Open-access Ciências Sociais, Trabalho Intelectual e Autonomia: Quatro Estudos de Caso sobre Nós Mesmos

Social Sciences, Intellectual Work, and Autonomy: Four Case Studies about Ourselves

Sciences Sociales, Travail Intellectuel et Autonomie: Quatre Études de Cas Sur Nous-Mêmes

Ciencias Sociales, Trabajo Intelectual y Autonomía: Cuatro Estudios de Caso sobre Nosotros Mismos

RESUMO

Como trabalham os cientistas sociais na academia? Quais os efeitos produzidos pela aceleração temporal e pela regulação neoliberal sobre as práticas cotidianas desses profissionais? Este artigo discute essas questões através da análise empírica de quatro estudos de caso sobre práticas de trabalho de cientistas sociais construídos a partir de entrevistas semiestruturadas com professores do ensino superior na cidade do Rio de Janeiro. Os dados coletados foram debatidos a partir de três eixos principais: a) a construção de estratégias de autonomia intelectual no cotidiano de trabalho dos docentes; b) a tensão entre estratégias individuais e as exigências da vida institucional nas universidades e c) as particularidades do caso brasileiro e a necessidade de diálogo crítico com a bibliografia internacional, que é excessivamente concentrada na realidade do Hemisfério Norte.

sociologia dos intelectuais; sociologia da sociologia; sociologia do trabalho; profissões; neoliberalismo

ABSTRACT

How do social scientists work in academia? What are the effects of temporal acceleration and neoliberal regulation on the daily practices of these professionals? This article discusses these issues through the empirical analysis of four case studies on work practices of social scientists based on semi-structured interviews with university professors from the city of Rio de Janeiro. The collected data were analyzed from three main axes: a) the construction of strategies of intellectual autonomy in the daily work of the teachers; b) the tension between individual strategies and the demands of institutional life in universities and c) the particularities of the Brazilian case and the need for a critical dialogue with the international bibliography, which is excessively concentrated in the reality of the Northern Hemisphere.

sociology of the intellectuals; sociology of sociology; sociology of labor; professions; neoliberalism

RÉSUMÉ

Comment les spécialistes des sciences sociales travaillent-ils dans les universités? Quels sont les effets de l’accélération temporelle et de la régulation néolibérale sur les pratiques quotidiennes de ces professionnels? Cet article aborde ces questions à travers l’analyse empirique de quatre études de cas sur les pratiques de travail de spécialistes en sciences sociales construites à partir d’entretiens semi-structurés avec des professeurs de l’enseignement supérieur de la ville de Rio de Janeiro. Les données collectées ont été débattues selon trois axes principaux: a) la construction de stratégies d’autonomie intellectuelle dans le travail quotidien des enseignants; b) la tension entre les stratégies individuelles et les exigences de la vie institutionnelle dans les universités et c) les particularités du cas brésilien et la nécessité d’un dialogue critique avec la bibliographie internationale, trop concentrée dans la réalité de l’hémisphère nord.

sociologie des intellectuels; sociologie de la sociologie; sociologie du travail; professions; néolibéralisme

RESUMEN

¿Cómo trabajan los científicos sociales en la academia? ¿Cuáles son los efectos producidos por la aceleración temporal y por la regulación neoliberal sobre las prácticas cotidianas de esos profesionales? Este artículo discute esas cuestiones a través del análisis empírico de cuatro estudios de caso sobre prácticas de trabajo de científicos sociales construidos a partir de entrevistas semiestructuradas con profesores de educación superior en la ciudad de Rio de Janeiro. Los datos recolectados fueron debatidos a partir de tres ejes principales: a) la construcción de estrategias de autonomía intelectual en el trabajo cotidiano de los docentes; b) la tensión entre estrategias individuales y las exigencias de la vida institucional en las universidades y c) las particularidades del caso brasilero y la necesidad de diálogo crítico con la bibliografía internacional, que está excesivamente concentrada en la realidad del hemisferio norte.

sociología de los intelectuales; sociología de la sociología; sociología del trabajo; profesiones; neoliberalismo

INTRODUÇÃO

Habituados ao exercício sistemático da pesquisa e da crítica, os cientistas sociais são notoriamente falhos quando se trata de inquirir sua própria condição como trabalhadores. A despeito de notáveis avanços no campo da Sociologia por parte dos pesquisadores no campo do pensamento social brasileiro, que nos legaram relevantes trabalhos sobre as escolas e tradições das diferentes disciplinas (Bastos, 2002; Botelho, 2007; Lynch, 2016), seus processos de institucionalização (Miceli, 1989; Maio, 1997, Meucci, 2011) e seus grandes pioneiros (Corrêa, 1982; Arruda, 1995; Lippi, 1995), ainda nos ressentimos da falta de estudos empíricos sobre a condição contemporânea de trabalho dos cientistas sociais universitários, para não mencionar o vasto e desconhecido universo daqueles que trabalham fora do ambiente acadêmico.

Este artigo, portanto, parte da lacuna apontada acima, sendo a primeira parte de uma pesquisa de longo prazo sobre o tema1 que tem por objetivo analisar empiricamente as práticas de trabalho dos profissionais da nossa área, acadêmicos ou não. Por “práticas de trabalho” entendo as principais operações que todos esses profissionais devem fazer para realizar suas atividades diárias, como escrever textos (sejam eles relatórios, artigos científicos, notas de aula ou projetos), ler (livros, relatórios, artigos, trabalhos de estudantes), coletar e examinar dados quantitativos e qualitativos (para escrever um artigo, fazer um laudo ambiental ou realizar uma consultoria, por exemplo) e comunicar-se com uma audiência (seja ministrando uma aula ou apresentando dados e análises para empregadores ou contratantes).

Na pesquisa, a investigação dessas práticas de trabalho se dá a partir de um contexto histórico específico, marcado por dois fenômenos articulados que afetam o trabalho de todos nós, dentro e fora da academia: a “aceleração temporal” (Hassan, 2012; Crary, 2016; Vostal, 2015), entendida como um processo disparado por novas tecnologias de informação e formas de organização do capitalismo contemporâneo, que produzem flexibilidade laboral, intensificação do ritmo de trabalho e automonitoramento incessante; e a consolidação do neoliberalismo como mecanismo de governamentalidade de organizações focadas na produção de conhecimento, o que intensifica o controle institucional sobre os trabalhadores e amplia as demandas colocadas a eles (Olsen e Peters, 2005; Gill, 2010). Importante notar que o conceito de “neoliberalismo” a que me refiro não se relaciona a um tipo de política econômica pautada por privatizações, desregulamentação financeira e redução do papel do Estado na coordenação da vida social. Trata-se de uma concepção que aponta para o surgimento de novos mecanismos de gestão do trabalho intelectual, marcados pela metrificação incessante da atividade de pesquisa, pela ênfase na quantidade de “produtos” idealizados pelos pesquisadores e pela incorporação de uma lógica “empreendedora” por parte dos cientistas. Tais práticas têm sido disseminadas em contextos políticos os mais diversos. De forma geral, supõe-se que esses mecanismos de gestão e controle do trabalho intelectual produzem efeitos negativos sobre o processo de produção de conhecimento em geral, restringindo a autonomia do trabalho e as formas de deliberação coletiva e reflexão que são características das atividades desempenhadas por profissionais da “economia do conhecimento”, com efeitos notórios sobre as Ciências Sociais e seus praticantes. O surgimento de uma camada de gestores acadêmicos profissionais, cuja missão é delinear metas de “excelência” e desenvolver métricas para o acompanhamento das mesmas, foi um dos principais resultados da combinação entre neoliberalismo acadêmico e aceleração, diminuindo de forma significativa o grau de autonomia dos docentes nos seus espaços de trabalho e nas suas práticas diárias.

Este artigo procura discutir essa questão a partir especificamente dos profissionais de Ciências Sociais que atuam como docentes em instituições de ensino superior na cidade do Rio de Janeiro. Como hipótese, sustento que esse grupo tem desenvolvido diferentes estratégias individuais para lidar com os processos globais descritos anteriormente, evidenciando uma complexa negociação de autonomia nas rotinas de trabalho. Além disso, os dados indicam as limitações eurocêntricas da literatura internacional sobre o tema, que tende a privilegiar as universidades anglo-saxãs como cenários de análise e superestimar a suposta universalidade desses espaços. No caso do Brasil (e, pode-se suspeitar, de outros países com estruturas similares), parte significativa da produção de conhecimento nas Ciências Sociais é feita em instituições públicas de ensino, nas quais os docentes têm estabilidade no emprego e não estão subordinados tão diretamente a gestores acadêmicos profissionais, mas a colegas que assumem cargos temporários de coordenação e chefia. Assim, embora a regulação neoliberal seja hoje realidade para quase todos os profissionais, particularmente para os que atuam na pós-graduação, ela se combina a um ambiente menos hierarquizado, embora marcado pela precariedade das condições materiais de trabalho e pela relativa anomia que assola a vida colegiada das instituições brasileiras. Este artigo, portanto, não procura simplesmente testar uma teoria construída alhures, mas contribuir para sua crítica e ampliação por meio de uma reflexão construída a partir de um caso tido como periférico.

O artigo estrutura-se em quatro seções: na primeira, apresento brevemente a metodologia do estudo e as formas de análise de dados; em seguida, realizo uma discussão teórica em dois movimentos: inicialmente, apresento como a tradição sociológica pensou a complexa relação entre trabalho intelectual, autonomia e controle/alienação; em seguida, abordo a literatura recente sobre aceleração e neoliberalismo, demonstrando seus pontos de continuidade e novidade em relação a essa tradição. O objetivo é tanto evidenciar a relevância científica do estudo como demonstrar a complexidade que cerca o problema da autonomia no trabalho intelectual contemporâneo. A terceira seção apresenta os dados empíricos, construídos por meio de uma série de entrevistas, cuja lógica de seleção é descrita na próxima parte. Finalmente, apresento as inferências extraídas dos casos investigados, além de alguns questionamentos para pesquisas futuras.

METODOLOGIA

Desde março de 2016, tenho conduzido diferentes entrevistas temáticas com cientistas sociais no Rio de Janeiro. Embora o escopo original da pesquisa fosse nacional, optei, num primeiro momento, por conseguir um número maior de entrevistas em menor tempo, como forma de testar a análise e avançar o encaminhamento das interpretações.

A escolha do Rio se justifica por ele ser um polo importante da profissão, ao lado de outras capitais, como São Paulo, Brasília, Porto Alegre, Salvador e Recife, cidades que concentram não apenas instituições universitárias de prestígio na área, como também órgãos públicos, ONGs e movimentos sociais que costumam agregar profissionais oriundos desse campo. Num segundo momento, pretendo alargar o escopo de entrevistados para mais duas dessas cidades, como forma de ampliar aspectos comparativos.

Foram entrevistados até aqui oito professores de Ciências Sociais de Instituições de Ensino Superior (IES) públicas, cinco de instituições particulares, sete docentes de ensino médio e sete profissionais “extra-acadêmicos”. A escolha desses entrevistados obedeceu, em primeiro lugar, a uma classificação de perfis de trabalho mais comuns na área, como tem sido feito há tempos na bibliografia sobre nosso campo (Schwartzman e Castro, 1991; Braga, 2011; Torini, 2012). Essa literatura tem reiterado que a docência é um veículo natural para os profissionais das Ciências Sociais, tendência reforçada mais recentemente com a obrigatoriedade do ensino de Sociologia no ensino médio. Além disso, tal literatura reforça também que as identidades formativas desses profissionais refletem a conhecida estratificação do campo, em que o segmento acadêmico é responsável pelas principais instâncias de socialização e hierarquização da profissão, o que afeta negativamente o processo de autoidentificação dos profissionais que atuam em empresas de consultoria, institutos de pesquisa e de opinião, ONGs e outras organizações e instituições como cientistas sociais (Braga, 2009).

Para cada tipo profissional, busquei contemplar uma diversidade em termos de geração, sexo, formação disciplinar (antropólogos, sociólogos e cientistas políticos) e inserção profissional. Para selecionar os professores universitários, inicialmente listei todos os cursos de graduação em Ciências Sociais em funcionamento no Rio de Janeiro, utilizando os dados disponíveis na plataforma E-MEC; em seguida, calculei quantos professores foram catalogados em cada um dos departamentos numa tabela Excel; a partir daí, comecei a selecionar entrevistados em função de critérios geracionais, procurando sempre localizar em cada instituição professores incorporados recentemente e indivíduos mais velhos. As pesquisas citadas de Eugênio Braga e Danilo Torini indicavam que a variável geracional era um recorte importante para a percepção de diferenças significativas entre os profissionais, que teriam se formado e se socializado em momentos históricos singulares. Seguiu-se, portanto, uma técnica de amostragem não aleatória, mas teórica (Coyne, 1997; Medina, 2013). O método bola de neve também foi usado, particularmente para localizar profissionais fora do mundo acadêmico, já que não há base de dados consolidada com esses perfis.

As entrevistas foram realizadas em diferentes locações: na instituição-sede do pesquisador, nas residências dos entrevistados ou em seus locais de trabalho (mais raramente, o que não deixa de ser significativo, como se verá mais adiante). A escolha do local era deixada a cargo do entrevistado em questão, que também era informado a respeito da garantia de anonimato. As entrevistas foram gravadas, transcritas por um assistente de pesquisa e reenviadas para os entrevistados, que poderiam eliminar passagens ou retificar o texto, de forma que só arquivei na versão final para uso os textos com os quais eles se sentissem confortáveis. Houve, porém, caso de entrevistados que escolheram não revisar as entrevistas, tendo concordado em autorizar o livre uso dos dados gravados por meio de termo de cessão de depoimento audiovisual.

Para analisar as entrevistas, escrevi breves estudos de caso para cada uma delas. Em cada estudo, construí uma interpretação geral tanto sobre os principais temas tratados, como sobre as formas através das quais os docentes se expressaram. Procurei me concentrar nas práticas de trabalho que me interessavam diretamente: aulas (preparação, leituras, atribuição de notas e modos de interação com estudantes), escrita (preparação, mecanismos de concentração, ritmos e temporalidades) e pesquisa (formas de fazer e comunicar, tempos para realização). A construção de estudos de caso a partir das entrevistas, em detrimento da apresentação fragmentada de passagens selecionadas, inspira-se na ideia de “theorized life histories” de Raewyn Connell (2010). Ao entrevistar indivíduos que realizam trabalho intelectual na gerência de grandes corporações, a autora reconstrói o contexto da entrevista, a trajetória individual do entrevistado e a própria performance do mesmo ao narrar suas experiências e percepções. Essa estratégia de exposição permite combinar a riqueza dos dados empíricos com maior contextualização das entrevistas e das trajetórias individuais, além de preservar a conexão entre práticas sociais e processo histórico, numa espécie de releitura contemporânea do clássico método de história de vida consagrado pela Escola de Chicago.

Os estudos de caso eram construídos individualmente para cada entrevista, mas retrabalhados ao longo do tempo em busca de questões que surgiam repetidamente nas diversas falas, mas que eu talvez não tivesse destacado inicialmente. Foi nesse trabalho de “ir e vir”, entre o material transcrito, as categorias e novamente o material, que percebi o surgimento de um tema comum – a construção da autonomia em meio a diferentes práticas de produção de conhecimento. Na seção a seguir, apresento minha abordagem desse tema à luz do debate teórico em nossa área.

TRABALHO INTELECTUAL, ENTRE ALIENAÇÃO E AUTONOMIA

A discussão sobre as novas formas de trabalho dos cientistas sociais é tributária de um debate mais amplo sobre ciência, capitalismo e universidades no mundo contemporâneo. Tal debate, por sua vez, dialoga com questões já trabalhadas no âmbito da tradição sociológica, o que torna fundamental identificar que fatores ou dimensões da relação entre autonomia e trabalho intelectual são mais propriamente novos ou singulares. Embora seja impossível esgotar o tema nestas breves páginas, sugiro como hipótese que as obras de Marx e Weber forneceram os princípios básicos sobre os quais parte significativa da Sociologia refletiu sobre as condições materiais e cognitivas que constrangeram seu próprio fazer científico.

Na obra de Karl Marx não se encontra propriamente uma análise empírica específica sobre as condições de trabalho dos intelectuais, mas uma vasta reflexão sobre a alienação do trabalho no âmbito de uma sociedade produtora de mercadorias (cf. em especial Marx, 2015). O diagnóstico marxiano localiza no capitalismo um conjunto de relações sociais de produção que tornaram o trabalho uma mercadoria, nivelando as mais diferentes atividades por meio do predomínio do valor de troca sobre o valor de uso. Ao mesmo tempo, o capitalismo se estruturou por meio da exploração do trabalho, possibilitada pela expropriação dos meios de produção e pelo controle exercido pelo capital sobre os assalariados. Essas conhecidas reflexões de Marx permitiram a diferentes sociólogos de inspiração marxista analisar o trabalho dos cientistas sociais à luz da imbricação entre ciência como atividade social e ideológica e capitalismo como modo de produção e regulação da vida social (Rose e Rose, 1976) e desvendar o nexo global entre autonomia científica e subdesenvolvimento nas periferias do capitalismo, em especial no caso latino-americano (Varsavsky, 1969).

A obra de Max Weber, por sua vez, situa-se como pioneira na análise do problema da autonomia da vida intelectual. Sua clássica conferência sobre a ciência já apontava aspectos contraditórios impulsionados pela crescente racionalização da atividade de pesquisa (2004). Por um lado, Weber afirma que a especialização é consequência inevitável do aumento da complexidade das condições de trabalho intelectual em ambientes universitários cada vez mais profissionalizados. Essa especialização contribuiria para distanciar o cientista moderno da tradicional figura do sábio erudito, permitindo ganhos crescentes de clareza e detalhamento, ao mesmo tempo que ampliaria as exigências de conhecimento e de “comedimento” por parte do cientista, já incapaz de atingir o ideal de unidade entre conhecimento e ética de vida (Schluchter, 2011). Por outro lado, é possível afirmar que tal especialização também implicava uma racionalização da atividade intelectual que poderia produzir burocratização e alienação, por conferir enorme peso aos aparatos de gestão necessários para a condução da ciência em ambientes modernos. Esse diagnóstico é condizente com a dimensão crítica mais ampla contida nas obras de Weber sobre os efeitos da racionalização das esferas de valor no mundo moderno, fenômeno que atingiria a economia, o direito e a política, entre outros.

Na teoria social europeia, os problemas levantados por essas duas abordagens clássicas por vezes se conjugaram, em especial por conta da formação de sociedades capitalistas com ampla presença das burocracias corporativas e estatais. Isso foi particularmente perceptível nas obras e nas reflexões de autores associados à Escola de Frankfurt. Embora não tenha como foco uma análise particular da atividade de pesquisa contemporânea, o conhecido livro de Adorno e Horkheimer (1985) sobre a dialética do Iluminismo apresenta uma análise dos efeitos da racionalidade instrumental típica da ciência moderna na produção de lógicas de dominação que emperram as possiblidades de autonomia e emancipação dos homens. Ao localizarem nessa ciência e nas suas formas de operação uma ferramenta de controle da natureza e de instrumentalização das ações humanas, os autores contribuíram para uma visão fortemente crítica da razão nas sociedades de massa. Se a ênfase crítica nos mecanismos totalizantes da racionalidade remete aos momentos mais pessimistas da obra de Weber, a intepretação desse processo à luz das possibilidades de emancipação da espécie humana certamente é tributária da conjugação entre Filosofia e História contida em Marx. Um conhecido desdobramento dessa reflexão encontra-se no trabalho inicial de Jürgen Habermas, particularmente sua análise sobre a forma como os interesses práticos de organização e controle da vida condicionam a prática da reflexão científica no mundo contemporâneo (1968).

Na tradição norte-americana, os debates sobre autonomia e trabalho intelectual nas Ciências Sociais ganharam mais corpo empírico, em especial nas obras de Wright Mills (1959) e Alvin Gouldner (1962), que figuram como centrais na construção de um diagnóstico crítico da atividade científica da Sociologia. Em Mills, a Sociologia é analisada a partir da formação de uma sociedade de massas que combina burocratização e capitalismo. Nesse cenário, as práticas positivistas de trabalho intelectual e teorização dos cientistas sociais são interpretadas como sintomas da alienação que marcaria o processo de especialização e o consequente declínio da relação entre intelectuais e vida pública democrática.

Assim como Mills, Gouldner (1962) é crítico da alienação que marcaria a atividade sociológica nos Estados Unidos, e procura em um de seus mais conhecidos textos – originalmente uma conferência para a Society for the Study of Social Problems – “resgatar” a reflexão original de Weber do que considera ser a “ideologia do profissionalismo”, que se pautaria pela defesa enfática de uma ciência “value-free”. Na visão de Gouldner, não era essa a intenção do autor alemão, preocupado em estabelecer os limites entre ciência e valores, e não simplesmente em anular o papel destes na atividade de conhecimento.

As reflexões de Mills e Gouldner devem ser entendidas à luz dos debates em torno das imbricações entre Ciências Sociais, fundações de apoio científico e políticas públicas conduzidas pelo Estado norte-americano. Essa discussão perpassou a Sociologia norte-americana no período, num processo de tomada de consciência a respeito dos vínculos que associavam de forma negativa a Ciência Social aos desígnios administrativos e políticos do complexo militar-industrial (Horowitz, 1967; Solovey, 2013).

Seja na sua forma continental ou norte-americana, esses trabalhos evidenciaram fenômenos que ainda hoje se mostram relevantes. Em primeiro lugar, eles apontam para a maneira como a autonomia intelectual é negativamente afetada pelas condições mais amplas do trabalho nas sociedades capitalistas modernas, marcadas por um processo generalizado de especialização comandado por lógicas organizacionais cada vez mais impessoais. Permanece atual também o diagnóstico que aponta para uma progressiva erosão da relação entre cientistas sociais e vida pública, tema que vem sendo retomado ao menos desde os trabalhos de Michael Burawoy (2005). Porém, havia pouco esforço analítico orientado para uma investigação empírica dos processos laborais dos cientistas sociais. Quando tal passo era dado, as reflexões ou não ultrapassaram o cenário norte-americano, como se vê em Mills e Gouldner, ou foram realizadas posteriormente por antropólogos que consagraram o campo dos Science and Technology Studies, e que tinham outras preocupações analíticas (Latour e Woolgar, 1979). As reflexões latino-americanas de inspiração marxista sobre ciência, dependência e periferia permanecem como as mais importantes contribuições não eurocêntricas para o debate proposto, e não à toa têm sido revisitadas contemporaneamente por estudiosos de questões correlatas (Medina, 2013).

As últimas décadas testemunharam fenômenos inéditos, que demandaram um novo esforço reflexivo por parte de cientistas sociais interessados em desvendar os constrangimentos impostos ao trabalho intelectual. Refiro-me, em especial, às transformações que afetaram as instituições de ensino superior e ao desenvolvimento de novos processos de controle do trabalho dos cientistas.

Boa parte da literatura mais recente voltada para o desvendamento dessas transformações é marcada pela tese do “capitalismo acadêmico”, exemplificada no livro de Richard Munch (2014), em que se analisa o processo através do qual as universidades se tornam atores estratégicos moldados pela racionalidade corporativa, o que, na visão do autor, inibiria a criatividade intelectual, incrementaria as desigualdades entre instituições e enfraqueceria a governança democrática e comunitária dos espaços de produção de conhecimento. Segundo Munch, o “self empreendedor” teria se disseminado entre os docentes, que passam a ser avaliados por suas respectivas capacidades de gerar recursos e impactos quantificáveis, o que faz com que as universidades e instituições produtoras de conhecimento desenvolvam numerosos mecanismos de controle sobre o trabalho intelectual. Embora seja possível encontrar paralelos entre esse diagnóstico e questões já tratadas na teorização sociológica moderna, as pesquisas inspiradas por Munch e outros puderam lançar luz sobre práticas mais específicas das rotinas científicas.

É possível apontar semelhanças entre a análise de Munch e as práticas da “audit culture” descritas com acuidade pela antropóloga Marilyn Strathern (2000). Na visão de Strathern, as universidades contemporâneas teriam desenvolvido formas sofisticadas de traduzir dimensões até então intangíveis da produção intelectual em objetos mensuráveis tidos como proxys de “excelência”. Tais formas ganhariam coerência a partir de uma utopia que procura a total transparência e objetividade do trabalho intelectual, mas que pouco questiona a suposta equivalência entre o ofício intelectual real e os produtos que teoricamente medem tal labor e cuja produção ininterrupta passa a ser a atividade-fim dos professores.

Esses estudos permitem entender o neoliberalismo não como simples ideologia ou discurso político, mas como forma de governamentalidade dos espaços de produção de conhecimento, afetando corpos, interações institucionais e modos de trabalhar e se relacionar.

Um de seus principais efeitos é o processo de aceleração do tempo. Afinal, se a vida intelectual nas universidades era tradicionalmente pautada pelo tempo mais lento e mediado da reflexão, nos últimos anos ela teria progressivamente se ajustado à velocidade e à intensidade demandadas por essa nova regulação, que exige impacto, produtos e rankings. Os efeitos sociais, psicológicos e emocionais sobre os produtores de conhecimento têm sido devastadores, como demonstram pesquisas sobre burn out entre acadêmicos brasileiros (De Meis et al., 2003), ensaios sobre as experiências de solidão das mulheres nos espaços de trabalho universitários (Whitaker, 2015) e artigos sobre a fragmentação do trabalho intelectual e a consequente sensação de ansiedade e isolamento que atinge os profissionais envolvidos (Menzies e Newson, 2007).

A possibilidade de realização autônoma no trabalho intelectual é questionada por essa bibliografia, como se vê no conhecido trabalho de Rosalind Gill (2010), em que são listados os vários efeitos negativos do neoliberalismo na vida acadêmica, tais como precarização das relações de trabalho, intensificação do ritmo, “extensificação” das práticas laborais (por meio do trabalho em casa, nas férias, nos períodos sabáticos etc.) e proliferação de perturbações psicológicas, como ansiedade e “síndrome do impostor”. Segundo Gill, a visão alimentada pelos próprios produtores de conhecimento de que trabalham muito porque gostam ou porque a vida intelectual é prazerosa deve ser vista como um mito que legitima a alienação e a exploração gratuita do trabalho docente.

No caso específico da produção de conhecimento nas Ciências Sociais, a literatura adota tom similar, seja analisando os efeitos negativos produzidos pela regulação neoliberal das universidades britânicas sobre o próprio lugar epistêmico da Sociologia (Holmwood, 2010), ou debatendo teoricamente as condições possíveis para uma desaceleração na produção intelectual na área (Pels, 2003).

Filip Vostal talvez seja o autor que melhor refletiu sobre os efeitos da aceleração temporal no trabalho dos cientistas sociais, o que nos permite estabelecer uma visão mais matizada do cenário contemporâneo. Em um de seus textos (2014), argumenta que a produção de conhecimento na Sociologia sempre se pautou por diferentes temporalidades: por um lado, haveria um tempo rápido, que seria próprio de uma ciência que procura constantemente criar novos conceitos, que acompanham as mudanças sociais enquanto elas ocorrem. Esse seria o tempo, por exemplo, que se traduz na criação de novas técnicas de pesquisa do tipo big data, que buscam permitir ao cientista social acompanhar a formação de opiniões e de redes de informação em tempo quase real. Por outro lado, a Sociologia também teria uma temporalidade longa e mais lenta, típica de uma atividade reflexiva crítica, que precisa se distanciar do objeto para melhor examiná-lo, ponderando questões ético-políticas que não poderiam ser arbitradas em meio ao ritmo intenso da coleta de dados online. O problema, segundo Vostal, é que as novas formas de organização do trabalho nas universidades seriam marcadas pela combinação entre neoliberalismo e aceleração, o que produziria uma diminuição dessa pluralidade de tempos, acentuando apenas o tempo rápido da produtividade, geralmente medida em quantidade de artigos e impacto gerado. Segundo o autor, produz-se uma espécie de habitus da velocidade, que seria incorporado por alguns profissionais da área, que logram escrever, publicar, fazer relatórios e estar disponíveis o tempo todo para a tradução das suas energias intelectuais em objetos passíveis de metrificação. No limite, esse modelo ameaçaria a própria natureza da produção de conhecimento em Sociologia. Em artigo mais recente, Vostal (2015) argumenta que a aceleração também pode ser acionada pelos próprios cientistas durante processos de brainstorm e escrita. Ou seja, haveria uma aceleração “energizadora”, própria dos tempos subjetivos de trabalho, e que pode ser vista positivamente, não como simples mecanismo de dominação institucional.

Para além do debate sobre aceleração, os estudos de Vostal nos permitem vislumbrar um arranjo mais complexo entre alienação e autonomia nas práticas de trabalho intelectual no mundo acadêmico, o que se aproxima de outras pesquisas da área. Decupyere e Simons (2016), por exemplo, realizaram uma etnografia em dois departamentos de ciências humanas europeus e demonstraram as diferentes práticas de cooperação e produção de espaços comunais que ainda marcam o trabalho cotidiano dos cientistas sociais, mesmo em um ambiente de crescentes controles institucionais e individualização de projetos intelectuais. Segundo esses autores, é preciso verificar a agência dos produtores de conhecimento e suas capacidades de construir espaços de autonomia e deliberação coletiva, mesmo em um cenário marcado por demandas incessantes e imperativos sistêmicos variados. Sustento que tal literatura permite entender autonomia como um conjunto de estratégias de ação que procuram lidar de forma reflexiva com a aceleração temporal e as demais dinâmicas de regulação neoliberal das práticas de trabalho.

No caso brasileiro, não são muitos os estudos sobre a dinâmica entre alienação e autonomia no contexto dos profissionais envolvidos na produção de conhecimento acadêmico, embora haja um bom número de trabalhos sobre o impacto do produtivismo, que tendem a seguir as descobertas e conclusões da literatura internacional (Netto Machado e Bianchetti, 2011; Trein e Rodrigues, 2011). Destaco como exceção a tese de doutorado de Marina Cordeiro (2013), construída em forte diálogo com as teorias de Vostal, em que a pesquisadora analisa como a emergência do chamado network-time diluiu as fronteiras entre casa e local de trabalho, fazendo com que os profissionais reportem permanente ansiedade e sensação de descontrole do tempo. A tese também mostra como o uso do tempo e a possibilidade de negociar tal uso são capacidades desigualmente distribuídas entre os professores de pós-graduação, sendo que as mulheres são mais fortemente afetadas do que os homens, o que expressaria a resiliência das desigualdades de gênero do mundo acadêmico brasileiro.

A despeito do excelente trabalho de Cordeiro, muitas questões ainda se colocam para futuras pesquisas sobre o tema. Em primeiro lugar, é importante notar que a vasta bibliografia sobre aceleração temporal é construída com base no cenário acadêmico do Hemisfério Norte, particularmente o mundo anglo-saxão, reproduzindo o eurocentrismo que afeta o que entendemos por teoria social hoje (Connell, 2010). Como se sabe, os sistemas universitários desses países diferem do caso brasileiro, em que parte significativa da produção acadêmica de ponta é feita em instituições públicas e estatais, nas quais os profissionais são servidores concursados com estabilidade no emprego. É claro que a regulação neoliberal também se dissemina por essas instituições, orientando processos de avaliação institucional e produzindo os mesmos selfs empreendedores de que fala Munch. Aliás, a literatura brasileira sobre o tema é farta, usualmente construída a partir de uma perspectiva analítica que vincula projetos macropolíticos de reforma do Estado, novos mecanismos de gestão e avaliação no ensino superior e crescente alienação docente (Chauí, 2001; Mancebo, Maués e Chaves, 2006; Bessa Leda e Mancebo, 2009).

Recentemente, emergiu uma literatura feita no Sul Global e calcada em análises empíricas dos padrões de publicação e estudo dos cientistas sociais periféricos, como se pode ver nos trabalhos de Eloísa Martín (2013), Fernanda Beigel (2014) e Sari Hanafi (2011), que analisam os distintos mecanismos de reconhecimento que opõem “internacional” a “local” e produzem fortes clivagens hierárquicas nos mundos acadêmicos na América do Sul e no Oriente Médio. Essa literatura contribui para questionar o viés eurocêntrico da produção acadêmica sobre o fazer contemporâneo das Ciências Sociais, em especial por destacar a dimensão geopolítica que marca a circulação global de conhecimento. Nesse sentido, tais estudos dialogam com uma contínua reflexão teórica não hegemônica que questiona o colonialismo e seus efeitos sobre a docência e o currículo nas universidades do Hemisfério Sul (Adesina, 2006; Hountondji, 1995). Porém, ainda precisamos de mais pesquisas empíricas sobre as práticas concretas de trabalho dos acadêmicos periféricos, para além da publicação internacional e de debates crítico-epistemológicos sobre colonialismo, áreas em que já se avançou significativamente.

No caso aqui analisado, é preciso considerar as formas institucionais particulares do Brasil e as práticas de trabalho cotidianas dos docentes, o que permite captar as formas de agência dos professores, suas expectativas, medos e estratégias. Afinal, quais os efeitos de novos modos de organização institucional de universidades sobre a forma de produção desses profissionais? Como as novas articulações de tempo e espaço afetam as práticas rotineiras desses atores, particularmente a escrita, a docência e os mecanismos de realização de pesquisas? Como neoliberalismo e trabalho intelectual se relacionam num contexto em que a vasta maioria das pesquisas é realizada em instituições públicas financiadas pelo Estado?

Esses questionamentos, construídos a partir do confronto com a bibliografia, inspiraram a presente pesquisa. Nas seções a seguir, procuro discutir as primeiras inferências destacando o problema da autonomia.

OS QUATRO CASOS

A seção é construída por intermédio de quatro estudos de caso, que tomam por base quatro entrevistas realizadas com professores de instituições de ensino superior na cidade do Rio de Janeiro. Para preservar o anonimato desses entrevistados, usei nomes fictícios e procurei não fornecer informações familiares e geográficas que resultassem numa fácil dedução das identidades. Isso tornou extremamente problemática a apresentação de dados contextuais mais detalhados, pois permitiriam ao leitor familiarizado a identificação dos depoentes.

Trata-se de três mulheres e um homem, dois atuando em conhecida instituição pública local e dois lecionando como professores horistas em instituição particular tradicional. A escolha desses quatro casos para a construção da análise explica-se pela qualidade do material encontrado, particularmente no que diz respeito às perguntas de pesquisa expostas neste artigo. Ao mesmo tempo, as diferenças de geração e inserção profissional também apontam uma variabilidade de trajetórias e percepções.

O caso de Guiomar

Guiomar é antropóloga, branca, professora de uma universidade pública do Rio de Janeiro na qual ingressou após sua defesa de doutoramento nos primeiros anos da segunda década do século XXI. Em termos de trajetória profissional, Guiomar combinou formação acadêmica com larga experiência em trabalhos de consultoria.

O contexto institucional no qual se inscreve Guiomar é o de um grande e complexo departamento situado em uma das maiores universidades públicas do país. Como em outras instituições de perfil similar, o corpo discente dessa universidade ampliou-se significativamente, na direção de um perfil menos elitizado e mais popular. Essa combinação, aliada a um cenário de crescente insegurança orçamentária, sobrecarregou sobremaneira Guiomar e seus colegas, pois tornou a atividade rotineira de gestão burocrática uma tarefa extremamente delicada e propensa a conflitos dos mais variados tipos, quase todos motivados pela dificuldade de coordenar ações coletivas num espaço com forte restrição de recursos.

No início da entrevista, Guiomar analisou sua formação no doutorado, ocasião em que se descobriu verdadeiramente vocacionada. Seu campo durou dois anos, e ela os viveu intensamente. A passagem para a vida universitária foi abrupta, com um concurso logo em seguida ao doutoramento, mas diversas questões pessoais a impediram de efetivamente começar o trabalho de forma imediata.

Guiomar descreve sua iniciação na vida profissional a partir de conflitos institucionais motivados pela dificuldade de encontrar tempo e espaço para produzir adequadamente. Menciona também que seu processo de cadastramento na pós-graduação demorou um pouco, e que a dinâmica atual de trabalho a impede de realizar um trabalho de campo nos moldes do seu doutoramento. Além disso, reflete que os constrangimentos institucionais e sistêmicos que a marcam são potencializados por sua condição de mãe, o que confirma os achados de Marina Carvalho em sua já citada tese. Nas palavras de Guiomar,

[...] os ritmos que eu faço de trabalho são totalmente associados aos ritmos que eu consigo fazer do ponto de vista familiar nesse momento. Eu não faço planos sem levar em consideração, por exemplo, que o [nome do filho] chega às seis horas da tarde, sete, tem que levar para a escola, enfim, eu não consigo fazer mil planos abstraindo, fazendo... então, tem uma limitação de tempo e de energia, não é só o tempo, então quando eu falo assim que tem momentos diferentes, por exemplo, é diferente para mim do que para uma antropóloga ou antropólogo que não tem filho agora e que é jovem.

Ao longo da entrevista, Guiomar foi descrevendo como a experiência da escrita foi seu espaço de realização autônoma. Esse fato confirma a hipótese de Vostal a respeito da combinação de tempos própria do fazer sociológico. Se, por um lado, a antropóloga narra com precisão como os tempos institucionais próprios da universidade pública brasileira impedem uma dedicação mais livre à pesquisa, por outro logra construir seus momentos de reflexão e escrita, segundo ela “a única coisa organizada na minha vida”. Perguntada especificamente se a pressão por publicar não a prejudicava, ela respondeu:

Eu adoro, eu penso assim: “Ai que bom, vou publicar muito, vou levantar a nota do programa e não vou precisar fazer mais nada aqui” [risos]. Vão me deixar só publicando, é o meu oásis, não precisar fazer mais nada muito burocrático e poder escrever. Eu fico, [...] se tivesse um tempo maior eu ficaria horas escrevendo, não tenho o menor... é o que eu mais gosto de fazer, eu fico horas em um parágrafo, para mim é um momento de reflexão de fato, das minhas coisas, do que eu penso, essas coisas dos assombros, eu fiz muita terapia também junto com o campo, porque eu conheci muita gente naquela época, eu circulava muito e as pessoas tinham questões e eu era muito sensível às questões.

Na sua visão, essa descoberta da escrita, possibilitada pelo seu próprio tempo doméstico, reflete o potencial libertador da experiência intelectual na universidade. Se, por um lado, essa instituição é marcada por relativa anomia, conflitos internos e precariedade estrutural, por outro é um lugar consideravelmente mais livre do que outros na sociedade brasileira. Ainda sobre esse tema, Guiomar fala:

Tenho muita crítica a tudo... o acadêmico é engraçado, eu acho chato essa coisa do cotidiano, dos colegas e tal, mas eu gosto do ritmo acadêmico, é onde eu me encontrei melhor de trabalho. Eu gosto, por exemplo, de falar, de fazer palestra, tem coisa... cada um se angustia com alguma coisa, tem gente que detesta escrever, tem gente que detesta falar, eu fico um pouco nervosa, mas eu gosto, não é uma coisa que sofra durante muitos dias, eu sou feliz naquele momento. Então, politicamente é muito mais livre, pois é a tua opinião, não tem... o trabalho é coletivo em termos, você pode simplesmente discordar da linha, do que está acontecendo ali, do outro colega, enfim, não tem pacote, então isso para mim foi libertador. ONG não tem isso, Estado não tem isso e mercado muito menos.

Como se vê, a entrevista de Guiomar revelou alguns aspectos dos problemas tratados na bibliografia teórica, embora a especificidade do caso brasileiro demande reflexão. Se a vida universitária pode ter perdido o sentido de colegialidade e convivência entre pares, por outro lado ainda é o espaço no qual a dedicação a uma atividade que demanda tempo, maturação e reflexão parece simbolizar negociação de autonomia. Note-se, porém, que isso se dá à custa da vida comum entre professores, que, na entrevista de Guiomar, é relatada como um espaço físico hobbesiano, em que a escassez se combina a uma intensa competição por parcos recursos. Não à toa, há um extremo cuidado em construir um refúgio doméstico no qual o trabalho intelectual possa ser efetivamente vivenciado.

O caso de Marie

Marie é mulher, branca, idade entre 65 e 70 anos e professora de universidade pública fluminense com longa e reconhecida trajetória na área das Ciências Sociais. Sua entrevista foi marcada por relativo sentimento de desencanto diante da vida universitária, particularmente por conta da erosão da vida coletiva dos profissionais na sua instituição. A todo o momento, Marie comparava o tempo atual (2016) com as décadas de 1980 e mesmo 1990, em que acreditava ainda existir um ethos de vida colegial, que hoje estaria perdido. Seus relatos sobre a dificuldade de organizar reuniões e resolver problemas burocráticos são impactantes e ocorreram ao longo de toda a entrevista.

O cenário institucional no qual Marie se move é similar àquele vivenciado por Guiomar, embora a significativa diferença geracional tenha produzido respostas distintas. O impacto da massificação e das práticas de controle do trabalho intelectual será sentido por Marie em especial por meio de sua atividade docente, que é filtrada ao longo da entrevista a partir de uma análise histórico-biográfica, elemento ausente na fala de Guiomar.

Após relatar suas trajetórias de formação e profissional, Marie falou sobre como a rotina de trabalho em uma universidade é extremamente difícil e burocrática. Nas suas palavras,

[...] a universidade pública não é um lugar onde o ambiente de trabalho seja um ambiente de conforto, a [nome da universidade] está passando por um momento muito delicado também, então, se são dias que os amigos de sala estão ali, está bem, se não... hoje eu estou tendo que combinar uma rotina de trabalho em casa e as aulas e atendimento lá. Então, eu vou pelo menos três vezes por semana, eu estou lá, duas ou três vezes, o dia que dou aula e depois falo com os orientandos. Eventualmente, eu vejo e-mails. Se tiver que preparar uma aula e tal eu fico, mas a escrita, os meus livros, isso já é em casa.

Ao descrever sua experiência como pesquisadora, Marie mencionou que ela teria mudado radicalmente diante das novas condições de trabalho. Segundo ela:

Aqui teve uma época que a gente ficava mais concentrado, depois não tanto. Mas teve uma época que ficava mais. E por isso é que eu dou um valor imenso a essas saídas. Você fica três meses fora. Tem uma rotina nossa que foi muito alterada, foi, de fato, muito alterada. A sensação que eu tenho hoje é que eu trabalho o dobro e sou muito improdutiva. É muito estranho isso. Às vezes eu associo isso ao e-mail, porque o e-mail tem gente que não entra no computador, acho isso mais inteligente. Mas, eu entro e se entrar e perguntar eu tenho que responder, então se eu tiver que responder aquilo eu paro e depois que eu fizer isso que eu vou... sempre fica a pesquisa para depois, entendeu? É isso que eu acho que está ruim agora, não é uma coisa boa por isso.

De forma geral, Marie relatou certo sentimento melancólico em relação à dinâmica contemporânea da universidade, em que a fragmentação da vida em comum e a dificuldade de construir projetos coletivos provocariam desestímulo e solidão. Ao ser questionada sobre seu engajamento na pós-graduação, respondeu:

Eu acho que eu deveria sair da pós-graduação e ficar lá só de vez em quando, quando fosse escrever e trabalhar com os estudantes e tal. É outro ritmo, é outra coisa muito diferente. É muito diferente, em parte eu acho que era mais fácil [...] escrever antes do que agora. Tem uma sensação brutal de que eu estou escrevendo uma coisa que já está completamente sabida, que não tem nada de novo naquilo, que não tem nenhuma razão para eu estar escrevendo aquilo.

Um tema constante na discussão de Marie relaciona-se ao diagnóstico de uma perda de vitalidade do espaço universitário, em que a precariedade de salas, escritórios e outros espaços contribuiu para uma progressiva deserção dos pesquisadores para suas casas e demais lugares de intimidade. Ao ser inquirida sobre a dinâmica da vida associativa em sua instituição, ela respondeu:

A capacidade de mobilização coletiva hoje é muito menor, é assustadoramente menor. Tem reunião do colegiado na universidade, da pós-graduação, que não tem 10% dos professores, isso eu acho terrível, você vai me dizer: “Isso é agora, mudou agora”, mudou antes. Eu acho que piora um pouco agora e aí é a força e a fraqueza da rede pública, do ensino público, porque você não tem... você tem um regimento, você tem um colegiado que diz que as pessoas têm que fazer tal coisa, mas se elas não fizerem você não tem nenhuma maneira de alterar aquilo, a não ser que o grupo que esteja coordenando consiga um pacto ou peite mesmo aquilo e consiga apoio para... mas aí significa uma cooperação, uma união que nem sempre é muito possível, então eu acho que a universidade tem uma cooperação muito individualizada, se é o meu grupo, se é a minha pesquisa, se é o que eu acredito, funciona assim. Não tem muito... é muito você com a sua consciência e com a noção que você possa ter de responsabilidade. As pessoas não são más, não é isso, é um ethos esquisito, muito mais solto. (ênfases minhas).

Curiosamente, a despeito de Marie expressar um sentimento de desencanto bem maior que o de Guiomar, ela também encontra um espaço em que realiza, mesmo que de forma truncada, sua subjetividade: a aula. Ao longo da entrevista, Marie descreve suas formas de preparação, os modos de ler os textos e a interação com os estudantes. Ao explicar por que motivo sempre retorna aos textos, comenta:

Então, eu acho que essa volta traz sempre uma perspectiva diferente do que você está tocando naquele momento. Quer dizer, as leituras nunca são cumulativas a ponto de entender só aquele texto, elas são sempre agregadas ao que você está conhecendo naquele instante. Então, você lê textos de perspectivas distintas. Ano passado, da última vez que dei o curso, porque outras coisas me acionaram e eu leio aquilo com essa informação que está fora do texto.

Como se vê, Marie faz uma leitura histórica e geracional de suas práticas de trabalho, inserindo-as numa narrativa algo melancólica sobre a erosão da universidade como projeto coletivo. Sua casa também surge como o espaço de acolhimento no qual consegue preparar aulas e escrever, ao passo que a precariedade da universidade é vivenciada materialmente, no próprio cenário físico da instituição, numa descrição similar à de Guiomar.

O caso de Jair

Jair é homem, branco, com idade entre 35 e 40 anos e professor de Sociologia e Antropologia em diferentes instituições particulares de ensino superior do Rio de Janeiro, todas com certa tradição no ensino superior da cidade. A despeito da pouca idade, também já tem larga experiência na docência, com carga de trabalho bem pesada.

Jair trabalha em um ambiente significativamente distinto daquele de Guiomar e Marie. Embora as instituições em que ministra suas aulas difiram em termos de prestígio, salário e condições laborais, em todas ele tem funções primordialmente de ensino, como é comum entre os chamados professores horistas. Tal quadro faz com que o impacto da aceleração seja sentido em especial nas rotinas dentro de sala de aula e nas relações com chefias e colegas, já que o tempo para pesquisa é muito reduzido.

Como boa parte do trabalho de Jair envolve ministrar aulas, a entrevista girou em torno de diferentes aspectos de sua prática docente. A rotina revelada ao longo da conversa confirmou algo que a literatura chama de “extensificação” do trabalho intelectual, que tende a colonizar diferentes aspectos da vida cotidiana, particularmente os finais de semana e as madrugadas.

Talvez pelo excesso de turmas, Jair não escreve nem faz anotações nos textos. Ele os lê nos dias anteriores e procura preparar mentalmente esquemas de interpretação e análise. Em suas palavras:

Tinha uma estrutura de acordo com o que eu lia e eu ia montando. Às vezes, eu mudava, sei lá, mudava a ordem dependendo da turma, mudava porque eu queria mudar. Por exemplo, Casa Grande e Senzala eu sempre mudo um pouco a temporalidade da aula, ou o tema, ou de repente o que eu vou usar, audiovisual...

Ao longo da entrevista, foi ficando evidente que para Jair a aula se realiza no encontro. É na interação com as turmas que ele sente o pulsar do seu ofício e cumpre plenamente sua vocação, mais do que na leitura prévia e na elaboração solitária de chaves de interpretação. Segundo ele:

A minha posição... obviamente que eu acho essa coisa de Escola sem Partido uma coisa patética, ridícula, merda, mas também eu quando estou numa aula, eu penso muito em não sufocar o pensamento individual do aluno, eu espero numa aula que eles se engajem a ponto de querer falar, alguns temas são mais fáceis... eles querem mais ou têm mais acesso, ou se veem mais engajados em certas temáticas.

No final da sua entrevista, Jair descreveu a sala de aula como um espaço “sagrado”, por conta do exercício da democracia e do debate de ideias, processos que ele considera bastante ameaçados no Brasil atualmente e que se relacionam intimamente com a essência do seu ofício. Nas suas palavras:

Porque a sala de aula para mim é um lugar sagrado, é um lugar do debate, lugar da democracia, é claro que se alguém for falar “Viva o Bolsonaro” eu vou ficar puto, não acontece porque eles sacam, mas é um lugar que você tem, que eu tento falar com os meus alunos que é sagrado, que você tem que ficar duas horas, uma hora e meia para poder discutir, para poder construir um pensamento juntos, e isso é uma coisa única, construir coletivamente isso, e você vai poder falar e eu vou poder falar, eu não quero podar pensamento.

Ao longo de sua fala, Jair menciona como aprecia esses encontros, em especial pelo potencial de imprevisto que comportam. Porém, aponta que tal dinâmica está sob ameaça constante, seja por conta de pressões conservadoras dentro e fora da sala, seja por práticas de gestão acadêmica que não valorizam a autonomia do docente. É como se a aula estivesse deixando de ser um lugar de diálogo e criação intelectual coletiva. Diz ele:

Parece que os alunos ganharam voz e com a internet eles ganharam uma certa voz que talvez eles não tinham vinte, trinta anos atrás e a gente lida com isso, que eles falam e de alguma forma eles constroem isso, pode ser às vezes muito complicado e pode ser interessante porque eles têm uma relação... eu acho que o pessoal e o acadêmico se misturam também, eu acho que tem esse aspecto que é interessante. São tempos muito interessantes e também são complicados, você sai de uma aula para outra, de 7h às 13h, é exaustivo, eu adoro, adoro ter isso aqui acho que mais da sala de aula do que escrever, apesar de adorar pesquisar, mas é um lugar que eu gosto muito e me deixa deprimido de saber que alguém deseja suprimir isso, não é querer melhorar, mas suprimir, esse contato, essa coisa de conhecer pessoas novas, meio professor de novela do Benedito Rui Barbosa, a professorinha [risos]. As novelas do Benedito Rui Barbosa sempre têm a professorinha progressista, sabe? Eu virei a Dira Paes.

Interessante notar que Jair não encontra o mesmo tipo de prazer na atividade de escrita. Ao contrário, ele a descreve como um processo torturante e complexo, profundamente marcado pela sua experiência de pós-graduando. Nas suas palavras:

Eu virava mais, aguentava mais virar, virar mesmo, mas, hoje em dia, dependendo de quando eu trabalho, eu vou até as 2h, 2h e pouco depois disso... eu tenho amigo que vai até às 6h, café, é muito difícil para mim. Escrita é um negócio que eu acho muito complicado, eu acho um negócio que é... eu tenho esse método que é... eu preciso tirar um câncer de mim, minha escrita é assim: a coisa na cabeça e aí vou escrevo quinze páginas em uma semana, fica aquela coisa matutando, escrevendo, a minha esposa fala “Escreve essa porra logo”, eu falo “Não”, estou pensando, pensando, pensando, e aí eu vou e consigo entregar.

A vida institucional surgiu na entrevista de Jair de modo complexo. Embora já tenha assumido cargo de coordenação em uma das instituições pelas quais passou, sua fala explicitou as dificuldades vivenciadas por professores horistas no trato com a hierarquia, particularmente com os colegas que orientam na pós-graduação. Inquirido sobre se consegue se organizar para realizar pesquisas, explicou que tem feito esforços nesse sentido, embora a pesada carga de trabalho docente o prejudique, para não mencionar o rodízio entre diferentes faculdades particulares. Ao final, a sala de aula foi enfatizada como o espaço no qual exercita sua vocação de forma plena, mesmo em um cenário marcado pela combinação entre mercantilização do ensino e conservadorismo político.

O caso de Sara

Sara é uma jovem professora auxiliar de Sociologia em uma instituição particular de ensino no Rio de Janeiro. Assim como Jair, ela tem experiência prévia como profissional das Ciências Sociais no mundo extra-acadêmico, particularmente em ONGs. Ela tem mestrado na área e uma pesada carga de trabalho na graduação, tema que ocupou boa parte da entrevista. De certo modo, a conversa se centrou inteiramente na sua experiência como docente, que é o foco da sua atividade atual.

Embora seja uma professora horista como Jair, o fato de Sara concentrar suas atividades em apenas uma única instituição lhe proporciona uma rotina menos frenética e intensa do que a dele. Além disso, Sara tem à sua disposição uma sala coletiva na qual costuma trabalhar e responder mensagens, o que permite a ela desenvolver um grau maior de identificação com seu departamento e seus alunos.

A carga de trabalho de Sara pode chegar a até dez disciplinas em um único ano, ou cinco por semestre. Uma carga horária tão intensa implica pouco tempo para a preparação docente, e Sara não hesita em afirmar que utiliza os finais de semana para trabalhar, prática também relatada por Jair e conhecida na literatura, como já mencionado, como “extensificação” da jornada laboral. Além disso, também reportou que costuma ficar doente durante o período de correção de provas, e explicou que o acúmulo de aulas prejudicou seu período de doutoramento. Segundo Sara:

Quando você pega cinco turmas, fica 20h em sala de aula, fazer tese é complicado pra cacete. Às vezes você tem outros trabalhos por fora, enfim, você tem trabalhos de casa. Eu cuido da minha casa, não tem empregada nem nada, você tem que tomar banho, lavar roupa, você tem que fazer essas coisas.

A despeito dessa intensa jornada, que provavelmente demanda recorrer a procedimentos didáticos já testados e replicados ano após ano, Sara relatou ao longo de sua entrevista o uso de algumas estratégias que afirmam sua autonomia e autoralidade sobre o material empregado e a metodologia dos seus cursos. Se Jair diz preparar as aulas mentalmente, pois valoriza o imprevisto do encontro em sala, Sara disse – para meu espanto – que ainda prepara boa parte de suas aulas à mão, por vezes na forma de um texto. Nas suas palavras:

Um texto inteiro é esquisito... para a aula em geral vai um esqueminha, um esquemão. Mas às vezes para escrever um texto vai na munheca mesmo. Depois que eu passo para o computador, a não ser que eu já tenha o texto todo rasbicadinho, apontadinho, coloco as numerações de ordem de relevância, acho que eu dei uma vez uma aula com PowerPoint na vida, uma vez... fiquei apavorada, não sabia lidar com isso! Quando eu uso o recurso do computador para dar aula, eu boto o meu fichamento no quadro.

Embora a tendência de professores horistas seja se adaptar ao ensino massificado, com estratégias de homogeneização do material, Sara demonstra considerável esforço para ser senhora de seu material, suas notas e seus mecanismos de avaliação. Segundo ela:

Todo semestre eu invento alguma coisa. Depende da turma, varia de turma para turma. Esse semestre passado foram cinco turmas, eu acho que para cada turma eu fiz uma forma de avaliação diferente. Fiquei enlouquecida depois porque vai lidar com isso na cabeça, eu não lembrava exatamente o que eu tinha feito com cada turma, mas fui adaptando para cada turma.

Nesse ponto, é interessante ver como sua narrativa se aproxima da de Jair. Ambos valorizam a prática docente no que ela tem de singular e próprio, lutando contra a tendência de padronização e esquematização que afeta as instituições de ensino superior brasileiras.

Assim como Jair, Sara também não tem a mesma facilidade com a escrita nem mesmo prazer com a atividade, o que também explica sua dificuldade ao longo do doutoramento, quando tinha que ministrar inúmeras disciplinas num único semestre. Para ela,

Isso sempre foi um problema muito grande para mim, até hoje é... [risos]. O que gera uma angústia danada. Você tem uma coisa mais ou menos arrumada na cabeça, quando vai passar para o papel você percebe que não é tão clara como gostaria que fosse, não demonstra de forma muito clara, começa a ficar frustrada, para e pensa de novo e isso acaba que gera um ciclo vicioso no processo da escrita, mas se você vence essa barreira da ansiedade e bota as mãos para pensar às vezes o texto dá certo.

É possível afirmar que essas diferentes relações com a escrita expressam tanto a intensa carga de trabalho docente como as dificuldades encontradas para a finalização da tese de doutorado ou da dissertação de mestrado. Nesse sentido, a realização pela escrita é menos um “dom” de alguns profissionais da área do que o resultado de um treinamento específico e de um gosto nada natural, pois possibilitado por condições de trabalho particulares e lutas individuais por autonomia dentro das instituições de ensino, como vimos no caso de Guiomar.

Sara pouco falou sobre a rotina da vida comum no espaço universitário. Todos os assuntos que se relacionam com suas práticas profissionais derivam de seu trabalho em sala na graduação, e pode-se dizer que a dinâmica casa/sala de aula quase não encontra mediação em outros espaços tipicamente universitários, como reuniões departamentais, congregações, comissões e bancas. A exceção se dá no caso da biblioteca, que é utilizada por Sara quando ela encontra tempo para se concentrar em escrever notas e fazer leituras específicas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como procurei mostrar, a literatura na área tem forte tom pessimista e tende a destacar como o neoliberalismo e a aceleração afetam a criatividade e a qualidade do trabalho intelectual feito por professores universitários, mais especificamente no caso dos professores de Humanidades e Ciências Sociais. As entrevistas analisadas na seção anterior confirmam parte desse diagnóstico, particularmente no que se refere à ampliação do trabalho para esferas supostamente livres do cotidiano (finais de semana, madrugadas). Porém, o material coletado nas conversas também permite matizar esses aspectos, em especial por evidenciar diferentes práticas de trabalho por meio das quais os profissionais constroem espaços de afirmação autônoma, seja nas atividades de escrita, seja no trabalho didático. Além disso, a análise desses dados também demanda uma inflexão periférica, pois o sistema universitário brasileiro comporta peculiaridades que afetam de modo distinto o trabalho intelectual, o que nos permite colocar a bibliografia internacional sob uma luz crítica. Uma dessas peculiaridades relaciona-se com o fato de que, no contexto das instituições públicas de ensino, a regulação neoliberal, visível nos procedimentos que organizam credenciamentos nas pós-graduações e ditam o ritmo de trabalho, combina-se a um esgarçamento da vida em comum dos docentes, processo aguçado pela própria escassez de infraestrutura material para o trabalho, fato que não ocorre do mesmo modo nas grandes universidades anglo-saxãs. Tal fenômeno é visível nos casos de Marie e Guiomar, tendo também aparecido em diversas outras entrevistas do projeto.

Além disso, é preciso compreender melhor o funcionamento peculiar dessa lógica em contextos institucionais nos quais o neoliberalismo se legitima de modo diverso. Se no Hemisfério Norte esse esgarçamento da vida coletiva explica-se pelo excessivo individualismo que marca a competição no “capitalismo acadêmico”, no caso brasileiro deve-se atentar para a própria configuração material dos locais de trabalho e para o relativo mau funcionamento das instâncias colegiadas, que sempre foram os espaços históricos de deliberação docente. Marie e Guiomar foram enfáticas ao relatar o desencanto com esses ambientes, que, a despeito de encontrarem pouca adesão coletiva, demandam grande quantidade de trabalho visível e invisível, algo que vem sendo confirmado em inúmeras entrevistas coletadas para esta pesquisa. Isso se dá por conta das condições específicas do trabalho intelectual nas universidades públicas brasileiras, em que o acúmulo de demandas oriundas dos órgãos de fomento responsáveis pelo financiamento da pesquisa científica se combina à maior complexidade do trabalho de gestão de departamentos. Pesquisadoras como Marie e Guiomar se veem às voltas com uma multiplicidade de tarefas-meios que são hoje rotineiras na condução da vida colegiada das principais instituições de pesquisa do país.

Outra inflexão refere-se ao peso das burocracias acadêmicas sobre o trabalho intelectual em cada contexto. As literaturas anglo-saxão e europeia dão grande ênfase ao conjunto de gestores (em geral regiamente pagos) que são responsáveis por estabelecer metas de excelência e coordenar o trabalho dos docentes e pesquisadores. Tais figuras até existem no caso brasileiro, particularmente na burocracia federal e nas pró-reitorias, mas não têm o poder de coordenação micropolítica verificado no Hemisfério Norte. Ao contrário, os relatos corroboram a impressão de uma relativa anomia na vida em comum dos docentes brasileiros, anomia essa que resulta da combinação entre três fatores: a) aceleração temporal e neoliberalismo; b) precariedade das instituições públicas; c) menor controle dos gestores profissionais sobre a prática cotidiana dos docentes. Assim, os planos de deserção institucional tornam-se possíveis e até racionais, não acarretando necessariamente punições ou ameaças ao emprego. Ao mesmo tempo, esse cenário permite estratégias de busca de autonomia, mas que não logram estabelecer um modo de trabalho coletivo que preserve de forma equânime as diferentes dimensões envolvidas no nosso fazer. Seria interessante verificar semelhanças entre o caso brasileiro e os cenários descritos nos já citados artigos de Beigel e Hanafi, em que os problemas da heteronomia intelectual e da falta de autonomia acadêmica são detalhados empiricamente, embora num nível de generalização mais elevado. Talvez se possa sugerir que os padrões de trabalho dos cientistas sociais periféricos são mais disseminados globalmente do que a literatura internacional, excessivamente centrada nos casos do Norte, costuma reconhecer.

Os estudos de caso também permitiram perceber que a negociação da autonomia se dá de diferentes maneiras e que variáveis geracionais e institucionais sugerem possíveis diferenças significativas entre os docentes. Marie, por exemplo, fala do seu trabalho intelectual a partir de uma narrativa melancólica sobre a deserção institucional e a erosão da vida em comum dos professores universitários. No seu depoimento, tanto a escrita como a docência surgem como espaços de afirmação e potência, mas parecem acossados pela angústia diante da precariedade da universidade. Já Guiomar pertence a outra geração e parece lidar com essa deserção como um fato normal do modo de funcionamento das instituições. Sua escrita surge como lugar de autonomia e criatividade. Jair e Sara, por outro lado, são da mesma geração de Guiomar, mas seus percursos apresentaram peculiaridades que impediram uma plena incorporação do ethos acadêmico. No caso desses dois jovens professores horistas, a relação com as instituições é mediada fundamentalmente pela dinâmica entre docentes e discentes na graduação, tema que perpassa as duas entrevistas do início ao fim. Os espaços de trabalho se dividem entre a casa e as salas de aula, e as disputas se referem fundamentalmente às formas de gerir a docência, já que a pós-graduação não é um de seus lugares de atuação. As aulas, porém, surgem como espaços de liberdade e diálogo, nos quais eles efetivamente escrevem ideias e análises.

Porém, mesmo o relativo sucesso dessas estratégias de autonomia não nos impede de ver que elas se dão em contextos de erosão da vida comum. Afinal, os relatos apontam para saídas individuais, que são vivenciadas de forma dissociada de projetos coletivos e institucionais dentro de cada espaço de trabalho. Não à toa, a casa surge sempre como o espaço no qual os professores relaxam, retardam o tempo institucional, que combina velocidade e lentidão burocrática, e leem suas notas, preparam aulas e escrevem.

Essas primeiras inferências ainda aguardam mais detalhamento e confirmação, que pretendo buscar tanto por intermédio da continuidade das entrevistas, como através de survey aplicado no primeiro semestre de 2018 a uma amostra de 683 professores de instituições de ensino superior que atuam na pós-graduação. Esse survey foi construído com questões sobre práticas de trabalho que emergiram a partir das entrevistas analisadas neste artigo, e neste momento estamos analisando as 396 respostas que obtivemos.

Porém, a grande indagação trazida por esta pesquisa é de natureza político-intelectual: afinal, é possível conciliar autonomia, criatividade intelectual e vida institucional coletiva? Dito de outro modo: como reconstruir um espaço de produção de conhecimento em um cenário histórico no qual neoliberalismo, precarização material, erosão da vida comum e aceleração afetam profundamente todos os aspectos de nosso trabalho? Creio que não há questão mais importante para todos que acreditam que as Ciências Sociais são os saberes da democracia e da vida em comum dos homens e das mulheres. Se essa crença é válida para cientistas sociais ao redor do mundo, guarda especial sentido no Brasil de 2019, país sedento tanto de ciência como de democracia.

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Nota

  • 1
    . A pesquisa foi financiada pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) por intermédio do edital Jovem Cientista do Nosso Estado e tem previsão de duração de três anos (2015-2018). O autor aproveita para agradecer à Faperj pelo apoio financeiro concedido para o projeto.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    Out 2017
  • Revisado
    Nov 2018
  • Aceito
    Fev 2019
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