Comodista” 11 .
Lacerda concorda com os bacharéis udenistas 12 sobre a existência de uma crise e coincide na identificação dos principais responsáveis, mas aponta para razões e soluções muito distintas. As raízes das divergências se concentram, sobretudo, em três pontos fundamentais: na visão da tradição política brasileira, na ideia de democracia e, por fim, em seu conceito de política. Emergem dessas questões diversos estilos de liberalismos, unidos por conveniências de momento que não conseguiam ocultar, todavia, o constante sentimento de tensão que marcava a aliança entre bacharéis e lacerdistas.
Passemos a uma primeira diferença. Os bacharéis pensavam a construção da ordem e a ação política, no Brasil e no mundo, a partir dos princípios de uma tradição que necessariamente deveria mediar o novo. Mesmo os mais próximos de um discurso modernizante, como Aliomar Baleeiro e Bilac Pinto, afeitos à abertura do tempo futuro, não dispensavam as heranças do passado, em chave onde inovação só era desejável se convivesse com a conservação. Lacerda, por sua vez, concebia as transformações do Brasil tendo por requisito a destruição do passado, retratado como acúmulo de equívocos e mazelas, em que pese o destaque de um ou outro homem público e evento. O mundo desenvolvido ainda podia desfrutar de uma venerável tradição acumulada, privilégio que não era estendido ao passado nacional, sempre retratado com duras tintas. Em famoso discurso parlamentar sobre a situação política nacional – especialmente lembrado por sua defesa da “concessão de plenos poderes ao Executivo”, então liderado por seu aliado Café Filho – Lacerda traça um amplo painel da História brasileira, que bem expõe sua visão do pretérito:
Fundado na escravatura e no latifúndio, o liberalismo do Império nada mais foi do que um artifício, através do qual o Poder Moderador efetivamente governou esta Nação (...) o advento das massas ao processo político foi desviado nas suas fontes, foi canalizado para outros rumos, quais sejam os rumos de um paternalismo republicano, os rumos de uma ditadura inspirada na degeneração do positivismo de 1889. (...) De tal forma este processo se apurou, que golpes sucessivos e sucessivas revoluções continuaram o ciclo dos movimentos de exceção, ainda não encerrados até hoje neste país, pois esta Câmara é filha de dois golpes: o de 1937, na sua maioria, e o de 1945, na sua minoria. ( Lacerda, 1982: 119)
A análise começa elegendo o paradigmático ano de 1922 13 como início de um processo de “inquietação”, que demanda a renovação das estruturas político-jurídicas então vigentes. O passado nacional não surge como fonte valiosa de experiências, necessárias para a construção da nova ordem, mas como acúmulo de organizações incompletas e precárias. O parlamentarismo imperial, tão elogiado por Afonso Arinos como celeiro de grandes homens, que souberam conduzir brilhantemente o país ( Franco, 1958 ), merece na voz de Lacerda designações como “paternal”, “desvirtuado” e construtor de uma “nação fictícia”. O liberalismo, por sua vez, não passara de simples artifício, adorno retórico para ocultar o predomínio do Poder Moderador, o latifúndio e a escravidão. A situação não muda muito com a República, que nasce sob a inspiração da ditadura positivista e se consolida em regime oligárquico, que demonstrará, por sua vez, seus limites na já referida década de 1920.
A narrativa deixa claro que não é possível opor o presente de crise a um passado idílico, já que a herança legada por essa história não é das mais alvissareiras. O registro corre em tom distinto dos bacharéis, que encontram no saber político das gerações que os precederam um caminho para evitar os descaminhos do presente. Os ocasionais elogios de Lacerda a certas figuras históricas, sendo Rui Barbosa o mais vezes eleito para a honraria, quase desaparecem quando contrapostos às duras avaliações do que o antecedeu 14 . As águas de 1922 desaguam em 1930, marco da entrada das massas na política brasileira. O despreparo do povo para o adequado exercício do voto impede, segundo Lacerda, o bom funcionamento do novo regime, que se vê desvirtuado rumo a um “paternalismo republicano”, caracterizado como “degeneração do positivismo” que instaurou a República. A nova ordem é ainda mais corrompida que as antigas, o que joga o país na pior crise da sua história. A saída, todavia, não passaria pela recuperação de valores perdidos, mas pela criação de um novo paradigma. Para tanto, é necessário recusar algumas mistificações do mundo, típicas dos bacharéis, que não julgariam o real pelo que ele é, mas o submeteriam a um idealizado ‘dever ser’.
O tópico realista, típico argumento de corte conservador ( Mannheim, 1959 ), que sempre contrapõe as utopias alheias ao seu suposto ‘senso de realidade’, surge como marca da retórica de Lacerda, ponto fundamental para um esforço de distinção dos egressos do mundo jurídico. A autoconstrução da imagem do político carioca passa, aliás, pela própria negação da figura do bacharel, que é sempre retratado, ao lado dos “adesistas”, como um dos principais males da UDN e da própria política brasileira. A crítica ao bacharelismo, tema clássico das interpretações do Brasil, se destaca como elemento fundamental do discurso de Lacerda, que se afirma como político profissional, um verdadeiro anti-bacharel a se destacar em meio a jurisconsultos pouco afeitos à política prática: “Venho falar como político, orgulhoso de sua atividade política. Não pretendo encobrir essa convicção, de natureza eminentemente política, com argumentos e, ainda menos, com pretensos argumentos de ordem jurídica” (Lacerda, 1982:77). Em sua autoimagem não importam formas e adornos, que confundem o julgamento e impedem a realização eficiente do governo, mas é necessário se preocupar com a verdadeira substância dos feitos públicos a serem implantados15, 16.
O conceito de democracia de Lacerda parte justamente dessa crítica aos formalismos jurídicos. O verdadeiro regime democrático não se limita a procedimentos ou instituições, típicos de uma visão formalista, mas impõe a preocupação com o efetivo interesse do povo: “Democracia quer dizer: vida livre e decente, pão, carne, leite, escola, hospital, eleição sem suborno, oportunidades iguais para todos, estímulo a todas as capacidades” ( Lacerda, 2000a: 160). Argumento frequente na pena de autoritários como Francisco Campos, a dicotomia entre uma ‘democracia formal’ e outra ‘substantiva’ ocupa lugar central nos argumentos do político carioca. Trata-se, afinal, de uma das mais reiteradas justificativas de Lacerda para sua constante participação em escaramuças golpistas ao longo da República de 1946.
A exclusiva atenção ao voto não passaria de parco formalismo dos juristas ou interesse escuso dos que querem manter o país na precária situação onde ele se encontrava. Não basta a existência do sufrágio, já que o regime democrático exige um povo que saiba votar, sendo capaz de escolher os melhores: “A democracia exige a formação de uma elite dirigente, porque ela é ou deve ser o governo dos melhores, escolhido pela maioria. Ela exige que a maioria seja capaz de escolher os mais capazes” ( Lacerda, 1964: 21) 17 .
A realidade brasileira, todavia, estaria distante desse cenário desejado. O povo ainda se encontra, segundo Lacerda, carente do discernimento necessário ao exercício democrático, padecendo de uma miopia política que tem suas causas nas limitações educacionais e no pouco traquejo em questões públicas. A conjuntura ganha tons mais sombrios em razão dos efeitos deletérios da ditadura estadonovista, cujas marcas perduram no imaginário nacional e afastam a população dos melhores interesses e representantes. Para a construção de uma efetiva ordem democrática era necessário acabar com os entulhos do autoritarismo, afastando toda a elite que há anos ocupava o poder. Lacerda, curiosamente, constrói um argumento de vestes antiautoritárias recorrendo a outro clássico tópico de certa tradição autoritária brasileira, inspiradora do Estado Novo: a oposição entre o ‘pais legal’ e o ‘país real’ 18 .
O voto viciado e a incapacidade de escolher os melhores, reiterada a cada eleição, tornavam o Estado brasileiro claramente ilegítimo. Sob uma aparência democrática, funcionaria um regime autoritário, que se aproveitava da ignorância e dos vícios do povo para se manter no poder. Os verdadeiros democratas, como o próprio Lacerda, se viam, por um dever de coerência, obrigados a lutar com todas as armas para a transformação do país, que passava necessariamente pela modificação dos homens e das instituições vigentes. Por isso o constante recurso de Lacerda às mais distintas manobras de “exceção”, geralmente utilizadas contra os egressos do varguismo. As seguidas derrotas nas urnas demonstravam que não havia mais possibilidade de mudança pelo voto, “pois se antes havia a esperança de reforma pela eleição, hoje sabemos todos que nem a eleição pode mais, por si mesma, livrar esse país dos resíduos fascistas que o envenenam e o corrompem...” ( Lacerda, 2000f: 149).
A imprescindível exceção
O recurso à exceção surgia como única via para um futuro menos sombrio. Os meios golpistas, segundo Lacerda, não passavam de uma reação contra os golpes há anos perpetrados pelos varguistas e de um antídoto contra aqueles longamente tramados pelos comunistas. Os golpistas de 1937, aparentemente afastados do poder em 1945, continuavam a perpetuar seu poder ilegítimo através das urnas, amparados em fraudes e na falta de consciência do povo. Na verdade, cada eleição se afirmava como uma reiteração daquele golpe que jogou o país nessa infindável crise 19 .
O golpe que, anos depois, pôs um fim à democracia de 1946 foi apenas o último ato de uma série de tentativas anteriores. Antes mesmo do pleito de 1950, Lacerda já pregava a subversão dos parâmetros legais em caso de vitória de Vargas, como bem demonstra um dos seus mais citados editoriais: “O Sr. Getúlio Vargas, senador, não deve ser candidato à Presidência. Candidato, não deve ser eleito. Eleito não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer à revolução para impedi-lo de governar” ( Lacerda, 1950: 4). A volta do outrora ditador, amparado, segundo Lacerda, nos braços e na ignorância do povo, torna os ataques cada vez mais virulentos. A simples presença de Vargas já impedia a vigência de uma efetiva ordem democrática 20 .
Lacerda não recaía no erro crasso de alguns udenistas, que subestimavam a força eleitoral de Getúlio e os vínculos emocionais do povo com o outrora ditador. Vargas era temível, segundo a perspectiva lacerdista, pela precariedade intelectual do povo brasileiro, que não tinha o discernimento necessário para não vincular ao outrora ditador as benesses sociais do Estado Novo. O longo período autoritário, com todas as suas profundas marcas, tornava ainda mais difícil combater essas crenças e sentimentos. O político carioca reconhecia, por outro lado, as virtudes públicas de Getúlio 21 , que teria se mostrado mais hábil que seus adversários, ao perceber a mudança no cenário político do pós-1930, o qual consagrava um novo tipo de ator, “o homem sem importância”, que o caudilho soube, melhor do ninguém, cativar 22 . Os udenistas, ingenuamente, julgavam em termos equivocados as relações de força que conformavam a eleição, superestimando a força de Eduardo Gomes – personagem constantemente retratado, nos textos de Lacerda, como completamente inábil para a vida política – e menosprezando a ainda enorme influência do homem que governara durante quinze anos o país.
Lacerda, todavia, não se opunha apenas ao próprio Getúlio, mas vociferava contra todos aqueles que representavam de algum modo ou levavam adiante a herança varguista. Figuras como Goes Monteiro, Ugo Borghi e Agamenon Magalhães eram alguns dos alvos mais comuns da fúria lacerdista, que atacava com seu humor cáustico seu envolvimento com o Estado Novo 23 . Se a candidatura de Vargas precisava ser evitada de todos os modos, a despeito dos formalismos legais, o mesmo deveria ocorrer com os representantes desse caudilhismo varguista, mesmo que, por um curto período de tempo, tais figuras tenham coabitado com Lacerda sob o mesmo teto udenista, como é o caso do antigo interventor e então governador de São Paulo, Ademar de Barros. Sobre a candidatura de Ademar, Lacerda escreve no Correio da Manhã:
Candidatar-se, qualquer um pode. Qualquer vagabundo das ruas, qualquer louco das enfermarias pode considerar-se candidato à Presidência ou ao trono, como entender. Mas criarem-se no país condições para que tal candidatura seja viável, eis o que é intolerável. (...) Neste caso, mais vale uma revolução. É preciso que o país se prepare para esta conclusão: nada poderia ser mais nocivo ao país do que uma revolução. Nada, exceto uma coisa: a presença de um Ademar de Barros na Presidência da República. ( Lacerda, 1948c: 2)
Vargas venceu com folga o pleito e esteve à frente de um dos mais tumultuados governos da história brasileira. Lacerda foi um dos protagonistas desse clima de constante crise, responsável por intermináveis ataques e articulações contra o governo legitimamente eleito. O enredo não termina, todavia, como esperado pelo político carioca, já que ao invés de uma humilhante retirada dos varguistas do Catete resta o cadáver de Getúlio, que reverteu quase que instantaneamente o clima anti-getulista que então vigia, marcado por bacharéis furiosos, Forças Armadas em polvorosa e protagonizado por Lacerda, o herói ferido no atentado da Toneleros. Todos viram seus dias de glória temporariamente destruídos e tiveram que enfrentar a fúria das multidões ao longo do país. O empastelamento da sede da Tribuna da Imprensa, na rua do Lavradio, surge como um dos mais marcantes símbolos da reação popular.
Os efeitos negativos do evento não foram, entretanto, tão duradouros assim para Lacerda, que logo depois seria eleito para a Câmara dos Deputados com votação esmagadora. A intrincada trama da época, que envolve discursos militares explícitos contra a ordem constitucional 24 e o afastamento, por supostas razões de saúde, de Café Filho, se revela perfeita para a atuação desestabilizadora do político carioca, que ganhava força e se tornava ainda mais eloquente em momentos de crise. Ele, aliás, já defendia abertamente, desde a posse do vice-presidente Café Filho, soluções completamente estranhas ao ordenamento jurídico vigente, como a concessão de plenos poderes ao Executivo e o adiamento das eleições, amparado em uma suposta incapacidade de votar do povo, em razão do recente trauma da morte trágica de Getúlio. Em discurso na Câmara dos Deputados, Lacerda então defendia:
No processo de revalorização para dar autenticidade à democracia brasileira, para que a massa popular possa intervir no processo eleitoral sem as deformações a que é submetida pela miséria, de um lado, dos problemas sem solução legal e, de outro lado, pela propaganda e pela corrupção desenfreada; mais cedo ou mais tarde será indispensável – e antes cedo que tarde demais – conceder plenos poderes a fim de que o Poder Executivo possa legislar sobre aquilo que em causa própria não pode fazer a Legislação (protestos) uma lei que permita a criação e o funcionamento de Partidos autênticos no Brasil, para a criação de uma corpo eleitoral expurgado dos vícios que atualmente o deformam, de tal modo que se acabem com os currais eleitorais e se dê ao voto a verdade sem a qual o voto é pior que a ausência dele porque a consagração da desonestidade. O que se faz no Brasil é recorrer ao voto para coonestar o arbítrio, a corrupção e a coação. ( Lacerda, 1982: 128)
Aquele que há pouco criticara o excesso de centralização dos presidentes, agora prega credo diverso quando o poder está ocupado por um aliado. O liberalismo de Lacerda, de fato, não apenas tolera como até mesmo se encanta com um Executivo forte e legislador 25 . As críticas anteriores, mesmo resvalando nas instituições, eram sobretudo aos homens que as operavam, manifestamente indignos para tal tarefa. Com novos personagens no poder, como Café Filho, fazia-se necessário reforçar as prerrogativas do presidente para que ele pudesse realizar as transformações necessárias. Em novo editorial da Tribuna da Imprensa, o conteúdo remete às usuais investidas contra Vargas, mas o tom é ainda mais virulento, já que se afasta do “dever ser” com o qual operava o texto de 01/06/1950, para atuar no terreno da certeza. Os eleitos não tomariam posse: “Esses homens não podem tomar posse, não devem tomar posse, não tomarão posse.”. Segundo o retrato traçado por Lacerda, o momento político de então, que se iniciara com a morte de Getúlio, estava longe de qualquer padrão de normalidade institucional, de modo que era completamente absurdo continuar a seguir as regras como se nada houvesse ocorrido. Equivocada era a posição dos “juristas de UDN”, que, como Lacerda descreve mais tarde, “tinham do direito uma concepção puramente estática, isto é, eram incapazes de conceber um ‘direito político’, isto é, um direito dinâmico. Para eles aquilo era sagrado. Não, agora é voto, então é voto” (Lacerda, 1977:101). Épocas de exceção demandavam, na explícita retórica de Lacerda, soluções de exceção 26 .
As formalidades legais não podem ser usadas como argumentos contra as melhores soluções para o país. Contra o formalismo que ele atribui aos bacharéis, Lacerda opõe a razão do governante virtuoso, verdadeiro “príncipe” maquiaveliano capaz de determinar o melhor caminho, oposto às emoções e delírios do povo, que, movido pela passionalidade, acaba por “tomar uma decisão contra si mesmo”. A exceção é um meio de viabilizar uma saída para crise, que acabaria perpetuada pelos meandros burocráticos da forma legal. Para Lacerda, somente através de ações excepcionais é possível recuperar a normalidade que a passionalidade das massas – torpemente estimulada pelos demagogos, esses inimigos do interesse do povo 27 – impede. Mais do que uma permanência de velhas práticas antidemocráticas, o adiamento das eleições e o aumento das competências do presidente seria o meio para dar o impulso inicial a uma nova ordem, marcada pela razão e não pela emoção, que rompesse com os resquícios e os problemas de um passado que continuava a impedir o desenvolvimento do país.
Apenas nas formulações anêmicas dos bacharéis a democracia depende da regularidade dos ritos. Não apenas inexistiria qualquer contradição entre democracia e exceção, como muitas vezes o recurso ao excepcional é necessário para construir as bases do regime democrático, como se verifica no contexto do pós-1954. O político carioca vai, todavia, além em sua avaliação da República de 1946. As situações de crise e exceção são algo mais que do que um possível impulso inicial da democracia, já que constituem os momentos em que o verdadeiro espírito democrático se manifesta. A assertiva desvela ponto central do pensamento político de Lacerda e do lugar da exceção nele. A verdadeira representação política ultrapassa em muito as simples formas legais e institucionais, pois demanda o inaudito, os momentos nos quais a virtude da ação individual inova e cria os fundamentos necessários para o novo mundo. A rotina modorrenta da forma democrática revelaria toda a precariedade que ainda vigorava no país, enquanto que nos momentos de exceção a efetiva política mostraria o seu rosto 28 .
De volta aos turbulentos tempos que sucederam o suicídio de Vargas, todo o esforço lacerdista acaba, todavia, outra vez frustrado, dessa vez pela atuação do General Lott, em solução que seria para sempre lembrada pelos udenistas como o novo golpe dos seus adversários. O revés, que incluiu um breve autoexílio, não arrefeceu, contudo, a sanha subversiva do jornalista, o qual continuou protagonista de uma oposição extremada, conduzida por meios legais e ilegais. Anos mais tarde, a renúncia do seu outrora aliado e então adversário Jânio Quadros trouxe, por sua vez, nova oportunidade. O vice-presidente João Goulart encontrava resistências de toda parte, odiado por grande parte do empresariado por sua atuação como Ministro do Trabalho de Getúlio – quando aumentou em 100% o valor do salário-mínimo – e com ampla resistência nas classes médias urbanas e em grandes contingentes do Exército. Lacerda, por sua vez, sempre fora contumaz crítico de Jango, a quem acusava de herdeiro da tradição “fascista-caudilhista” e imputava relações espúrias com o peronismo, com direito à utilização de um documento, a carta Brandi, que se mostraria falso. Ainda Deputado Federal, ele já ameaçara seus correligionários com as terríveis consequências de uma vitória eleitoral de Goulart, mesmo que o cargo em questão fosse ainda a Vice-Presidência: “...vimos candidaturas apresentarem-se, ressaltando uma (...) que, a meu ver, até esse momento reúne condições de vitória, mas que, vitoriosa, levará este país à guerra civil. Refiro-me à candidatura do Sr. João Goulart à Vice-Presidência da República” (Lacerda, 1982:124).
A primeira investida contra Jango não teve a antiga companhia dos bacharéis, dessa vez articuladores da solução conciliatória do parlamentarismo, e constituiu nova derrota para Lacerda, que mesmo à frente da poderosa máquina pública do Estado da Guanabara acabou derrotado pela Campanha da Legalidade, liderada pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. O político carioca não descansaria, entretanto, enquanto não afastasse Goulart do poder. O estancieiro gaúcho condensava em um só personagem todos os fantasmas que o corvo perseguia há anos. Principal herdeiro de Vargas, ele representava o trabalhismo; próximo dos comunistas, encarnava a licenciosidade frente a ações subversivas e reforçava o “perigo vermelho”; vinculado por razões partidárias e familiares a Brizola, figurava ao lado de um suposto responsável, aos olhos lacerdistas, pela subversão da ordem nacional.
Os males do comunismo e do nacionalismo
O anticomunismo encontra em Lacerda seu maior expoente. Antigo membro do PCB, ele se torna um dos maiores inimigos do partido 29 . A expulsão não explica isoladamente o processo de transformação em ferrenho anticomunista, que também passa por sua aproximação com grupos defensores desta perspectiva, como certa intelectualidade católica conservadora 30 . Adentramos, nesse caso, num terreno largamente analisado pela antropologia: a conversão 31 .
Um dos eixos centrais desse amplo debate é a convivência, no convertido, entre os dois sistemas de valores, ou seja, o fato de que o sistema aparentemente abandonado permanece na nova ordem a qual se aderiu. No caso de Lacerda, a questão passaria pelos modos como a sua radical cisão com as perspectivas e os próprios círculos intelectuais comunistas condicionam o momento no qual ele elegerá esses valores e personagens como adversários centrais da sua prática política, destacando-se como principal líder da forte cena anticomunista brasileira 32 .
Há, por um lado, o esforço do jornalista para se retratar como externo ao circuito do poder, ponto que aproxima seus modos de adesão ao comunismo e ao anticomunismo. A linguagem extrema e agressiva, utilizada por Lacerda nos dois momentos, dá tons ainda mais dramáticos à mudança. Se é evidente que seu lado na arena pública confere sentido profundamente diverso às ações, perdura, entretanto, a imagem de um outsider , conhecido por sua militância. Parte da sua virulência no embate ao novo inimigo, o comunismo, é, nesse sentido, traço da figura pública que ele construiu e que antecede sua conversão. A agressividade já existia, o que muda é o alvo eleito em cada momento.
A transformação na retórica do político carioca é representada, todavia, com tintas de iluminação, como se a maturidade o tivesse permitido sair do mundo das trevas do comunismo para o da verdade, sem, é claro, que o processo deixe de implicar dor e sofrimento 33 . Este autorretrato está diretamente vinculado à visão moral do mundo, cultivada por Lacerda, em que todas as decisões e personagens podem ser remetidos a critérios absolutos de bem ou mal. Nada mais natural, portanto, que para se afirmar como novo homem e apagar os traços desse passado espúrio – mesmo que construído, segundo seu relato, com absoluta boa-fé – Lacerda se volte radicalmente contra os antigos aliados, de modo a claramente se distinguir deles 34 .
O comunismo aparece no discurso lacerdista como uma patologia, que tende a se tornar uma epidemia 35 . O vocabulário que o retrata tem viés sanitarista, a ressaltar, todo o tempo, caráter maléfico e insidioso da doença. Não se está diante apenas de um ator político concreto, mas de um “espírito totalitário, que em toda parte se infiltra, domina, empolga absorve, envenena, corrói para, finalmente, destruir, nas reservas morais de cada povo, as suas últimas resistências cívicas” ( Lacerda, 1982: 135). Se o ideário comunista era uma doença, que tinha inclusive enorme potencial para se alastrar, nada mais natural que a demanda imediata de uma ação médica, que curasse imediatamente esse estado anômalo. A defesa de uma intervenção cirúrgica na dinâmica política e social é, desse modo, parte central da retórica lacerdista. O bom político era aquele capaz de expurgar os malefícios que prejudicavam a saúde da coletividade. O sentido da sua defesa, em plena Câmara dos Deputados, da concentração de poderes no Executivo durante o Governo Café Filho se justificava pelo esforço necessário para dotar o Estado dos instrumentos necessários para tal intervenção sanitária em uma sociedade em degenerescência. A retórica organicista, típica do conservadorismo ( Mannheim, 1959 ), se destacava em uma visão de mundo que tinha traços conservadores – como o recurso à ideia de uma civilização cristã 36 – mas se afirmava, sobretudo, por meio de um discurso de inovação e transformação social, amparado frequentemente em instrumentos de caráter autoritário. Os bacharéis, nesse sentido, estão muito mais próximos de um conservadorismo clássico que Lacerda 37 .
Se, de acordo com a pena do político carioca, os autodeclarados comunistas tinham papel de destaque na propagação dessa doença, é inegável que ela os ultrapassava, muito maior o perigo do comunismo do que os próprios comunistas. O raciocínio abria possibilidade para a ampla ação política, já que a escolha de um inimigo incerto e fugidio podia levar a expansão da relação de inimizade a um enorme número de indivíduos e grupos sociais. A acusação de simpatia com o comunismo se tornava arma poderosa contra os mais diversos adversários. A lista de notórios anticomunistas, aos quais foi imputada a posição de “alinhados” e “lacaios de Moscou”, não é, aliás, pequena e inclui diversos críticos do ideário, com conhecida e declarada aversão ao marxismo, como o Lott e o próprio Getúlio Vargas.
A retórica ganha força através da ideia, de grande impacto à época, de que todos aqueles que não atacavam o comunismo estavam, na verdade, simpatizando ou contribuindo para a sua expansão e vitória. A metáfora bélica da “Guerra ao comunismo” colonizava muitos corações e mentes e impunha, de fato, a lógica da guerra, em que aqueles que não se colocam de um lado estão, sob a falsa aparência de neutralidade, contribuindo com o outro. Lacerda abraçava com vigor essa perspectiva, o que o levava a cobrar mais enfática posição da UDN. Os udenistas – muitos deles, como Bilac Pinto, protagonistas do anticomunismo – apareciam aos olhos de Lacerda como excessivamente brandos ante a malfadada doutrina: “... a luta contra o comunismo não foi ainda encarada como um dever da UDN” (Lacerda, 1964:90). O fato prejudicava o próprio lugar do partido no campo das forças progressistas, segundo a lógica adversarial de Lacerda, já que se o fascismo e o comunismo, correntes próximas no cenário político brasileiro, representavam “as duas formas de reação”, era necessário que os opositores do arcaico, como a UDN, se colocassem explicitamente contra tais ideologias: “uma posição anticomunista é a única que nos dá autoridade para termos, também, uma posição progressista” (Lacerda, 1964:50).
As ressonâncias geopolíticas dessa ojeriza ao comunismo eram claras em tempos de Guerra Fria 38 . Anticomunista era o lado dos Estados Unidos 39 , ao qual Lacerda sempre aderiu, seja no campo das relações políticas ou do discurso 40 . A escolha dos norte-americanos não implicava apenas uma escolha utilitária por um lado, mas revelava uma verdadeira tomada de posição existencial. O adversário era mais que um outro, com o qual se travava uma disputa momentânea, mas surgia como a própria negação da identidade do seu campo. A adesão ao oriente dos comunistas ou dos fascistas não era uma possibilidade a ser aventada, já que tal escolha jogaria por terra os próprios fundamentos da civilização cristã e ocidental ao qual pertencemos. A retórica da Guerra mais uma vez encontra o seu lugar. Os liberais tinham, portanto, o dever político e moral de tomar partido nesse mundo dicotômico, tendo em vista que estratégias de contemporização com forças totalitárias já causaram inúmeros prejuízos à humanidade, como a Segunda Guerra Mundial bem demonstrara 41 .
Ante tal perspectiva, soa completamente coerente o ódio que Lacerda destinava ao nacionalismo. Para o político carioca, o cenário de embate de civilizações, que então se vivia, tornava o nacionalismo nada mais do que uma escapatória, que implicava a abstenção na defesa dos valores da civilização ocidental. Conduta que, em geral, revelava uma secreta afinidade com o outro lado, o soviético. O nacionalismo, antigo e constante pilar do getulismo e do trabalhismo, agora servia de guarida ao comunismo. O político fluminense não hesitava, por tais razões, em se declarar claramente antinacionalista: “Direi logo que não sou nacionalista e não creio que o seja a UDN, ou não estaria nesse partido. (...) Eu não coloco a Nação acima de tudo. (...) Considero o nacionalismo (...) uma noção totalitária” (Lacerda, 1964:90).
O nacionalismo era, na verdade, a ideologia dos seus adversários, tanto os varguistas quanto os comunistas 42 . Lacerda, por outro lado, não via algo excepcional na via brasileira para o desenvolvimento, que em nada se distinguiria dos países ocidentais desenvolvidos. Os discursos sobre a excepcionalidade nacional não passariam de desculpas para ocultar nossa inserção na civilização cristã ocidental, com a qual deveríamos nos alinhar e de onde emanam os bons exemplos, como os Estados Unidos. O país, para Lacerda, surge, todavia, mais próximo da nação líder do ocidente, do que da pátria do capitalismo, já que o político fluminense tinha expressa desconfiança ante os discursos que buscavam compreender e justificar ações políticas a partir da economia. O olhar com atenção ao mundo do interesse era visto, distintamente, como marca do “...pré-marxismo das elites confusas do Brasil...” (Lacerda, 1964:151), que ele a todo custo buscava combater:
Arriscamos agora entregar-nos a um neutralismo que só interessa a Rússia e ao comunismo, porque nos recusamos a considerar os problemas econômicos como uma decorrência, e não como fundamento, da estrutura moral da civilização cristã... nosso capital ideológico, ou seja, a conceituação da vida social como um conjunto de atos, de ações e interações, que não se subordinam a uma infraestrutura econômica, como, em verdade, não se subordinam à infraestrutura alguma: que são uma composição de interesses, de sentimentos, de impulsos, de ideais, que, no seu conjunto, nas suas próprias contradições, nas suas negações e afirmações e sínteses são, afinal, aquilo que se pode chamar ‘o patrimônio espiritual de uma civilização’. ( Lacerda, 1964: 151-152)
Na identificação entre cristianismo e ocidente aparece uma das possíveis influências da conversão de Lacerda ao catolicismo. A oposição entre o material e o espiritual poderia sair da pena de autores centrais da reorganização do catolicismo conservador brasileiro, como Gustavo Corção, Alceu de Amoroso Lima ou Sobral Pinto. Por outro lado, a recusa do mundo da economia terá evidentes tensões com a construção do Lacerda gestor, muito evidente em seu período frente do Governo da Guanabara, mas expressa bem o múltiplo conjunto de referências capazes de encontrar lugar na plasticidade inerente ao liberalismo. Para além de Lacerda, a retórica revela um lugar para o discurso cristão mais conservador em meio à ampla rede discursiva da Guerra Fria 43 .
A proximidade entre Lacerda e as elites claramente identificadas com a organização do país a partir do mercado, como udenista Herbert Levy e o já citado Bouças, é bem demonstrada pelas contribuições do capital estrangeiro às suas candidaturas 44 . As crenças e visões de mundo do político fluminense não passavam, todavia, por uma perspectiva que tivesse no mercado e no interesse suas forças motrizes. Para Lacerda, o grande meio de organização do mundo não era a economia, mas a política. Se muitas vezes o político carioca defendia soluções que flertavam com o liberalismo econômico, as motivações passavam antes pela firme defesa do alinhamento com os Estados Unidos, que tinha no livre mercado elemento central do seu imaginário, e pelas imposições da conjuntura, que não permitiam grande defesa do Estado quando este estava quase sempre ocupado por alguns dos seus maiores adversários.
A maior, e única, experiência de Lacerda à frente do poder Executivo – o mandato como Governador da Guanabara, entre 1960 e 1965 45 – demonstra, por sua vez, seu gosto por soluções centralistas, consonantes, aliás, com a já mencionada defesa de um Executivo poderoso. O Governo Lacerda foi marcado por um Estado atuante e interventor nas dinâmicas sociais, muito distante da defesa do Estado mínimo identificada com certo discurso liberal. Durante os cinco anos em que esteve à frente do Palácio Guanabara, Lacerda se distinguiu por obras que transformaram a cidade do Rio – como o Aterro do Flamengo e a Estação de tratamento do Guandu – mas se viu todo o tempo confrontado com a acusações de seríssimos crimes contra as classes mais pobres, que vão desde remoções ilegais de favelas até o assassinato sistemático de moradores de rua 46 . As avaliações costumam ser unânimes, entretanto, ao reconhecer forte atividade estatal na gestão, seja para caracterizá-lo criticamente como autoritário ou para louvá-lo como eficiente.
O próprio Lacerda se esforça para construir, desde a campanha, a imagem de um grande realizador e administrador público, de modo a contestar a ideia de que sua vocação se restringiria às tribunas da oposição. Durante o pleito, aliás, o jornalista busca se distinguir do discurso de Sergio Magalhães, centrado em grandes temas, como o subdesenvolvimento e imperialismo, com constantes referências às necessidades mais imediatas do Rio. O cultor maior da visão da Guanabara como “estado-capital” 47 – perspectiva consonante com sua intenção de tomar o cargo de governador como grande degrau em sua trajetória rumo à Presidência da República – recorre às questões locais para viabilizar sua vitória ( Motta, 2000: 43). Durante sua administração, o discurso não foi diferente. Se, por um lado, ele exerceu mandato com forte acento personalista 48 , Lacerda buscava, por outro lado, mostrar à população nacional que “estava empenhado em transformar a Guanabara em modelo de administração eficiente, calcada em critérios técnicos e impessoais, a ser copiado pelo resto do país” ( Motta, 2000: 83). O mais célebre tribuno nacional buscava, nas palavras de Marly Motta, “firmar uma imagem de governante para onde convergiriam o político – carismático, de oratória engajada (...) – e o administrador – amante das decisões técnicas, que colocava a razão acima da emoção” (Motta, 2000:83). Refletindo sobre as bases de um hipotético, e almejado, mandato presidencial, Lacerda afirma:
Os debates sobre o comunismo e o capitalismo, nacionalismo e entreguismo, esquerda, centro e direita estão superados. Apenas provocam irritação e inquietações em torno de opções tolas e inócuas, prejudica a visão objetiva dos problemas e retardam as soluções. (...) Os problemas brasileiros são bastante conhecidos. Todos têm solução. Resolvem-se apenas com boa administração. Essa é a grande, a única, a verdadeira reforma de base que o país reclama. (Lacerda, [196-])
Todo o esforço de construção dessa perspectiva não impediu, todavia, que Lacerda transformasse o novo Rio em privilegiado palanque nacional, já que a “estadualização não era ... sinônimo de provincianização” ( Motta, 2000: 44). A vocação nacional permanecia na interessada visão de Lacerda, que via na antiga capital o único lugar com vocação nacional no país. A infante Brasília não podia competir com a tradição carioca, que não se via enfraquecida com a nova condição, mas libertada do duro peso que, durante tantos anos, se viu obrigada a carregar 49 .
As duas grandes representações de Lacerda – como “demolidor de presidentes” e “construtor de estado” 50 – se afastam do modelo mais identificado com o liberalismo econômico, que atribui ao Estado apenas a responsabilidade de criar, através da regulação, um clima favorável ao empreendimento individual e atuar em situações excepcionais. Apoiado por parcela significativa do grande capital internacional com negócios no Brasil, Lacerda não atribuía – ao menos não explicitamente – a esses atores o protagonismo na arena pública, mas defendia, mesmo que fosse para beneficiá-los, um Estado com viés interventor. A própria definição da “vocação liberal”, definida em coluna para o Correio da Manhã, renega explicitamente uma direta vinculação entre o liberalismo político e a economia política liberal: “O que aqui chamo liberal – diga-se de passagem – não é o liberal da economia política nem qualquer outra modalidade que a palavra procure exprimir no jogo do raciocínio político. É precisamente a acepção clássica do amigo da liberdade...” ( Lacerda, 1948d: 2).
Uma interpretação possível pode atribuir tal postura ao diagnóstico lacerdista sobre a época, de modo que a forte atuação estatal decorreria das condições emergenciais então vigentes. Como já apontado anteriormente, todavia, os aspectos intervencionistas não se restringiam ao momento, já que diversos elementos do léxico de Lacerda revelam um ideário de feições claramente autoritárias 51 . A demanda por um “governo forte” certamente ultrapassa os limites da conjuntura. A organização social mais adequada aos novos tempos passaria, segundo o político carioca, por um Estado liderado por um eficiente líder moral – em outro aspecto no qual se nota a influência católica –, responsável pelas grandes decisões políticas, o que resguardaria aos cidadãos, conjunto composto sobretudo pelas classes médias, a possibilidade de bem se preocupar com seus afazeres privados e necessidades. Caberia aos membros da polis , nesse arranjo, apenas a capacidade de, racional e conscientemente, escolher os mais adequados líderes. Deve-se ressaltar, ademais, que a polis não se confunde com o demos , como bem demonstram os radicais ataques de Lacerda contra o voto dos analfabetos 52 , classificados por Lacerda um “novo golpe” (Lacerda, 1982:94), “imoral e inconstitucional” ( Lacerda, 1982: 296), pois contrariaria a “obrigação do Estado de fornecer educação” ( Lacerda, 1982: 296).
O político carioca desenha um modelo de sociedade com traços profundamente antidemocráticos, mas perfeitamente condizente com certo liberalismo. Herdeiros mais próximos de Benjamin Constant, por exemplo, se sentiriam confortáveis com a organização que lega aos partícipes do governo o controle da cena política e confere aos muitos apenas a liberdade dos modernos, restrita ao campo do interesse individual 53 . Crítico liberal da política na oposição, Lacerda também se aproxima de feições da gramática liberal quando à frente do poder. Nesse cenário, aliás, a tão criticada conciliação tem o seu lugar. Uma vez expurgados os elementos que prejudicavam a boa ordem, a política adversarial de Lacerda dá lugar à tranquila convivência entre aqueles que concordam sobre os elementos fundamentais da ordem pública e obedecem ao líder moral.
SOBRE ELITES E CLASSE MÉDIAS
Se o caráter deletério do caudilhismo e do comunismo explica parte da crise, outra parcela decorre do estado rebaixado das elites nacionais. A incapacidade daqueles que deveriam guiar e organizar o país é responsável pelo processo de desagregação da ordem. Fascismo, caudilhismo e comunismo seriam, nesse sentido, não apenas causa da crise, mas também consequência dela, como o autor salienta em texto produzido durante a Constituinte de 1946: “Se existe aqui algum perigo comunista, ele será decorrente da inação e da inorganização dos demais partidos, muito mais do que da existência do Partido Comunista” ( Lacerda, 2000c: 138). A inegável contribuição dessas ideologias para o caos que governava o país não podia esconder, segundo Lacerda, a existência de certo vazio que os antecedia e permitia atuar. Faltariam partidos nacionais bem organizados.
A própria UDN não preenchia bem essa lacuna, limitada por suas indefinições e excessivas concessões ao status quo getulista 54 .Lacerda, aliás, sempre adotou postura crítica perante o partido, o qual acusava, na maior parte das vezes, de três pecados: a pouca definição ideológica, a complacência com os adversários e o excessivo formalismo. O último ponto se destina, como já exposto, especificamente aos bacharéis, assim como o segundo tem por objeto os “chapas-brancas”, não à toa os dois grupos que mais diretamente colidiam com Lacerda na política interna udenista. A primeira crítica, por sua vez, expõe, ao apontar para excessiva heterogeneidade do partido, a difícil inserção do político na UDN, onde ele, paradoxalmente, se tornava cada vez mais importante 55 .
A reforma da UDN passa, por um lado, pelo já abordado combate ao bacharelismo, mas também requer o firme ataque aos adesistas ou “chapas-brancas”, que se aproveitavam da fúria dos verdadeiros oposicionistas, como Lacerda, para conseguir vantagens pessoais. A adesão contrariava, ademais, a própria perspectiva lacerdista da política, que a concebe a partir de um registro adversarial. O oposicionismo intransigente seria fundamental para o interesse público, o qual acaba, por sua vez, solapado pelo reiterado recurso às conciliações: “Oposição organizada, combativa e vigilante nunca fez mal a ninguém. Adesão sim” ( Lacerda, 2000g: 57). Tão perverso quanto aquele que militava com as hostes adversárias era o que temia tomar um lado, já que “os indiferentes não se distinguem dos trânsfugas. Por isso a acrimônia de Lacerda em relação à “Bossa Nova da UDN”, grupo que emerge na década de 1960 com o intuito de defender certos temas caros às esquerdas da época, apoiando parte das Reformas de Base e outras políticas de caráter semelhante 56 . A oposição sistemática, efetivamente exercida por Lacerda, por vezes acabava renegada em seu discurso – em claro exercício retórico para assumir posição identificada aos grandes interesses públicos – mas ainda piores, aos seus olhos, eram os que sob o signo de evitá-la acabavam por recair no vício do adesismo 57 .
Passa também por essa ojeriza à conciliação e ao nacionalismo a duríssima batalha que Lacerda empreendeu contra a Política Externa Independente, iniciada em um governo que o próprio jornalista ajudou a eleger e em parte capitaneada pelo bacharel udenista Afonso Arinos 58 . O então governador da Guanabara não mediu esforços e recursos para atacar a nova diretriz diplomática brasileira, seja por meio de agressivos escritos na Tribuna da Imprensa ou de fortes discursos internos e externos à UDN. A independência não passaria de uma desculpa para “falar grosso com os Estados Unidos e fino com a Rússia”, negando, portanto, as diretrizes mais adequadas a nossa condição e lugar no mundo59. O episódio marca outro momento de rusga entre Lacerda e os bacharéis, sempre retratados em sua pena como formalistas, avessos à dureza dos embates políticos e algo descolados do mundo que os cercava60.
Os problemas da UDN decorreriam, segundo Lacerda, da tibieza da elite nacional, que se mostra incapaz de cumprir seu papel social e histórico. A política não poderia prescindir de elites esclarecidas, que devem interpretar em meio ao turbilhão de paixões que caracterizam as massas o melhor interesse de todos. As muitas perspectivas que ordenam o mundo podem e devem ser selecionadas através dos melhores, que precisam ocupar lugar privilegiado no Estado, “pois nada é mais contrário à verdade e aos interesses do povo do que negar a necessidade e o valor de uma elite esclarecida” (Lacerda, 2000g:35).
A verdadeira democracia não requer apenas o voto, que pode desastradamente selecionar os mais vis, mas precisa garantir qualidade a esse processo eletivo. O povo, para tanto, deve ser capaz de escolher os melhores, já que é a qualidade dos eleitos um dos fatores que distingue a boa democracia das suas versões mais imperfeitas 61 . As raízes da crise brasileira passam justamente pela ausência dessas verdadeiras elites, fato que é motivo e sintoma das mazelas nacionais. A minoridade do demos e seus limites, educacionais e intelectuais, o tornam presa fácil a líderes demagógicos mal-intencionados, sem qualquer compromisso com a democracia. O povo ainda opera no âmbito das necessidades, enquanto que o progresso nacional precisa de atores que ajam a partir dos parâmetros da razão. Há, entretanto, certo estrato social que se mostra capaz de ascender ao nível cognitivo demandado pela democracia: as classes médias. Terreno mais fértil para construção dos verdadeiros partidos democráticos, estes extratos encontram-se em parte desassistidos no cenário político, consequência da falta de partidos democráticos no Brasil.
O “homem-comum” da verdadeira democracia não se encontraria no povo, esse ainda incapaz de “estabelecer ligação entre o fato político e os seus interesses cotidianos”, mas nas classes médias, que por serem capazes de racionalmente superar o regime das necessidades e interesses mais básicos se mostram aptas à ação política ( Lacerda, 2000h: 226). Em demonstração exemplar de uma argumentação demofóbica, Lacerda elege o homem da classe média como o verdadeiro esteio da democracia em terras brasileiras 62 . Não sem razão o próprio político carioca tinha nos estratos médios da sociedade sua principal base de apoio 63 .
A MORAL, AS FORÇAS ARMADAS E AS SUBVERSÕES
O vínculo com as classes médias trazia o tema da moralidade para o centro do cenário político. A “moralização dos costumes políticos” se afirma, desse modo, como uma das mais recorrentes e importantes demandas da UDN e do lacerdismo, em esquema argumentativo no qual a moral surge como verdadeiro fundamento da sociedade, que dá sentido a todas as outras esferas da vida. Em tom próximo, mesmo que distinto, dos bacharéis, a economia ocupa, no discurso de Lacerda, um lugar completamente dependente dos valores públicos da moralidade, o que conforma um liberalismo pouco afeito à direta organização do mundo pelo interesse: “Defendemos o primado do princípio moral, porque ele condiciona a própria vida econômica” (Lacerda, 1982:171).
A afinidade entre classes médias e indignação moral é sugerida por autores como Svend Ranulf ( Ranulf, 1964 ), que analisa diversos cenários de ascensão social de baixas classes médias e os vincula à emergência de uma retórica de indignação moral. No caso brasileiro, é inevitável pensar no próprio processo de esgotamento da ordem política da Primeira República, que teve nesses segmentos motor relevante, mesmo que não exclusivo, com destaque para o surgimento do tenentismo 64 . Sem querer reduzir a complexa questão da herança tenentista a um simples vínculo com a UDN, é possível determinar clara afinidade entre os discursos tenentista 65 e udenista, tanto no caso dos bacharéis quanto do lacerdistas. A proximidade é extremamente clara em dois pontos: no elogio ao militarismo e na ênfase moral do discurso. A crítica dos tenentes à ordem da Primeira República recorria a um léxico de forte carga moral, já que a demanda por novas instituições convivia com as críticas à má qualidade dos homens públicos e à corrupção que assolava o país. O discurso moral dos jovens militares era, todavia, muito mais próximo daquele que mais tarde teria em Lacerda seu principal representante do que do construído pelos bacharéis. A diferença está, mais uma vez, na valorização de certo passado nacional, já que, enquanto a moral para os bacharéis passava, em maior ou menor grau, pela retomada de diretrizes e princípios sabiamente construídos pelas gerações passadas, o político carioca e o tenentismo viam nela um instrumento para reordenar radicalmente o mundo de então, tendo por parâmetros apenas a ação e o julgamento individual 66 .
Toda a radicalidade do discurso e da ação pública do político carioca se ampara, de fato, em um retrato moral do mundo, em que os atores e fatos são representados em termos de bem e mal absoluto. É relevante esclarecer que Lacerda não parte de uma Ética, que analisa os eventos na singularidade do seu contexto, mas de uma Moral, pela qual as avaliações são remetidas a uma transcendente escala de valores 67 . Tal organização moral no mundo dá coerência à perspectiva adversarial da política, realizada e defendida por Lacerda, já que, retratados por essas lentes, os inimigos não surgem com as vestes de oponentes de momento, a divergirem por questões conjunturais, mas aparecem como verdadeira representação do mal absoluto, contra o qual todas as armas e recursos são justificados. O varguismo, o comunismo, o caudilhismo, a Rússia, todos emergem como encarnação e razão de todos os males que afligem o país, de modo que a única conduta adequada é lutar contra eles até seu efetivo aniquilamento. A típica tolerância liberal não pode ser aplicada a tais figuras, pois não se está diante de discordâncias de momento, mas de verdadeiras oposições existenciais. As regras não se aplicam, de modo que é justificável, aos olhos de Lacerda, o recurso à exceção, aos golpes e a tudo o que esteja disponível no campo de batalha. Por isso a omissão e o adesismo não podem ser aceitos e devem ser combatidos como pecados capitais, já que não se está diante de discordâncias eventuais, mas da escolha entre bem e mal, da opção entre lados inconciliáveis.
Hélio Jaguaribe expõe com precisão esse movimento em texto, que, mesmo escrito no calor dos acontecimentos, em 1954, é até hoje um dos mais interessantes esforços de interpretação do lacerdismo: “Todos os problemas nacionais foram transferidos para o plano moral. E nesse plano, polarizados em termos de mal e de bem absolutos” ( Jaguaribe, 1981: 31). O sociólogo ressalta que não se está diante do moralismo filosófico, preocupado com “problemas axiológicos e gnosiológicos” ( Jaguaribe, 1981: 32), mas do “moralismo político, chamado a optar em condições concretas” ( Jaguaribe, 1981: 32), de modo que “o bem e o mal é coisa que, em abstrato, interessa pouco” ( Jaguaribe, 1981: 32). Lacerda não se perde em elucubrações de valores transcendentes, já que, para o moralista político, “as definições do bem e do mal, em concreto, se fazem, quanto à forma, segundo as crenças vigentes e, quanto conteúdo, segundos os interesses da classe, dos grupos e das pessoas” ( Jaguaribe, 1981: 32).
A distinção de Jaguaribe entre os moralismos ao menos torna mais complexa, se é que não invalida, a usual oposição entre o Lacerda moralista e o camaleão, que muda suas opiniões a cada conjuntura. Não estamos diante de duas faces inconciliáveis do mesmo personagem, já que o moralismo lacerdista não tem por medida princípios imutáveis, mas se transmuta ao sabor das situações. Os ditames morais continuam a organizar o mundo, mas eles mudam com a própria realidade por eles ordenada. O que permanece é o olhar para a realidade – a distinguir pessoas e opções entre lados dicotômicos e organizados segundo um bem e um mal absolutos – não o conteúdo que o preenche. O moralismo perdura como perspectiva amparado em uma “concepção idealista do mundo, segundo a qual a vontade é o fundamento do ser, razão pela qual as relações sociais dependeriam das decisões individuais dos dirigentes” (Jaguaribe, 1981:36). As análises desse tipo abordam sobretudo intenções individuais, em perspectiva simplista de modo que o moralismo, ironicamente, aproxima Lacerda do mal que ele tanto atribuía a seus mais ferrenhos adversários: o personalismo. As limitações da perspectiva lacerdista não decorrem da ausência de ideias ou grupos sociais, que sem dúvida estão presentes no discurso do político carioca, mas do papel subordinado que eles desempenham em relação aos seus portadores. O confronto entre Eduardo Gomes e Getúlio Vargas, por exemplo, tem todas as suas nuances reduzidas ao embate entre um líder honrado e um caudilho vil. Como consequência desse caminho de valorização da vontade, ocorre a “transposição de todas as coisas para o plano moral e seu julgamento em termos de bem e de mal” ( Jaguaribe, 1981: 36). A narrativa perde sua complexidade e se revela incapaz de explicitar as implicações mais amplas dos fenômenos que aborda 68 .
Nesse cenário, soa natural a intervenção de um poder superior, capaz de impor a ordem e afastar os elementos que, com sua influência negativa, a subvertem. O papel se enquadra perfeitamente na ideia de líder político, tal como delineada por Lacerda, mas também pode ser exercido pelos segmentos mais esclarecidos do Exército, em mais um ponto de convergência entre o lacerdismo e o tenentismo. Para o jornalista, a defesa de uma postura apolítica das Forças Armadas desconhece tanto a História nacional, marcada por um inegável protagonismo militar, como as condições políticas então vigentes, que, pela fragilidade dos partidos e grupos de opinião, demandam um contingente militar ativo. Não se poderia comparar a realidade brasileira, atravessada por ditaduras, com a de nações que desconhecem há séculos interrupções da institucionalidade jurídica.
Cabe aos militares, desse modo, não somente a defesa do Brasil ante os perigos externos, mas também o combate contra as mazelas internas, que precisam ser expurgadas para a manutenção da ordem. Em tempos de “infiltração comunista”, nos quais as lutas se davam não apenas entre nações, mas também no interior dos países – sobretudo nos subdesenvolvidos, mais propensos à influência desses falaciosos argumentos – negar essa necessidade revela, aos olhos lacerdistas, indesculpável ignorância, extremamente favorável aos objetivos ditatoriais dos comunistas, ou má-fé 69 .
A prática política de Lacerda seguiu fielmente essas ideias. Se, como já destacado algumas linhas atrás – e reforçado por nomes como Afonso Arinos e o próprio político carioca 70 – a UDN sempre teve forte caráter militar, Lacerda ainda avançava mais nesse campo do que seus já militarescos correligionários 71 . O político carioca atuava fortemente no interior das Forças Armadas, angariando apoios que lhe permitissem se aproveitar do prestígio, da força e da influência dos militares. Exemplos não faltam, como quando da sua participação na “República do Galeão” e no incentivo às ações golpistas de segmentos da três Armas em 1961 e 1964, o que tornava comum, nesse cenário, encontrar militares que se intitulavam lacerdistas, como o próprio Castello Branco.
Depois de várias comparações entre Lacerda e os tenentes, cabe ao menos uma distinção relevante. O sentido da pregação moral e dos vínculos com a classe média eram completamente distintos no tenentismo e no lacerdismo. O primeiro movimento surgiu em um cenário político extremamente limitado, com as instituições completamente dominadas por uma oligarquia restrita, que excluía até mesmo parte das classes médias urbanas. Em seu contexto inicial, o tenentismo é, portanto, um esforço de inclusão, mesmo que limitado pela demofobia, que relegava ao povo o papel de massa a ser dirigida 72 . O lacerdismo, por outro lado, se volta contra o claro processo de inclusão das massas urbanas na dinâmica política institucional. A semelhança entre as ideias – seja no desprezo pelas massas populares ou no elogio das classes médias – oculta os sentidos distintos em suas respectivas conjunturas.
De volta a Lacerda, é necessário ressaltar que a referida busca pela ordenação moral do mundo enfrentava duas grandes ameaças: a corrupção e a subversão. Os dois termos, que têm por contraconceito a ideia de ordem, surgem como critérios para identificar os inimigos do político carioca. Durante as décadas de 1940 e 1950, Lacerda e os udenistas recorriam fundamentalmente à ideia de corrupção para atacar seu principal adversário: o varguismo. A corrupção dos que estavam no poder explicava boa parte das mazelas nacionais e se colocava como principal obstáculo para a superação da crise que assolava o país. Lacerda via os corruptos como personagens imorais por natureza e instinto, que precisavam ser expurgados do jogo político por uma incompatibilidade moral com ele. A corrupção era a causa e consequência do predomínio de ideologias reacionárias no Brasil, com destaque para o fascismo caudilhista e para o comunismo.
A atenção cada vez maior destinada ao perigo comunista, eco da Guerra Fria e do falecimento daquele que concentrava boa parte das energias udenistas, faz, todavia, com que o termo corrupção ganhe um concorrente, que acabará por ocupar grande parte do seu lugar: a subversão. O perigo não mais estaria na deterioração da sociedade de então, ideia sugerida pelo termo corrupção, mas na substituição da dinâmica social vigente por outra, de caráter ainda mais “autoritário” e, nesse caso, subordinado a uma potência imperialista estrangeira. Trata-se, na verdade, de distintos estágios de um mesmo processo, que se inicia com o cenário de corrupção e desordem, propício para o avanço do comunismo. Lacerda, quando deputado, já alertava para a “... desagregação política e moral através da coabitação, da condescendência e a complacência com a corrupção, que é o fermento dentro do qual o comunismo se expande e triunfa” ( Lacerda, 1982: 50). O político fluminense passa a falar fluentemente a linguagem da Doutrina de Segurança Nacional ( Reznik, 2004 ) 73 , importada através da Escola Superior de Guerra 74 .
CONCLUSÃO
A transformação no vocabulário ocorre paralelemente ao processo de progressivo fortalecimento de Lacerda dentro do partido – que tem como marco relevante a Convenção de Vitória, de 1961 – de modo que o udenismo passa a ser cada vez mais identificado com o lacerdismo 75 . Fortalecido nas urnas e no debate público, agora com o sonoro púlpito da Guanabara à sua disposição, o governador se afirmava cada vez mais como o grande nome udenista, atraindo para seu grupo os setores mais radicais da “Banda de Música”, de onde sairiam dois presidentes do partido: Herbert Levy, homem próximo aos grupos financeiros paulistas, eleito em 1961, e Bilac Pinto, bacharel modernizante que radicaliza cada vez mais a retórica anticomunismo e acaba vitorioso na eleição de 1963.
O anticomunismo não era exclusividade de Lacerda ou da UDN, mas ninguém no cenário político da época melhor encarnava as vestimentas de inimigo do ideário do que o jornalista carioca. A imagem de antigo pagão agora convertido à verdade inflama as multidões. Por outro lado, a proximidade com os setores mais reacionários da Igreja e das Forças Armadas aumenta sua popularidade e dá segurança às cada vez mais usuais investidas golpistas, assim como a feroz perseguição às esquerdas, empreendida no Governo da Guanabara, propaga a imagem de governante com pulso firme para combater as subversões. O tribuno se torna líder e parece talhado para seguir à frente da Guerra que se delineava no horizonte. Tudo corre bem até o primeiro de abril. Posteriormente, os militares, contrariando as experiências semelhantes mais recentes, parecem não estar mais dispostos a continuar a reboque das veleidades civis. A intenção condena o possível líder do Golpe, já escolhido como candidato da UDN à Presidência, em 1965, ao fundo da cena. Logo ele estaria cassado, assim como se encontrariam extintos os partidos e o cenário que o levara aos holofotes. Ironia do destino, um dos protagonistas do fim da República de 1946 acaba soterrado por seus escombros.
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-
1
.José Honório Rodrigues afirma, talvez com certo exagero, na introdução da coletânea de discursos parlamentares de Lacerda que “Ninguém sozinho influiu tanto no processo histórico brasileiro como Carlos Lacerda de 1945 a 1968” ( Lacerda, 1982: 26).
-
2
. A grande produção memorialística de Lacerda no pós-1964 – dentre a qual podemos citar Lacerda, 1966 , 1976, 1977 , 2001 – na qual há uma clara tentativa de construir uma personalidade política e organizar suas escolhas a partir de certa ideia de coerência ( Auler, 2012 ), aumenta, ademais, os riscos do intérprete, que pode se aventurar desavisado por esse caminho.
-
3
. José Honório Rodrigues percebe bem esse caráter quase religioso dos discursos de Lacerda: “Não era, assim, um orador comum, era um pregador, como o seria durante toda a sua vida, tentando converter pela palavra os seus ouvintes” (Lacerda, 1982:17).
-
4
. É pressuposto do presente artigo, mesmo que o argumento não seja desenvolvido em razão do reduzido espaço, que o ideário liberal, por sua enorme penetração nos eventos políticos dos últimos séculos e ampla diversidade de expressões, não comporta uma definição unívoca, mesmo que possa ser remetido a algumas características comuns.
-
5
. A definição do liberalismo de Lacerda como uma “crítica liberal da política” emula, certamente, a análise de Carl Schmitt sobre o ideário liberal. Sem esquecer os problemas da conceituação schmittiana, que deixa de lado a diversidade do liberalismo e esquece o caráter afirmativo de certos de tipos de negação – o conceito nietzschiano de “niilismo afirmativo”, desenvolvido na “Genealogia da Moral”, explora, por exemplo, os aspectos propositivos e construtivos do processo de negação – é inegável, por outro lado, sua capacidade de elucidar alguns dispositivos centrais do pensamento liberal. Insuficiente enquanto definição mais geral do liberalismo, mesmo que instigante em suas sugestões, a formulação de Schmitt se enquadra, contudo, à perfeição no tipo de liberalismo de Lacerda.
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6
. Lacerda (1977) e Dulles (2000) . Sobre o pensamento de Corção e o cenário intelectual católico do período ver Jalles (2007).
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7
. Sobre a proposta de organização do mundo do trabalho da Igreja às vésperas do Estado Novo ver Vianna (1999) .
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8
. “Entendo que o país entrou na crise mais grave de quantas o têm afligido” ( Lacerda, 1964: 22).
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9
. Sobre a retórica da patologia no anticomunismo, ver Motta (2002) .
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10
. “O Brasil tornou-se propriedade de uma casta, que hoje se disfarça de socialisteira, como ontem de fascista, mas na realidade é uma casta de incapazes e desonestos profissionais da demagogia, a patronal e a operária, a falar de reformas que não faz porque não quer e porque, se quisesse, não saberia fazer honestamente” ( Lacerda, 1964: 15).
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11
. “Nós, os democratas, temos que zelar pela legalidade do país. Temos que impedir que, de parte a parte, os dois bandos totalitários nos devorem e ao Brasil, na sua ânsia odienta e repugnante de destruição das instituições democráticas” ( Lacerda, 1948b: 2).
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12
. Sobre os bacharéis, ver Chaloub (2015).
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13
. “Desde 1922, naqueles movimentos armados tenentistas do 5 de julho (...) às necessidades evidentes da renovação dos quadros jurídicos e institucionais do Brasil, uma inquietação profunda sacode esta Nação” ( Lacerda, 1982: 119).
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14
. A crítica não se limita às instituições ou às práticas políticas, mas atinge a própria cultura social que, segundo Lacerda, caracterizaria o país: “O famoso gênio brasileiro para a solução pela tangente, o ‘jeito’ para contornar crises, não é senão o outro nome do horror à responsabilidade, do temor de enfrentar a realidade e resolver, francamente, decididamente, os problemas postos perante os responsáveis pela sorte da nação” ( Lacerda, 1961: 14).
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15
. “... tenho muita pouca vocação para política como exercício assim de habilidades e de astúcias. Acho que se perde muito tempo com a política no sentido do meio, e não no sentido de fim, e a política como meio me interessa muito pouco, o que me interessa é o fim” ( Lacerda, 1977: 109).
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16
. Lacerda brindava os bacharéis com comentários muitas vezes pouco elogiosos, como esse sobre Prado Kelly, aquele que era apontado por Afonso Arinos como o bacharel por excelência: “o Sr. Prado Kelly, especialista na difícil tarefa de complicar o que é fácil, para depois facilitar o que é difícil” ( Lacerda, 2000d: 62).
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17
. Guita Grin Debert destaca que, para Lacerda, enquanto: “a liberdade aparece com um direito quase natural dos povos, a democracia é vista como algo que só pode ser atingido através da educação do povo” ( Debert, 1979: 118).
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18
. O ponto é retomado em relato memorialístico posterior: “O país legal era esse do PSD, da eleição, do PTB, etc.; e o país real era o país que carecia de reformas profundas, inclusive para acabar com o poderio dessa gente; para acabar com as oligarquias; para acabar com o peleguismo. Enfim, dar à democracia aqueles instrumentos sem os quais o simples ato de votar não significava um ato democrático, porque era precedido por uma tal máquina antidemocrática, que o resultado só poderia ser contrário ao interesse legítimo do progresso da democracia” ( Lacerda, 1977: 161).
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19
. Anos mais tarde, em seu “Depoimento”, Lacerda reitera antigas convicções: “Nesse sentido eu era golpista. Foi a mesma coisa em 1964. Eu era a favor de um golpe que evitasse o golpe por via eleitoral. Porque aquela eleição, na minha opinião, era um golpe, que significava a volta da máquina, era o uso da máquina existente para coonestar por via eleitoral o golpe que havia contra o país” ( Lacerda, 1977: 160).
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20
. “O Getúlio era absolutamente incompatível com um regime democrático” ( Lacerda, 1977: 109).
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21
. O Vargas indivíduo, em sua face de homem privado, era, todavia, constantemente retratado com características de fraqueza e indecisão. Trata-se, aliás, de um mote comum entre os seus opositores, reiterado por figuras como Afonso Arinos, Virgílio de Melo Franco e o próprio Lacerda, que destaca: “Mesmo para dar o golpe Getúlio hesitava – foi sempre um hesitante, sempre um vacilante; nunca foi um homem de decisões. As decisões é que vinham ao seu encontro. Podemos dizer que ele foi sempre um filho legítimo do oportunismo. Foi um grande oportunista” (Lacerda, 1977:33).
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22
. Em texto publicado quando esteve à frente do Governo da Guanabara, o político carioca retornava, em raro momento elogioso ao varguismo, à herança getulista: “... Getúlio Vargas (...) teve a compreensão necessária para adotar como sua essa legislação e acabou por fazer dela a sua bandeira, com o êxito que todos conhecem. Foi mérito seu, indiscutível, o de haver compreendido o valor do homem sem importância, a significação de contar com o apoio do homem anônimo, no momento em que o povo passou a ser fator de maior importância nas eleições com o voto secreto e outros benefícios da revolução de 1930. Enquanto muitos políticos continuavam a falar apenas para um grupo, ele e outros, depois de 1930, passaram a falar às grandes massas do povo” ( Lacerda, 1964: 27).
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23
. Lacerda atribuía apelidos a esses personagens em seus textos no Correio da Manhã . Ugo Borghi acusado por Lacerda de enriquecimento ilícito com o algodão, virava, por exemplo, “curuquerê”, nome dado a uma praga do algodão.
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24
. Como o do Coronel Mamede no enterro do General Canronbert Pereira da Costa.
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25
. Próximo do que Pierre Manent chamaria de um “liberalismo de Estado” ( Manent, 2012 ).
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26
. “Foi aí que eu comecei a defender a tese que me valeu o título de golpista e até de fascista (...). Eu dizia que era necessário não só uma reforma da lei eleitoral mas uma reforma profunda no país, e que estas reformas, além de necessárias, ainda teriam a vantagem de dar um tempo para desintoxicar o Brasil, que vinha de vários anos de ditadura, vários anos de demagogia, de vários anos de propaganda pessoal de um mito. Convocar eleições para o ano seguinte só porque estavam marcadas, era na minha opinião um erro gravíssimo, que consistia em levar um povo traumatizado por um drama daquela ordem a tomar um a decisão que não tomaria em um tempo normal. Portanto, longe de ser um ato democrático, era profundamente totalitário, esse ato de levar um povo, não pela razão, mas pela força de uma emoção incoerciva, a tomar uma decisão contra si mesmo, decisão que não tomaria se estivesse em condições normais de raciocinar” ( Lacerda, 1977: 107-108).
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27
. “O demagogo não é senão um adulador, nunca um amigo do povo” ( Lacerda, 1964: 52).
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28
. Recordando, anos mais tarde, a rotina da política, Lacerda afirma: “Não tenho nenhuma saudade da vida pública ‘democrática’. Tenho, sim, certo orgulho daqueles momentos de crise, quando então a democracia funcionava e a opinião pública existia. Então aí a gente sentia a grandeza do processo democrático. Mas no momento em que não havia crises, a rotina da vida democrática era monótona, triste, melancólica, a um ponto quase exasperante. Havia a pobreza de ideias, a incultura, a falta de leitura, a falta de interesse pelos assuntos e pelos problemas” (Lacerda, 1977:238).
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29
. Os escritos de juventude de Lacerda foram analisados na inédita tese de Paiva (2010) .
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30
. “Foi aí que comecei a me aproximar do São Bento, a conversar com Dom Lourenço e a verificar que havia um outro horizonte, quer dizer, uma outra possibilidade espiritual da gente não se conformar com as injustiças sem precisar, ao mesmo caso, se adaptar a outro tipo de injustiça. Foi então que eu me converti e me casei no religioso...” ( Lacerda, 1977: 50).
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31
. A bibliografia sobre conversão é, como dito, muito extensa. Dentre os bons textos que buscam estabelecer uma tipologia dos modos de conversão, podemos citar: Banaggia, 2009 ; Mafra, 2000 ; Vilaça, 2008 .
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32
. “O radicalismo de Brizola atraiu sobre si a ira dos anticomunistas, que identificaram no estancieiro gaúcho o mais provável candidato ao papel de ‘Fidel’ brasileiro. (...) Do lado conservador, ressalte-se, Carlos Lacerda fazia papel semelhante ao do político gaúcho, só que com sinal trocado, ou seja, ocupando a outra ponta do espectro político. (...) O governador carioca fazia ações provocativas contra a esquerda, que o considerava o representante maior da direita” ( Motta, 2002: 252).
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33
. “Do ponto de vista espiritual, é uma experiência terrível. (...) Sei bem o que é a dificuldade para romper com uma coisa dessas, porque é uma máquina totalitária, realmente, que se apossa da personalidade do indivíduo integralmente: não só intelectualmente mas até fisicamente. O rompimento importa numa disposição de sacrifício e renúncia, sei lá, quase de estoicismo” ( Lacerda, 1977: 50).
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34
. Lacerda ganha destaque no campo do anticomunismo com uma série de artigos jornalísticos contra a aproximação entre Prestes e Getúlio. Contrariando as expectativas de parte do campo político, o “Cavaleiro da Esperança” não se aproxima dos liberais que se opuseram ao Estado Novo, conduta defendida por nomes como Caio Prado Junior ( Iumatti, 1998 ), mas oferece seu apoio ao carrasco de sua esposa, com direito à intensa participação dos comunistas no “queremismo”. O movimento desperta a fúria de Lacerda. A campanha anticomunista ganha tons ainda mais fortes com o lançamento da candidatura de Iedo Fiúza à Presidência. Lacerda interpreta a escolha do PCB como “um candidato diversionista, a fim de desviar votos de Eduardo Gomes e reforçar o apoio dos integralistas ao General Dutra” ( Lacerda, 1945: 1) e imputa diversos crimes e práticas corruptas ao candidato comunista, a quem dá o apelido de “Rato Fiúza”. Os artigos sobre Fiúza são depois reunidos em uma coletânea de título “Rato Fiúza” ( Lacerda, 1946 ). Os ataques criticavam práticas de Fiúza quando prefeito de Petrópolis e até mesmo levantavam seu passado integralista, com o intuito de questionar a pureza programática do PCB. Em matéria de título “Prestes exibe o Rato Fiúza”, publicada na capa do Diário Carioca, em 23/11/1945, Lacerda direciona contra o candidato comunista sua usual verve retórica, que lhe valeu o apelido de corvo. O subtítulo resume a linha: “Passado político: integralista. Passado administrativo: gasolina para a Quitandinha, trilhos e terrenos para o Sr. Filpo, fornecimentos para a sua secretária” (Lacerda, 1945:1). A investida seria um dos primeiros momentos de destaque de uma longa jornada anticomunista, que elevaria Lacerda a ídolo de grande parte da classe média, de setores religiosos e das parcelas mais reacionárias das Forças Armadas.
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35
. O tema, aliás, é comum ao imaginário anticomunista brasileiro ( Motta, 2002: 47 e 53).
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36
. “...a UDN é e deve ser um partido cristão...” ( Lacerda, 1964: 86).
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37
. Os vínculos de Afonso Arinos com o conservadorismo são ressaltados por Lattman-Weltman (2005) .
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38
. Sobre as ressonâncias da Guerra Fria na política interna brasileira ver Guimarães (2001) e Reznik (2004) .
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39
. “O nacionalismo, que foi em certas partes do mundo uma reivindicação legítima de independência a conquistar, libertando-as da condição de colônias, aqui toma proporções de caricatura, de imitação servil. Há quem procure atribuir a pobreza do Brasil à riqueza dos Estados Unidos, o que é o mesmo que dizer que os Estados Unidos são ricos à custa da pobreza do Brasil. Ora, nem um argumento, nem um algarismo, nem um fato pode comprovar honradamente essa alegação” ( Lacerda, 1964: 48).
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40
. O político fluminense era amigo de empresários de ótimo trânsito em terras norte-americanas, como Valentim Bouças, próximo de entidades que recebiam financiamento do Governo dos E.U.A. e defensor, seja no parlamento ou na imprensa, de inúmeros acordos bilaterais entre o Brasil e os Estados Unidos. Lacerda sempre defendeu de modo enfático os profundos vínculos – históricos, políticos e culturais – entre os países, os quais não fariam da defesa dos interesses dos E.U.A. uma afronta aos brasileiros, já que o alinhamento com os norte-americanos era do melhor interesse nacional e estava em plena consonância com nossa civilização ocidental e cristã.
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41
. “A expansão da ditadura russa, no mundo, não pode pois ser contida e de engodo recíproco. Essa foi a política de Munique, a política de Chamberlain, que entregou a Tchecoslováquia em nome da necessidade de salvar a paz” ( Lacerda, 1948a: 2).
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42
. Estes especialmente após a Declaração de Março de 1958, quando o PCB abandona as ideias de ruptura com a ordem e passa a defender uma via nacional de desenvolvimento capitalista, que se daria pela aliança entre o proletariado e os setores mais avançados da burguesia nacional. Sobre a Declaração de Março de 1958 ver: Vianna (1989) ; e Brandão (1997) .
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43
. Para a construção da ideia de Ocidente, ver Ifversen (2007) .
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44
. Merece destaque nesse sentido a obra de Dreifuss (2006) , que lista Lacerda entre os beneficiados da rede IPES-IBAD.
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45
. A melhor obra sobre o governo Lacerda é o livro de Marly Motta (2000) , que aborda em seus dois primeiros capítulos, com especial atenção no segundo, o período de Lacerda à frente da Guanabara. Os textos são extraídos de sua mais extensa tese de doutorado ( Motta, 1997 ). Mais recentemente, foi publicada em livro a tese de Maurício Perez (2007) , que infelizmente peca pelo excessivo envolvimento com o personagem, tornando o texto quase uma apologia do, segundo sua perspectiva, injustiçado governante. A ampla pesquisa sobre dados referentes ao governo justifica, todavia, a leitura.
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46
. Sobre esse aspecto, boas referências são Valladares (1980) e Fischer (2008) .
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47
. O termo é de Marly Motta, que defende que, após a mudança da capital, o antigo Distrito Federal se via dividido entre a aspiração de permanecer como grande palco do país, a Belacap, e a preocupação com questões locais mais prementes. Lacerda seria o grande personagem dessa aspiração nacional dos cariocas, ao passo que Chagas Freitas, também jornalista e grande líder local da Guanabara e do futuro estado do Rio, do qual seria governador, representaria a hegemonia dos interesses locais (Motta, 2000).
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48
. “chamando a si a responsabilidade das decisões e fazendo-se presente no contato direto com a população” ( Motta, 2000: 56).
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49
. “Não somos uma capital decaída, mas uma cidade libertada. Os que saíram com saudade sabem que o Rio é uma cidade insubstituível, uma cidade em que todos os brasileiros, ontem, hoje, sempre, estarão como em sua casa. Sabem esses brasileiros que somos uma região sem regionalismos. Pensamos nossos problemas em termos mundiais, além de continentais, e continentais, além de nacionais. (...) Nossos heróis são nacionais. (...) Pensaram que nos abandonando interiorizavam a civilização, mas foi aqui que a deixaram. Porque somos a síntese do Brasil, porque somos a porta do Brasil com o mundo, e somos do mundo a vera imagem que ele faz de nós” ( Lacerda, 1964: 98).
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50
. As duas facetas de Lacerda são identificadas por Motta (2005) .
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51
. O mesmo Carl Schmitt que nos permitiu caracterizar o político carioca como um “crítico liberal” da política da sua época revela afinidades com os discursos e ações do político fluminense. Lacerda aparentemente não leu o jurista alemão, que não é citado como fonte de inspiração em nenhuma das suas obras e discursos, e dentre seus conceitos utilizava expressamente apenas o de exceção, cujo uso excede em muito as referências a Schmitt. É possível apontar, todavia, algumas coincidências entre a reflexão e a prática política lacerdista e o sistema teórico do alemão, como a organização do campo político a partir do inimigo e constante recurso ao conceito de exceção.
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52
. “Não vejo democracia em dar voto a quem esteja capacitado para votar e o que se vai fazer é aquilo que sempre se fez nos regimes totalitários: a depravação do instrumento democrático para, precisamente, impedir o seu fortalecimento. No regime em que defendemos, o voto vale porque é consciente e porque é honrado (...). É voto livre, mas livre porque honrado, e não libertino porque desonestamente apurado. É o voto, em suma, que eleva o cidadão, que o melhora, que faz progredir a Pátria pelo progresso da consciência política de seus filhos, e não a faz degradar-se até a última baixeza, explorando as emoções dos incautos e a última ilusão que resta a um povo que anseia por libertar-se e a quem se pretende impor agora um colete de aço, o sufocante colete da fraude eleitoral, consagrada em lei” ( Lacerda, 1982: 337).
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53
. Guita Grin Debert, por exemplo, define a organização da sociedade para Lacerda em termos perfeitamente condizentes com o modelo de Constant: “Em Lacerda, povo é, sobretudo, o conjunto de indivíduos que pagam impostos e por isso devem exigir que a máquina estatal funcione devidamente. O Estado, quando em mãos de um chefe de bravura moral, transforma-se no lugar da justiça entre os cidadãos, no espaço que permite que eles coexistam pacificamente apesar de suas diferenças” ( Debert, 1979: 167).
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54
. “Reconheçamos lisamente que a UDN ainda não é esse partido. E muito menos há de vir a sê-lo a Esquerda Democrática...” (Lacerda, 2000c:139).
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55
. A distância temporal entre as duas citações demonstra como Lacerda não restringiu a crítica aos primeiros anos da UDN, quando esta ainda estabelecia suas primeiras bases, mas a manteve durante toda a existência da instituição.
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56
. “A omissão ou incompetência dos outros partidos, inclusive a UDN, tem grande parte de responsabilidade nesse panorama. Parece haver quem pense que para ter trânsito no meio operário é bom ter alguns comunistas no partido. Ora, a verdade é exatamente o oposto. Pois quando um operário quer ser comunista, ele sabe onde encontrar o Partido Comunista, não precisa da Bossa Nova da UDN, nem da Ala não-sei-de-quê do PSD, nem dos Canarinhos do PDC” ( Lacerda, 1964: 51).
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57
. “Nada mais odioso e infecundo do que a oposição sistemática, feita pelo prazer de brilhar enquanto se sacrificam as grandes linhas de uma política construtiva. Mas, se for possível, algo existe ainda mais odioso: é a conciliação que começa por palavrões e acaba por palavrinhas” (Lacerda, 2000g:56).
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58
. Arinos foi chanceler em dois momentos. Durante o primeiro ano do Governo Jânio Quadros e ao longo do primeiro ano do Governo João Goulart.
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59
. “Da minha parte, devo dizer que não sendo nacionalista não temo o imperialismo que a competência e a honradez podem enfrentar. (...) Devo dizer ainda que eu não estou de acordo com a política de falar grosso com os Estados Unidos e fino com a Rússia. Aplaudo uma política independente para o Brasil, mas de uma independência que leve o Brasil a dizer ao mundo o que o mundo gostará de ouvir do Brasil, isto é, que somos uma nação que não tem ódio a nenhuma nação e, por isto mesmo, não apoiamos a campanha de ódio contra os Estados Unidos capitaneada pela Rússia. Somos uma nação anticomunista e isso devemos dizer claramente” ( Lacerda, 1964: 95).
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60
. Em retrato cheio de mágoas em suas memórias, Arinos retrata os duros embates com Lacerda, que marcaram seu período à frente do Itamaraty: “...foi, seguramente, a mais triste herança que o sectarismo eloquente de Carlos Lacerda deixou. (...) Foi ele quem mais contribuiu para incutir no meio militar a ideia de que a chamada política externa independente (...) facilitava a implantação do comunismo no Brasil” ( Franco, 1968: 27).
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61
. “A democracia exige a formação de uma elite dirigente, porque ela é ou deve ser o governo dos melhores, escolhido pela maioria. Ela exige que a maioria seja capaz de escolher os mais capazes” ( Lacerda, 1964: 21).
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62
. Gláucio Soares, em texto sobre as bases sociais do lacerdismo no Estado da Guanabara ( Soares, 1965 ), demonstra como o fascínio de Lacerda e o apoio às suas ideias crescem nos extratos médios. Isabel Picaluga (1980: 177), por sua vez, expõe como na disputada eleição de 1960 para o Governo do Estado o udenista – que venceu Sérgio Magalhães, candidato de corte nacionalista que concorria pela chapa PTB-PSB, por estreita margem de votos – foi sufragado por um eleitorado de origem nas classes médias urbanas, ganhando de forma consagradora nas áreas nobres da cidade e perdendo no “sertão carioca”.
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63
. A UDN, por sua vez, era também conhecida e se afirmava, dentre outros termos, como “o partido das classes médias”. Prado Kelly, um dos mais destacados bacharéis udenistas, ressaltava, em discurso na Convenção Nacional do partido, em 1948, que “a UDN é um partido de classe média e, como tal, é o partido da ordem jurídica, da estabilidade democrática, da liberdade política, da liberdade individual” ( Kelly, 1948 ). No mesmo sentido, o programa de 1957 do partido não se furtava a constatar a “insubstituível função estabilizadora das classes médias”. Se o epíteto expõe aspecto relevante do udenismo, ele se mostra, contudo, em tensão com outras facetas do mesmo. Primeiro pelo caráter extremamente heterogêneo do partido, que abrigava ao lado dos citados homens da classe média grande número de líderes de origem rural e de homens pertencentes a elites empresariais, que fugiam ao perfil da classe social descrita. Merece também atenção a grande semelhança de “origem social”, “formação escolar” e “trajetória ocupacional” entre os parlamentares da UDN e do PSD, bem demonstrada por Sérgio Miceli, que atribui as distinções entre pessedistas e udenistas às “diferentes modalidades de inserção desses representantes no espaço da classe dirigente” ( Miceli, 1997 ). As concepções de mundo e o estilo de argumentação expõem, entretanto, perfeitamente por que o partido era tão intrinsecamente vinculado no imaginário político da época às classes médias, as quais, de fato, lhe reservavam grande apoio.
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64
. O fim da Primeira República não pode ser compreendido sem a devida atenção aos dissídios intraelites, assim como às fortes pressões advindas das camadas populares, tão bem expostas nas Greves Gerais de 1917 e 1919. Sobre os temas: Fausto (1976) ; Gomes (2005) ; e Batalha (2000) . Nascido dentre as fileiras da jovem oficialidade militar, o movimento dos tenentes tem contribuição fundamental para a construção do quadro político do pós-1945, com a participação das suas principais lideranças em quase todos os principais eventos políticos. Sobre o tenentismo, uma boa referência é Prestes (1999) . Também merece atenção a quase contemporânea análise de Santa Rosa (1976) .
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65
. A trajetória dos antigos tenentes não é, todavia, nada uniforme, sendo o movimento nascedouro de trajetórias políticas destinadas aos mais diversos campos ideológicos.
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66
. Para uma ótima análise do discurso moral tenentista ver Santa Rosa (1976) .
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67
. Sobre a diferença entre Ética e Moral, à propósito do pensamento de Spinoza, Gilles Deleuze destaca: “A Ética, isto é, uma tipologia dos modos de existência imanentes, substitui a Moral, a qual relaciona sempre a existência de valores transcendentes. (...) A oposição dos valores (Bem/Mal) é substituída pela diferença qualitativa dos modos de existência (bom/mau)” (Deleuze, 2002:29).
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68
. “O que empresta ao moralismo a sua fisionomia particular, porém, é o fato de implicar, essencialmente, o desconhecimento das motivações reais que conduziram à determinada opção. As ações são apresentadas como praticadas por serem boas em si mesmas e em função do bem absoluto e não porque atendem os interesses do agente. Daí a necessidade de transportar todas as coisas para o plano moral, uma vez que, supostamente todas as opções seriam uma escolha entre o bem e o mal” ( Jaguaribe, 1981: 32).
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69
. “... chefes das Forças Armadas, a quem incumbe não apenas a defesa externa – cumpre salientar sempre isso – mas também a defesa interior do Brasil. Tenho aqui ouvido dizer-se ser preciso que os militares dispam a farda para opinarem sobre os assuntos internos da Nação. Desde quando, em que época, em que momento da História nacional essa exigência foi feita? Num país sem partidos verdadeiros, num país sem partidos que correspondam de fato às correntes da opinião nacional, num país em que a opinião nacional, no momento em que se desencadeou e pode opinar e decidir, foi desviada por um traumatismo e tem sido conduzida não pela razão, mas pelas emissões sucessivas de cada crise, de cada momento, de cada paixão, de cada facção, neste país assim constituído é grotesco que se venha trazer o exemplo daquelas nações em que, aí sim, o Exército é mudo, porque há séculos não existem ali ditaduras” ( Lacerda, 1982: 33-34).
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70
. “... a UDN. Surgiu como uma conspiração. No começo ela era uma conspiração, não era um partido. (...) por essa ou por aquela razão, começou a UDN a ser um estuário, uma espécie de pot-pourri de todos os descontentes com a ditadura, com o governo do Getúlio. Era um saco de gatos realmente” ( Lacerda, 1977: 30).
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71
. “Assim, a relação da UDN com as Forças Armadas não deve ser vista apenas em termos do apego às candidaturas militares para a Presidência da República e à intervenção “salvadora”, mas sobretudo pela ótica de uma certa concepção de nação, de segurança e de “moralidade” (na qual certamente o udenismo se acomodava) que certamente se consubstanciaria no arcabouço ideológico de 1964” ( Benevides, 1981: 142-143).
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72
. “A atitude dos tenentes em relação às massas populares é antes de tudo apresentada como uma ação tutelar, justificada pela impotência das massas de se rebelarem eficazmente contra o poder estabelecido: só o Exército teria condições desejáveis para abater esse poder” ( Pinheiro, 1997: 21).
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73
. Também presente em outros udenistas, bacharéis modernizantes, como na denúncia de “Guerra Revolucionária” do, então Presidente da UDN, Bilac Pinto.
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74
. Maria Victoria Benevides destaca a relevância do tema da moralidade administrativa para a UDN com o exemplo da Convenção Nacional de 1953, que elege como “ponto principal da ação política o combate aos prevaricadores” e lega temas relacionados ao bem-estar do trabalhador a um longínquo quinto lugar da lista de prioridades ( Benevides, 1981: 215). O evento demonstra como o “combate à corrupção sempre foi a principal arma da UDN, só superada pelo combate ao comunismo no início dos anos 1960” ( Benevides, 1981: 215). A mudança de ênfase fundamenta a própria ordenação da história udenista para a autora: “Em termos gerais seria possível resumir a história da UDN enquanto partido de oposição (relevem-se os efêmeros momentos no poder) em 3 fases, intimamente relacionadas, porém distintas quanto ao objeto da luta política, o ‘inimigo privilegiado’: a fase de oposição sistemática a Getúlio e seus seguidores (contra a política social e a intervenção na economia); a fase das campanhas pela moralização administrativa, em oposição aos interesses preponderantes dos adversários PSD e PTB (e que culminaria com o apoio a Jânio Quadros); a fase de combate a ‘infiltração comunista’” ( BENEVIDES, 1981: 278).
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75
. É a convenção onde um fortalecido governador Lacerda impinge a derrota ao recém-formado grupo da Bossa Nova, como bem aponta Benevides (1981: 115). Isabel Picaluga argumenta no mesmo sentido em relação a um progressivo destaque da seção carioca do partido, sobretudo após o início da década de 1960 ( Picaluga, 1980 ).
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Oct-Dec 2018
Histórico
-
Recebido
Jun 2016 -
Revisado
Jul 2018 -
Aceito
Dez 2018